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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.19 no.1 Ribeirão Preto Jan./Jun. 2018

 

ARTIGOS

 

Comunicando más notícias em um hospital geral: a perspectiva do paciente

 

Communicating bad news in a general hospital: patient's perspective

 

Comunicando malas noticias en un hospital general: la perspectiva del paciente

 

 

Érika Arantes de Oliveira-Cardoso1; Juliana Tomé Garcia2; Lucas Lotério dos Santos3; Manoel Antônio dos Santos4

Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi compreender o modo como os pacientes recebem o diagnóstico de uma doença potencialmente fatal. A amostra foi composta por 17 pacientes de ambos os sexos, com idade acima de 18 anos. O instrumento utilizado para coleta de dados foi um roteiro de entrevista semiestruturada, centrado no momento do diagnóstico. Os resultados foram analisados qualitativamente. Emergiram três categorias: o não-dito, palavras que assustam, informações que acalmam. Conclui-se que receber uma má notícia, no contexto investigado, suscita elevada carga de ansiedade, porém, a forma como é transmitida a informação, a capacidade de acolhimento e a disponibilidade afetiva do profissional responsável pela comunicação são fatores que contribuem para minimizar ou acentuar as reações emocionais do paciente. O profissional deve estar capacitado tecnicamente para desempenhar essa tarefa, considerando o quanto ela pode ser determinante para o enfrentamento do paciente e sua adesão ao tratamento.

Palavras-chave: comunicação; diagnóstico; formação dos profissionais de saúde; psicologia.


ABSTRACT

The aim of this study is to understand the ways the patient receives a diagnosis of a potentially fatal disease. The sample consisted of 17 patients of both sexes, aged over 18 years. The instrument used for data collection was a semi-structured interview script, focused on the time of diagnosis. The results were analyzed qualitatively. Three categories emerged: the unsaid, the scary words, the calming information. It is concluded that receiving the bad news, in the context investigated, raises an overload of anxiety. Hhowever, the way information is transmitted, the reception capacity and the affective availability of the professional responsible for communication are factors that contribute to minimize or accentuate the patient's emotional reactions. The professional must be technically qualified to perform this task, considering that the quality of communication can be determinant for patients' hability to cope and their adherence to treatment.

Keywords: communication; diagnosis; health professionals education; psychology.


RESUMEN

El objetivo de este estudio es entender cómo los pacientes reciben un diagnóstico de una enfermedad grave y potencialmente mortal. La muestra consistió en 17 pacientes de ambos sexos, y con edad superior a 18 años. El instrumento utilizado para la recogida de datos fue una guía de entrevista semiestructurada, centrada en el diagnóstico. Los resultados se analizaron cualitativamente. Surgieron tres categorías: las palabras no dichas, las palabras que asustan, la información que tranquiliza. Concluimos que el acto de recibir malas noticias, en el contexto investigado, plantea gran carga de ansiedad, sin embargo, la forma cómo se transmite a la información, la capacidad de acogida y la disponibilidad afectiva del profesional de la salud que se encarga de la comunicación son factores que contribuyen a minimizar o acentuar las reacciones emocionales del paciente. Los profesionales deben estar capacitados para realizar esta tarea, ya que la calidad de la comunicación puede ser decisiva para el afrontamiento del paciente y su adherencia al tratamiento.

Palabras clave: comunicación; diagnóstico; formación de los profesionales de la salud; psicología.


 

 

A comunicação diagnóstica de uma doença potencialmente fatal constitui um evento crítico para o paciente, cujas ressonâncias simbólicas vão muito além da quebra da normalidade do sistema fisiológico, instaurando uma nova ordem vital (Selli et al., 2008). Receber o diagnóstico representa a tomada de consciência de uma condição que ameaça a continuidade da vida, o que pode desencadear mudanças que antecipam os desafios que a pessoa terá pela frente (Oliveira, Santos, & Mastropietro, 2010).

Nesse contexto, o paciente assiste à transformação de seu sofrimento em adoecimento e se torna herdeiro involuntário de um ideal da medicina científica, condizente com o modelo biomédico de saúde. O saber médico destitui a condição de sujeito e transforma o indivíduo em paciente. Assim, o discurso do profissional de saúde marca significativamente a conformação da identidade da pessoa enferma, influenciando na interpretação que ela e sua família fazem a respeito do papel de doente (Brant & Minayo-Gomez, 2004). Segundo essas autoras, a partir do século XIX o hospital emerge como um dos destinos possíveis da manifestação do sofrimento. Vale lembrar que a instituição hospitalar surge justamente como um espaço no qual se consolida a identidade de doente, com suas notórias ambiguidades, pois tanto possibilita racionalizar as práticas assistenciais, por um lado, como promover segregação e exclusão daquele que sofre (Foucault, 2003).

Considerando-se que, na contemporaneidade, a palavra câncer está estreitamente associada a sofrimento, dor, prenúncio de perda e morte iminente, receber o diagnóstico dessa doença torna-se ainda mais angustiante. Esse impacto pode ser ampliado pela frieza do ambiente hospitalar, principalmente porque, em geral, não existe um vínculo com o profissional que formula o diagnóstico, sem contar que, muitas vezes, o profissional utiliza uma linguagem técnica e cifrada que o mantém distante do paciente e da família. Frequentemente, o paciente não consegue alcançar uma compreensão completa de tudo o que foi comunicado (Fontes & Alvim, 2008).

O que logo se apresenta com clareza para o doente é a necessidade de reconfigurar sua rotina e revisar seus planos imediatos. As incertezas e inseguranças suscitadas pelo diagnóstico e tratamento prenunciam a instalação de um quadro de crise, permeado por intensa fragilidade emocional (Naves & Aquino, 2008). Essa nova realidade desencadeia no paciente reações de luto antecipatório pelo fim da vida que vinha levando até o momento do adoecimento, com uma perspectiva sombria de que talvez não consiga realizar seus sonhos e projetos futuros e/ou continuar investindo no desenvolvimento dos projetos presentes (Oliveira-Cardoso & Santos, 2013).

Diante desse quadro de marcadas indefinições é compreensível que o impacto do diagnóstico possa desencadear vivências de angústia e desespero, que aguçam as necessidades do paciente de se sentir acolhido e amparado nesse período particularmente delicado de sua vida. Segundo Salander (2002), o momento da comunicação do diagnóstico de um câncer, da perspectiva do paciente, implica muito mais do que receber passivamente o comunicado de um fato da vida, pois se trata de um marco divisor de águas, a partir do qual passa a existir um tempo antes e depois da comunicação da má notícia.

No momento imediato da revelação de uma doença desafiadora, mais do que informações acerca do diagnóstico e do prognóstico, o paciente necessita do conforto oferecido pela possibilidade concreta de um plano de tratamento. De acordo com Kovács (1998), o que há de pior na comunicação do diagnóstico para o paciente não é tanto o conteúdo da notícia em si, mas a expectativa do que pode acontecer depois. Como será o tratamento? Com que suporte o paciente poderá contar? Ele será consultado no processo de tomada de decisão? Como enfrentará as mudanças profundas em seu cotidiano? Qual será o peso das tarefas que ficarão em suspenso por um longo tempo? E o que será feito de tantos projetos adiados?

A análise dos processos de comunicação entre profissionais de saúde e pacientes tem sido objeto de diversos estudos, que focalizam temas cuja abordagem habitualmente impõem dificuldades (Junqueira, Vieira, Giami, & Santos, 2013; Oliveira et al., 2010). Nessa perspectiva, a atenção tem se voltado para a compreensão das barreiras, ruídos e processos obstrutivos que comprometem uma comunicação eficiente. A tarefa de comunicar uma má notícia não é nada simples (Friedrichsen & Strang, 2003; Rezende, 2000). O profissional encarregado de transmitir o diagnóstico deve estar preparado para assumir uma postura ativa, no sentido de oferecer informações dosificadas e de acordo com a necessidade do momento e, ao mesmo tempo, deve adotar uma atitude empática para poder acolher o sofrimento do paciente e manter viva sua esperança de recuperação (Parker, 2001; Salander, 2002, Schofield et al., 2003).

Segundo Mager e Andryskowski (2002), a postura empática favorece a percepção do paciente em relação ao acolhimento proporcionado pelo profissional de saúde. Isso contribui não somente para amenizar o impacto do diagnóstico, como também auxilia o posterior ajustamento do paciente frente à situação de tratamento e reabilitação psicossocial. Por conseguinte, é relevante investigar as dimensões emocionais envolvidas no diagnóstico, na perspectiva de quem o recebe. Esse conhecimento é importante para nortear ações de saúde e adquirir um entendimento mais completo em relação ao processo de adaptação psicológica ao diagnóstico. Considerando esse contexto, o presente estudo teve por objetivo compreender o modo como os pacientes recebem o diagnóstico de uma doença potencialmente fatal.

 

MÉTODO

PARTICIPANTES

A amostra de conveniência foi composta por 17 pacientes adultas, a maioria do sexo feminino, com idade superior a 18 anos (entre 20 e 42 anos), submetidos ao Transplante de Medula Óssea em uma instituição hospitalar universitária de um município do interior do Estado de São Paulo. Os participantes eram em sua maioria casados e haviam sido diagnosticados com doenças graves, predominando o quadro de leucemia mielóide crônica.

INSTRUMENTO

Um roteiro de entrevista semiestruturada foi delineado especialmente para atender os objetivos do presente estudo. O instrumento continha questões relacionadas ao impacto do diagnóstico, com ênfase na percepção da forma de comunicação da má notícia e suas possíveis consequências, na perspectiva de quem a recebeu. As informações se concentraram na história do adoecimento, mapeando o itinerário terapêutico do paciente desde as primeiras percepções de que algo não estava indo bem em seu estado de saúde até a identificação dos sintomas que o levaram à busca de um profissional de saúde, o posterior encaminhamento para especialistas, a realização de exames no processo de investigação clínica, até a comunicação do diagnóstico. A atenção da pesquisadora concentrou-se nos sentimentos vivenciados em cada etapa e no conhecimento adquirido acerca da doença e das possibilidades de tratamento. A entrevista também permitiu a coleta dos dados sociodemográficos e clínicos dos participantes.

PROCEDIMENTO

COLETA DE DADOS

As entrevistas foram realizadas em um ambiente reservado e gravadas em áudio, mediante o consentimento dos participantes. Foram guiadas por um roteiro semiestruturado previamente estabelecido e aplicadas individualmente, em situação face a face. Cada entrevista teve duração de, aproximadamente, uma hora.

ANÁLISE DOS DADOS

As entrevistas foram transcritas na íntegra e literalmente pela pesquisadora. Para organização do material foi utilizada a análise de conteúdo temática, que visou identificar as concepções, crenças, valores, motivações e atitudes dos sujeitos entrevistados (Triviños, 1992). A análise do material que constituiu o corpus de pesquisa transcorreu de acordo com as seguintes etapas: (1) pré-análise: trata-se da organização preliminar do material transcrito. Inicialmente, realizou-se uma leitura geral, denominada flutuante, das entrevistas. Foram totalizadas 341 páginas de transcrição literal e na integra dos discursos dos sujeitos, datilografadas em espaçamento 1,5 e letra Times New Roman 12. Esse material foi cuidadosa e exaustivamente lido, e, após sucessivas leituras, procurou-se identificar as questões centrais que emergiram dos relatos. (2) descrição analítica: o material pré-organizado foi submetido a um exame aprofundado pelos pesquisadores, em busca de reiterações de conteúdos e significados que pudessem facilitar sua sistematização. Os dados foram agregados por similaridades de conteúdo, que geraram unidades de significado, posteriormente transformadas em categorias temáticas. (3) interpretação referencial: consistiu no trabalho de integração e síntese dos resultados, com apoio no referencial teórico adotado.

CUIDADOS ÉTICOS

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição na qual o estudo foi realizado. Tomou-se o cuidado de esclarecer antecipadamente para cada paciente os objetivos do estudo e as condições de confidencialidade que protegeriam as informações fornecidas. Na abordagem dos participantes em potencial foi ressaltado o caráter sigiloso e voluntário da colaboração com a pesquisa, explicitando-se que uma eventual recusa não acarretaria prejuízos no atendimento hospitalar. A pesquisa foi realizada apenas com aqueles que concordaram abertamente e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram elaboradas três categorias temáticas, nomeadas como: o não-dito, palavras que assustam e informações que acalmam.

 

 

O NÃO-DITO

Pesquisa realizada por Gomes, Silva e Mota (2008), com o objetivo de analisar o processo de comunicação do diagnóstico de câncer por médicos, concluiu que tanto os profissionais especialistas como os não especialistas tinham experiências prévias de omitir do paciente o diagnóstico, sendo que essa porcentagem chegava a 87,9% dos casos atendidos pelos não especialistas. Segundo os autores do estudo essa atitude pode ser considerada como um abuso de autoridade, em detrimento do direito do paciente de querer ou não saber sobre seu quadro clínico.

Esse dado foi corroborado no presente estudo, na medida em que se constatou que os médicos encontram dificuldades em comunicar o diagnóstico de forma clara, o que contribuiu para que o encaminhamento fosse efetivado sem a devida e necessária explicação acerca da doença, bem como do prognóstico e das possibilidades e limitações inerentes às opções de tratamento.

O médico não falou o que era... só disse que eu precisava ir procurar atendimento em um centro maior. Eu vim para cá sabendo que era grave, mas sem mesmo um nome para dar para o que eu tinha (Feminino, 20 anos, casada, anemia aplástica grave).

O paciente, que muitas vezes já chega ao consultório com a percepção de que há algo que não está indo bem em seu organismo, vê seus temores aumentarem com a sensação de que lhe estão sendo omitidas informações importantes sobre seu real estado de saúde (Bregantini, 2002; Busccaglia, 2002). O profissional frequentemente não está atento para o fato de que mensagens não verbais também são transmitidas durante a comunicação e que muitas vezes esses indícios subliminares reforçam as suspeitas do paciente (Gomes, Silva, & Mota, 2008).

O médico viu que tava diferente, que tinha algo errado e já me encaminhou pra cá. Eu vim sem saber o que eu tinha, mas já sabia que coisa boa não era (Feminino, 32 anos, casada, leucemia).

A necessidade de repetir exames para confirmação de um possível diagnóstico, que continua não sendo compartilhado com o paciente, gerou intensa angústia nos participantes.

A médica olhou meu exame e ficou branca. Eu perguntei: "o que eu tenho, doutora?" Ela falou que ia repetir e depois me falava... Eu aí já desconfiei, né? Aí o desespero foi maior. A gente não saber o que está acontecendo com a gente. É de enlouquecer (Feminino, 32 anos, casada, leucemia).

A ausência de informações esclarecedoras durante a etapa do diagnóstico pode levar o paciente a tentar obter dados por vias não confiáveis (Lemes & Barbosa, 2007), além de ser um campo fértil para o aparecimento de fantasias a respeito da suposta origem da doença. Por fantasias entendem-se, nesse contexto, as teorias e pressupostos que o paciente formula acerca do problema que o acomete, com base em suas crenças e valores. Compreendem desde as causas (físicas, psíquicas, morais, espirituais) até suas expectativas quanto à evolução. Se o profissional de saúde não valorizar a importância dessas vivências e dialogar abertamente sobre elas com o paciente, elas podem se tornar extremamente ansiogênicas, além de incutirem sentimentos de culpa que irão debilitar ainda mais as defesas que já estão extremamente fragilizadas:

O médico falou que eu tinha que fazer o exame de novo, o de sangue, porque tinha alteração. E ele me falou que eu tinha que vir com acompanhante. Aí eu falei com a minha irmã... Meu medo era de ser HIV. Deus me livre, não tenho preconceito, mas eu ía no posto de saúde e tomava injeção... E se tivesse contaminada? (Feminino, 26 anos, casada, leucemia).

Nos relatos dos participantes aparecem ainda situações nas quais o diagnóstico não foi oferecido diretamente para os pacientes, que acabaram por obter a informação de uma outra fonte ou de forma acidental e inesperada:

Só que primeiro o médico, que era um residente, falou que meu problema não era grave, mas que eu tinha que ficar uns dias lá para tratar. E depois que fez o hemograma e a biópsia, eu ouvi ele falando para um chefe dele que era leucemia que eu tinha e que precisavam ver para onde me mandar (Masculino, 28 anos, casado, leucemia).

A dificuldade de oferecer uma comunicação clara leva o profissional a adotar subterfúgios, como omitir informações cruciais na conversa com o paciente ou delegar a outros a tarefa e a responsabilidade que lhe é inerente. As barreiras criadas na comunicação estão relacionadas a um despreparo do profissional, que acaba por excluir ou diminuir a participação do maior interessado no processo de transmissão das informações (Bregantini, 2002; Busccaglia, 2002). Certamente a tarefa de comunicar o diagnóstico pode ser tão ou ainda mais desafiadora do que o seu estabelecimento, mas isso de modo algum autoriza o profissional a suprimir o direito do paciente de se apropriar das informações que podem leva-lo a compreender melhor o que se passa consigo.

O médico não falou pra mim. Chamou meu marido e falou só com ele. Aí ele entrou chorando no quarto. Eu perguntei e ele me disse. Aí eu comecei a chorar. Porque eu ouvi dizer que esta doença morria. Então eu achava que ia morrer (Feminino, 31 anos, casada, leucemia).

PALAVRAS QUE ASSUSTAM

A utilização de termos técnicos no ato de comunicação de um diagnóstico complexo pode ter o mesmo efeito da não comunicação: a mensagem não é transmitida ou dá margem a interpretações ambíguas ou descabidas. Nesse contexto, os pacientes ficam "atrás de um muro de palavras ou de silêncio, que os impede de aceitar o benefício terapêutico de partilhar os medos, as angústias e as preocupações" (Gomes, Silva, & Mota, 2008, p. 142). A mensagem do profissional se torna hermética, o que exige de seu interlocutor um aparato decodificador que na maioria das vezes ele não tem.

Eles falaram de cara que eu tinha leucemia, mas só que não explicaram, mas só pelo que eles falam da leucemia a gente fica assustado demais, então eu assustei demais, chorava demais... Mas ele falou assim, de cara, que eu tinha leucemia, você imagina, do jeito que ele falou... cê tá besta! (Masculino, 22 anos, solteiro, leucemia).

Muitas vezes a compreensão do que o paciente tem não é instantânea, mas feita por ele próprio, de forma isolada e solitária. sendo a angústia alimentada por mais tempo ainda:

Ah, eu fiquei nervoso quando a médica falou que eu tinha leucemia mielóide crônica. É o nome da minha doença. Eu falei: 'O que é isso?', assustei. Fui logo saber como era, se transmitia para alguém e tal, foi o meu primeiro pensamento, porque tem a minha esposa, tem meus filhos, eu pensei neles (Masculino, 25 anos, casado, leucemia).

Muitas das dificuldades de comunicação podem ser atribuídas à formação profissional, que não se preocupou em oferece competências específicas ao profissional, que pudessem habilitá-lo tecnicamente para conduzir o diálogo com o paciente. O problema é que esse despreparo pode ou não ser percebido pelo profissional.

As falhas na transmissão das informações podem acarretar com que a fase do diagnóstico se torne ainda mais impactante e, em muitos casos, podem dificultar o enfrentamento da situação, cujo processo apenas se inicia na tomada de consciência do problema, mas ainda está longe do seu final (Lemes & Barbosa, 2007). A comunicação ambígua pode contribuir para exacerbar a angústia do paciente, imputando um sofrimento por vezes desnecessário, ou que pelo menos pode ser evitado.

Já na primeira entrevista ele me falou que poderia ser infecção ou leucemia. E ele me deixou 30 dias na dúvida. Porque ele fez outro exame que levou 30 dias pra ficar pronto... e eu esperando. Foram os 30 dias mais longos da minha vida. (Feminino, 28 anos, casada, leucemia).

No contexto cultural em que vivemos, uma explicação médica impessoal, pautada na comunicação de taxas e previsões estatísticas de sobrevida, como se faz comumente nos Estados Unidos, não contribui para amenizar o impacto do contato com a possibilidade da finitude. Pelo contrário, esse estilo de comunicação muitas vezes faz com que o paciente perca a confiança nos profissionais que o atendem (Cruz, 2003).

Eu chorei um monte... fiquei desesperado. Ele me falou que, se eu não fizesse o transplante, ia viver cinco anos. Eu não queria ouvir isso, né? Nesse momento a minha vida estacionou. Você não tem mais planos, porque teus sonhos acabam (Masculino, 28 anos, casado, leucemia).

O despreparo profissional, aliado às dificuldades intrínsecas à tarefa de comunicação de uma má notícia, pode fazer com que, defensivamente, o médico queira se livrar da tarefa, o que pode ter enorme ressonância no paciente. Na perspectiva do profissional, trata-se de um mecanismo inconsciente de fuga ou esquiva, para tentar se evadir da carga ansiogênica. No entanto, para o paciente, o diálogo estabelecido soa como uma comunicação fria, desprovida de afeto e das propriedades do acolhimento.

A gente, quando tá com um problema assim, fica um pouco mais sensível, né? E aí ele nem me olhava. Ficou olhando só para os exames e falava como se tivesse pressa de eu sair dali (Feminino, 26 anos, casada, leucemia).

Ele contou, assim, de sopetão, que ou seria uma leucemia ou uma neoplasia. E aí, nos exames, deu neoplasia mesmo. Na hora que ele falou, eu levei um susto. Saber que você tá correndo risco de vida, que tem que se tratar de qualquer jeito... (Feminino, 29 anos, solteira, anemia aplástica grave).

INFORMAÇÕES QUE ACALMAM

Podem ser consideradas características de uma boa comunicação do diagnóstico de uma doença potencialmente fatal: a fala clara, que soa autêntica e calorosa; a verdadeira, disponibilidade para escutar e conversar, a qualquer momento em que isso se faça necessário; a preocupação em oferecer uma visão clara acerca das implicações e gravidade da doença, sem falsear a realidade, mas mantendo acesa a esperança e a confiança (Leme & Barbosa, 2007).

Uma das considerações-chave no processo de comunicar más notícias é a compreensão de que o profissional está diante de uma tarefa que, na perspectiva do paciente, implica muito mais do que receber passivamente um simples comunicado, pois se trata de um marco divisor da temporalidade em termos de antes e depois dessa experiência (Salander, 2002). Por isso, paciente e família necessitam receber algo além da mensagem fria que nomeia uma determinada doença, embalada em dados estatísticos e expectativas de prognóstico, o que demandará habilidades de escuta e acolhimento.

Chorei muito. Foi um choque porque você sabe que a doença não tem cura. Eu tava com vergonha, de tanto que eu chorava. Aí a doutora falou: "Calma. Hoje tem tratamento. Vamos fazer de tudo para te arrumar o melhor tratamento..." E que eu tivesse paciência e tal. E aí eu fui me acalmando. (Feminino, 25 anos, casada, leucemia).

A disponibilidade para a explicação do diagnóstico e suas implicações para a vida do paciente, que muitas vezes não pode ser compreendida em uma primeira conversa, foi reconhecidamente um fator que auxiliou no enfrentamento da situação adversa.

Ah, eu fiquei assustada no começo. Depois ele foi explicando, me orientando... só de saber que, se tiver dúvida, a qualquer hora você pode procurar... Nossa, isso ajuda demais (Feminino, 20 anos, casada, anemia aplástica grave).

Lá eles falaram, mas só que eu não punha na cabeça. A gente assusta. Mas só que depois eu vim para cá, aí me explicaram direito e eu fui tirando da cabeça, fui ficando mais tranquilo (Masculino, 22 anos, solteiro, leucemia).

A disponibilidade para escuta por parte do médico também foi considerada fundamental para o enfrentamento da situação e para a criação de um vínculo com esse profissional. Nesse contexto de confiança, o uso parcimonioso das informações pode auxiliar a quebrar fantasias e mitigar a angústia e o sofrimento dos pacientes.

Eu fiquei agoniado porque eu não entendi o que era leucemia... Eu tava mal, eu pensei até que podia ter algo estragado dentro de mim... que tinha bichos andando no meu corpo... sei lá... aí a médica me perguntou o que eu estava pensando... e eu falei e ela me explicou que era uma doença do sangue... e que não tinha nada estragado em mim (Masculino, 28 anos, casado, leucemia).

Para encerrar a comunicação, o que se mostrou como fonte fundamental de esperança foi a oferta da possibilidade de tratamento. Para Kovács (1998), o que há de pior na comunicação do diagnóstico é a expectativa do que vai acontecer depois e, por essa razão, o paciente necessita do conforto oferecido pela possibilidade concreta de um tratamento.

Ela falou: 'O seu problema não é tão grave, mas também não é simples. Você está com leucemia. É sério, mas tem remédio. O único remédio que pode sarar é o transplante de medula óssea, e é isso o que vamos fazer' (Feminino, 32 anos, casada, leucemia).

O médico me explicou tudinho... Mas a luz veio quando ele falou tem um jeito: o transplante... E até me arrumou duas pessoas que já fizeram o transplante para eu conversar. Então eu vi que eles estão bons e me animei bastante. Voltei a respirar de novo (Feminino, 25 anos, casada, leucemia).

A perspectiva de que existem opções de tratamento traz alento e renova a esperança do paciente em relação às possibilidades de sair com vida depois da jornada dolorosa, o que contribui para uma melhor gestão de suas emoções.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com Cruz (2003), o desafio do médico oncologista é comunicar o diagnóstico de câncer ao paciente mantendo sua esperança quanto ao uso dos recursos terapêuticos. Esse cuidado é fundamental para o enfrentamento da situação de adoecimento e futuro tratamento, ainda mais quando se consideram os efeitos potencialmente devastadores dos procedimentos médicos. Quando essa tarefa é malsucedida, a desesperança pode invadir o paciente e comprometer seu prognóstico (Barros, 2002), com consequências deletérias para a adesão ao protocolo de tratamento padronizado. Por outro lado, se bem-sucedida, a proposta de um plano de tratamento é vinculada diretamente com a possibilidade de recuperação do estado de saúde (Salander, 2002).

No cenário dos cuidados oncológicos, é preciso cuidar também das dimensões subjetivas envolvidas no adoecimento (Santos, Prado, Panobianco, & Almeida, 2011). Essa atenção é particularmente crítica na etapa do diagnóstico. No presente estudo constatamos que os pacientes necessitam receber informações claras e diretas, e que o que os assusta, mais do que a notícia, é a postura distanciada e pouco acolhedora do profissional que a comunica. Desse modo, tão importante quanto a capacidade de transmitir adequadamente uma informação técnica, é manter a capacidade de acolhimento e aperfeiçoar a habilidade de escuta das expressões emocionais do paciente. O profissional responsável pelo diagnóstico deve ter consciência de que tem uma participação pontual em um processo que, para o paciente, pode estar longe do fim (Lemes & Barbosa, 2007), e que essa porta de entrada no tratamento pode direcionar as forças restauradoras do organismo para diferentes desfechos, a depender do modo como o paciente se sente recebido nessa nova realidade inaugurada pelo adoecimento.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
Érika Arantes de Oliveira-Cardoso
E-mail: erikaao@ffclrp.usp.br

Recebido: 25/01/2017
Reformulado: 10/07/2017
Aceito: 15/09/2017

 

 

1 Érika Arantes de Oliveira-Cardoso é docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
2 Juliana Tomé Garcia é psicóloga da Unidade de Transplante de Medula Óssea do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
3 Lucas Lotério dos Santos é mestrando do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
4 Manoel Antônio dos Santos é docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

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