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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão impressa ISSN 1679-3390

Rev. bras. orientac. prof vol.16 no.1 São Paulo jun. 2015

 

ARTIGO

 

Escala de adaptabilidade de carreira: evidências de validade em universitários brasileiros1

 

Career adapt-abilities scale: evidences of validity in brazilian university students

 

Escala de adaptabilidad de carrera: evidencias de validez en estudiantes universitarios brasileños

 

 

Alyane Audibert; Marco Antônio Pereira Teixeira

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo teve por objetivo revisar a versão brasileira da Escala de Adaptabilidade de Carreira (EAC) e obter evidências de validade e fidedignidade para a mesma. A EAC tem quatro dimensões: preocupação, controle, curiosidade e confiança. Participaram 990 universitários (64,2% mulheres), com média de idade de 25,8 anos. Os instrumentos utilizados foram uma ficha sociodemográfica e a EAC. A coleta de dados foi realizada de forma online e presencial. Como esperado, os resultados de análises fatoriais confirmatórias indicaram um ajuste satisfatório para um modelo de quatro fatores hierárquico (com um fator de segunda ordem). Os índices de fidedignidade obtidos também foram adequados. Discutem-se as limitações do estudo e sugerem-se possibilidades para estudos futuros.

Palavras-chave: adaptabilidade de carreira; orientação profissional; avaliação psicológica; universitários


ABSTRACT

This study aimed to review the Brazilian version of the Career Adapt-Abilities Scale (CAAS) obtaining validity and reliability evidences for it. The scale has four dimensions: concern, control, curiosity and confidence. Nine hundred and ninety college students participated in the study (64.2% women), with an age mean of 25.8 years old. The instruments used in this study were a sociodemographic questionnaire and the CAAS. Data were collected both online and on a face-to-face basis. As expected, confirmatory factorial analysis results indicated a satisfactory adjustment for a hierarchical model with four factors (and with one factor of second order). Reliability indices were also appropriate. Limitations of the study are discussed and possibilities for future investigations are suggested.

Keywords: career adaptability, career counseling, psychological assessment, university students


RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo revisar la versión brasileña de la Escala de Adaptabilidad de Carrera (EAC) y la obtención de evidencias de validez y confiabilidad de la misma. La escala se compone de cuatro dimensiones: preocupación, control, curiosidad y confianza. Novecientos noventa estudiantes universitarios participaron en la pesquisa (64,2% mujeres), con una edad media de 25,8. Los instrumentos utilizados fueron un cuestionario sociodemográfico y la EAC. Los datos fueron recogidos tanto en línea como en forma presencial. Como era esperado, los resultados de los análisis factoriales confirmatorios demostraron un ajuste satisfactorio para un modelo jerárquico con cuatro factores (y con un factor de segundo orden). Los índices de confiabilidad también fueron apropiados. Se discuten las limitaciones del estudio, y son sugeridas posibilidades de futuras investigaciones.

Palabras-clave: adaptabilidad de carrera, orientación profesional, evaluación psicológica, estudiantes universitarios


 

 

A adaptabilidade de carreira é um construto importante na teoria desenvolvimentista de carreira e em sua vertente construtivista mais recente (Savickas, 2005, 2013). Refere-se, em sentido amplo, à capacidade que uma pessoa tem para lidar com transições profissionais, sendo uma competência cada vez mais necessária no contexto atual do mundo do trabalho, o qual é marcado por mudanças rápidas e muitas vezes, imprevisíveis (Savickas et al., 2009). Quando o termo foi criado, era uma extensão de outro conceito do campo do desenvolvimento vocacional chamado de maturidade vocacional ou de carreira, definida como a capacidade do indivíduo para enfrentar as tarefas típicas do seu estágio de desenvolvimento profissional (Ambiel, 2014; Super, Savickas, & Super, 1996), havendo um foco predominante nas fases de adolescência e início da vida adulta. A associação conceitual entre a maturidade vocacional e as etapas iniciais do desenvolvimento de carreira foi consequência de uma visão predominantemente linear de desenvolvimento que a teoria evolutiva sustentou até meados do século XX. Considerava-se, assim, que as tarefas de escolher uma ocupação e de se inserir no mercado de trabalho eram específicas da adolescência e adultez jovem, sendo que uma boa decisão resultaria da maturidade do indivíduo para fazer a escolha. Uma vez feita a escolha ocupacional, ao final da fase exploratória, o indivíduo progrediria para dar conta das fases subsequentes (Super et al., 1996).

Desta forma, uma vez estabelecida a maturidade vocacional de um indivíduo, sua trajetória ocupacional futura seria, em grande parte, linear, exigindo poucos movimentos de revisão do autoconceito vocacional e de exploração de possibilidades (Ambiel, 2014). Isto não significa que a teoria desconhecesse a ocorrência de transições nos percursos ocupacionais das pessoas. Apenas considerava estas transições menos importantes que a grande transição que caracteriza a primeira escolha profissional e a entrada no mundo do trabalho. Para as demais transições e ajustes necessários ao longo da vida de trabalho, foi cunhado o termo adaptabilidade de carreira, sendo ele associado à vida adulta (Ambiel, 2014; Super et al., 1996).

Em função das expressivas mudanças ocorridas no mundo do trabalho, especialmente no fim do século passado e início deste, que diminuíram a previsibilidade das trajetórias profissionais e passaram a exigir dos indivíduos uma constante capacidade de adaptação, Savickas (1997) propôs que o conceito de maturidade vocacional fosse substituído pelo de adaptabilidade de carreira para todo o ciclo vital. O resgate do conceito de adaptabilidade fez parte de um contexto de revisão e ampliação da teoria original de Donald Super, que busca um modelo teórico de desenvolvimento de carreira mais contextualizado e reconhece a instabilidade e a imprevisibilidade do mundo do trabalho na contemporaneidade, bem como as possibilidades de transformação inerentes ao desenvolvimento humano. Estes avanços teóricos, em grande parte derivados das ideias de Super, têm sido organizados sob os nomes de Teoria da Construção da Carreira (ou construtivista de carreira) (Savickas, 2002, 2005, 2013) e Teoria da Construção da Vida (Savickas et al., 2009).

Atualmente, a adaptabilidade tem sido definida como a prontidão e os recursos utilizados pelos indivíduos ao se confrontarem com tarefas atuais e antecipadas do desenvolvimento vocacional, com transições ocupacionais e traumas pessoais a fim de que consigam resolver problemas que se apresentam geralmente desconhecidos, mal definidos e sempre complexos (Savickas, 2005, 2013). Nesta definição, a adaptabilidade é entendida como um construto multidimensional composto por quatro domínios ou dimensões principais: preocupação (concern), controle (control), curiosidade (curiosity) e confiança (confidence). A primeira dimensão, career concern, refere-se à preocupação em relação ao próprio futuro como trabalhador. Possuir um senso de orientação quanto ao futuro vocacional leva o indivíduo a atitudes de planejamento, antecipação e preparação. A segunda dimensão, career control - controle -, diz respeito a sentir-se responsável por construir a própria carreira, o que implica uma postura ativa em fazer escolhas e determinar o futuro profissional. Esta postura leva os indivíduos ao enfrentamento das questões vocacionais de forma assertiva ao invés de conduzir à procrastinação. A dimensão curiosity - curiosidade - refere-se à iniciativa para fazer descobertas e buscar aprendizados sobre oportunidades e atividades de trabalho em que o indivíduo gostaria de se engajar. Envolve o autoconhecimento e o conhecimento sobre o mundo ocupacional. A quarta dimensão da adaptabilidade de carreira proposta por Savickas (2005) é chamada career confidence - confiança em relação à carreira. Esta diz respeito à crença do indivíduo em sua competência para empreender os esforços necessários a fim de atingir os seus objetivos, mesmo em face de obstáculos.

Embora a definição de adaptabilidade de carreira proposta por Savickas (2005) seja uma das mais difundidas e empregadas atualmente, até recentemente não havia um instrumento específico que possibilitasse uma operacionalização do construto. Em alguns estudos, a adaptabilidade foi operacionalizada através da combinação de medidas de outros construtos, tais como: planejamento de carreira, exploração e tomada de decisão (Balin & Hirschi, 2010); planejamento, exploração, tomada de decisão e autorregulação (Creed, Fallon, & Hood, 2009; Yousefi, Abedi, Baghban, Eatemadi, & Abedi, 2011); planejamento, exploração, tomada de decisão e confiança (Hirschi, 2009; Koen, Klehe, van Vianen, Zikic, & Nauta, 2010; Stringer, Kerpelman, & Skorikov, 2011); autoeficácia para decisão de carreira e comprometimento com a escolha (Duffy & Blustein, 2005); autoeficácia, exploração e competência (Duffy, 2010), entre outros.

Outras pesquisas avaliaram a adaptabilidade de carreira usando o modelo de desenvolvimento vocacional de Donald Super, que engloba cinco dimensões: duas dimensões atitudinais (planejamento pessoal e exploração), duas dimensões cognitivas (informação e tomada de decisão) e a dimensão orientação para a realidade (Cairo, Kritis, & Myers,1996; Duarte, 2000). Cabe ainda mencionar a existência do instrumento Career Futures Inventory - CFI (Rottinghaus, Day, & Borgen, 2005), que apresenta uma dimensão que foi denominada adaptabilidade de carreira. O construto foi definido neste instrumento como a capacidade percebida de planejar e ajustar a carreira e outras responsabilidades de trabalho, especialmente, frente a eventos imprevistos (Rottinghaus et al., 2005). Posteriormente, o CFI foi revisado e a escala de adaptabilidade foi redefinida para agência de carreira (career agency), sendo este construto entendido como a capacidade percebida de reflexão para intencionalmente iniciar, controlar e administrar transições de carreira (Rottinghaus, Buelow, Matyja, & Schneider, 2012).

Como se percebe, apesar da relevância teórica e prática do construto da adaptabilidade de carreira, a sua definição e operacionalização não são consensuais. Em virtude disso, a partir de 2008, um grupo de psicólogos vocacionais reuniu esforços para elaborar um instrumento internacional e obter evidências de validade e de fidedignidade para o mesmo, através de um projeto chamado International Career Adaptability Project (Savickas & Porfeli, 2012). O grupo optou por elaborar conjuntamente os itens do instrumento ao invés de desenvolver a medida em apenas um país e depois adaptá-la aos contextos culturais e às demais línguas. O modelo teórico adotado foi o de quatro dimensões descrito em Savickas (2005), e já apresentado anteriormente.

Um conjunto de 44 itens compôs a versão inicial de pesquisa da Career Adapt-Abilities Scale - CAAS (Escala de Adaptabilidade de Carreira - EAC), que foi administrada em estudantes e trabalhadores adultos de diversos países após tradução do inglês para as línguas de cada país. Análises confirmatórias realizadas com os dados combinados desses países resultaram em uma versão final do instrumento internacional com 24 itens (seis por dimensão) (Savickas & Porfeli, 2012). O modelo confirmatório proposto e testado foi de quatro fatores de primeira ordem (correspondente às dimensões preocupação, controle, confiança e curiosidade) subordinados hierarquicamente a um fator geral de segunda ordem (denominado adaptabilidade). Os dados combinados dos diversos países evidenciaram ajuste satisfatório (ainda que um pouco abaixo do ideal) para o modelo (Comparative Fit Index - CFI = 0,93; Root Mean Square Error of Aproximation - RMSEA = 0,048). Além disso, os índices de consistência interna observados também foram adequados: 0,83 (preocupação), 0,74 (controle), 0,79 (curiosidade) e 0,85 (confiança) (Savickas & Porfeli, 2012).

Análises com dados obtidos em 11 países, separadamente, apresentaram resultados muito similares (Savickas & Porfeli, 2012). Os índices de ajuste CFI variaram de 0,85 a 0,94, e o RMSEA apresentou valores entre 0,046 e 0,078. Embora os índices de ajuste não tenham sido ideais para a maioria dos países (por exemplo, CFI acima de 0,95, como sugerido por Schreiber, Stage, King, Norae e Barlow, 2006), os resultados foram considerados, de um modo geral, satisfatórios, sendo tomados como evidências de validade para o instrumento. A consistência interna observada para a escala total e suas subescalas variou, nas amostras dos diversos países, de satisfatória a muito boa (sendo considerada boa a partir de 0,80): preocupação (0,76 a 0,90), controle (0,65 a 0,90), curiosidade (0,70 a 0,89), confiança (0,71 a 0,96) e escala total (0,87 a 0,96) (Savickas & Porfeli, 2012).

A EAC também foi adaptada e testada em Portugal e no Brasil. Inicialmente Portugal participou do grupo internacional que criou os primeiros itens do instrumento. Posteriormente a equipe brasileira juntou-se à equipe portuguesa e adaptou os itens já traduzidos em Portugal para o português brasileiro. Contudo, em relação à versão-base em língua inglesa de 44 itens, as versões portuguesa e brasileira apresentaram algumas especificidades, em virtude de mudanças na redação em três itens realizadas pelo grupo internacional e que não foram comunicadas à equipe portuguesa. Infelizmente, dois dos três itens modificados compuseram a versão final do instrumento internacional com 24 itens. Por conseguinte, as escalas finais, portuguesa e brasileira, ficaram com dois itens a menos em relação à versão internacional (Duarte et al., 2012; Teixeira, Bardagi, Lassance, Magalhães, & Duarte, 2012).

Apesar de contarem com apenas 22 itens, as análises confirmatórias revelaram índices de ajuste para o modelo semelhantes aos obtidos em outros países. O RMSEA foi 0,061 em Portugal e 0,059 no Brasil, enquanto o CFI foi 0,97 em Portugal e não foi informado no estudo brasileiro (Duarte et al., 2012; Teixeira et al., 2012). Os índices de consistência interna obtidos no estudo brasileiro foram 0,77 (preocupação), 0,76 (controle), 0,81 (curiosidade), 0,82 (confiança) e 0,91 (escala total), valores que podem ser considerados bons, de um modo geral.

Houve ainda uma tendência dos escores em Portugal e no Brasil serem mais elevados do que nos demais países (Savickas & Porfeli, 2012). Tal efeito pode estar relacionado com a forma como foram definidas as âncoras da chave de respostas utilizada no instrumento. No caso brasileiro, 13 itens apresentaram médias iguais ou superiores a 4,0 e 9 itens médias entre 3,63 e 3,95 (em uma escala que pode variar de 1 a 5). Os escores para adaptabilidade total e suas dimensões foram os seguintes (informam-se entre parênteses primeiro o valor da escala brasileira e em seguida o valor obtido com os dados internacionais combinados, para comparação): adaptabilidade total (4,06; 3,84), preocupação (4,10; 3,79), controle (4,09; 3,93), curiosidade (3,87; 3,69) e confiança (4,19; 3,93) (Teixeira et al., 2012). Esses resultados sugerem uma baixa capacidade discriminativa dos itens, talvez influenciada pela chave de respostas.

Em virtude da primeira versão brasileira da EAC ter apresentado esses problemas (não inclusão de dois itens na coleta de dados e possível viés de resposta introduzido pela adaptação da chave de respostas), este estudo teve por objetivo geral testar uma nova versão brasileira traduzida da EAC. Especificamente, procurou-se: (a) revisar a tradução dos itens, desta vez tomando por base diretamente os itens originais em língua inglesa e incluindo todos os 24 itens da versão internacional; (b) introduzir modificações na chave de respostas a fim de torná-la mais discriminativa; (c) testar o modelo de quatro dimensões da adaptabilidade de carreira (com um fator geral de segunda ordem) através de análises fatoriais exploratórias e confirmatórias (obtenção de evidência de validade para o instrumento); (d) verificar a consistência interna das subescalas do instrumento (evidências de fidedignidade); e (e) testar, exploratoriamente, possíveis diferenças nos resultados em função do formato de aplicação ser online (via Internet) ou presencial (lápis-e-papel).

 

Método

Participantes

Os participantes foram 990 estudantes universitários, sendo 64,2% do sexo feminino e 56,3% provenientes de instituições particulares. A média de idade foi 25,8 anos (DP = 7,45), com as idades variando de 18 a 68 anos. Os estudantes responderam aos instrumentos através de duas possibilidades: presencial e pela Internet (online) (59,9%). Os universitários que participaram da pesquisa eram provenientes de 61 cursos de ensino superior. Os cursos com participação mais expressiva foram Psicologia (19,3%), Administração (19,1%), Pedagogia (6,8%), Química (5,3%), Direito (3,8%), Engenharia Civil (3,4%) e Relações Públicas (3,2%). Outros cursos totalizaram 39,1% da amostra. A opção por coletar dados apenas com estudantes universitários foi por conveniência.

Instrumentos

Questionário de caracterização dos participantes. Este instrumento foi utilizado para caracterizar a amostra, incluindo informações como idade, sexo, curso superior que frequentava, tipo de instituição (pública ou particular), renda familiar, nível de escolaridade do pai e situação de trabalho (sim ou não).

Escala de Adaptabilidade de Carreira - EAC (Career Adapt-Abilities Scale, Savickas & Porfeli, 2012). Trata-se do instrumento objeto de estudo desta pesquisa. A tradução e adaptação do instrumento e suas propriedades psicométricas constituem o foco da pesquisa e são apresentadas na seção de resultados.

Procedimentos de coleta de dados

Para a aplicação presencial (lápis-e-papel), a proposta da pesquisa foi apresentada a diversos cursos de graduação de instituições públicas e particulares de Porto Alegre e região metropolitana, selecionados por conveniência. Quando houve interesse na pesquisa, foi feito o agendamento da coleta de dados. Antes da aplicação dos questionários, houve explicação dos objetivos da pesquisa aos estudantes, convite para participação na mesma, ressaltando-se seu caráter anônimo e voluntário, e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Na aplicação via Internet, os instrumentos foram disponibilizados através do site Survey Monkey (www.surveymonkey.com). Os potenciais participantes foram contatados através de convite eletrônico direcionado às coordenações de cursos de diversas instituições, às quais foram solicitadas o repasse do convite da pesquisa aos alunos. Foi utilizada ainda a estratégia de "bola de neve", pedindo-se que cada participante encaminhasse o convite para colegas e amigos universitários. Antes de responderem aos instrumentos propriamente ditos, uma página inicial informava os objetivos da pesquisa e solicitava concordância com um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A proposta de pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Procedimentos de análise dos dados

Para verificar a estrutura dimensional do instrumento, foram empregadas análises de componentes principais (ACP), análises fatoriais confirmatórias (AFC) e análise paralela. A análise paralela foi utilizada a fim de obter evidências sobre o melhor número de componentes a extrair, enquanto as cargas resultantes da análise de componentes principais (ACP) foram empregadas para verificar a pertinência dos itens nas respectivas dimensões (foi considerado critério de pertinência do item, na análise exploratória e carga componencial superior a 0,30 no componente esperado). Empregou-se a análise paralela baseada no procedimento de implementação ótima (Timmerman & Lorenzo-Seva, 2011), oferecida pelo programa Factor 8.1 (Lorenzo-Seva & Ferrando, 2006), sendo utilizadas matrizes de correlações policóricas, consideradas mais adequadas para o nível de medida dos itens (ordinal).

A AFC foi usada para testar o ajuste do modelo proposto, tendo-se utilizado o programa MPlus (Muthén & Muthén, 1998-2010). Empregou-se, nesta análise, o método de estimação WLSMV (Weighted Least Squares Mean - and Variance-adjusted). Esta opção foi feita porque o método WLSMV utiliza correlações policóricas ao invés de correlações de Pearson, e há evidências de que o uso de correlações policóricas é mais adequado quando as variáveis em questão apresentam nível de mensuração ordinal, como é o caso das respostas a itens em escala Likert (Holgado-Tello, Chacón-Moscoso, Barbero-García, & Vila-Abad, 2010). A adequação do modelo foi verificada através dos índices de ajuste RMSEA (Root Mean Square Error of Aproximation - valor esperado: menor do que 0,08, considerando intervalo de confiança de 90%); CFI (Comparative Fit Index - valor esperado: maior do que 0,95); TLI (Tucker-Lewis Index - valor esperado: maior do que 0,95) e WRMR (Weighted Root Mean Residual - valor esperado menor do 0,90) (Schreiber, Stage, King, Nora, & Barlow, 2006).

 

Resultados

Tradução e adaptação da Escala de Adaptabilidade de Carreira

A nova versão da EAC foi traduzida e adaptada a partir da versão em inglês (Savickas & Porfeli, 2012). Inicialmente, duas versões independentes de tradução foram elaboradas: uma por um dos pesquisadores deste estudo e outra por tradutor de nacionalidade neozelandesa, residente no Brasil. As duas versões foram então analisadas por um grupo de pesquisadores de pós-graduação brasileiros, familiarizados com a temática da adaptabilidade de carreira. Levando em consideração a pertinência teórica dos itens, o grupo propôs ajustes na redação de algumas afirmativas e selecionou, por consenso, a melhor tradução.

A versão obtida foi por fim revisada por outro tradutor independente, que julgou adequadas as traduções de todos os itens. As instruções e chave de respostas do instrumento também foram traduzidas e revisadas pelos pesquisadores. Dado que uma tradução literal das instruções e da chave de respostas não faria sentido em português, optou-se por elaborar uma nova versão. Nesta elaboração, levou-se em consideração o fato de que, na versão em português já existente (Teixeira et al., 2012), as respostas apresentavam uma forte assimetria, concentrando-se nos pontos 4 e 5 da escala Likert. Por isso, procurou-se criar âncoras descritivas dos cinco pontos da escala que produzissem melhor discriminação nas respostas.

A instrução utilizada nesta nova versão foi: "Diferentes pessoas usam diferentes pontos fortes para construir suas carreiras. Ninguém é bom em tudo, cada um de nós enfatiza alguns pontos mais do que outros. Por favor, avalie o quanto você desenvolveu cada uma das seguintes habilidades usando a escala abaixo. Por favor, marque a resposta de acordo com o seu momento atual, isto é, de acordo com o modo como você vê, hoje, o quanto desenvolveu cada uma das habilidades abaixo". A chave de respostas utilizada foi, como no instrumento internacional, uma escala Likert de cinco pontos, com as seguintes âncoras descritivas: 1 (Desenvolvi pouco ou nada), 2 (Desenvolvi mais ou menos), 3 (Desenvolvi bem), 4 (Desenvolvi muito bem) e 5 (Desenvolvi extremamente bem).

Antes da coleta de dados, foi realizado um estudo piloto com aplicação do instrumento a seis pessoas, três homens e três mulheres, distribuídos entre ensino médio e superior. Este procedimento avaliou a compreensão dos participantes acerca das instruções, dos itens e do formato de resposta. A partir deste procedimento, alguns termos foram ajustados na instrução e chegou-se a um formato final de aplicação do instrumento.

Análise da estrutura dimensional e fidedignidade

Inicialmente foram realizadas análises paralela e de componentes principais em separado para os dois subgrupos, conforme o formato de coleta de dados (presencial ou via Internet). Os resultados obtidos foram muito similares, razão pela qual se optou por considerar a amostra total nas análises exploratórias subsequentes. Como esperado, a ACP com a amostra total sugeriu a presença de quatro componentes mais relevantes, que explicaram 67,2% da variância total: 48,7% (componente 1), 7,3% (componente 2), 6,0% (componente 3) e 5,2% (componente 4). Estes quatro foram os únicos que apresentaram autovalores maiores do que 1. A Tabela 1 exibe os resultados desta análise de componentes principais.

 

 

Em seguida, foram realizadas análises fatoriais confirmatórias com o intuito de verificar o ajuste do modelo de quatro fatores hierárquico. Os índices de ajuste obtidos com o método de estimação WLSMV (Weighted Least Squares Mean - and Variance-adjusted) são apresentados na Tabela 2, considerando a amostra total e as subamostras de dados coletados presencialmente e via Internet.

Observa-se que os valores do CFI e do intervalo de confiança do RMSEA foram satisfatórios (exceto o RMSEA no caso da aplicação online, cujo limite superior do intervalo de confiança passou de 0,08), o TLI aproximou-se do desejado e apenas o WRMR foi insatisfatório. Além disso, não foram observadas diferenças muito evidentes nos índices de ajuste relacionados às amostras presencial e via Internet, sugerindo que o instrumento possui estrutura similar nas duas versões.

A Tabela 3 exibe as cargas padronizadas obtidas para o modelo hierárquico, assim como as médias e desvios-padrão dos itens e escalas (considerando a amostra total). Como se verifica, as cargas foram elevadas para todos os itens do instrumento, bem como para os fatores de segunda ordem. Ainda, as respostas aos itens situaram-se predominantemente na faixa entre 3 e 4, o mesmo ocorrendo com os escores das escalas. Apenas 3 dos 24 itens tiveram médias iguais ou maiores do que 4,00 e 21 tiveram médias entre 3,35 e 3,98. Para a escala total, a média observada foi de 3,74 (DP = 0,64).

A fidedignidade do instrumento (e de suas subescalas) foi avaliada através do Alfa de Cronbach. Os índices obtidos, por subsescala e escala total, foram: 0,88 (preocupação), 0,83 (controle), 0,88 (curiosidade), 0,89 (confiança) e 0,94 (Total).

A fim de verificar se existiam diferenças significativas nas respostas dadas às versões online e presencial da EAC, fez-se um recorte no banco de dados geral com participantes que responderam aos instrumentos no formato online e presencial, procurando-se controlar o efeito da variável curso. Assim, foram selecionados aleatoriamente participantes dos cursos com maior representatividade na amostra e que tiveram coleta nos dois formatos: Administração (n = 144), Psicologia (n = 96), Pedagogia (n = 62) e Jornalismo (n = 22), totalizando 324 casos, sendo exatamente em cada curso metade com aplicação online e outra metade presencial. Os grupos (online e presencial) foram comparados item a item através de testes t, tendo-se observado quatro diferenças estatisticamente significativas em favor do grupo presencial (p < 0,05) em um total de 24 comparações. A magnitude dessas diferenças, no entanto, foi pequena (tamanhos de efeito d < 0,35).

Em acréscimo, realizaram-se análises de covariância para as quatro dimensões da EAC (ver Tabela 4). Foram usadas como covariáveis a renda familiar, o nível de escolaridade do pai, o sexo, o status da situação de trabalho (sim ou não) e o tipo de instituição superior (pública ou privada). Foi observada apenas uma diferença estatisticamente significativa para a dimensão controle, e novamente o tamanho do efeito foi pequeno (d = 0,29).

 

Discussão

O objetivo principal deste estudo foi realizar uma nova adaptação da EAC ao português brasileiro, em virtude de problemas detectados em uma primeira versão, e testar a estrutura fatorial do instrumento através de análise fatorial confirmatória. Com relação à estrutura dimensional da EAC, verificou-se que o modelo quadrifatorial hierárquico proposto apresentou, na análise fatorial confirmatória, um índice de ajuste considerado bom (CFI), um aceitável (RMSEA), um limítrofe (TLI) e outro ruim (WRMR). O CFI e o RMSEA se enquadraram nos parâmetros CFI > 0,95 e limite superior do intervalo de confiança de 90% do RMSEA inferior a 0,08 (os valores pontuais foram próximos a 0,07, sendo que idealmente deveriam ser de até 0,05). Já para o TLI, esperava-se um valor maior ou igual a 0,95 e para o WRMR um valor menor do que 0,90 (Schreiber et al., 2006). Os resultados destas análises, ainda que não estejam dentro do desejado idealmente, são compatíveis com os obtidos com dados de amostras de outros 11 países, que também apresentaram índices de ajuste modestos em alguns casos (Savickas & Porfeli, 2012).

Apesar dos índices de ajuste da análise confirmatória indicarem que os dados não se adequaram muito bem ao modelo, deve-se considerar que o resultado da análise de componentes principais (com suporte da análise paralela) apresentou uma solução clara e em conformidade com as expectativas teóricas. Nessa análise, de caráter exploratório, os resultados sugeriram a existência de quatro componentes mais relevantes subjacentes ao conjunto dos itens, e todos os itens apresentaram carga mais saliente apenas no componente esperado. Assim, levando em conta o resultado da análise exploratória e o fato de que os índices de ajuste observados são compatíveis com os obtidos em outras culturas (Savickas & Porfeli, 2012), pode-se considerar os resultados obtidos como evidências de validade do instrumento analisado no que diz respeito à sua estrutura dimensional, sustentando a hipótese teórica de que a adaptabilidade de carreira é uma característica mais geral do funcionamento individual, sendo que as suas dimensões (preocupação, controle, curiosidade e confiança) são aspectos subordinados a este traço de ordem superior.

No entanto, o fato de que nem todos os índices de ajuste obtidos tenham sido satisfatórios levanta alguns questionamentos relacionados à validade da medida. É possível que os 24 itens empregados na versão internacional e usados na versão brasileira, ainda que tenham sido bem traduzidos ou adaptados, não representem tão adequadamente as dimensões da adaptabilidade como em outras culturas. Nesse sentido, seria interessante a continuidade de estudos com esse instrumento, mas acrescentando novos itens e testando o ajuste com novas configurações.

Quanto à fidedignidade do instrumento, verificou-se que a escala total e cada uma das quatro subescalas apresentaram consistência interna excelente. Além disso, os valores obtidos foram ligeiramente superiores à primeira versão brasileira da EAC (Teixeira et al., 2012), e próximos dos melhores valores observados nas amostras de outros países (Savickas & Porfeli, 2012). Trata-se, portanto, de um instrumento capaz de produzir escores fidedignos de adaptabilidade de carreira, tanto para a escala total quanto para as suas subescalas.

Outro objetivo deste estudo foi verificar se mudanças na chave de respostas poderiam tornar o instrumento mais discriminativo, ou seja, reduzir o efeito de teto observado na primeira versão da EAC. De fato, as médias reduziram em todas as subescalas e na escala total, aproximando-se dos valores observados obtidos com os dados combinados de amostras internacionais (Teixeira et al., 2012). Esse resultado sugere que a nova versão da EAC possui uma maior capacidade discriminativa, conforme esperado. No entanto, vale ressaltar que tanto na nova versão brasileira quanto nas versões internacionais (Savickas & Porfeli, 2012), os escores tendem a ser acima do ponto médio das escalas (que é 3), indicando um possível viés de desejabilidade social nas respostas. Esta é uma hipótese que poderá ser futuramente investigada através de novos estudos.

Por fim, as comparações entre a aplicação online e a presencial mostraram resultados muito semelhantes. Em especial, os resultados das análises exploratórias e confirmatórias sugeriram uma estrutura similar para o instrumento, independente do formato de aplicação. Além disso, as comparações de médias revelaram poucas diferenças estatisticamente significativas e, quando existentes, sua magnitude foi pequena. Assim, pode-se concluir que a EAC funciona adequadamente em ambos os formatos. As pequenas diferenças observadas em favor do grupo de aplicação presencial provavelmente devem-se ao fato de que, na aplicação em sala de aula, tem-se acesso a alunos, em média, mais comprometidos com seu curso e futuro profissional (o fato de estarem assistindo as aulas pode ser um indicador disso) quando comparados a participantes que respondem através da Internet.

 

Considerações Finais

Este estudo teve um foco essencialmente psicométrico, buscando evidências de validade e fidedignidade para uma nova versão brasileira da EAC. Seu diferencial, em comparação ao estudo realizado com a primeira versão da EAC, foram os cuidados tidos na tradução dos itens e quando da realização das análises estatísticas, em especial o uso de análise paralela e de correlações policóricas na análise de componentes principais e o emprego do estimador WLSMV na análise confirmatória. A análise paralela contribuiu para evidenciar, através de um método robusto, a presença de quatro dimensões subjacentes ao conjunto dos itens. Já as correlações policóricas e o estimador WLSMV foram empregados por serem mais apropriados quando as variáveis em análise são ordinais, como itens em escala Likert.

Os resultados obtidos foram satisfatórios e mostram que esta versão brasileira da EAC, testada com 24 itens, pode ser utilizada em futuras pesquisas e mesmo em intervenções, ainda que de modo experimental e como instrumento de rastreamento. Entretanto, há algumas limitações a serem consideradas nesta pesquisa: a homogeneidade da amostra, com população apenas de universitários; e a coleta de dados presencial realizada apenas em Porto Alegre e Região Metropolitana, o que pode não ser representativo da população dos universitários brasileiros.

Nesse sentido, sugere-se a realização de novos estudos com a Escala de Adaptabilidade de Carreira (EAC), especialmente ampliando o perfil populacional das amostras (diferentes regiões do país, escolaridades variadas). O próprio instrumento, ainda, também pode ser refinado, com a inclusão de novos itens que possam representar melhor o construto da adaptabilidade em nossa cultura. Tal modificação no instrumento não está em desacordo com a proposta original do grupo internacional que elaborou a EAC, que inclusive estimulou a criação de itens próprios a cada país, mantendo-se, é claro, os itens internacionais para estudos transculturais (Savickas & Porfeli, 2012). Ainda, faz-se necessário realizar pesquisas que investiguem correlatos da adaptabilidade para o contexto brasileiro e a adequação da Escala de Adaptabilidade de Carreira (EAC) como instrumento para avaliar os efeitos de intervenções na área do aconselhamento de carreira.

De toda forma, o instrumento, em sua forma atual, estimula a pesquisa sobre o tema da adaptabilidade de carreira e o uso deste construto como recurso heurístico nos processos de aconselhamento. A Teoria da Construção da Carreira (Savickas, 2005, 2013) enfatiza a adaptabilidade como uma das metacompetências necessárias para lidar com as tarefas vocacionais do desenvolvimento e as transições ocupacionais. Ela é a manifestação da vontade e das habilidades do indivíduo para dar direção à sua vida de trabalho. Assim, é essencial que a adaptabilidade de carreira seja avaliada, discutida e estimulada no aconselhamento. Nesse sentido, instrumentos como a EAC podem ser úteis para ajudar tanto orientadores quanto clientes a estabelecerem um foco para reflexão no processo de orientação profissional.

 

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Endereço para correspondência:
Marco Antônio Pereira Teixeira
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Instituto de Psicologia
Rua Ramiro Barcelos, 2600, Sala 117
90035-003, Porto Alegre-RS
Fone: 51 3308 5454
E-mail: mapteixeira@yahoo.com.br

Recebido 02/10/2014
1ª Revisão 27/03/2015
Aceite Final 15/04/2015

 

 

Sobre os autores
Alyane Audibert é Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atua atualmente como professora universitária na ESPM-Sul, em Porto Alegre.
Marco Antônio Pereira Teixeira é Doutor em Psicologia e Professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde coordena o Núcleo de Estudos e Intervenções em Carreira, voltado à investigação, e desenvolve atividades nos projetos aplicados Núcleo de Apoio ao Estudante e Serviço de Orientação Profissional, na mesma universidade.
1 Este estudo é parte da dissertação de mestrado da primeira autora sob orientação do segundo autor, e controu com o apoio do CNPq.

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