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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.3 no.2 São Paulo dez. 2001

 

ARTIGOS

 

Será o comportamento de procrastinar um problema de saúde?

 

May the procrastination be a health problem?

 

 

Eliana Isabel de Moraes Hamasaki1; Rachel Rodrigues Kerbauy2

 

 


RESUMO

Considerando a prevenção em saúde problema atual e podendo estar ligado à procrastinação, optou-se por verificar se as pessoas adiam exames e/ou cuidados gerais com a saúde, quais as razões e a opinião destas pessoas a respeito deste tipo de adiamento. Foram entrevistados 31 participantes, com idades de 18 a 67 anos, sendo 16 do sexo feminino e 15 do sexo masculino, com escolaridade a partir do primeiro grau. As questões eram respondidas oralmente e os dados anotados pelo pesquisador. Os resultados demonstram que as razões para adiar exames médicos são, principalmente: outras prioridades; falta de informação e conscientização acerca da prevenção e tempo despendido. Os exames prioritários são os check-ups (obrigatórios ou não) e prevenção do câncer ginecológico. Do total de participantes, 16 assumiram o adiamento. Discute-se que o adiamento para questões de saúde é semelhante ao de hábitos de estudos e da vida cotidiana, com o desencadear das emoções e a necessidade de observação do procrastinar e relato das explicações.

Palavras-chave: Procrastinação, Saúde, Prevenção.


ABSTRACT

Taking into account that health prevention is a current problem and it may be connected to procrastination, it was investigated whether people are used to delay medical tests and/or health care, the reasons for such delay, what they think about this specific delay. Thirty-one subjects were interviewed, ages between 18 and 67 years old, 16 females and 15 males. They verbally answered the questions and the interviewer took notes. Results show that, among the reasons given to delay medical tests, are: other priorities, a lack of information and consciousness about prevention and the time spent on it. Check-ups and prevention of gynecological cancer are considered prior tests. 16 out of 31 admitted the delay. Similarities with the habit of studying and everyday life are discussed.

Keywords: Procrastination, Health, Prevention.


 

 

Procrastinar é o comportamento de se adiar tarefas, de se transferir atividades para "outro dia" que não o atual; deixar de fazer algo ou - ainda - interromper o que deveria ser concluído dentro de um prazo determinado (Kerbauy, 1997).

Pesquisas e livros sobre procrastinação existem tanto no âmbito internacional (Boice, 1996; Ellis e Knaus, 1997; Milgram, Sroloff e Rosenbaum, 1988; Strongman e Burt, 2000) como em âmbito nacional (Enumo e Kerbauy, 1995; Kerbauy, 1996/1997). Entretanto, apesar do tema não ser novidade e das várias questões que pode sugerir, este não tem sido amplamente explorado, provavelmente por ter sido considerado comportamento clínico ou as pesquisas o relacionarem, principalmente, com hábitos de estudo. Kerbauy (1997) divide as pesquisas existentes em três assuntos principais:

a. Hábitos de estudo: referentes ao trabalho acadêmico e tratam de trabalhos não concluídos no prazo determinado ou deixar de estudar para provas. Nesta categoria, procura-se manipular tempo e técnicas para estudar (Green, 1982);

b. Pesquisas clínicas: nas quais se estuda como a procrastinação interfere na tomada de decisões para resoluções importantes na vida (p.e., trabalho, casamento, amor, família). Nesta categoria, as variáveis consideradas são, geralmente, medo do fracasso, baixa tolerância à frustração, dificuldade de lidar com tarefas desagradáveis, orientação passiva-agressiva (Ellis e Knaus, 1975);

c. Procrastinação da vida cotidiana: na qual se procura tratar de questões como pontualidade e colocação de prioridades (Milgram, Scoloff e Rosenbaum, 1988).

Boice (1996) considera que procrastinação é deixar de lado ou atrasar uma tarefa importante que tem um reforçador atrasado, em benefício de alguma cousa mais rápida e fácil que provoque menor ansiedade. É também atrasar ações vitais até que o desempenho e os resultados sejam maiores do que os realizados no tempo adequado. Coloca acoplado a esse conceito o de bloqueio que freqüentemente e semelhante. Ocorre quando adiamos uma tarefa ameaçadora e que tem um escrutínio público. Nesse caso, fica-se em pânico e, às vezes, até imobilizado, parecendo existir dificuldade de encontrar maneiras de agir que reduzem a ansiedade. Tanto procrastinadores como bloqueadores teriam esses sentimentos, pensamentos e falta de ação.

A questão interessante é verificar se, em relação a cuidados com a saúde, quais tipos de explicações seriam encontrados. Um estudo exploratório com população não universitária e em diversos locais poderia auxiliar a levantar maneiras de melhorar a intervenção com aquelas pessoas que são classificadas com baixa adesão à prevenção ou tratamento ou, pelo menos, entender o problema para delinear pesquisas mais amplas e com população maior.

Os objetivos para esse estudo foram verificar: I. se as pessoas adiam exames médicos e/ou cuidados gerais com a saúde; II. quais razões que a pessoa que adia costuma dar para esse seu comportamento; e III. a opinião das pessoas em relação ao adiamento em questões referentes aos cuidados com a saúde.

 

Método

Participantes

Colaboraram 31 pessoas, numa faixa etária variando de 18 a 67 anos de idade (média de idade = 41,1), sendo que a maior concentração foi na faixa de 33 a 49 anos (23 pessoas). Do total de participantes, 16 eram do sexo feminino e 15 do sexo masculino. Quanto à escolaridade, a maior concentração, 15, foi dos que disseram ter conseguido concluir o 2º grau (atual ensino médio). E quanto ao estado civil, a maioria era casada (23 participantes).

Material

Uma entrevista semi-estruturada de cinco questões abertas. Solicitavam: (1) opinião sobre porque as pessoas adiam exames médicos ou cuidados com a saúde; (2) se tem que fazer algum exame médico e, em caso de resposta positiva, se sabe a época de fazê-lo; (3) quais os exames ou cuidados; (4) a razão de fazer os exames; (5) se já deixou passar a época e, em caso positivo, porque.

Procedimento

Aos participantes foi solicitada a colaboração para uma pesquisa. Explicou-se que a entrevistadora fazia pós graduação na USP e usaria os dados em trabalho de curso. Esses participantes foram abordados em locais públicos, tais como filas de banco, praças, sala de espera de dentista, portão de escola ou locais de trabalho com a devida autorização do órgão competente. Após o consentimento dos entrevistados, a pesquisadora fazia perguntas referentes à identificação do participante (idade, escolaridade, estado civil e profissão), para, então, iniciar a entrevista propriamente dita. Propositalmente, não foi utilizada a palavra adiamento ou procrastinação. Pelas respostas e comportamento descrito, o pesquisador poderá conceituar o desempenho.

 

Resultados

Dada a natureza descritiva do estudo, os dados foram categorizados de acordo com as perguntas da entrevista e subcategorizados de acordo com as respostas dos participantes. A categoria ’cuidados médicos' mostra que as explicações variam, mas poderiam ser combinadas com outras prioridades e tempo despendido. Podem ser combinadas também com comodismo e esquecimento. Esses fatores podem mostrar um procrastinar e poderiam ser denominados: (a) explicações sobre pouco envolvimento com saúde; (b) uma outra explicação é a de desconhecer informações sobre prevenção, na qual seria incluída a crença de que não acontecerá consigo ou falta de amor próprio (necessário saber o conteúdo), e a noção de que problemas de saúde são tardios. Medo dos resultados e tratamento poderiam ser incluídos nessa explicação sobre prevenção. Destaca-se a afirmação da falta de informação sobre prevenção e medo do resultado e tratamento.

 

 

Na Tabela 2, sobre o tipo de exame e/ou cuidado com a saúde descritos pelos participantes, nota-se que 23 participantes assumiram que fazem. Além do fato curioso de 6 participantes terem, inicialmente, respondido NÃO a este item, mas assumirem, depois, que fazem exames periódicos obrigatórios na empresa em que trabalham ou, ainda, dois casos em que as participantes disseram, que fazem "apenas" o exame de prevenção do câncer ginecológico.

 

 

Foram relatados dois casos, aqui, classificados como excepcionais: um deles que dizia fazer exames de sangue para o controle de uma doença hematológica genética (talassemia) e outro para verificar a curva glicêmica, por ser hipoglicêmica.

Nota-se por esta tabela que vários exames preventivos são realizados, apesar de um adiamento confessado.

Entre as razões fornecidas pelos participantes para fazer exames e/ou manter cuidados com a saúde encontramos: manutenção das condições de saúde, controle geral, para 16 participantes; prevenção, para 6; exigência da empresa em que é contratado, relatado por 4 participantes; controle de doenças específicas, dois participantes. Somente um diz fazer para "não morrer" e outro considera importante para si mesmo.

A última questão verificou se os participantes já haviam adiado tais exames e/ou cuidados com a saúde, fazendo com que os mesmos descrevessem as razões pelas quais haviam adiado. Há relativa variabilidade entre os que assumiram que já haviam adiado, (17), dos que disseram nunca ter adiado (14 participantes).

Entre as explicações fornecidas pelos participantes que assumiram o adiamento estão: o esquecimento (5), falta de tempo, e acomodação (4) como os mais relatados. Foram também nomeados: falta de condições financeiras, não priorizava a saúde por não apresentar sintomas que julgava importantes, descuido, "vai adiando e o tempo vai passando", desleixo.

Essas palavras são exemplos de falas culturais, mas descuido, desleixo, "vai adiando e o tempo vai passando", bem como acomodação, refletem um comportamento: falta de cuidado com a saúde ou de colocá-la como prioritária em uma escala de valores. Não é possível afirmar que seja medo dos resultados, embora esse fato precise ser investigado em outros estudos.

 

Discussão

Os resultados mostraram que o adiamento para questões de saúde é - em geral - atribuído ao esquecimento justificado pela variável "tempo": a falta deste, ou o tempo exigido para agendar consultas e exames, ou o tempo esperado para receber resultados de exames. A demora de atendimento pode ser um fato real e competir com outras atividades mais urgentes ou reforçadoras. Talvez uma investigação no local de filas de atendimento e um questionamento de atividades alternativas que seriam realizadas no horário possam responder essa questão e elucidar as causas de procrastinação ou não.

Quanto aos sentimentos produzidos pelo adiamento, estes não diferem muito dos resultados obtidos com as pesquisas sobre procrastinação em hábitos de estudo ou da vida cotidiana (Kerbauy e cols., 1993/1997; McCows & Roberts, 1995; Strongman & Burt, 2000). Os sentimentos relatados são um misto de não saber conceitos de prevenção e culpa (esquecimento; falta de tempo; acomodação; não priorizar a saúde; descuido; desleixo; etc.).

Por outro lado, a esquiva de cuidados específicos com a saúde, embora produzindo os sentimentos de inadequação e culpa descritos acima, parece favorecer outros sentimentos para minimizar tanto a inadequação quanto a culpa. De fato, quando os participantes foram solicitados a relatar as possíveis razões pelas quais as pessoas - de uma maneira geral - adiavam os cuidados com a saúde, surgiram explicações como: custos para ter e manter tais cuidados; o medo de descobrir alguma coisa; além do reconhecimento da falta de orientação e conscientização acerca da prevenção. Inclusive, nota-se em algumas respostas, destaque para as questões culturais "ser brasileiro" como uma espécie de justificativa.

Quanto aos exames e/ou cuidados acerca da saúde, os dados demonstraram haver uma preocupação com o estado geral (tais como exames laboratoriais; controle do funcionamento de órgãos vitais - ênfase no coração - além dos exames de prevenção, com destaque ao de prevenção de câncer ginecológico. Este fato sugere que programas de orientação e de informação possam sensibilizar as pessoas às responsabilidades em relação ao seu bem estar. Portanto, é coerente com o argumento de Skinner (1995) de que as culturas asseguram responsabilidade às ações de seus membros e estes, por sua vez, sentem-se responsáveis. Convém neste caso esclarecer quanto à noção de que a prevenção pode garantir melhor qualidade de vida e nem sempre, viver mais, pois parece que essa noção ’viver bem' sensibiliza as pessoas.

É relevante, ainda, destacar o fato de que boa parte das pessoas que contam com serviços de check-up obrigatório (como exigência da empresa contratante), os faz assumidamente sob esta determinação. Outra questão é se neste caso é facilitado o tempo de demora dos exames, por exemplo, e também destaca o papel de educar e zelar pela saúde que uma empresa pode assumir.

Futuras pesquisas precisariam esclarecer a relação entre poder econômico e escolaridade e escolha de prioridades, pois o custo do medicamento pode ou não ser o ponto relevante, especialmente se considerarmos que a saúde foi considerada por alguns participantes como segundo plano em seus objetivos.

Quanto à pouca sensibilidade dos médicos para com os pacientes, embora tenha sido descrita apenas por um participante, precisamos considerar que os planos de saúde, embora excelentes para possibilitar atendimento a mais pessoas, têm a contrapartida de o usuário procurar os serviços de saúde sem critério (exigindo exames desnecessários; visitando médicos sem uma periodicidade sistemática), onerando os profissionais e os locais de atendimento e submetendo-se a uma situação de exame que tem certo grau de stress.

O presente estudo não descreve relações claras entre as condições ambientais e o comportamento de cuidar da saúde. Mas dá pistas sobre algumas das variáveis que podem ter relação com o cuidar da saúde e fazer exame médico. Vimos que alguns participantes relataram exames preventivos como mamografia, check-up geral, prevenção do câncer ginecológico, entre outros. Esses exames geralmente são de prevenção primária, como outros relatados: taxas de colesterol ou glicose que, no entanto, podem ser também realizados durante tratamento. Portanto, pode-se concluir sobre informações e a forma como são ministradas e seu conteúdo, pois podemos quase predizer que a grande dificuldade está na mudança de hábito necessária. Portanto soluções comportamentais. O comportamento tem que ser ensinado com dicas para comportamentos adequados, como instalar e perceber os feedbacks da eficácia dos novos desempenhos. Pacientes com problemas de colesterol alto que constantemente atualizam seus conhecimentos e aderem mais facilmente aos conselhos médicos, cuidam-se e sabem como e porquê.

A área de não adesão, procrastinação e bloquear como denomina Boice (1996), tem muitas intervenções propostas mas nenhuma conclusiva, talvez pela dificuldade de medir claramente o que é não adesão e adiamento ou bloqueio para aquela pessoa específica. Boice (1996) tem uma tese sobre um tabu que existe nas ciências sociais - inclusive psicologia - que prefere descrições a intervenções, o que dificulta a resolução da procrastinação. Talvez ele tenha razão ao descrever o que ocorreu com psicólogos que violaram esse tabu e procuraram intervir.

Concluímos que procrastinação é difícil de estudar e definir. Para compreendê-la, será necessária a observação direta de procrastinadores agindo e relatos de situações que vivenciaram recentemente, em detalhes, com descrição das explicações e também das emoções que sentiram. Provavelmente verificar seu comparecimento e falta em consultas e exames durante certo período de tempo. Após sua concordância, telefonar ou comparecer no local de residência para verificar atividades realizadas e os planos para marcar nova consulta ou exame e as atividades ou conceitos que impedem. Como os psicólogos enfatizam metodologia e estudos de caso único, a elaboração desses procedimentos pode facilitar a execução, especialmente em cidades de pequeno e médio porte.

Concluímos que a entrevista empregada neste estudo permitiu uma coleta de dados instigante e precisa ser aumentada com maior número de participantes e novas análises.

 

Referências

Boice, R. (1996). Procrastination and Blocking: a novel, practical approach. West port: Praeger.         [ Links ]

Ellis, A. & Knaus, J.W. (1975). Overcoming Procrastination. New York: Rational Living.         [ Links ]

Enumo, S.R.F. & Kerbauy, R.R. (1995). Procrastinação: um estudo com amostras da população de Vitória/ES. Resumos do III Congresso Interno do Instituto de Psicologia da USP, 7.         [ Links ]

Green (1982). Minority students' self-control of procrastination. Journal of Counseling Psychology, 29, 636-644.         [ Links ]

Kerbauy, R.R. (1996). Um estudo sobre procrastinação. Resumos da SBPC, 691-692.         [ Links ]

Kerbauy, R.R. (1997). Procrastinação: adiamento de tarefas. Em: R.A. Banaco (Org.), Sobre Comportamento e Cognição, 1, 445-451.         [ Links ]

Milgram, N.A.; Sroloff, B. & Rosenbaum, M. (1988). The procrastination of every day life. Journal of Research in Personality, 22, 197-212.         [ Links ]

Skinner, B.F. (1989/1995). Questões recentes na análise comportamental. (trad. Anita Neri). Campinas: Papirus.         [ Links ]

Strongman, K.T. & Burt, C.D. (2000). Taking breaks from work: an exploratory inquiry. J. Psychol., 134 (3), 229-242.         [ Links ]

 

 

1 Mestranda do Programa de Pós Graduação do IPUSP-PSE.
2 Pesquisador CNPq. Professora Titular do IPUSP-PSE. Este trabalho foi realizado durante o curso PSE: a aprendizagem e as ciências biocomportamentais.