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Revista Mal Estar e Subjetividade

versão impressa ISSN 1518-6148versão On-line ISSN 2175-3644

Rev. Mal-Estar Subj. v.6 n.2 Fortaleza set. 2006

 

ARTIGOS

 

Melancolia, ressentimento e laço social: repercussões na clínica psicanalítica

 

 

Henrique Figueiredo CarneiroI; Juçara Rocha Soares MapurungaII; Janaína Sousa Bezerra da SilvaIII; Raul Max Lucas da CostaIV

IPsicanalista, Dr. em Fundamentos y Desarrollos Psicoanalíticos (UPCO - Madrid). Professor titular e Coordenador do Mestrado em Psicologia da Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Coordenador do Laboratório sobre as novas formas de inscrição do Objeto - LABIO e da Clínica do Objeto - CLIO. Membro do GT/ANPEPP - Psicopatologia e Psicanálise. E-mail: henrique@unifor.br
IIPsicanalista. Mestre em Psicologia pela UNIFOR e membro do LABIO. E-mail: jucara@mapurunga.adv.br
IIIGraduanda em Psicologia pela UNIFOR e membro do LABIO. E-mail janaina_dinamicaej@yahoo.com.br
IVGraduando em Psicologia pela UNIFOR, bolsista de iniciação científica pela FUNCAP e membro do LABIO. E-mail: raulmax@edu.unifor.br

 

 


RESUMO

Este trabalho é resultado de uma pesquisa elaborada pelo Núcleo de Prevenção Social - PRESOCIAL, vinculado ao Laboratório sobre as novas formas de inscrição do Objeto - LABIO. O presente artigo discute as posições melancólicas e ressentidas do sujeito frente ao objeto a partir das atualizações discursivas que chegam à clínica contemporânea. Em um primeiro momento, traçamos um percurso teórico a fim de situar a melancolia e o ressentimento na constituição dos laços sociais. Em seguida, tomamos o fenômeno da adolescência como ilustração das peculiaridades dos sintomas contemporâneos. Por fim, destacamos as vicissitudes da melancolia e do ressentimento na práxis clínica, ressaltando o lugar do analista.

Palavras-chave: melancolia, ressentimento, culpa, adolescência e clínica psicanalítica.


ABSTRACT

This article is resulted of a research elaborated for the Nucleus of Social Prevention - PRESOCIAL entailed to the Laboratory about the new forms of inscription of Object - LABIO. The present article argues the melancholic and resented positions of the subject front to the object from the speech updates that arrive at the clinical contemporary. At a first moment, we trace a theoretical passage in order to point out the melancholy and the resentment in the constitution of the social bows. After that, we take the phenomenon of the adolescence as illustration of the peculiarities of the symptoms contemporaries. Finally, we detach the destinations of the melancholy and the resentment in the clinical work, standing out the place of the analyst.

Key-words: melancholy; resentment; guilt and psychoanalysis clinic.


 

 

A análise de Luto e Melancolia (1917/1976a) revela os desatinos do sujeito frente à perda do amor e do objeto. Compondo a série de artigos sobre metapsicologia, o referido texto objetiva elaborar uma teoria sobre a melancolia a partir de reflexões a respeito do luto e estabelecendo comparações entre o que seria normal e patológico nesses dois estados: "Agora que o luto nos serviu como protótipo normal dos distúrbios psíquicos narcísicos, tentaremos esclarecer a natureza da melancolia comparando-a com o afeto normal do luto" (Freud, 1917/1976a, p. 275).

Os traços psíquicos distintivos da melancolia são um desânimo profundamente penoso, a cessação de interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de amar, a inibição de toda e qualquer atividade, e uma diminuição do sentimento de auto-estima, expressada em auto-recriminação e auto-envilecimento, culminando numa expectativa delirante de punição (Freud, 1917/1976a, p. 276).

O luto é considerado como estado afetivo e representante do protótipo normal da melancolia. Nos dois casos, trata-se das vicissitudes de um investimento de origem narcísica, em sua relação com a realidade, quando dela se vê excluído seu objeto, por perda ou abandono (Kaufmann, 1996).

Desaparecido o objeto externo, o sujeito precisa reconhecer este fato e realizar o "trabalho de luto", que é um conjunto dos dispositivos próprios para eliminar de maneira mais ou menos durável as conseqüências de uma perda libidinal. Neste processo, a libido precisa se desligar das lembranças e esperanças que procuram prolongar a existência do objeto perdido. Para Freud (1917/1976a), cada uma das lembranças e expectativas em relação ao não desaparecimento do objeto é vivida através da libido vinculada ao objeto. Essas lembranças e expectativas são evocadas e hipercatexizadas1, e o desligamento da libido se realiza em relação a cada uma delas. O trabalho de luto é realizado de forma extremamente penosa para o sujeito. Freud (1917/1976a, p. 277) ressalta que é notável como aceitamos esse desprazer como algo natural e "que, quando o trabalho de luto se conclui, o ego fica outra vez livre e desinibido".

A melancolia também pode constituir reação à perda de um objeto amado. Segundo Peres (1996), a melancolia pode ser entendida como um luto à perda da libido e o efeito que produz é o de uma inibição psíquica com empobrecimento pulsional e dor. A melancolia é também um estágio do trabalho de luto em que prevalece o sofrimento imaginário que reage contra a simbolização, isto seria correlativo à afirmação freudiana do quanto é penoso o trabalho de luto. Na melancolia, há uma perda subjetiva que é a do próprio eu identificado com o objeto perdido. O eu torna-se vazio e pobre. No luto, é o mundo que se torna pobre e vazio.

Hoje, na sociedade de consumo, época da oferta de objetos pret-à-porter, observamos na clínica uma possível presença de um estado de melancolização que seria uma não resolução dessa fase melancólica. Ocorre um estado permanente de fantasia acerca do sofrimento psíquico sem atravessamento do simbólico que seria a conclusão do trabalho de luto.

Ao lado do melancólico, situamos o ressentido como posição caricatural do sujeito frente à perda. Embora Freud não tenha dedicado um escrito específico sobre o assunto, rastreamos em suas obras Sobre o Narcisismo: uma Introdução (1914/1976b) e Luto e Melancolia (1917/1976a), bem como na de seus comentadores, Kehl (2004), os vestígios desse afeto comum à vida cotidiana. Etimologicamente, o ressentimento faz referência aos afetos de rancor, ódio, mágoa e de culpabilidade dirigida ao outro. Trata-se, portanto, da ação do sujeito de endereçar ao outro sentimentos de hostilidade, bem como lhe atribuir a autoria dos males que o afligem.

Nesse sentido, a culpa se configura como um elemento comum entre a melancolia e o ressentimento. No âmbito da cultura, Freud (1930/1977a) destaca o sentimento de culpa como um efeito característico do supereu2. Nesse sentido, nos questionamos sobre os paradoxos dessa instância que, na atualidade, apresenta modulações próprias a partir da prevalência do discurso capitalista.

 

Os destinos da culpa

Partindo da idéia de que a culpa se apresenta como um traço comum entre a melancolia e o ressentimento, podemos delinear seus direcionamentos apoiados nas considerações de Gerez-Ambertín (2003, p. 275-276) sobre os destinos da culpa, a saber: "Aliviar-se da culpa", "carregar a culpa" e "culpar os outros". Essa primeira vicissitude faz referência às práticas de sacrifício próprias da religião, enquanto as demais podem ser relacionadas com a melancolia e com o ressentimento, respectivamente. Aqui o supereu surge como parâmetro para esses diferentes direcionamentos.

Para Freud (1913/1976c), a culpa é uma das premissas do laço social, conforme a descrição do mito totêmico. O pai primevo, aquele que era detentor do objeto de gozo, tornou-se alvo da agressividade da fratria. O amor, outrora dirigido ao pai, cede lugar ao ódio, afeto característico do ressentido. Tal momento se caracteriza pela inveja, afeto próximo ao ressentimento, ao objeto de gozo que o pai possui.

O sujeito, na ânsia de apreender o objeto, se precipita no ato violento sob a forma de assassinato, pois, para alcançar o gozo, é preciso matar o pai. Contudo, esse mesmo pai também se apresenta como um objeto amado. Não obstante, amor e ódio afloram como sentimentos ambivalentes fazendo circular a culpa.

Baladier (1996) ressalta que o termo alemão para culpa Schuld pode também significar dívida, assim como schuldig culpado ou devedor. Dessa forma, o totemismo surge como um mecanismo de remissão da culpa por meio do simbólico. Assim, o banquete totêmico se constitui no dispositivo que lida com a introjeção do objeto amado e com a nostalgia paterna atualizada pela memória coletiva.

Em virtude da impossibilidade de se ocupar o lugar do pai primevo, pois tal condição resultará em um novo assassinato, a fratria estabelece um lugar simbólico para o mesmo que passa a ser regido enquanto função. Nesse sentido, a renúncia ao estado de gozo excessivo é a condição básica do laço social. Podemos afirmar que a cultura equivale a um trabalho de luto que simboliza uma falta estrutural. O interdito ao gozo excessivo, efetivado pela função paterna, leva o sujeito a constituir laços em torno da parcela gozosa não simbolizada. Nesse panorama, os discursos, enquanto liames sociais, se constituem como modalidades distintas de lidar com o gozo.

A inserção na cultura pressupõe portar uma dívida impossível de ser quitada. Nesse sentido, destacamos a auto-recriminação melancólica como uma expressão dessa impossibilidade, em que uma das saídas é o próprio suicídio. Nesse panorama, o ressentido se ausenta de pagar tal dívida atribuindo-a a outrem. Revela, dessa forma, a tentativa de manter-se imaculado ou mesmo não implicado quanto à responsabilidade de seu desejo.

 

O Supereu na melancolia e no ressentimento

O supereu, enquanto elemento estrutural da cultura e do sujeito, já havia sido prefigurado nas páginas de Totem e Tabu (1913/1976c), sendo formalizado como instância psíquica em o Eu e o Isso (1923/1977b). Contudo, seus efeitos na cultura serão analisados detidamente em O Mal-estar na Civilização (1930/1977a), ocasião em que é delineado por seu aspecto coercitivo e vigilante. O sentimento de culpa, resultado do supereu na constituição subjetiva, é identificado como o principal empecilho do processo civilizador, pois surge como um saldo negativo da negociação entre a renúncia pulsional e a felicidade.

Por outro lado, a renúncia pulsional faz com que haja uma potencialização da condição desejante. Tal paradoxo se configura como condição que o sujeito deve assegurar para o convívio humano, apesar dos conflitos que lhe são inerentes: "Desse modo, o supereu, no lugar de afiançar o desejo e sua circulação com a renúncia pulsional, reforça e alimenta o pulsional e a hostilidade do sujeito" (Gerez-Ambertín, 2003, p.152). Dessa forma, o masoquismo moral delineado por Freud, em O Problema Econômico do Masoquismo (1924/1976d), se apresenta como uma forma de gozo frente às restrições sádicas do supereu, fato esse que faz o sujeito se sentir culpado.

As elaborações teóricas posteriores a Luto e Melancolia (1917/1976a) acerca da posição melancólica convergem quanto ao lugar relevante do supereu. Em O Eu e o Isso (1923/1977g), Freud elabora a possibilidade de haver uma introjeção do objeto sexual no melancólico, idéia que corrobora o processo de identificação. No ano seguinte, em Neurose e Psicose (1924/1976a), Freud realiza uma releitura de sua nosografia a partir da segunda tópica desenvolvida na obra anterior. Assim, enquanto as neuroses teriam sua gênese no conflito entre o eu e o isso e as psicoses entre o eu e o mundo externo, a melancolia é compreendida como um confronto entre o eu e o supereu, sendo dessa forma considerada uma "psiconeurose narcísica". Contudo, será na conferência XXXI, intitulada A Dissecção da Personalidade Psíquica (1933/1976e), que a ação do supereu sobre o eu do melancólico se mostrará acentuada, revelando, ainda, o lugar da moral e da culpa:

Embora um melancólico possa, assim como outras pessoas, mostrar um grau maior ou menor de severidade para consigo mesmo nos seus períodos sadios, durante um surto melancólico seu superego se torna supersevero, insulta, humilha e maltrata o pobre ego, ameaça-o com os mais duros castigos, (...) O superego aplica o mais rígido padrão de moral ao ego indefeso que lhe fica à mercê; representa, em geral, as exigências da moralidade, e compreendemos imediatamente que nosso sentimento moral de culpa é expressão da tensão entre o ego e o superego (Freud, 1933/1976e, p. 79).

Partindo dessas considerações, destacamos a observação freudiana realizada em Moral Sexual Civilizada e Doença Nervosa Moderna (1908/1976f) ocasião em que descreve o papel da conduta moral, na constituição dos sintomas de sua época. O imperativo moral seja ele kantiano ou sadiano, atenta Lacan em Kant com Sade (1963/1998), revela sempre a ação do supereu em direção ao gozo.

Assim, a melancolia potencializa a ação coercitiva do supereu sobre o eu, demonstrando, contudo, uma modalidade peculiar de gozo.

As auto-acusações do melancólico possuem a tenacidade de uma perfeita solução de compromisso: funcionam ao mesmo tempo como ataque do eu contra o objeto ao qual está identificado, e como acusação do supereu contra os maus sentimentos do eu (Kehl, 2004, p. 38).

No ressentimento, os efeitos de culpabilidade do supereu são deslocados e dirigidos ao próximo. O gozo é vivido como uma submissão ao outro, posição passiva na qual o ressentido passa a deferir suas injúrias e busca um reconhecimento imaginário:

O núcleo do sofrimento ressentido consiste na nostalgia de um tempo em que ele acredita ter formado uma unidade com sua própria imagem, e se alimenta da possibilidade que se abre, a partir de então, tanto de reconhecer-se à custa desse outro (Kehl, 2004, p. 51).

Ao lado do texto freudiano, as elaborações filosóficas de Nietzsche, particularmente presentes na Genealogia da Moral (1887/1998), revelam significativas interseções com as análises freudianas elaboradas no O Mal-Estar na Civilização (1930/1977a). A culpa será o ponto central nas duas análises. Contudo, Nietzsche (1887/1998) destaca de forma incisiva o ressentimento como uma marca da cultura cristã ocidental, ao passo que Freud (1930/1977a) não elege o ressentimento como categoria central em sua análise sobre a cultura. Tal fato se deve as divergências quanto à gênese da culpa para os dois autores: enquanto Freud teoriza a culpa anterior ao ato fundador do laço social e significada pela lei, Nietzsche concebe a culpa como artifício elaborado posteriormente pela moral do escravo para atingir os fortes que são indiferentes às noções de bem e mal.

 

O imperativo de gozo na atualidade

Na época atual, o ideal do eu, enquanto extensão do amor narcísico, se apresenta de forma potencializada, na medida em que os ideais narcísicos estão associados ao consumismo. Assistimos, portanto, a uma inversão entre a moral kantiana e a sadiana. O imperativo de gozo passa a ser o atestado da condição narcisista, fato que incita o ressentimento acompanhado da inveja ao outro que goza (Bleichmar, 1985). Por outro lado, a ação coercitiva do supereu nos episódios melancólicos toma como referência não a consciência moral de outrora e, sim, o ideal de gozo narcísico. Assim, acreditamos que um aspecto do supereu que é o impedimento de gozo e a culpa por gozar, cede lugar ao imperativo de gozo e a culpa por não gozar. Dessa forma, a condição de mal-estar passa adquirir novos contornos em torno da relação objetal.

Bauman (2004) destaca o aspecto consumista das relações amorosas, nas quais o outro é reduzido a um objeto de consumo. Como pensar a melancolia nesse caso? Acreditamos que o consumismo nas relações amorosas revela uma busca incessante de um objeto imaginário aos moldes da perfeição e eficácia do objeto tecnocientífico. Em outras palavras, há uma capitalização nos laços amorosos. Por outro lado, o discurso capitalista aparelhado pela tecnociência (Carneiro, 2004) oferece ao sujeito uma profusão de objetos que não passam pela mediação erógena. O fármaco nesse panorama é bastante ilustrativo, pois visa anular a experiência de perda objetal melancólica, inserindo um substituto intoxicante que apaga a subjetividade.

 

Luto e puberdade

Atualmente, há uma vasta literatura a respeito da adolescência, e essa fase tem sido muito discutida pela psicanálise e por outras disciplinas como a psicologia e a pedagogia. São numerosos os temas que são propostos para justificar as atitudes desse sujeito adolescente: gravidez na adolescência, toxicomania, delinqüência, sexualidade, suicídio, dentre outros. Nesse sentido, nossa intenção será a de discutir como os estados afetivos luto, melancolia e ressentimento são encontrados na adolescência. Serão destacados, portanto, temas como puberdade, suicídio e delinqüência.

Freud não cita o termo adolescência em sua obra, porém teoriza sobre a puberdade. Inicialmente, puberdade como o momento em que há o despertar da sexualidade no ser humano, excluindo a possibilidade da sexualidade infantil. Já em 1905, nos Três Ensaios Sobre a Sexualidade, a puberdade é entendida como o momento de conclusão, o ponto final do desenvolvimento sexual humano, em que o jovem terá uma conduta sexual definitiva e o desfecho em uma psiconeurose ou em uma vida sexual normal. O alvo sexual na puberdade é altruísta, ou seja, em direção ao outro, constituindo o abandono do auto-erotismo.

A puberdade é o momento de desfazimento do corpo infantil e assunção do corpo adulto. A constituição imaginária do adolescente sofre um abalo pelas modificações corporais que a puberdade impõe. Faz-se necessária a reapropriação de um corpo que nunca deixou de ser seu.

O adolescente deve realizar um trabalho de luto na medida em que estará se desvinculando das figuras parentais, deixando de investir nos pais como objeto sexual e passando a investir na comunidade, nos laços sociais. Este processo também é marcado, segundo Melman (1992), como o abandono do estatuto de falo que a criança possui. Na adolescência, há a perda da pertinência fálica que sustentava esse ser quando criança e ainda não houve o encontro desse novo estatuto.

Com a maturidade orgânica que lhe é possibilitada, há o surgimento de caracteres sexuais secundários, que lhe possibilitam adquirir uma nova imagem do seu corpo, um corpo que ainda é estranho. Há, então, o luto do corpo infantil. O adolescente passa então, por um processo de reconstituição do espelho, de acordo com Rassial (1997). Neste ínterim, o Outro que não pode mais ser ocupado pelas figuras parentais deverá fornecer-lhe uma nova imagem, assim como a criança ao passar pelo estádio do espelho.

No estádio do espelho, há uma identificação da criança com o Outro, que lhe fornecia sua imagem. Na adolescência, essa identificação com o Outro, que no caso geralmente é a mãe na infância, há uma substituição pela identificação com o outro, que poderá ser do sexo oposto. Há o luto também pela perda dessa identificação da infância. Há a perda da relação privilegiada que a criança tem com o mundo e os objetos que a mãe primordial sustentava. Diante dessas considerações, a adolescência é uma fase de constantes momentos de elaborações de luto, em que cada sujeito lida com esse processo de diferentes maneiras.

 

Melancolia e suicídio

O suicídio na adolescência é um acontecimento alarmante, por causa do seu grande número de ocorrências. Tomamos aqui o suicídio como uma marca inquestionável da pulsão de morte (farras de fim de semana, roleta-russa com revólveres e carro, alcoolismo, drogas etc.).

Neste sentido, os adolescentes manifestam grandes dificuldades em suportar perdas, frustração, desamparo, falta de amor e firmeza familiar. Para enfrentar esses sentimentos e escapar da realidade, o adolescente se vale de traços narcísicos. Segundo Freud (1917/1976a), o suicídio é uma forma de autopunição que estaria dirigida ao outro, que se volta contra o próprio sujeito. Na melancolia, ocorre uma identificação narcísica com o objeto. O suicídio seria então realizado, quando o sujeito está sob estado melancólico ou por um transtorno narcísico grave, fatores que potencializam a angústia decorrente do que não foi simbolizado.

Para enfrentar situações de impotência e desamparo, o adolescente desenvolve um investimento narcísico, deslocando sua libido do mundo externo para o próprio eu. Seus desejos e atos são superestimados, passando a lidar com o mundo externo de forma mágica para evitar o enfrentamento de angústias decorrentes da perda. A decorrência de toda esta operação é que há um investimento auto-erótico, e o sujeito vive uma ilusão imaginária que não precisa mais do objeto.

Assim, o sujeito passa a portar o objeto, identificando-o e confundindo muitas vezes como parte si. Quando ele percebe o objeto como necessário ao seu equilíbrio, ele desenvolve ódio contra o objeto, tentando destruí-lo.

É neste ínterim, na medida em que o adolescente provoca o desinvestimento do objeto, que podemos detectar mais fortemente uma manifestação da pulsão de morte. Nos suicidas, é comum encontrar discursos de que o suicídio traria a paz, o repouso absoluto. Essa supressão da vida é a pulsão de morte, como um nível zero de tensão.

Segundo Freud (1930/1977a), a pulsão de morte conduz o sujeito para a redução completa das tensões e a pulsão de vida projetaria a força mortífera para fora. A morte é, em primeiro lugar, dirigida ao próprio sujeito e, de forma secundária, é infligida ao outro. No suicídio, o sujeito, ao tentar fugir desse objeto incorporado, o ataca, confundindo-o consigo mesmo.

Na melancolia, descreve Freud, assim como no luto, há traços mentais como: desânimo profundamente penoso, cessação de interesse pelo mundo externo, perda da capacidade de amar, inibição de toda e qualquer atividade e diminuição da auto-estima, a ponto de encontrar expressão em auto-recriminação, culminando na expectativa de punição. Com exceção da diminuição da auto-estima, as outras características se encontram presentes no luto e é justamente esse ponto de diferenciação que é encontrada no adolescente suicida.

 

Ressentimento e delinqüência

Segundo Kehl (2004), o ressentido encontra-se impossibilitado de se implicar como sujeito do desejo. O ressentido é aquele que não quer esquecer, perdoar, não deixar para trás o mal que o vitimou. Podemos pensar, então, o delinqüente como alguém que é ressentido antes de cometer o ato de delinqüência. O delinqüente não se sente culpado pelos atos reprovados, mas por razões mínimas como, por exemplo, não ter enviado dinheiro para sua mãe.

O delinqüente considera que algo na ordem do dever com relação a ele não foi cumprido e sua ação seria realizada para responder a essa falta, essa omissão do Outro. De acordo com Melman (1992, p. 53): "Ele terá a tendência de pôr em questão o conjunto dos mecanismos sociais aos quais atribuirá a responsabilidade desta falta, não sabendo a que e a quem culpar". Assim ele poderá atribuir ao sistema econômico do país, que não oferece condições para adquirir os bens que precisa e a aquele que consome produtos caros.

O ressentimento traz afetos como rancor, desejo de vingança, raiva, maldade, ciúmes, inveja, malícia. Há um desejo de vingança que predomina, mas que não é posta em ato, pois, se isso acontecer, o sentimento de raiva é aplacado. O ofendido não pode responder à altura a ofensa recebida. Há uma espécie de envenenamento psicológico, em que há uma reorientação para o eu dos impulsos agressivos impedidos de ser descarregado, e isso é o que gera queixa e acusação. A culpa que o ressentido atribui ao outro é manifestada pelo sentimento inconsciente de culpa que o envenenamento psíquico produz.

Para Freud, é o obscuro sentimento de culpa que pode fazer o indivíduo cometer crimes. Esse sentimento seria antecessor ao erro que teria como efeito aplacar a culpa inconsciente. O delinqüente é aquele sujeito que sofre de uma falta de acesso ao objeto que comanda o gozo, o falo. Um pressuposto que se cogita nesta situação é que há para esse sujeito uma omissão por parte do pai real ou de quem se ocupa da função paterna sendo este posicionado passivamente. O sentimento do ressentido nasce no momento de uma situação conflituosa em que ele não foi capaz de reagir no momento. Podemos pensar que essa omissão da figura paterna não pôde ter uma reação naquele momento e daí ele se vinga através dos atos que conhecemos.

 

A melancolia, a luta do ressentido e o luto do analista

O paciente melancólico representa a si mesmo como sendo desprovido de valor, incapacitado para qualquer realização, moralmente desprezível e desapegado à vida, além das características já citadas anteriormente.

Por outro lado, o paciente, em processo de luto, identifica seu eu com a imagem do objeto amado perdido: a sombra do objeto cai sobre o eu. A identificação é uma forma de amor e a separação do sujeito do objeto é uma divisão tão dolorosa que é tema da fantasia. Lacan elaborou o matema da fantasia ($ <> a) - sujeito barrado punção de a- para estudar a relação do sujeito com o objeto pequeno a, causa do desejo.

O trabalho de luto está concluído ou em via de conclusão na passagem da incorporação à introjeção. É, portanto, um trabalho de renúncia ao objeto. Já a melancolia é um luto provocado pôr uma perda da libido, ou uma problemática conjunta do luto, da perda do objeto, do dano libidinal e da falha narcísica. A melancolia revela-se dependente dos recursos que o ideal do eu é capaz de por a serviço da sublimação, sendo o ideal do eu derivado do supereu, descrito por Lacan em seu seminário Os Escritos Técnicos de Freud (1953-1954/1986), como um outro falante que mantém uma relação simbólica consigo, sublimada e ao mesmo tempo igual e diferente da libido imaginária, o eu ideal, formação essencialmente narcísica e imaginária.

A melancolia é um lamento ressentido, sem sentido ou com sentido cheio de resignação, mas sem re-significação. Já o trabalho de luto é trabalho de significante, de linguagem, pois "a" escreve não somente o objeto, porque um objeto é posto no plano imaginário ou da alucinação, mas, também, o significante que na Coisa, no Ser, nos corporificava no discurso do Outro, o significante fálico (Moulin, 1994).

O objeto a perdido com o ser e restituído naquele que sobreviveu, se significa então em sua função. O buraco no real deixado pela falta do objeto deve ser simbolizado como falta fundadora do desejo, ressurgimento do sujeito dessubjetivado no luto. Simbolização que não se opera se não por uma mobilização dos significantes do sujeito. A mobilização é um trabalho de restauração do ideal do eu, re-investimento da fantasia no espaço psíquico.

No luto, há uma perda no real, o sofrimento é ao nível do imaginário e o trabalho relativo a esta perda é realizado pelo simbólico. Na melancolia, não se tenta superar uma perda, como no luto, mas, ao contrário, reage-se contra ela. Reage-se contra uma simbolização, uma elaboração ou atravessamento das fantasias acerca do sofrimento psíquico.

Tanto na melancolia quanto no ressentimento, há uma recusa ativa do sujeito em aceitar uma perda, essa atitude é mascarada por uma atitude amarga e pouco esperançosa diante da vida, permanecendo o sujeito preso ao passado e sem esquecer ou ultrapassar as supostas causas de seu sofrimento. Tal processo ocorre porque o eu está identificado com o objeto perdido e odiado. Objeto que recai sobre o eu criando uma ambivalência, que vai visar ao próprio ressentimento, pois no sofrimento melancólico o ódio do eu contra o objeto amado cria o masoquismo moral diante do sadismo do supereu, autoridade moral, acusadora do objeto com o qual o eu está identificado. Assim o ressentimento se manifesta na melancolia por intermédio da participação desse outro, fundamental para sustentar a repetição sintomática.

Na melancolia, o Outro se retirou cedo demais, e deixou apenas a moldura vazia do ideal para o sujeito se identificar, como ressalta Maria Rita Kehl: "A forte ambivalência que rege a relação do eu com o objeto desta identificação inconsciente, revelada nos ataques e acusações que dirige contra si mesmo, também indica a precocidade da formação da estrutura melancólica ou da perda sofrida" (Kehl, 2003, p. 37).

O analista ao fazer intervenções, deve observar como está situado o analisando em relação ao objeto de gozo. O ressentido, por exemplo, se apega àquilo que o faz sofrer de tal maneira que se lamenta e faz acusações repetidas contra o que julga ser responsável por seu tormento. Assim, ao escutar o ressentido, observa-se que a repetição da queixa é uma modalidade de gozo, como toda repetição, mas é também uma defesa da integridade narcísica do eu, pois o ressentido acusa não a si mesmo como o melancólico, que se culpa pelo dano sofrido numa identificação radical ao objeto perdido, mas principalmente contra o outro que é responsável por seu mal-estar. Aqui, o sujeito pode - como no caso do melancólico - se auto-recriminar, mas não de forma a desvalorizar seu próprio eu, mas, sim, pelo que pode ter deixado de fazer ou ter feito para que este outro lhe causasse esse sofrimento.

Sem deixar de ter determinações inconscientes às repetições ressentidas, servem mais que tudo aos mecanismos de defesa do eu. No dizer de Kehl (2003, p. 77): "Isso significa que, em um processo de análise, as queixas ressentidas trabalham contra a associação livre e, acima de tudo, impedem a implicação subjetiva do analisando."

O ressentimento é uma constelação afetiva que serve aos conflitos característicos do homem contemporâneo, dividido entre as exigências da cultura e as configurações imaginárias próprias do individualismo, e os mecanismos de defesa do eu a serviço do narcisismo, como define Kehl (2004).

Ressentir significa sentir de novo ou profundamente ou mostrar-se ofendido, magoado. Ressentir-se significa atribuir ao outro a responsabilidade pelo que lhe faz sofrer. A este outro foi delegado o poder de decidir pelo sujeito, tornando-o culpado pelo que venha a fracassar, livrando o ressentido da responsabilidade e implicação como sujeito do desejo.

Há uma submissão ao suposto desejo do Outro no ressentimento, numa tentativa do eu de evitar confrontar-se com os prejuízos que ela lhe causou.

A submissão ao supereu presente no masoquismo moral e o gozo que ela proporciona cobra do sujeito o preço da culpabilidade. É porque o sujeito goza com o excesso de rigor moral do supereu que ele se sente culpado, e não ao contrário (Kehl, 2004, p. 61).

Após a submissão masoquista, viria a culpa, com todo o seu infindável elenco de argumentos morais, para justificar o gozo verificado na repetição queixosa.

"O gozo masoquista produz forte resistência à cura em um processo analítico", observa Kehl (2004, p. 62), ao comentar que o apego do ressentido ao seu sofrimento é o que o faz reiterar suas queixas e acusações contra o outro; é também o que determina a recusa a curar-se, o que Freud denominou de "reação terapêutica negativa".

Diante desse quadro, o analista percebe a impossibilidade de conduzir uma análise com alguém que se instala nessa posição, pois, ainda que a ofensa tenha de fato ocorrido e um outro tenha de fato responsabilidade quanto ao dano que o ressentido denuncia, a atitude queixosa conduz o processo analítico a um beco sem saída para Kehl (2003), pois, além de dirigir ao analista um lamento monótono contra uma injustiça, um agravo, uma ofensa da qual teria sido a vítima inocente, o sujeito está convicto de que sofre porque não pode esquecer o mal que lhe fizeram. "O que pode fazer o analista a não ser admitir que ele tem razão?" (Kehl, 2003, p. 77). E ao fazer isso faz o que o ressentido quer do ponto de vista do narcisismo do eu. Em Luto e Melancolia, Freud nos faz ver que:

Seria infrutífero, de um ponto de vista científico e terapêutico, contradizer um paciente que faz tais acusações contra seu ego. Certamente, de alguma forma ele deve estar com a razão, e descreve algo que é como lhe parece ser. Devemos, portanto, confirmar de imediato, e sem reservas, algumas de suas declarações (Freud, 1917/1976a, p. 278).

O analista vê-se diante da dificuldade de conduzir o tratamento para que o ressentido desloque-se do lugar de vítima para começar a indagar-se sobre a sua responsabilidade quanto ao que o faz sofrer.

Nesse percurso, vai aparecer a questão: Qual a falta de objeto à qual o sujeito reage com ressentimento?

A privação parece ser uma boa pista para se compreender a natureza da falta no ressentimento porque, no dizer de Lacan, se a falta está no real isso quer dizer que ela não está no sujeito. Isto se parece muito com a convicção do ressentido (Kehl, 2004, p. 55).

E não se trata de uma privação experimentada como na psicose e sim suposta pelo sujeito. Para que ele apreenda a privação, é preciso primeiro de tudo simbolizar o real. "A simbolização do real na privação é feita a partir de uma suposição fantasmática sobre o lugar da criança no desejo do Outro" (Kehl, 2004, p. 56).

A superação do ressentimento passa necessariamente pela elaboração da ambivalência: o outro sou eu, mas ao mesmo tempo o outro é aquilo que eu quero expulsar de mim - de modo que o semelhante possa ocupar um outro lugar na vida psíquica do sujeito; lugar de semelhança na diferença, que não se confunde nem com uma duplicação do eu nem com o absolutamente estranho (Kehl, 2004, p. 51).

Se a luta do ressentido consiste em não querem esquecer seu objeto perdido e principalmente manter a sua queixa, pois se lamentar é o seu maior gozo, o luto do analista se apresenta como o avesso da luta do ressentido, pois, na relação transferencial o analista sabe que, na relação do sujeito com os objetos, o amor somente pode circundar o campo do ser.

(...) E o analista, este só pode pensar que qualquer objeto pode preenchê-lo. Ai está onde nós, analistas, somos levados a vacilar, nesse limite onde se coloca a questão do que vale qualquer objeto que entre no campo do desejo. Não há objeto que tenha maior preço que um outro - aqui está o luto em torno do qual está centrado o desejo do analista (Lacan, 1960-1961/1992 p.381).

O objeto analista, em torno do qual a pulsão gira, é um furo coberto com um véu do falo imaginário. O lugar do analista é o de objeto a, objeto causa do desejo na relação transferencial. Portanto o desejo do analista deve estar centrado em torno do luto do eu. Ao contrário do ressentido, que não quer esquecer, o analista deve elaborar o luto do esquecimento do eu. "O luto de perder momentaneamente a imagem especular constitutiva do Eu, isto é, o luto de esquecer o Eu" (Nasio, 1999, p. 132).

Lacan compara o desejo do analista, isto é, o lugar do analista, e o luto: "Aí está a função do analista com aquilo que ela comporta de um certo luto" (Lacan, 1960-1961/1992, p. 381).

Não há desejo sem falta, assim a falta que vai criar o desejo do analista é o próprio luto do eu, o exílio do eu. Luto necessário para separar o desejo de ser analista do desejo do analista e propiciar a constituição do sujeito do inconsciente nos dois parceiros da relação transferencial.

 

Considerações finais

A melancolia e o ressentimento revelam os impasses do sujeito frente ao objeto, numa época marcada pelo declínio de Eros e do simbólico. As elaborações de luto ficam, portanto, comprometidas. As perdas da vida cotidiana passam a ser reparadas pela via do objeto de consumo que obstrui a via erógena. Dessa forma, o mesmo discurso que favorece os processos de melancolização promete aplacar seus efeitos com o objeto tecnocientífico.

Na falta de uma referência paterna, o outro se torna objeto do rancor ressentido. Nesse sentido, o paradigma da adolescência, especificamente a problemática da delinqüência, atenta para o fracasso das vias sublimatórias em favor das psicopatologias do ato, tendo no suicídio a referencia central.

Entretanto, pensar os efeitos discursivos na melancolia e no ressentimento não anula a singularidade da clínica, ressalta, porém, a importância dos movimentos discursivos na práxis analítica. A demanda em torno do objeto perdido ou privado, na melancolia e no ressentimento respectivamente, implica o lugar do analista no sintoma do paciente. Diante da inflação do registro imaginário nos laços de sociabilidade contemporâneos, a desmontagem do eu bem como suportar uma posição de semblante da falta se apresenta como desafio à clínica contemporânea.

 

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Recebido em 19 de maio de 2006
Aceito em 03 de junho de 2006
Revisado em 20 de junho de 2006

 

 

Notas

1 Refere-se a um superinvestimento e a uma mobilização da energia pulsional.
2 No decorrer deste artigo, optaremos por traduzir os termos superego, ego e id por supereu, eu e isso respectivamente, por tratar-se de uma tradução mais próxima dos termos freudianos em alemão: Überich, Ich e Es.

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