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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.21 no.2 Ribeirão Preto jul./dez. 2020

 

ARTIGOS

 

A teoria do estresse de minoria em lésbicas, gays e bissexuais

 

Minority stress theory in lesbian, gay, and bisexual people

 

La teoría del estrés de minoría en lesbianas, gays y bisexuales

 

 

Fernanda de Oliveira Paveltchuk1; Juliane Callegaro Borsa2

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro-RJ, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A teoria do estresse de minoria (EM) defende que minorias sociais vivenciam estressores específicos adicionais aos estressores cotidianos. Fatores individuais e do meio podem funcionar como fatores de risco e/ou de proteção no comprometimento da saúde mental de pessoas LGB. O objetivo deste estudo é apresentar e discutir a teoria do EM em indivíduos LGB por meio de uma revisão narrativa. Compreender a ocorrência do EM em pessoas LGB pode auxiliar na elaboração de planos interventivos, de ordem clínica ou social, com o objetivo de minimizar os efeitos do preconceito nestes indivíduos.

Palavras-chave: Estresse de minoria; LGB; Vulnerabilidade social; Saúde mental; Estresse social.


ABSTRACT

The minority stress (MS) theory argues that social minorities experience specific stressors added to everyday stressors. Individual and contextual factors can function as risk and/or protective factors without compromising the mental health of LGB people. This study aims to present and discuss the theory of MS in LGB individuals through a narrative review. Understanding the occurrence of MS in LGB people can assist in the elaboration of intervention plans, of a clinical or social nature to minimize the effects of prejudice in these situations.

Keywords: Minority stress; LGB; Social vulnerability; Mental health; Social stress.


RESUMEN

La teoría del estrés de minoría (EM) argumenta que las minorías sociales experimentan factores estresantes que se agregan a los factores estresantes cotidianos. Los factores individuales y contextuales pueden funcionar como factores de riesgo o protectores sin comprometer la salud mental de las personas LGB. El objetivo de este estudio es presentar y discutir la teoría de EM en individuos LGB a través de una revisión narrativa. Comprender el EM en personas LGB puede ayudar en la elaboración de planes de intervención, de naturaleza clínica o social, con el objetivo de minimizar los efectos de los prejuicios en estas situaciones.

Palabras clave: Estrés de minoría; LGB; Vulnerabilidad social; Salud mental; Estrés social.


 

 

Apesar das mudanças ocorridas na sociedade e da própria despatologização da homossexualidade, pessoas LGB apresentam maiores índices de comprometimento da saúde mental quando comparados a pessoas heterossexuais (Bränström, Hatzenbuehler, & Pachankis, 2016; Pachankis & Safren, 2019). Atualmente entende-se que isto se deve, em boa parte, ao estigma social relacionado às orientações não-heterossexuais, e não à orientação não-heterossexual em si (Valdiserri, Holtgrave, Poteat, & Beyrer, 2018). Ou seja, o estigma associado às identidades lésbicas, gays e bissexuais (LGB) é o que expõe o grupo à condição de vulnerabilidade social.

Pessoas LGB são consideradas minorias sexuais, uma vez que a sociedade entende a heterossexualidade como a norma (Skinta & Curtis, 2016). Uma minoria é um grupo que, quando comparado a um grupo privilegiado, apresenta uma série de prejuízos em decorrência do estigma que lhe é associado (Stuber, Meyer, & Link, 2008). Assim, pessoas LGB podem apresentar uma série de prejuízos sociais, como discriminação e rejeição, podendo ter diversas áreas da vida comprometidas por sua condição de minoria: profissional, familiar, social, saúde, entre outras (Meyer, 2003). Em relação à saúde mental, sabe-se que pessoas LGB podem apresentar altos níveis de depressão e ideação suicida, por exemplo (Valdiserri et al., 2018). Além disso, jovens LGB reportam altos índices de problemas na escola e familiares, como bullying e rejeição familiar (Espelage, Merrin, & Hatchel, 2016; Richter, Lindahl, & Malik, 2017).

Minorias sociais estão expostas a alguns estressores específicos adicionais aos estressores cotidianos que independem de uma posição de vulnerabilidade social (Meyer, 2003). Entende-se por estressores cotidianos todo evento que tire o organismo do equilíbrio e que independa de sua condição de minoria (Meyer, 2015). Já os estressores específicos desse grupo minoritário são aqueles relacionados às experiências de vitimização e às dificuldades das pessoas LGB lidarem com sua própria orientação sexual, levando à homofobia internalizada, ao desenvolvimento de expectativas de rejeição e à ocultação da orientação sexual (Meyer, 2003).

Devido a este contato com estressores específicos aos grupos minoritários, pessoas LGB apresentam maior propensão ao comprometimento do seu bem-estar e ao desenvolvimento de psicopatologias como depressão e ansiedade (Meyer, 2015). Considerando o exposto, o objetivo deste estudo é discutir teoricamente e explorar criticamente a teoria do Estresse de Minoria (EM) em indivíduos LGB por meio da revisão narrativa de literatura nacional e internacional. Os dados destacados foram selecionados de forma não-sistemática, a fim de construir uma compreensão teórica acerca do tema.

 

O ESTRESSE DE MINORIA EM INDIVÍDUOS LGB

Pessoas estigmatizadas precisam se adaptar em maior nível às situações cotidianas do que os não-estigmatizados pois, conforme já referido, têm contato com estressores específicos ao grupo minoritário ao qual pertencem e que se somam aos estressores cotidianos comuns a todas as pessoas (Pachankis & Safren, 2019). Por exemplo, a relação com familiares e amigos é comprometida pelo status de minoria, assim como a busca por empregos, exigindo um maior esforço por parte de pessoas LGB para se adaptar a este tipo de situação (Pachankis, Hatzenbuehler, Rendina, Safren, & Parsons, 2015). Neste sentido, o EM funciona como um estresse adicional aos estressores do cotidiano, com os quais todos os tipos de pessoa convivem: todos podem se casar, se divorciar, ser admitidos em um emprego ou demitidos, mas apenas pessoas LGB experienciam estes eventos a partir de seu status de minoria.

O conceito de EM funciona como uma importante ferramenta para a compreensão das condições internas e externas vividas por indivíduos LGB, tais como expectativas de rejeição, discriminação, ocultação da sexualidade versus saída do armário, construção de uma identidade LGB, homofobia internalizada, entre outros (Meyer, 2003). A Teoria do EM foi desenvolvida por Meyer (2003), nos Estados Unidos, no início dos anos 2000, com o objetivo de sistematizar as condições específicas vividas por pessoas LGB, e explicar de que modo tais condições impactariam em desfechos positivos e negativos de saúde mental neste grupo. A Teoria do EM propõe três tipos de estressores: 1) experiências de vitimização, caracterizada pelo preconceito, violência, rejeição e agressão relacionadas à orientação sexual; 2) homofobia internalizada, relacionada a ideias aversivas de uma pessoa LGB acerca de sua própria sexualidade); e 3) ocultação da orientação sexual, quando esconde sua identidade LGB de si e/ou de outros (Meyer, 2003). Trata-se de um dos modelos teóricos mais utilizados para explicar de que forma os processos de estigmatização podem estar relacionados aos desfechos negativos proeminentes na saúde mental de pessoas LGB (Pachankis et al., 2015).

A teoria do EM é interseccional, pois defende que quanto mais status de minoria se acumularem (por exemplo, raça/etnia, classe social e orientação sexual), mais prejuízos na saúde mental a pessoa terá (Pachankis et al., 2015). Cabe destacar que a teoria do EM foi desenvolvida especificamente para pessoas LGB, tendo sido adaptada recentemente para outros grupos minoritários como a população transgênero (Hendricks & Testa, 2012; Tebbe & Moradi, 2012) e pessoas LGB não-brancas (Hayes, Chun‐Kennedy, Edens, & Locke, 2011). Essa adaptação é necessária pois os estressores serão diferentes e específicos para cada tipo de minoria (Meyer, 2003).

Lea, de Wit e Reynolds (2014) realizaram um estudo com o objetivo de testar relações entre o EM e estresse psicológico, suicídio e abuso de substâncias em pessoas LGB da Austrália. Os pesquisadores encontraram evidências de que estar exposto a estressores crônicos em decorrência de ser uma minoria está associado a níveis mais baixos de saúde mental, embora não tenham encontrado relação direta do EM com abuso de substâncias. Velez, Moradi e Brewster (2013) testaram a teoria do EM em contexto organizacional, verificando se existia associação entre o EM, estresse psicológico e menores níveis de relação entre o trabalho: os resultados indicaram que as variáveis estão relacionadas. Dunn, Gonzalez, Costa, Nardi e Iantaffi (2013) testaram o modelo teórico do EM numa amostra de homens gays e bissexuais brasileiros. O estudo buscou verificar se o EM poderia predizer sintomas depressivos, e qual seria o impacto da resiliência na relação entre o EM e a depressão. Os resultados mostraram que experiências de vitimização e homofobia internalizada predisseram sintomas depressivos, mas a ocultação da orientação sexual não apresentou o mesmo impacto. A resiliência, neste estudo, funcionou como moderadora da relação entre ocultação da orientação sexual e sintomas depressivos em homens gays e bissexuais.

O conceito de EM também permite investigar a maneira com que essas condições estão associadas à saúde mental de indivíduos LGB. Burton, Marshal, Chisolm, Sucato e Friedman (2013) verificaram em um estudo longitudinal com aplicações de questionários em um intervalo de seis meses por dois anos que experiências de vitimização estão associadas a sintomas depressivos e ideação suicida em jovens LGB. Estes resultados estão de acordo com os achados de Parra, Benibgui, Helm e Hastings (2016), que apontou associação entre EM, níveis elevados de cortisol diurno e maiores índices de depressão. Neste contexto, é válido também compreender de que maneira os componentes do EM (experiências de vitimização, homofobia internalizada, expectativas de rejeição e ocultação da orientação sexual) se comportam individualmente com as demais variáveis do modelo teórico.

Estar em contato com experiências de vitimização, de ordem verbal ou física, pode afetar a saúde mental de um grupo estigmatizado (Meyer, Schwartz, & Frost, 2008). A vitimização pode estar associada a altos níveis de ansiedade e depressão (Birkett, Espelage, & Koenig, 2009). Experiências de discriminação em contexto escolar, por sua vez, estão associadas a prejuízos na saúde mental, assim como associam-se à presença de ideação suicida em jovens gays e bissexuais (Russell, Ryan, Toomey, Diaz, & Sanchez, 2011). Esta associação entre vitimização e saúde mental pode ser explicada a partir do constante estado de alerta a que uma pessoa LGB está submetida, treinada a esperar reações hostis de todas as pessoas (Levounis, Drescher, & Barber, 2014). A expectativa de rejeição faz sentido, uma vez que a violência contra pessoas LGB pode ser proveniente dos mais diversos meios: familiar, escolar ou profissional, de amigos e de desconhecidos (Borrillo, 2010). Além disso, a posição de minoria funciona como um fator de vulnerabilidade, uma vez que a pessoa LGB está constantemente exposta a situações de violência (Dunn et al., 2013). Assim, pessoas LGB estão submetidas ao estresse gerado não apenas pela hostilidade em si, mas também pela antecipação de violências que possam vir a ocorrer cotidianamente (Pachankis & Goldfried, 2006).

Outro componente do EM é a homofobia internalizada (HI). A HI pode culminar na rejeição da sexualidade e se caracteriza por um constante conflito entre ser LGB e o desejo de não o ser (Herek, Gillis, & Cogan, 2015). Assim, pessoas LGB com HI reconhecem a atração sexual por pessoas do mesmo gênero, mas podem experienciar emoções negativas ao senti-la e até mesmo buscar suprimi-la (Dunn et al., 2013).

Fatores socioambientais têm papel decisivo na formação das crenças de pessoas LGB a respeito de sua orientação sexual (Balsam, Martell, Jones, & Safren, 2019). Indivíduos que façam parte deste grupo por vezes crescem e vivem em ambientes altamente estressores, podendo haver discriminação e estigma mesmo no núcleo intrafamiliar, o que não acontece com minorias étnicas, por exemplo (Pachankis et al., 2015). Além disso, a vivência do estresse pelo estigma social ajuda a fortalecer o filtro que tende a identificar mais depressa as situações ruins (Stuber et al., 2008). No processo do desenvolvimento da identidade LGB, é possível que as pessoas experienciem a HI e terminem por superá-la, mas em alguns casos esse processo de elaboração da identidade sexual pode não acontecer (Frost & Meyer, 2009). A homofobia internalizada pode ter impacto negativo no autoconceito de pessoas LGB de forma geral, chegando a afetar a saúde mental e o bem-estar dessas pessoas (Herrick et al., 2013).

As expectativas de rejeição podem estar associadas à ocultação da orientação sexual, facilitando a ocorrência de estresse para pessoas LGB (Pachankis & Safren, 2019). A sensação de não estar vivendo uma vida autêntica pode gerar desconfortos que podem culminar em quadros depressivos ou ansiosos (Pachankis, Cochran, & Mays, 2015). Isto acontece pois, além de não poder se expressar livremente, a pessoa LGB que oculta sua orientação sexual se mantém num constante estado de atenção autofocada a fim de manter uma postura que não revele sua verdadeira orientação sexual (Levounis et al., 2014). Neste sentido, parece haver uma relação entre a ocultação da sexualidade e o desenvolvimento de psicopatologias, como o transtorno de ansiedade social, por exemplo: a ansiedade social está associada à antecipação de eventos negativos de cunho discriminatório, bastante comuns entre pessoas LGB que ocultem sua orientação sexual (Pachankis & Goldfried, 2006). Porém, nem sempre a revelação da orientação sexual é garantia de eliminação de estresse: assumindo a sexualidade, a pessoa LGB está mais exposta a riscos de vitimização (Dunn et al., 2013). Neste sentido, ao se desassociar de um estressor, é possível acabar tendo mais contato com outro, a depender do contexto no qual a pessoa esteja inserida (Pachankis et al., 2015).

 

FATORES DE RISCO E PROTEÇÃO AO ESTRESSE DE MINORIA

Além dos componentes estressores discutidos anteriormente, o modelo teórico do EM sugere alguns fatores moderadores na ocorrência do estresse vivenciado por indivíduos não-heterossexuais. Tais fatores exerceriam influência nas respostas de gays, lésbicas e bissexuais às vivências de estigmatização e discriminação, afetando sua saúde mental (Dunn et al., 2013). Assim, os desfechos de saúde mental de pessoas LGB dependeriam não apenas dos níveis de EM apresentados, mas também de fatores individuais e sociais que poderiam atenuar ou agravar a experiência de existir como minoria (Meyer, 2003).

As relações interpessoais e o modo como os pares dos indivíduos LGB lidam com a homo ou bissexualidade têm sido estudados como fatores moderadores da relação entre o EM e a saúde mental das pessoas LGB (Doty, Willoughby, Lindahl, & Malik, 2010). A interação com os pares é um fator importante no contexto da pessoa LGB, uma vez que o suporte social está relacionado a uma redução do impacto negativo das experiências ligadas ao EM (Wong, Schrager, Holloway, Meyer, & Kipke, 2014). Além disso, cabe destacar que o suporte social relacionado à orientação sexual e à condição de minoria pode ser algo mais difícil de ser encontrado entre pares heterossexuais de pessoas LGB (Doty et al., 2010). Ou seja, pessoas heterossexuais podem prestar níveis similares de apoio, seja ele informativo, afetivo ou material, mas podem diminuir o nível de apoio quando a orientação sexual da pessoa LGB for o foco da demanda. Por exemplo, os familiares de uma adolescente lésbica podem continuar a prover apoio material, como gerir os gastos ou cuidar dela em caso de doença, mas podem não querer falar sobre sua sexualidade, invisibilizando-a.

Neste contexto, o suporte social tem se mostrado um importante fator de proteção, diminuindo riscos de depressão e outros tipos de sofrimentos psíquicos (Fredriksen-Goldsen et al., 2013). Doty et al. (2010) avaliaram a relação do suporte social associado à orientação sexual aos índices de saúde mental de jovens LGB: os resultados revelaram associação entre altos níveis de suporte social à orientação sexual e menores índices de estresse psicológico e estresse derivado da condição de minoria de orientação sexual. Ainda, o suporte social se destacou como fator de risco ou proteção na relação entre estresse e saúde, associando-se a maior remissão de sintomas de depressão em pacientes diagnosticados (Ozbay et al., 2008) e a desfechos positivos de saúde mental (Doty et al., 2010; Ozbay et al., 2008).

A qualidade da relação familiar pode contribuir, também, para a produção de saúde e doença mental nesses grupos (Souza, Baptista, & Alves, 2008), já que a aceitação familiar está relacionada a maiores níveis de autoestima e suporte social, além de estar negativamente relacionada à depressão, abuso de substâncias e ideação suicida entre pessoas LGB (Ryan, Russell, Huebner, Diaz, & Sanchez, 2010). Donahue, Långström, Lundström, Lichtenstein e Forsman (2017), comparando gêmeos heterossexuais e não-heterossexuais, perceberam maior impacto dos fatores estressores familiares (genéticos e socioambientais) na saúde mental dos respondentes não-heterossexuais do que de seus irmãos heterossexuais. Ryan, Huebner, Díaz e Sanchez (2008) encontraram maiores índices de suicídio, depressão e abuso de substâncias entre LGBs que também reportaram maior rejeição familiar quando comparados às pessoas LGB que apresentaram índices menores do mesmo tipo de rejeição (Ryan et al., 2008). Por outro lado, a aceitação familiar está associada a maior autoaceitação da orientação sexual e índices mais altos de revelação da orientação sexual (Shilo & Savaya, 2011), e a maiores níveis de bem-estar (Shilo & Savaya, 2011). Em jovens LGB, a aceitação dos pais parece estar associada ao desenvolvimento de identidades saudáveis (Katz-Wise, Rosario, & Tsappis, 2016). Ademais, parece haver diferença entre os índices de suporte social associado à orientação sexual provenientes de família e amigos heterossexuais quando comparados a amigos não-heterossexuais (Doty et al., 2010).

Além de suporte social geral e suporte familiar, o apoio da comunidade de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT) também pode funcionar como fator protetivo ao estresse (Frost & Meyer, 2012). A conectividade comunitária é definida como a percepção de laços sociais recíprocos que um indivíduo estabelece com um grupo do qual faça parte (Whitlock, 2007). Este sentimento de proximidade a um grupo está associado a níveis mais altos de bem-estar, menores prejuízos na saúde mental (Lee, Dean, & Jung, 2008) e níveis mais baixos de homofobia internalizada, especialmente em áreas urbanas (Morandini, Blasczczynski, Dar-Nimrod, & Ross, 2015; Puckett, Levitt, Horne, & Hayes-Skelton, 2015). A conectividade comunitária é entendida como uma estratégia de enfrentamento coletiva e está associada à compreensão de identidade, identidade coletiva e desfechos de saúde mental (Kertzner, Meyer, Frost, & Stirratt, 2009). Assim, o suporte familiar, a construção de uma nova rede de apoio social (muitas vezes chamada de segunda família ou nova família pelas pessoas LGB) e a identificação com outras pessoas LGB são elementos importantes no bem-estar de quem faz parte deste grupo (Meyer, 2015).

Pode-se destacar também os fatores protetivos de ordem individual (Meyer, 2003). As características da identidade de minoria, tais como valência e importância da orientação sexual, podem funcionar como fatores de risco ou proteção no comprometimento da saúde mental de indivíduos LGB (Meyer, 2003). Neste sentido, os níveis de identidade social podem moderar a relação entre o EM e os desfechos de saúde mental. Uma identidade social fortalecida está associada a índices mais altos de autoestima e de autoestima grupal (Meyer, 2003; Senos, 1997). Outro fator individual que pode funcionar como proteção no desenvolvimento de psicopatologias é a autoestima (Rosenberg, Schooler, Schoenbach, & Rosenberg, 1995). A autoestima está associada a maiores índices de bem-estar e de satisfação com a vida (Freire & Tavares, 2011), e ao desenvolvimento de estratégias de coping para situações específicas (Antoniazzi, Souza, & Hutz, 2009).

As relações estabelecidas entre indivíduo e contexto interferem no desenvolvimento do autoconceito positivo (Schultheisz & Aprile, 2015). Em indivíduos LGB, a autoestima está associada a menores índices de homofobia internalizada e de experiências de vitimização (Blais, Gervais, & Hébert, 2014). Características individuais como a personalidade também podem impactar a relação entre o EM e os desfechos de saúde mental (Meyer, 2003). Estudos baseados no modelo dos cinco grandes fatores de personalidade (Big Five Model), (Cattell, 1965) sugerem que pessoas LGB com altos níveis de EM apresentam maiores índices de neuroticismo e menores índices de extroversão, sociabilidade, abertura e conscienciosidade quando comparados a pessoas LGB com menores índices de EM (Livingston, Oost, Heck, & Cochran, 2015). Além disso, os fatores extroversão e conscienciosidade podem impactar positiva e negativamente, respectivamente, os níveis de abuso de substâncias (Livingston et al., 2015) em indivíduos LGB.

 

IMPLICAÇÕES DA TEORIA DO ESTRESSE DE MINORIA PARA O CAMPO DA PSICOLOGIA BRASILEIRA

No Brasil, ainda existe um forte discurso estigmatizador quanto à orientação não-heterossexual (Sousa, 2017). Este discurso, como compreendido pela teoria do EM, tem implicações práticas na saúde mental de pessoas LGB (Meyer, 2003). A partir disso, em 1999, o Conselho Federal de Psicologia estabeleceu, por meio da Resolução nº 001/99, que os psicólogos não podem engajar-se em fazeres que considerem a homossexualidade uma doença a ser curada ou uma problemática a ser revertida (Conselho Federal de Psicologia, 1999).

Em 2017, um pequeno grupo de psicólogos recorreu à justiça contra a Resolução nº 001/99 (Conselho Federal de Psicologia, 1999), buscando respaldo para que pudessem pesquisar e realizar terapias de conversão sexual (popularmente conhecida como cura gay) (Flentje, Heck, & Cochran, 2014), isto é, conversão à heterossexualidade, caso assim fosse da vontade do cliente a buscar o serviço (Sousa, 2017). Infelizmente, a justiça entendeu, por meio de liminar (Brasil, 2017) que a autonomia e vontade do cliente são o fator primordial no estudo e implementação de práticas de reorientação sexual. Tal sentença abriu precedentes para o não impedimento de pesquisas sobre métodos de reversão da orientação sexual. Tal visão ignora os mecanismos do estresse de minoria que explicariam tal vontade, como a presença de homofobia internalizada, experiências de discriminação sofridas ao longo da vida e as próprias expectativas de rejeição social (Meyer, 2015). Para a população LGB, práticas desse tipo podem ser entendidas como antiéticas, pois podem funcionar como reforçadoras do estigma contra orientações não-heterossexuais, que pode comprometer sua saúde mental, suas relações interpessoais e sua visão de si (Pachankis et al., 2015). Além disso, sabe-se que terapias de reorientação sexual podem gerar danos na saúde mental daqueles que a elas são submetidos, infringindo os parâmetros de segurança das práticas psicológicas baseadas em evidências (Drescher et al., 2016).

Enquanto profissionais de Psicologia, é imprescindível perceber as razões que levam pessoas LGB a buscarem uma possível reorientação sexual. Uma pessoa que experiencie altos índices de vitimização e homofobia internalizada, por exemplo, pode ter suas expectativas de rejeição ampliadas e buscar esse tipo de tratamento a fim de ser aceita. Além disso, a rejeição familiar também pode ser um fator que leva pessoas LGB a buscarem terapias de reorientação sexual (Flentje et al., 2014). Assim, é fundamental que as práticas profissionais dos psicólogos frente à população LGB sejam baseadas em evidências científicas e respaldadas eticamente (Pachankis et al., 2015). Sabe-se que as práticas de reorientação sexual, além de serem reflexo do preconceito e do estigma presentes na sociedade, parecem gerar ônus naqueles que são submetidos ou se submetem a elas, levando-os a maior homofobia internalizada, ansiedade e depressão (Flentje et al., 2014). Um estudo recente, realizado de 2016 a 2018, aponta que pessoas LGB adultas submetidas a terapias de reorientação sexual apresentaram índices de ideação suicida duas vezes maiores do que aquelas que não foram submetidas a tais intervenções (Blosnich, Henderson, Coulter, Goldbach, & Meyer, 2020).

Em decorrência da heteronormatividade, as práticas psicológicas ainda estão em processo de atualização e têm um caminho largo a progredir: muitas vezes, ao considerar a heterossexualidade como norma, invisibiliza-se a homo e a bissexualidade. Isto pode variar desde o oferecimento de tratamentos de reorientação sexual a pessoas LGB até a construção de instrumentos psicológicos com itens como "fico nervoso na presença de pessoas do sexo oposto" (Martell, Safren, & Prince, 2004). Até a publicação do DSM - IV (American Psychiatric Association, 1994), sentir ansiedade ao interagir com o sexo oposto era um sintoma de ansiedade social; portanto, instrumentos que avaliassem o transtorno poderiam apresentar itens relacionados ao tópico, assumindo que a sexualidade de todos é a heterossexual. Isto pode levar a vieses no processo de avaliação psicológica e na construção do instrumento em si, já que um item como este, por exemplo, não atinge homens gays e mulheres lésbicas, e possivelmente não mede ansiedade social em pessoas bissexuais. Assim, vale utilizar a teoria do EM na revisão de tais concepções com vistas à atualização dos diagnósticos e intervenções, de forma que não se perpetuem práticas psicológicas baseadas em modelos já ultrapassados de compreensão do mundo e das relações humanas, sejam elas em pesquisa ou na atuação clínica.

Exemplos de como a teoria do EM pode auxiliar no planejamento de intervenções são os protocolo em terapia cognitivo-comportamental (TCC) desenvolvidos por Pachankis et al. (2015) e Pachankis et al. (2020), com o objetivo de promover o bem-estar em homens gays e bissexuais e mulheres lésbicas e bissexuais com altos índices de EM, e o estudo comparativo entre protocolos de TCC tradicional e terapia focada em compaixão em um grupo de pessoas LGB com sintomatologia depressiva (Pepping et al., 2017). Estes protocolos podem auxiliar na dissolução e/ou reestruturação de crenças distorcidas que pessoas LGB tenham a respeito de si, dos outros e do mundo, tal como auxiliar a quebra de padrões comportamentais disfuncionais em pessoas deste grupo. Além disto, intervenções com pais e familiares próximos de pessoas LGB podem ser uma prática afirmativa que utiliza a teoria do estresse de minoria como base, agindo em um dos fatores moderadores do EM com os desfechos de saúde mental: o suporte familiar (Donahue et al., 2017). A proposta deste tipo de intervenção é orientar pais e familiares a respeito de a homo ou bissexualidade ser uma expressão natural da sexualidade humana, e alertá-los a respeito dos mecanismos de EM a que pessoas LGB são submetidas, de forma que munidos destas informações possam mudar comportamentos e ideias. No Brasil, pode ser interessante o desenvolvimento e a adaptação de protocolos e propostas interventivas que façam sentido quanto a demandas específicas de pessoas LGB do país.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O EM pode ser entendido como um estresse decorrente da condição de minoria social de alguns grupos (Meyer, 2003). Neste estudo, explorou-se o EM referente a minorias sexuais, ou seja, o estresse experienciado por aqueles indivíduos que se entendem como não-heterossexuais. Conforme exposto, a teoria do EM é interseccional, ou seja, propõe que quanto mais status de minorias um indivíduo possuir, maiores serão as chances de que ele tenha sua saúde mental comprometida. Assim, no presente trabalho foram destacados alguns estressores de minorias e fatores de risco e proteção, como suporte familiar, autoestima, conectividade comunitária, entre outros. Obviamente, tendo sido uma revisão teórica narrativa e não-sistemática, não se pôde objetivar mais do que uma breve exposição do tema. Porém, mesmo com limitações, o presente artigo apresentou o modelo teórico do EM em indivíduos LGB, já que se trata de um tema ainda pouco conhecido no contexto brasileiro. Investigar o EM pode ser útil no desenvolvimento de pesquisas de caráter transversal, como avaliações de saúde mental e fatores protetivos e de risco de pessoas LGB, a fim de se construir uma compreensão mais ampla das condições de vida deste grupo no Brasil. Ademais, compreender de que forma esta teoria explica os desfechos de saúde mental comprometidos de pessoas LGB pode auxiliar na elaboração de planos interventivos, de ordem clínica ou social, com o objetivo de minimizar os efeitos do preconceito naqueles que já estão submetidos a ele.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
Fernanda de Oliveira Paveltchuk
E-mail: paveltchuk@gmail.com

Recebido: 18/04/2018
Reformulado: 22/03/2020
Aceito: 23/03/2020

 

 

1 Fernanda de Oliveira Paveltchuk é mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
2 Juliane Callegaro Borsa é docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

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