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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.10 no.1 Florianópolis jun. 2010

 

ARTIGO

 

A escala de consentimento organizacional: construção e evidências de sua validade

 

Organizational consent scale: construction and evidence of its validity

 

 

Eliana Edington da Costa e SilvaI; Antonio Virgilio Bittencourt BastosII

IMestre em Psicologia pela UFBA. Professora Assistente do curso de Psicologia da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública - EBMSP. Rua Martagão Gesteira, 339/102 - Graça - Salvador - Bahia, CEP 40.150-390. eliana.edington@yahoo.com.br. lattes http://lattes.cnpq.br/7845368612283889
IIDoutor em Psicologia pela UnB. Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFBA. virgilio@ufba.br. lattes http://lattes.cnpq.br/3264748971027585

 

 


RESUMO

A pesquisa sobre bases do comprometimento organizacional revela grande diversidade de fatores que modelam diferentes vínculos entre indivíduo e organização. A dimensão compliance encontra-se entre aquelas que foram pouco exploradas. Para alguns pesquisadores, ela se refere a um tipo de comprometimento que remete à noção de submissão ou consentimento. Nesse sentido, argumenta-se que o comprometimento pode apresentar uma dimensão passiva, associada a comportamentos de lealdade à organização, também relacionada à noção de consentimento. Por outro lado, a literatura sociológica analisa o vínculo entre indivíduo e organiza&c.cedil;ão a partir de uma perspectiva que, descartando elementos afetivos e psicológicos, enfatiza as relações de controle e autoridade que induzem o trabalhador a obedecer ou cumprir o papel de subordinado dele esperado. Existe, portanto, uma zona conceitual pouco precisa que delimita os conceitos de comprometimento e de consentimento ou obediência. Este estudo propõe uma escala para mensurar "consentimento organizacional", buscando evidências de sua validade por meio de análises fatoriais exploratórias e confirmatórias, em uma amostra de 721 trabalhadores. A solução fatorial exploratória revelou três fatores que explicaram 46,83% da variância; entretanto, as análises confirmatórias indicaram um melhor ajuste para o modelo bidimensional, que integrou as dimensões "obediência cega" e "aceitação íntima" como aquelas que melhor definem o construto consentimento.

Palavras-chave: consentimento, obediência, bases do comprometimento organizacional, validade da escala.


ABSTRACT

Research on the dimensions of organizational commitment shows a great diversity of factors that shape different attachments of the individual to the organization. Compliance, among others, is a dimension that has been under-researched. To some researchers this refers to a type of commitment that raises the notion of submission or consent. In this sense, it is argued that commitment can present a passive dimension, associated with the behavior of loyalty to the organization, which also relates to the idea of consent. The sociological literature examines the individual-organization attachment from a perspective that, rather than considering emotional and psychological elements, emphasizes the relations of control and authority that induce the employee to obey or fulfill the subordinate role expected of him. Thus, there is a grey area where the boundaries between commitment and consent or obedience rest. This study proposes a scale to measure "organizational consent," seeking evidence of this through exploratory and confirmatory factor analyses, undertaken with a sample of 721 workers. The results of exploratory factor analysis elicited three factors that explained 46.83% of the variance, but the confirmatory tests indicated a better fit to the two-dimensional model that incorporated the dimensions of "blind obedience" and "inner acceptance" as those that best define the construct of "consent".

Keywords: consent, obedience, bases of organizational commitment, validity of scale.


 

 

Os vínculos que os indivíduos estabelecem com as organizações têm sido objeto de investigação dos pesquisadores internacionais há quase trinta anos. Considerando as últimas décadas, vários estudiosos continuam pesquisando sobre o comprometimento organizacional em uma agenda de pesquisa que se encontra distante de ser esgotada, evidenciando o comprometimento organizacional como um dos mais importantes fenômenos psicossociais da área de trabalho e organizações, base de constituição de qualquer organização, como um empreendimento coletivo, independentemente das características que esse empreendimento venha a ter.

O modelo tridimensional proposto por Meyer e Allen (1991) tornou-se hegemônico dos estudos do comprometimento organizacional, ao propor que o fenômeno é formado por três componentes: o afetivo, o de continuação (calculativo ou instrumental) e o normativo. Inicialmente, os autores argumentam que os componentes refletem diferentes estados psicológicos, mas, em seguida, identificam que alguns resultados podem sugerir certa interdependência entre eles (Meyer & Allen, 1991; Meyer & Herscovitch, 2001). Reconhecem, no entanto, que é possível haver outros componentes, advogando a possibilidade de cada um dos componentes representar um construto unitário.

Embora a pesquisa do comprometimento organizacional tenha se dedicado e investigado mais detidamente algumas de suas bases, a exemplo da afetiva, de continuação e da normativa (Becker, 1960; Mowday, Porter & Steers, 1982; Wiener, 1982; Meyer & Allen, 1991; Bastos, 1994, 1996; Medeiros et al., 2003), outras bases do fenômeno receberam pouca atenção da comunidade de pesquisadores.

No trabalho de O´Reilly e Chatman (1986), identifica-se que uma das dimensões do comprometimento organizacional pouco explorada é por eles denominada de compliance (aquiescência). Essa dimensão remete a um tipo de comprometimento percebido como muito próximo da noção de conformismo, construto que tem suas bases no campo da psicologia social, e de um consentimento em relação às demandas da organização. O conceito de "consentimento" aparece no campo da sociologia que explora as relações de autoridade entre trabalhadores e empregadores, considerando-as inerentes aos arranjos hierárquicos nas organizações inseridas em uma economia capitalista (Halaby, 1986). No entanto, na literatura científica, comprometimento organizacional é sempre associado a uma postura proativa e de engajamento em prol da organização. No mundo do trabalho, os gestores fazem uma clara distinção entre um trabalhador comprometido e um trabalhador simplesmente obediente.

O presente estudo parte do pressuposto de que vínculos baseados em consentimento, conformidade e obediência, por suas características singulares, não deveriam ser abarcados pelo conceito de comprometimento organizacional, mesmo se considerando a diversidade de processos psicossociais que dão suporte à emergência do comprometimento. Entretanto, como caracterizar esse tipo de vínculo? É pertinente considerar um trabalhador obediente, que segue as normas organizacionais, como comprometido com a organização? Ou é um indivíduo que apenas obedece e cumpre o que lhe é mandado fazer, submetendo-se à autoridade? Sugere-se, portanto, perguntar: até que ponto é possível denominar de trabalhador comprometido aquele que assume uma postura submissa, obediente, que tudo consente ao empregador, para não perder as recompensas ou mesmo o seu emprego?

Essa questão científica encontra respaldo em um conjunto de achados empíricos que sugerem a necessidade de se ampliar a precisão conceitual do construto "comprometimento organizacional", já que as medidas existentes e atualmente utilizadas não discriminam possíveis vínculos de natureza distinta. Um desses achados considera, por exemplo, que níveis mais elevados de comprometimento foram encontrados entre trabalhadores com níveis mais baixos de escolaridade e menor qualificação profissional, que atuam em organizações com precárias condições de trabalho e benefícios (Costa, 2005; Costa & Bastos, 2005). Dessa forma, é possível questionar se tal vínculo pode ser caracterizado como comprometimento, ou expressa o consentimento (aquiescência) do trabalhador frente às demandas organizacionais, em função do seu reduzido poder de barganha no mercado de trabalho e no interior das organizações.

Essas considerações que justificam os esforços para construção e validação de um instrumento para avaliar o "consentimento organizacional", uma vez que a ausência de um instrumento de medida que seja confiável, válido, com boas características psicométricas, dificulta o avanço na compreensão dos limites conceituais entre comprometimento e outros tipos de vínculos do trabalhador com sua organização. Este estudo representa a primeira etapa de uma agenda mais ampla que permanece em andamento e que busca diminuir a confusão conceitual que marca os estudos sobre comprometimento organizacional.

Comprometimento versus Consentimento Organizacional

Comprometimento tem sido considerado uma força que promove união entre as partes, dá estabilidade ao comportamento e direciona as ações dos indivíduos em suas organizações. Na tentativa de construção de um modelo integrativo frente à multidimensionalidade do construto, Meyer e Herscovitch (2001, p. 301) argumentam que o comprometimento deve ter uma essência central, comum às várias proposições de comprometimento e traduzida como "...uma força que estabiliza e coage [...] que dá direção ao comportamento [...] restringe a liberdade, liga a pessoa a um curso de ação".

Muitos estudos têm gerado uma grande diversidade de rótulos, uma pulverização quanto às possíveis dimensões que integram o construto (Morrow, 1983; Reichers, 1985; O'Reilly & Chatman, 1986; Osigweh, 1989, Bar-Hayim & Berman, 1992). A despeito de algumas variações, a pesquisa sobre comprometimento sempre apresenta uma polaridade quanto a ser um vínculo mais afetivo, fruto de processos de identificação e internalização, ou um vínculo associado à permanência na organização e aos processos de troca. Ou, ainda, se seria um laço de permanência, decorrente de um dever moral em continuar na organização, de forte adesão às normas da empresa. Ou seja, os modelos multidimensionais apresentam variação em termos de como tais enfoques são combinados e rotulados na literatura.

Toda essa dispersão que caracteriza a definição das bases do comprometimento organizacional levanta várias questões. É possível observar que o comprometimento normativo se encontra presente em muitos dos modelos teóricos, trazendo como ideia central um sentimento de obrigação, senso de dever para com a organização, vinculado aos sentimentos de lealdade, o que leva o indivíduo a permanecer nela. Outros modelos, apesar de apresentarem diferentes rótulos às dimensões do construto, trazem conteúdos muito similares ao comprometimento normativo, englobando internalização de normas da organização, seguir as normas, senso de dever e obrigação.

Essa avaliação mostra que indivíduos podem construir vínculos psicológicos com as organizações, baseados em um sentimento de obrigação, de dever, por se sentirem leais à organização e por desejarem retribuir, permanecendo em suas empresas. A natureza desse vínculo leva à ideia de que o indivíduo deverá ser um trabalhador que cumpre as normas da empresa, segue o que está estabelecido, e, consequentemente, obedece aos superiores, revelando uma postura "passiva" frente à organização.

Outro aspecto importante remete ao comprometimento de base compliance (aquiescência) e à sua definição operacional. Os trabalhos de Kelman (1958 apud Kelman, 2006), O'Reilly e Chatman (1986) e Becker (1992) consideram que essa dimensão abraça uma relação mais próxima da dimensão instrumental, associada às recompensas extrínsecas. Mas, por sua vez, compliance também se aproxima de consentir, de permitir que algo aconteça, o que se associa a uma postura passiva, estabelecendo uma zona conceitual pouco precisa, por vezes confundindo os diferentes tipos de comprometimento organizacional.

A polaridade entre essas noções emerge da tensão entre o componente "ativo" e "passivo" do comprometimento, que se torna mais visível a partir do trabalho de Bar-Hayim e Berman (1992) sobre o caráter "ativo" ou "passivo" do fenômeno. O caráter "passivo" seria caracterizado por um forte sentimento de lealdade, dando origem a um conceito muito similar ao que Allen e Meyer (1990) denominam comprometimento de continuação (continuance commitment). À medida que os laços de lealdade e dever em relação à organização atingem níveis muito elevados e generalizados, pode-se perceber uma "lealdade cega", como afirma Wiener (1982, p. 423).

Trabalhadores que apresentam níveis muitos altos de comprometimento organizacional podem revelar forte aproximação com a dimensão "passiva" do comprometimento, principalmente em relação ao sentimento de lealdade à organização, pois suas ações tenderão a atender às demandas da empresa, sem uma análise crítica de tais solicitações. A discussão "comprometimento ativo" versus "comprometimento passivo", na realidade, apoia-se no peso que os elementos de adesão acrítica e obediência devem ter na definição de comprometimento.

Executivos e gestores, em geral, consideram que comprometimento se associa aos padrões de comportamentos proativos, contributivos e críticos, mas, ao mesmo tempo, demanda adesão às normas, obediência a procedimentos e regras da organização. Permanecer ligado à organização e sentir-se fiel a ela descreve o que realmente se considera um trabalhador comprometido? Nesse caso, não seria mais acertado pensar em um tipo de vínculo baseado na noção de que o trabalhador consente com as demandas organizacionais?

Ademais, é importante refletir sobre as contribuições da vertente sociológica para essa questão tão central no estudo do comportamento organizacional. O enfoque sociológico tem sua origem no trabalho de Halaby (1986) sobre vínculos do trabalhador com a organização, baseado na teoria da autoridade (Weber, 1994). Essa abordagem, denominada "autoridade no trabalho" (Workplace Authority), afirma que as relações entre empregados e empregador são estabelecidas no interior de vínculos de autoridade, que encontram, nas relações hierárquicas de subordinação, um dos principais fatores estruturantes das interações que regem o mundo do trabalho. Assim, parte-se do princípio de que "ser subordinado" é condição inerente ao papel do trabalhador, assim como a existência de "...códigos normativos que especificam maneiras moralmente corretas de dominação." (Bastos, 1994, p. 50). O trabalhador percebe o empregador como detentor de uma autoridade legítima, o que provavelmente conduz o empregado a consentir com as demandas da organização. É nessa vertente que surge o construto de "consentimento" (Burawoy, 1990; Guimarães & Agier, 1990).

O estudo dos vínculos entre indivíduos e organizações, à luz da vertente sociológica, desvenda um modelo teórico baseado nas relações de subordinação e autoridade legitimada, reconhecidas como inerentes ao papel de trabalhador, eliminando qualquer componente psicológico. A natureza do vínculo, na vertente sociológica, encontra pontos de aproximação com algumas noções presentes nos estudos sobre comprometimento organizacional. Ao destacar a introjeção dos papéis prescritos na hierarquia organizacional, a noção de consentimento se aproxima claramente do conceito de comprometimento organizacional normativo (Wiener, 1982; Meyer & Allen, 1991) e, mais ainda, do que Bar-Hayim e Berman (1992) denominaram de comprometimento passivo.

Tais aproximações conceituais fortalecem as discussões sobre a excessiva abrangência do conceito de comprometimento organizacional (Solinger et al., 2008; Osigweh, 1989). Em se reconhecendo a proximidade entre o conceito de consentimento e o de comprometimento passivo, seriam pertinentes esforços de pesquisa que busquem estabelecer, de forma mais precisa, os limites entre tais fenômenos. É possível, portanto, pensar que o consentimento organizacional é um vínculo distinto e provável de ser estabelecido entre o trabalhador e a sua organização empregadora, dentro do marco conceitual desenvolvido pela Sociologia do Trabalho.

Ademais, a Psicologia Social dispõe de um conjunto amplo de conceitos e pesquisas sobre processos psicossociais e de influência social que pode oferecer diretrizes e conteúdos para fixar os limites do que seria um vínculo de consentimento nas organizações. Dentre eles, destaca-se o conceito de conformismo.

Kiesler e Kiesler (1973, p. 2) conceituam conformismo como "...uma mudança no comportamento ou na crença, que se faz na direção de um grupo, como resultado de pressão real ou imaginária deste último". Para os autores, existem dois tipos de conformismo: obediência e aceitação íntima. A obediência se refere aos comportamentos visíveis, explícitos, que se tornam semelhantes aos comportamentos dos membros do grupo e que independem das crenças, das convicções íntimas do indivíduo. Em contraposição, aceitação íntima se refere a uma real modificação de crenças ou de atitude que converge na direção das demandas do grupo, havendo uma mudança genuína de opinião, em que os comportamentos ocorrem com base no que o indivíduo realmente acredita.

Alguns estudos clássicos sobre obediência buscaram compreender as razões pelas quais os indivíduos se comportavam de uma determinada maneira, e dentre eles, destacam-se as pesquisas de Milgram (1963). Em diversos estudos, os resultados apontaram que 65% dos sujeitos obedeceram à ordem do experimentador, a despeito das consequências desagradáveis causadas ao outro indivíduo envolvido. S. Milgram observou a tendência de os indivíduos obedecerem àqueles que são percebidos como autoridades legítimas (Fischer, 1996).

No campo do trabalho, Guareschi e Grisci (1993) descrevem mecanismos psicossociais capazes de influenciar o processo de subordinação, tornando os trabalhadores mais fáceis de serem comandados e mais produtivos, baseados em estratégias racionais, normas pessoais e normas sociais. Da análise do sistema de produção inserido em uma economia capitalista, emergem dois padrões de relações sociais que se desenvolvem no cotidiano organizacional: as relações de vigilância e coerção dos superiores direcionadas aos trabalhadores, e as relações de hegemonia e persuasão (liderança moral), que buscam soluções por meio do consenso entre os trabalhadores.

A articulação entre as relações sociais de vigilância e os mecanismos psicossociais estrutura três fenômenos distintos: submissão, obediência e legitimidade. A submissão (despotismo) é considerada estratégia racional, pois ocorre a partir das avaliações dos empregados sobre o cumprimento das tarefas e respectivas recompensas. O trabalhador se submete às exigências da organização, coagido em função da possibilidade de perdas, dos altos custos que estão envolvidos. A obediência é classificada como uma norma pessoal, a partir da qual o trabalhador acredita que deve se comportar dessa forma, pois trabalhar é uma obrigação moral de todos, e que o certo é se esforçar sempre no trabalho, por perceber esse comportamento como "natural" a todos os indivíduos, em todas as sociedades. Caso não corresponda ao papel prescrito, o trabalhador pode se sentir culpado por não ter conseguido ser fiel à organização. A legitimidade se diferencia da obediência por ser uma norma social e pela ênfase no poder reconhecido como legítimo pelo trabalhador, ao qual ele deverá obedecer.

Esses três tipos de resultados, advindos da interação entre relações de vigilância e os mecanismos psicossociais, parecem reunir bases do comportamento conformista e, por extensão, do consentimento organizacional. Seja por se submeter ao superior, por um sentimento de dever, de obrigação em relação à organização, ou ainda por reconhecer a legitimidade de uma autoridade, o trabalhador "consente" na ação e a realiza.

Tendo em vista as reflexões expostas, este trabalho teve como objetivo construir um marco conceitual que delimitasse o fenômeno, propor um instrumento para avaliá-lo e reunir evidências de validade dessa primeira escala para mensurar o construto "consentimento organizacional". Partiu-se do pressuposto de que esse vínculo não pode ser abarcado pelo conceito de comprometimento organizacional.

 

MÉTODO

Este trabalho seguiu a lógica e as etapas previstas para construção e validação de um instrumento propostas por Pasquali (1999). A partir da revisão da literatura especializada, foi definido o conceito de consentimento organizacional como:

Consentimento
Organizacional

A tendência do indivíduo em obedecer ao seu percepção em atender à demanda do superior indivíduo com a organização, cujo cerne é a representa, então, um vínculo estabelecido pelo individuais e organizacionais. O consentimento processos de identificação entre os valores concordância autêntica em decorrência dos sabe melhor o que o trabalhador deve fazer, assim ordens ocorre devido à percepção de que a chefia consentir pressupõe que o cumprimento das estabelecidas pela empresa à qual trabalha. O disposição para cumprir ordens, regras ou normas superior hierárquico da organização. Apresenta como pelas relações de poder e autoridade que se Consentimento estabelecem entre gestor e subordinado. O Organizacional consentir também pressupõe que hajahierárquico.

As dimensões do construto e respectivas definições operacionais estão sistematizadas no Quadro 1. Essa estrutura conceitual subsidiou a construção dos itens da escala, elaborados pelos membros do grupo de pesquisa1. Foi utilizada a técnica de análise de juízes para avaliar os aspectos semânticos e a pertinência desses itens em relação às respectivas dimensões do construto. Dos 25 itens examinados, apenas um foi sinalizado como problema potencial, revelando ambiguidade de conteúdo em relação à dimensão avaliada e, por esse motivo, foi eliminado da versão inicial da escala.

A versão final do instrumento submetido à avaliação empírica contou com 24 itens, os quais, após análises, ficaram assim distribuídos: 11 itens integraram a dimensão "Obediência cega", seis itens a dimensão "Aceitação íntima", cinco a dimensão "Obediência crítica" e dois itens foram excluídos.

A amostra foi constituída por 721 indivíduos que possuíam vínculo formal de trabalho efetivo, distribuídos em 10 estados do país, além do Distrito Federal. A Bahia concentra o maior percentual de trabalhadores (70%). Do total de sujeitos pesquisados, 56% são do sexo feminino, 93% possuem, pelo menos, o ensino médio completo, 69% possuem entre 20 e 39 anos de idade, 66% são empregados do setor privado, com 30% associados ao setor de prestação de serviços.

O instrumento assumiu o desenho de um questionário estruturado, em escala Likert de seis pontos (concordo totalmente a discordo totalmente), disponibilizado para aplicação em versão impressa (86,3%), versão no formato de entrevista (7,6%) e versão eletrônica (6,1%).

Para a análise fatorial exploratória, que objetiva extrair as dimensões do construto, os dados quantitativos foram codificados e digitados em um banco de dados do software estatístico SPSS (versão 15.0). Foi utilizado o método de extração PAF - Principal Axis Factoring e rotação oblíqua PROMAX. Para as análises confirmatórias das dimensões reunidas pelo construto, foi utilizado o pacote estatístico AMOS (versão 16.0). Todas as técnicas aplicadas no presente estudo foram observadas visando à garantia da qualidade das análises (Pasquali, 1999; Hair Jr. et al., 2005; Kahn, 2006).

 

RESULTADOS

As análises iniciais apontaram a fatorabilidade da matriz de dados, como indicam o teste de adequação KMO (0,90) e o teste de esfericidade de Bartlett (X2= 5584,09, com p<0,001), revelando boa adequação amostral. A extração dos fatores foi realizada a partir dos índices dos eigenvalues e dos dados indicados no gráfico scree. Observaram-se 4 fatores com eigenvalue superior a 1, responsáveis pela explicação de 51,94% da variância acumulada.

O primeiro fator reuniu os 11 itens que integram a dimensão "Obediência Cega", cujos conteúdos associam o papel do trabalhador ao de subordinado, àquele que obedece ao superior, cumprindo as ordens estabelecidas. O segundo fator foi composto por 6 itens, todos elaborados para a dimensão "Aceitação Íntima". Trata-se das questões relacionadas ao processo de identificação do trabalhador com os valores e objetivos organizacionais, de uma congruência genuína das ideias e crenças individuais e da empresa. Os itens da dimensão "Obediência Crítica" foram distribuídos entre o terceiro e quarto fatores, com cargas compartilhadas, revelando ambiguidade de conteúdo.

Face aos resultados iniciais, suportados pelo modelo teórico proposto e por critérios estatísticos, procedeu-se a nova análise exploratória, reduzindo a extração fatorial para 3 fatores. Um item apresentou carga fatorial abaixo de 0,30 e um segundo item revelou ambiguidade quanto ao ajustamento ao fator e, por esses motivos, foram excluídos da escala. Os três fatores explicam 46,83% da variância acumulada, sendo considerados como um bom indicador. Os eigenvalues dos dois primeiros fatores apresentaram uma discreta elevação em relação à solução inicial, sugerindo que a solução trifatorial apresenta um melhor ajuste.

O fator 1 agrupou os itens da dimensão Obediência Cega, que corresponde a comportamentos associados ao cumprimento automático de ordens sem uma avaliação ou julgamento a seu respeito, ou ainda quando o trabalhador não compreende o seu significado, mas mesmo assim, as realiza. O fator 2 reuniu os itens da dimensão Aceitação Íntima, relacionada ao cumprimento de normas e regras estabelecidas em função de uma concordância autêntica. O fator 3 foi formado pelos itens da dimensão denominada Obediência Crítica, na qual o cumprimento das regras ou ordens no trabalho ocorre a partir de uma análise crítica em relação às demandas estabelecidas pelo superior hierárquico.

Em seguida às análises fatoriais exploratórias, foram realizadas análises para avaliação da consistência interna dos três conjuntos de itens pertencentes a cada um dos três fatores, utilizando-se o cálculo dos índices do alfa de Cronbach. Valores situados no intervalo entre 0,70 e 0,90 são os que melhor informam sobre a fidedignidade (Pasquali, 1999), e a análise de fidedignidade dos fatores apresentou resultados bastante satisfatórios, detalhados no Quadro 2.

O passo seguinte envolveu a realização das análises fatoriais confirmatórias, para avaliação das dimensões latentes do construto. A partir dos resultados obtidos por meio das análises fatoriais exploratórias, foi elaborado um modelo trifatorial do construto Consentimento Organizacional integrado por três variáveis latentes: Obediência Cega, Aceitação Íntima e Obediência Crítica, agrupando os 22 itens apontados pela extração fatorial exploratória.

Para as análises confirmatórias, de acordo com o delineamento metodológico para o teste do modelo, foi indicado o parâmetro 1 para o item que obtivesse maior carga fatorial de cada uma das três variáveis latentes. Além do elevado valor da carga fatorial, a análise dos conteúdos também confirma que correspondem aos itens mais representativos de suas respectivas dimensões.

Os três itens parametrizados foram o ROC7 - Se o chefe manda, a gente tem que fazer (obediência cega); o ROA1 - Sigo as ordens da empresa porque as aprovo (Aceitação íntima); e o ROD1 - Quando não concordo com uma regra da empresa, eu não cumpro (obediência crítica). O modelo proposto está fundamentado em dois pressupostos: cada conjunto de itens é explicado pelo fator a ele associado, e os três fatores covariam de forma significativa, podendo sugerir uma variável de segunda ordem.

Trata-se de um modelo superidentificado, o que permite a realização do estudo, pois apresenta um número de pontos de dados (253) maior do que o número de parâmetros a serem estimados (47), resultando em um valor positivo de graus de liberdade (206). Foi realizada a análise das covariâncias e correlações entre as variáveis latentes do modelo proposto (Kahn, 2006).

Com base nos resultados, observou-se que o fator Obediência Cega apresentou uma forte correlação positiva com o fator Aceitação Íntima (0,50); por outro lado, apresentou uma correlação fraca e negativa com o fator Obediência Crítica (-0,20). O fator Aceitação Íntima se correlacionou positivamente com o fator Obediência Crítica. Entretanto, trata-se de uma correlação fraca (0,22).

Para as análises dos ajustes do modelo inicial, foram utilizados os seguintes índices: X2 (Qui-Quadrado), GFI (Goodness-of-fit Index), CFI (Comparative Fit Index), NFI (Normed Fit Index) e RMSEA (Root Mean Square Error of Approximation). Os resultados indicaram valores que se aproximaram dos níveis aceitáveis (superiores a 0,90 para GFI, CFI e NFI e até 0,08 para o RMSEA), mas indicaram a necessidade de alguns ajustes no modelo, visando à melhoria dos índices obtidos. Todos os ajustes efetuados implicam reconhecer a força da relação entre itens, criando um novo parâmetro que associa os erros dos itens correlacionados, e o diagrama do modelo com as covariâncias descritas estão apresentados na Figura 1.

A primeira covariância inserida associa-se aos erros dos itens ROC7 e ROC11, que representam a ideia de que o superior exerce o comando e o subordinado deve obedecer às regras que são estabelecidas.

A segunda covariância foi estabelecida entre os erros dos itens ROD5 e ROD6, destacando em comum que o cumprimento das demandas do superior só irá ocorrer nas situações em que o trabalhador apresentar concordância entre elas. A terceira covariância foi colocada entre os erros dos itens ROC4 e ROC6, evidenciando o comportamento de sempre obedecer às ordens do superior.

A covariância seguinte foi inserida entre os erros dos itens ROC9 e ROC, ressaltando a relação de confiança no superior, pois se trata de uma figura que, a priori, possui mais conhecimento que o trabalhador. Por fim, o quinto ajuste foi realizado entre os erros dos itens ROA3 e ROA6, revelando claramente conteúdos associados ao processo de identificação dos valores e objetivos do trabalhador com a organização.

Observa-se que os resultados dos índices melhoraram após as modificações, visto que o GFI ultrapassou o nível mínimo aceitável (0,90), o CFI apresentou uma melhora significativa, aproximando-se bastante de 0,90 e o NFI também obteve uma elevação, mas não chegou a atingir o nível mínimo recomendado no delineamento metodológico. Quanto ao RMSEA, ele já havia atingido o parâmetro aceitável e permaneceu nessa condição (abaixo de 0,08).

A análise das correlações entre as três variáveis latentes instiga algumas considerações. A variável Obediência Cega apresentou discreta elevação da correlação positiva e forte (0,51) com a variável Aceitação Íntima.

Embora sejam dimensões cujos conteúdos apresentam ideias bastante distintas (obedecer ao superior e sentir-se identificado com os valores da organização), ambas estão direcionadas para comportamentos nos quais o trabalhador tende a cumprir o que lhe é demandado, ou porque se sente na obrigação de fazê-lo, ou porque concorda efetivamente com seu superior. Dessa forma, é possível atestar que os dois fatores se associam à noção do construto consentimento organizacional, podendo revelar a existência de uma variável de segunda ordem.

Ainda em relação à análise correlacional, a variável Aceitação Íntima apresentou uma correlação positiva, mas fraca com a variável Obediência Crítica (0,21). Ou seja, a partir do momento em que o trabalhador faz uma análise crítica das solicitações do seu superior e concorda com elas, acredita nelas como melhores alternativas, passa a considerá-las congruentes com suas crenças e valores, aceitando-as intimamente.

Já a análise entre as variáveis Obediência Crítica e Obediência Cega revelou uma correlação negativa e fraca. Esse resultado foi coerente com os resultados provenientes da correlação entre esses fatores na análise fatorial exploratória, fortalecendo a hipótese de haver uma única dimensão bipolar de obediência (cega em um dos polos e crítica, ou mesmo a não-obediência no polo oposto). No entanto, também é possível supor que essa variável pode não se integrar ao construto investigado - consentimento organizacional -, visto que a ela poderão se associar comportamentos que levam ao não consentir com as demandas organizacionais.

A partir desses indicadores, optou-se pelo teste do modelo de segunda ordem do construto consentimento. Nesse caso, foi estimado o parâmetro 1 para a variável latente de primeira ordem Obediência Cega, por considerá-la integrante do construto consentimento.

Apesar de ter sido muito discreta, os principais indicadores revelaram queda dos índices observados. Apenas o RMSEA atingiu o nível recomendado, visto que os demais ficaram abaixo de 0,90. Os coeficientes de covariância e correlação apresentaram grande similaridade de resultados quando comparados ao modelo reespecificado, confirmando a correlação negativa e fraca entre a variável Obediência Crítica e a variável de segunda ordem Consentimento. Todas as variâncias estimadas foram altamente significativas (p < 0,001), e as correlações entre as variáveis latentes (Obediência Cega e Aceitação Íntima) e a variável de segunda ordem (Consentimento) foram positivas e fortes (0,97 e 0,52 respectivamente), resultados que são coerentes com o conceito de conformismo proposto por Kiesler e Kiesler (1973).

A variável Obediência Crítica apresentou uma fraca correlação com a variável de segunda ordem (-0,15), tendo mantido o sentido negativo da relação, sugerindo que, se há uma obediência crítica, o consentimento não ocorrerá.

Com base no conjunto dos resultados do modelo trifatorial, avaliou-se a possibilidade de o construto Consentimento ser integrado apenas por duas das três dimensões propostas para operacionalização do conceito. Assim, pressupõe-se que o indivíduo que consente com as demandas organizacionais poderá fazê-lo por uma obediência ao superior, capaz de atingir o nível de respostas automáticas (cegas) e também poderá fazê-lo porque realmente concorda com o que está sendo pedido, ou porque se sente identificado com os valores e objetivos da organização.

Já em relação à terceira variável latente (Obediência Crítica), que também captura ideias associadas ao cumprimento das ordens de forma condicional ou ainda, ao seu nãocumprimento, caracterizando comportamentos de desobediência, é pertinente considerar a hipótese de que essa variável não se integre ao construto pesquisado.

A análise dos coeficientes do modelo confirmou a forte correlação positiva entre as duas variáveis latentes (Obediência Cega e Aceitação Íntima), como indica o valor de 0,51. A comparação entre os coeficientes dos modelos revela um melhor ajuste do modelo bifatorial. Embora o GFI do modelo tri-fatorial tivesse atingido o parâmetro recomendado, houve uma melhora discreta do índice (0, 915) no modelo integrado por dois fatores. Da mesma forma, o CFI também revelou uma melhoria no índice, ultrapassando o nível mínimo sugerido, atingindo 0,910. O NFI também apresentou um melhor ajuste (0, 886), aproximando-se do parâmetro esperado. O RMSEA se manteve estável.

Após as análises de covariância e correlação entre as duas variáveis latentes, foi realizada a última etapa das análises confirmatórias, que consistiu na construção de um modelo de segunda ordem integrando as duas dimensões "Obediência Cega e Aceitação Íntima ao construto Consentimento, apresentado na Figura 2.

As correlações entre a variável de segunda ordem e as duas variáveis de primeira ordem apresentaram coeficientes positivos e fortes, além de alta significância (p<0,001), indicando que as duas dimensões integram o construto consentimento.

Os resultados aqui apresentados indicam um melhor ajuste da estrutura bifatorial do construto Consentimento Organizacional, formada pelas dimensões que melhor o traduzem, ou seja, comportamentos de obediência cega e aceitação íntima.

 

DISCUSSÃO

Os resultados das análises exploratórias revelaram uma estrutura trifatorial apresentada no Quadro 2. O primeiro fator revela grande consistência interna entre seus itens, sendo considerado um aspecto que lhe garante um bom delineamento conceitual. Os itens representam a dimensão Obediência Cega, na qual o indivíduo se comporta de acordo com as ordens estabelecidas por seu superior, que sabe melhor do que ele o que deve ser feito no ambiente de trabalho. Adiciona-se a percepção de isenção de responsabilidade pelas consequências, mesmo negativas, que possam advir de suas ações na organização, principalmente em decorrência das relações de poder e autoridade que se estabelecem entre superior e subordinado.

O conteúdo desse fator se aproxima dos estudos de Milgram (1963), principalmente dos conceitos de "obediência obrigatória" e "obediência cega". Trata-se de um tipo de obediência baseada nos arranjos hierárquicos organizacionais que demarcam territórios para aquele que exerce o poder e cujas ordens são legitimadas pelo subordinado. Nesses territórios, códigos normativos foram internalizados, inerentes aos papéis de superior e subordinados, gerando o comportamento obediente, que, muitas vezes, pode ocorrer de forma cega (Randall, 1987).

Operacionaliza adequadamente, também, a visão sociológica de Halaby (1986), cujo modelo teórico embasa os vínculos entre empregado e empregador e se apoia na noção de subordinação e nos princípios de uma autoridade legitimada pelo trabalhador. Aproxima-se, ainda, da base aquiescência (compliance) operacionalizada por O'Reilly e Chatman (1986), pois se associa à noção de atender a um comando, a permitir (consentir) o cumprimento das demandas dos superiores, capturando comportamentos muito próximos de uma postura profissional passiva, o que Guareschi e Grisci (1993) denominam de relações de submissão e obediência.

O segundo fator também apresenta grande consistência interna entre os itens da dimensão Aceitação Íntima. Verifica-se grande similaridade entre as visões pessoal e organizacional, o que conduz a uma identificação do trabalhador com regras, procedimentos e valores que embasam as decisões dos gestores. Ao receber uma ordem do seu superior hierárquico, o empregado a analisa, procura compreendê-la, concluindo que está congruente com suas opiniões. Existe uma crença de que as normas e regras aplicadas constituem o melhor procedimento para a organização.

Embora seja possível considerar a aceitação íntima como um tipo de "obediência", pois o trabalhador irá se comportar da forma solicitada, trata-se de uma obediência baseada na identificação entre os valores individuais e organizacionais, cuja descrição se aproxima da noção de "identificação", proposta por Kelman (2006), do conceito de "comprometimento ativo", proposto por Bar-Hayim e Berman (1992) e das relações sociais de hegemonia e persuasão (Guareschi & Grisci, 1993).

O terceiro fator revela maior fragilidade na consistência interna entre seus itens, se comparado aos outros dois. Trata-se da dimensão denominada Obediência Crítica, na qual o indivíduo se comporta de acordo com seus valores pessoais e, na medida em que há divergência desses valores, podem ocorrer discordâncias das regras, contestação e o efetivo não-cumprimento da ordem, revelando um comportamento desobediente. Considerando o conteúdo dos itens, conclui-se que o trabalhador assumiria a instância decisória em relação às prescrições organizacionais e, no caso de não se instalar um acordo, as regras poderiam não ser efetivamente cumpridas.

Os estudos confirmatórios foram baseados nesse modelo tridimensional, cujos resultados preliminares revelaram coerência teórica. Entretanto, o teste do modelo de segunda ordem do construto consentimento apresentou queda dos índices observados, além da correlação negativa entre a variável latente Obediência Crítica e a variável de segunda ordem Consentimento, sugerindo que, havendo comportamentos de obediência crítica, o consentimento não deveria ocorrer.

Com esse resultado, retornou-se à literatura revisada, a uma nova análise do modelo teórico para o Consentimento Organizacional, considerando-se a possibilidade de ser um construto bifatorial, constituído apenas pelas variáveis latentes Obediência Cega e Aceitação Íntima. Os estudos sobre conformismo (Kiesler & Kielser, 1973) e os trabalhos desenvolvidos por Halaby (1986) constituem o suporte teórico que melhor sustenta esse tipo de vínculo entre o trabalhador e sua organização.

Compreende-se então que, por um lado, as relações de subordinação e o reconhecimento de uma autoridade legítima, que deve ser obedecida, podem formar bases para esses vínculos, e, consequentemente, associam trabalhadores a características de maior passividade e submissão ao cumprimento das ordens, consentindo com as solicitações da organização. Por outro lado, o construto também apresenta características advindas dos processos de identificação, nos quais os indivíduos acreditam compartilhar das mesmas ideias e crenças da empresa e, por esse motivo, consentem com as demandas organizacionais.

Esse entendimento é coerente com a teoria weberiana sobre dominação, ao explicitar que diferentes motivos podem levar o trabalhador a obedecer, a consentir com as demandas superiores. A motivação pode ter fins utilitários, materiais, associados às ideias racionais; pode, ainda, ser consequência de um hábito ou costume que direciona o comportamento automático; mas também pode estar associada a fatores afetivos, reunindo os conteúdos abraçados pelas duas dimensões que integram o construto Consentimento.

O estudo dos mecanismos psicossociais (Guareschi & Grisci, 1993) contribui para a aceitação da estrutura bifatorial do construto, principalmente no que se refere à submissão do trabalhador e à obediência ao superior, claramente associadas à dimensão Obediência Cega. Quanto à dimensão Aceitação Íntima, é possível relacionar valores e crenças percebidos e aceitos como corretos, legitimados socialmente, congruentes com as ideias do trabalhador.

 

CONCLUSÃO

Os vínculos que se estabelecem entre trabalhadores e suas organizações são diversos, como bem registra o conjunto de tensões e reflexões teóricas que se apresentam na literatura, além dos esforços para a construção de medidas que procuram melhor diferenciá-los. A centralidade que o construto comprometimento organizacional ocupa nesse campo de investigação o conduziu, ao longo do tempo, a uma excessiva ampliação, ou alargamento conceitual, que começa a ser repensada por diversos pesquisadores. Cresce, nos últimos anos, a convicção de que dimensões incluídas nos modelos multidimensionais de comprometimento organizacional devam ser apreendidas como construtos distintos. Em decorrência, há uma demanda por estudos que busquem ampliar a precisão do construto e a construção de novas medidas que venham a ser criadas para reduzir a inadequada extensão hoje atribuída ao comprometimento organizacional.

Ademais, tanto a vertente psicológica quanto os estudos sociológicos não oferecem um instrumento de medida adequado para o fenômeno aqui denominado consentimento organizacional, o que constituiu o objetivo geral da presente pesquisa. Acredita-se que uma escala para avaliar o construto consentimento organizacional permitirá o avanço de estudos que busquem melhor compreender a formação dos vínculos que se estabelecem entre os indivíduos e suas organizações, retirando do conceito de comprometimento um padrão de relação pautado menos pela identificação e sentimentos positivos, e mais pela adesão às normas prescritas e atendimento às demandas e regras organizacionais.

Os indicadores psicométricos da escala aqui proposta apresentam-se bastante satisfatórios, permitindo que a pesquisa sobre os vínculos entre indivíduo e organização incorpore os estudos da vertente sociológica que, ao desconsiderar os aspectos psicológicos, ressalta as relações de subordinação construídas a partir do antagonismo entre capital e trabalho.

Os estudos confirmatórios iniciais indicaram a consistência das três dimensões extraídas da análise fatorial exploratória. Entretanto, o modelo com melhor ajuste apontou para uma estrutura bifatorial, agrupando as dimensões de obediência cega e aceitação íntima, coerente com o suporte teórico da Psicologia Social (Milgram, 1963; Kiesler & Kiesler, 1973) e da Sociologia (Halaby, 1986; Guareschi & Grisci, 1993). A partir da concepção teórica, pressupõe-se que o trabalhador consente com as demandas organizacionais motivado por uma obediência ao superior, seja em função da sua posição de subordinado, por uma resposta automática (cega), ou em decorrência de aceitação íntima baseada na crença genuína dos valores e objetivos organizacionais.

Já a dimensão obediência crítica revela um perfil de trabalhador que pressupõe uma pessoa com condições de questionar as ordens do seu superior e, na medida em que não houver concordância, não as cumprirá, desobedecendoas explicitamente. Nesse caso, o comportamento do trabalhador revela o seu não-consentimento, o-cumprimento das ordens, condição que, possivelmente, afastou a dimensão de se integrar ao construto estudado. Embora obediência crítica tenha sido concebida como uma das dimensões que integrariam o consentimento, ela reuniu itens com conteúdos que parecem ter ido além de um posicionamento crítico, provavelmente extrapolando os limites do construto, visto que negar-se a realizar alguma ação está diretamente associado a não consentir.

Conclui-se, então, que a medida mais adequada para o consentimento organizacional é uma medida integrada por dois fatores, que envolve obediência cega e aceitação íntima, cuja escala foi composta pelos 17 itens constantes no Quadro 2. Estudos posteriores deverão dar continuidade ao processo de validação da escala, a exemplo da busca de evidências sobre a sua validade discriminante em relação à medida de comprometimento organizacional.

 

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Recebido em: 14.07.2009
Aprovado em: 19.04.2010
Publicado em: 17.09.2010

 

 

1 A autora integra o grupo de pesquisa "Indivíduo, Organização & Trabalho" coordenado pelo co-autor do artigo.

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