Interamerican Journal of Psychology
ISSN 0034-9690
Interam. j. psychol. v.42 n.2 Porto Alegre ago. 2008
Utilização do alcohol use disorders identification test (audit) para identificação do consumo de álcool entre estudantes do ensino médio
The use of alcohol use disorders identification test (audit) to identify alcohol use among high school students
Raul Aragão Martins1,2; Antonio José Manzatto; Luciana Nogueira da Cruz; Suzy Mary Granzoto Poiate; Ana Carla Cividanis Furlan Scarin
Universidade Estadual Paulista, São José do Rio Preto, Brasil
RESUMO
O álcool é uma das drogas mais consumidas pelos adolescentes. Apenas recentemente têm-se investigado instrumentos de rastreamento do uso de bebidas alcoólicas nesta população. O trabalho buscou investigar o uso do Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT) para levantamento inicial (Screening) e avaliação do consumo de bebidas alcoólicas entre alunos do Ensino Médio. Participaram do estudo 1227 jovens de duas escolas públicas que responderam ao AUDIT e forneceram dados relativos a: nível sócio-econômico, religião e familiar com beber problemático. Através do ponto de corte 8 para o AUDIT identificou-se o beber de risco em 17,8% dos participantes. Conclui-se que devido à fácil aplicação e aceitação entre os estudantes, o AUDIT é um instrumento importante para programas de prevenção e intervenção no consumo de álcool.
Palavra-chave: Levantamento inicial, Adolescentes, Uso de álcool, Ensino médio, AUDIT.
ABSTRACT
Alcohol is one of the drugs most widely used among teenagers. Just recently, studies have been developed regarding the screening of use of alcohol by this population. This work aimed to investigate the use of AUDIT as a method for screening and evaluation of alcohol consumption among High School students. The sample was composed by 1227 students from two public schools, who answered to the Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT) and informed their socioeconomic level, religion, and occurrence of relationship problems caused by drunkenness of family members. Using an 8 cut-off point, AUDIT has identified 17.8% of students with risk drinking. These results have revealed that AUDIT is easy to be applied and well accepted by the students. It was also evident the importance of this instrument in the follow-up programs of prevention and intervention of alcoholic beverages use.
Keywords: Screening, Teenagers, Alcohol use, High school.
O uso de drogas é um tema que, por sua amplitude e impacto, vem provocando debates e preocupações em praticamente toda a sociedade. Tais debates costumam ganhar maior atenção quando são divulgados, através da televisão, confrontos entre policiais e traficantes ou dramas familiares provocados por dependentes de drogas ilícitas, como o crack. Paradoxalmente este e outros meios de comunicação veiculam comerciais de álcool, especialmente de cerveja, e a mídia impressa destinada ao público jovem não informa de modo claro que as bebidas alcoólicas são, também, drogas (Vivarta, 2003). Esta situação contrastante: o discurso acalorado em relação às drogas ilegais (maconha, cocaína, crack, etc.) e a complacência para com as drogas legais (álcool e tabaco) é apontada como um dos problemas a ser resolvido para a constituição de uma sociedade justa e saudável (Bucher & Oliveira, 1994, Giulianotti, 1997; Velho, 1993).
Um segmento da população especialmente vulnerável ao uso de substâncias psicoativas (SPA) e seus conseqüentes problemas é o dos adolescentes. Por estar em desenvolvimento e não saber avaliar adequadamente tal consumo, este grupo está sujeito a três problemas importantes: (a) os sociais, relacionados ao não cumprimento de obrigações escolares, envolvimento em situações de risco e dificuldades nas relações familiares; (b) os legais, em função do consumo de SPA legais, como cerveja e cigarros, que são de uso proibido para crianças e adolescentes, e das SPA ilegais e (c) os referentes à saúde que decorrem do uso prematuro de tais substâncias. Nesta perspectiva, o Ministério da Saúde do Brasil (2003), em sua política de atenção aos usuários de álcool e outras drogas propôs, entre outros pontos, a aceitação da redução de danos como marco teórico-político para a condução de trabalhos nesta área, e a constatação de que somente “Informações sobre ‘saber beber com responsabilidade e as conseqüências do uso inadequado de álcool’, ainda são insuficientes e não contemplam a população de maior risco para o consumo, que são os adolescentes e os adultos jovens” (p. 11).
Procurando conhecer o fenômeno a fim de propor formas de atuação, grupos de pesquisadores de vários países vêm realizando levantamentos sobre o uso de SPA, especificamente entre os jovens. O melhor exemplo é o projeto “Monitoring the Future”, com adolescentes norte- americanos, realizado anualmente desde 1975 (Johnston, O’Malley & Bachman, 2003). Dados do levantamento de 2002 mostram que cerca de 78% dos jovens, ao término do ensino médio, já haviam experimentado bebidas alcoólicas e, destes, 62% reportaram pelo menos um episódio de embriaguez (Johnston et al.).
No Brasil, encontramos uma série de estudos epidemiológicos sobre estudantes dos ensinos fundamental e médio (antigos 1º e 2º graus), realizados em várias cidades brasileiras (N. Almeida Filho, Santana, Lima, Sampaio & Alves Filho, 1989; Carlini, Carlini-Cotrin, Silva Filho & Barbosa, 1990; Carlini-Cotrin & Carlini, 1987; Deitos et al., 1998; Galduróz, Almeida, Carvalho & Carlini, 1994; Galduróz, Noto & Carlini, 1997; Scivoletto, et al., 1999; Souza & Martins, 1998), com a utilização predominante dos instrumentos e metodologia sugeridos por Smart et al. (1982). Esses estudos apontam as características de uso de álcool entre os estudantes de nível fundamental e médio, tais como: uso no ano, variando 75-85%; no mês em torno de 64%. E, especificamente, em um estudo realizado em Cuiabá, foi encontrada a média de 12,1 anos de idade (SD=3,6) de início do uso (Souza & Martins). Consolidando estes números, temos os resultados do primeiro levantamento nacional brasileiro sobre uso de SPA, realizado nas 107 maiores cidades, no ano de 2001 (Carlini, Galduróz, Noto & Nappo, 2002). Este estudo detectou que 48,3% dos adolescentes (grupo com idade entre 12 e 17 anos) já haviam feito uso de álcool e que 5,2% já eram dependentes (6,9% do sexo masculino e 2,5% do feminino).
O resultado deste padrão de beber entre os adolescentes mostra números preocupantes. Nos EUA, em metade dos acidentes de carro em que adolescentes estão envolvidos, há relato de uso de álcool, assim como nos corpos de 45% a 50% dos adolescentes mortos de forma violenta. O álcool também é responsável pela maior parte das mortes por afogamento, quedas fatais e disparos de armas (Werner & Adger, 1995). Dados brasileiros mostram que o uso de SPA está associado à atividade sexual precoce (Scivoletto et al., 1999) e maior número de reprovações na escola (Tavares, Béria & Lima, 2001).
Encontramos dois tipos de estudos, envolvendo esta temática, realizados no exterior, predominantemente nos EUA. O primeiro refere-se ao desenvolvimento, implementação e avaliação de projetos preventivos, que nos EUA chegaram a um nível de maturação muito bom (ver revisão de Hawkins, Catalano & Arthur, 2002). O segundo tipo procura desenvolver instrumentos de levantamento inicial (screening) e diagnóstico (Winters, 1999), assim como procedimentos de tratamento para os adolescentes que já estão com problemas devido ao uso de SPA. Estes últimos estudos se referem a atendimento em clínicas (Brown, D’amico, Mccarthy & Tapert, 2001), hospitais (Monti et al., 1999) e consultórios (Werner & Adger, 1995).
Um instrumento para levantamento inicial sobre uso de álcool é AUDIT, desenvolvido sob os auspícios da Organização Mundial da Saúde & OMS (Babor, Fuente, Saunders & Grant, 1992) e adaptado para o Brasil por Méndez (1999). Recentemente, Reinert e Allen (2002), em revisão de artigos sobre este teste, concluíram que “at least the English version of the AUDIT seems to be quite sensitive and specific, performing at a level et least comparable to, if not higher than, other scales” (p. 277). O teste é composto por dez questões. As três primeiras avaliam quantidade, freqüência e embriaguez; as três seguintes, sintomas de dependência; e as quatro últimas são questões que avaliam o risco de conseqüências danosas ao usuário. A pontuação é obtida somando-se as opções que o respondente assinala. As oito primeiras questões apresentam cinco possibilidades de respostas, com valores que variam de zero a quatro, e as duas últimas, somente três possibilidades de respostas, com valores zero, um e quatro. A pontuação máxima é de 40 pontos.
Este teste tem sido usado em ambientes médicos (Bohn, Babor & Kranzler, 1995; Figlie, Pillon, Laranjeira & Dunn, 1997; Méndez, 1999; Skipsey, Burleson & Kranzler, 1997; Turisco, Payá, Figlie & Laranjeira, 2000), entre universitários (Aertgeerts et al., 2000; Fleming, Barry & Macdonald, 1991; Granville- Chapman, Yu & White, 2001; Kerr-Corrêa et al., 2002; Kypri, Langley, Mcgee, Saunders & Williams, 2002; O’Hare & Sherrer, 1999; Roche & Watt, 1999), população em geral (Mendoza-Sassi & Béria, 2003) e, particularmente, entre estudantes de ensino médio, Miles, Winstock e Strang (2001) utilizaram uma versão reduzida, com somente cinco itens, e obtiveram ótimo resultado. Por sua vez, Knight, Sherritt, Harris, Gates e Chang (2003) compararam os principais instrumentos (AUDIT, POSIT, CAGE, CRAFT) de levantamento inicial com um grupo de adolescentes norte-americanos, e os resultados apontaram o AUDIT, o POSIT e o CRAFT como adequados para uso com esta faixa etária.
Babor et al. (1992) sugerem que com o ponto de corte igual a 8 o AUDIT apresenta sensibilidade de 91% a 100% para identificação de pessoas que beberam de forma problemática no último ano. Por sua vez, Méndez (1999), na validação brasileira, relata sensibilidade de 91,8%, com o mesmo ponto de corte. Esse critério tem sido utilizado em estudos feitos em ambientes clínicos (Figlie et al., 1997; Turisco et al., 2000), na população em geral (Mendoza-Sassi & Béria, 2003) e entre estudantes universitários (Kerr-Corrêa et al., 2002). Dessa forma, para este estudo, o ponto de corte considerado no AUDIT é igual a 8.
Esta revisão mostra que só recentemente as possibilidades de atenção a adolescentes que já estão fazendo uso excessivo de bebidas alcoólicas, mas ainda não precisaram de cuidados mais especializados começam a ganhar relevância. Dentro desta perspectiva, o presente trabalho tem por objetivo investigar o uso do AUDIT como instrumento de levantamento inicial (Screening) e avaliação de consumo de bebidas alcoólicas entre estudantes de duas escolas do Ensino Médio, de uma cidade com cerca de 400.000 habitantes, no interior do estado de São Paulo, Brasil.
Método
A pesquisa foi conduzida no período de maio a novembro de 2004 em duas escolas indicadas pelo escritório local da Secretaria Estadual de Educação. Este órgão indicou as instituições de Ensino Médio que atendem adolescentes de vários bairros da cidade, devido à sua localização (em bairros adjacentes ao centro da cidade). A partir da indicação, o pesquisador fez contato pessoal com as direções das escolas. Uma vez que a pesquisa foi aceita, foram estabelecidos os melhores dias e horários para a aplicação e desenvolvimento do trabalho. As duas escolas, para fins de identificação, passam a ser chamadas de Escola 1 e Escola 2.
Participantes
O número de participantes e suas características demográficas são apresentados na Tabela 1.
Instrumentos
Os critérios utilizados para a escolha do instrumento foram: sua alta sensibilidade, devido à necessidade de alcançar o máximo de sujeitos passíveis de intervenção, e a possibilidade de preenchimento rápido. Tendo em vista tais critérios, o AUDIT, adaptado para o Brasil por Méndez em 1999, (Babor et al., 1992), foi o instrumento eleito pelos pesquisadores. Foram coletados ainda dados sócio-demográficos referentes ao nível sócioeconômico, religião e a existência, ou não, de familiar com beber problemático.
Procedimentos
Nas duas escolas, o procedimento para coleta dos dados foi o mesmo. Na primeira ida à escola, duas pessoas da equipe entraram em sala, explicaram a pesquisa e, em seguida, entregaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para os alunos. Para os menores de 18 anos, foi solicitado que pedissem autorização dos pais ou responsáveis, os quais deveriam assinar o TCLE caso concordassem com a participação dos seus filhos no estudo. Para os maiores de 18 anos e emancipados, foi pedido que assinassem e devolvessem o TCLE, caso concordassem em participar. Uma semana depois, a equipe voltou a cada escola para aplicação do levantamento inicial. Poucos os alunos que se recusaram a responder o questionário, contudo o problema do absenteísmo dos alunos demandou várias idas às escolas.
A equipe foi treinada para a aplicação do instrumento pelo próprio pesquisador. Sua composição era multidisciplinar: o próprio pesquisador (primeiro autor), uma Assistente Social, cinco Psicólogas, uma Pedagoga e uma estudante de Psicologia.
Considerações Éticas
Esta pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista e recebeu aprovação em 6 de outubro de 2003.
Resultados
Os resultados são apresentados em três partes. A primeira expõe as características de todos os alunos que responderam ao levantamento inicial (Screening); a segunda, os dados referentes aos alunos que fizeram 8 ou mais pontos no AUDIT, sendo classificados como positivos; e a terceira parte mostra como o AUDIT foi respondido pelos os alunos do grupo positivo.
Caracterização Geral
O levantamento inicial foi aplicado em 1227 alunos, distribuídos igualmente pela duas escolas, o que corresponde a 73,5% dos alunos matriculados. A maioria deles estudam do turno da manhã (51,7%), 35,6% estudam no turno da noite e os 12,7%, restantes no da tarde. Houve aproximadamente o mesmo número de rapazes e moças. A maioria deles (94,8%) possuíam entre 14 e 18 anos de idade (média de 16,3 e desvio padrão de 2,2 anos). O nível sócio-econômico predominante, de acordo com o critério ABA/ABIPEME (P. M. Almeida & Wickerhauser, 1991), foi o “C” (55% dos entrevistados); seguido do “D” (32,3%). Os níveis “B” e “E” respondem por 8,3% e 4,4% da amostra, respectivamente. Com a finalidade de melhor averiguar a distribuição destes níveis por escola, realizaram-se análises conjuntas de categorias utilizando-se o teste de Qui-quadrado (χ2), com posterior inspeção dos resíduos padronizados (Pereira, 1999). Os resultados mostram diferença sig-nificante na distribuição dos níveis sócioeconômicos pelas duas escolas (χ2 = 22,254, p = 0,000). A análise dos resíduos mostra que a diferença apontada é devida à distribuição dos alunos dos níveis sócio-econômicos “B” e “D”. No primeiro nível, o “B”, 66,7% (Zres = 2,4) estão na Escola 2, e no segundo, o “D”, 59,8% (Zres = 2,8) estão na Escola 1.
A religião predominante é a católica, com 52,5% dos respondentes; seguida da evangélica, com 20,6%; e por outras religiões, com 6,1%. O total de 20,8% deixou em branco a pergunta sobre religião ou declararam não têla. Resultados mostram diferença significante na distribuição dos alunos em relação a sexo (χ2 = 16,247, p = 0,001), o mesmo não ocorrendo para escola, série e período. Exame dos resíduos mostra que os rapazes compõem 64,7% dos que declararam não ter religião ou deixaram este item do questionário em branco (Zres = 2,9) e as moças representam 55,6% dos evangélicos (Zres = 1,7).
Cerca de 13,5% dos participantes relataram que algum familiar bebeu a ponto de causar problemas. Estes alunos estão distribuídos uniformemente pelas duas escolas e pelas séries, mas há diferenças em relação ao sexo (χ2 = 3,957, p = 0,047) e período (χ2 = 17,087, p = 0,000). O exame dos resíduos da diferença entre sexos mostra que as moças representam 55,4% dos que relataram problema de familiar, mas este resultado apresenta Zres = 1,3, que é insuficiente para alcançar nível de significância de 0,10 (Pereira, 1999). O exame da diferença entre períodos mostra que os alunos do noturno representam 49,4% (Zres = 3,0) dos positivos. Por sua vez, os alunos do período matutino representam somente 38,0% (Zres = - 2,5) e os do vespertino 12,7% (Zres = 1,7). O familiar mais citado como apresentando comportamento de beber problemático é o pai (9,2%), seguido de irmãos (3,8%) e mãe (0,6%).
Caracterização dos Positivos no AUDIT
O AUDIT selecionou 218 alunos que pontuaram 8 ou mais. Este número representa 17,8% dos participantes (23,9% de rapazes e 11,1% de moças). Com a finalidade de conhecer as características destes participantes realizaram-se dois tipos de análises dos dados. O primeiro utilizou o teste Qui-quadrado (χ2) para avaliar os cruzamentos da categorização AUDIT (positivos e negativos) com escola (1 e 2), sexo (feminino e masculino), série escolar (1a, 2a e 3a), período (manhã, tarde e noite), religião (católicos, nenhuma, evangélicos e outras) e nível sócio-econômico. Para a análise deste último item os dados foram agrupados devido ao número pequeno de participantes nos níveis “B” e “E”, fazendo com que os níveis “B” e “C” formassem o nível “B + C”, e os níveis “D” e “E”, formassem o nível “D + E”. O segundo tipo de análise de dados utilizou a análise de variância, com as mesmas variáveis da primeira análise (escola, sexo, série, período, religião e nível sócio-econômico) com o escore do AUDIT como variável dependente.
Os resultados do teste do Qui-quadrado (χ2) mostram que os participantes estão distribuídos igualmente pelas duas escolas, mantêm a mesma distribuição de nível sócio-econômico, mas que há diferença em relação a sexo, série, período e religião. No primeiro item, sexo, 70% dos positivos são rapazes (χ2 = 37,748, p = 0,000; Zres = 3,8); no segundo, série, os alunos da primeira série representam somente 28,6% dos positivos (Zres = - 1,9), contra 42,3% da terceira (Zres = 1,3) (χ2 = 6,999, p = 0,030); no terceiro item, período, os alunos da manhã estão sub-representados entre os positivos (31,4%) em relação aos da noite (Zres = - 4,2), que estão super-representados, com 57,7% (Zres = 5,5); no último item, religião, os evangélicos representam 9,1% (Zres = - 3,8), os que não declaram religião, 29,5% (Zres = 2,9) e os católicos mantiveram praticamente o mesmo porcentual (χ2 = 6,999, p = 0,030) (Tabela 2).
Comparando-se estes resultados com os do grupo geral (seção “caracterização geral”), constatou-se que eles mantêm a mesma média de idade (16,7 contra 16,3 do grupo geral), e que se distribuem igualmente pelas duas escolas e pelos mesmos níveis sócio-econômicos. Em contraposição, se concentram na última série e no período noturno. Os números relativos à religião mostram que os católicos permanecem no mesmo patamar, mas os evangélicos caem de 20,9% para 9,1%; e que os que declararam não ter religião ou deixaram em branco esta resposta passaram de 20,8% para 29,9%.
Nenhuma análise de variância apresentou resultado significante. As médias variaram de 11,25 a 13,83 pontos (Tabela 2). Estes resultados mostram que: os participantes positivos das duas escolas apresentam o mesmo padrão de beber; embora as moças sejam somente 30,3% dos participantes, elas bebem como os rapazes; os alunos das duas primeiras séries e dos períodos da manhã e tarde, embora estejam, também, em menor número, eles já bebem como os da terceira série e do período noturno, indicando que este hábito pode ter começado no nível de ensino anterior, o fundamental. A pontuação média também não apresenta diferença significante para os positivos de todas as religiões e de todos os níveis sócio-econômicos. Estes resultados mostram que, entre os participantes que pontuaram 8 ou mais no AUDIT e foi classificado positivo, o hábito de beber independe da escola que freqüentam, do sexo do participante, da série e período que freqüentam, da religião que declaram seguir e do nível sócio-econômico de que fazem parte.
Respostas do Grupo Positivo ao AUDIT
O cálculo do Alpha de Cronbach mostrou boa fidedignidade, com o resultado de 0,83 (Cronbach, 1990). Análise das respostas, dos três grupos de questões, mostra, para as três primeiras, relacionada ao uso de álcool, que somente 15,1% dos sujeitos bebem mensalmente ou menos; e 45,0% deles bebem de 2 a 4 vezes, ou mais, por semana. O padrão de beber, nestas ocasiões, é alto, pois 66,6% deles bebem 5 ou mais doses, dado confirmado pela questão 3, que avalia o beber embriagandose (Binge drinking), com 44,5% dos estudantes relatando beber seis ou mais doses semanalmente (Tabela 3). O grupo de questões seguinte, relacionado aos sintomas de dependência, não está muito presente, o que era esperado para a faixa etária estudada. Na quarta questão, referente ao não controle do beber, 43,6% relataram nunca ter tido esta experiência; 80,7% não deixaram de cumprir compromissos em função de beber e 84,4% deles não relataram precisar beber pela manhã. O terceiro e último grupo de respostas, relacionado às conseqüências do beber, mostra, assim como o grupo anterior, que a maioria dos alunos estudados responderam de forma negativa às quatro questões, mas cerca de 25,7% deles relataram ter experiência de não lembrar do que fizeram na noite anterior em função da bebida e 34,4% relatam já ter sido alertados sobre o seu padrão de beber (Tabela 3).
Discussão
Os artigos apresentados na introdução mostram um consumo de bebidas alcoólicas alto por parte dos adolescentes e a necessidade de um instrumento que avalie com precisão e rapidez o grau de comprometimento destes jovens com o álcool. Além de atender a estes requisitos, o AUDIT revelou ser um teste de fácil aplicação e boa aceitação entre estudantes do ensino médio, fatos que são corroborados pela consistência das respostas e por observações dos pesquisadores. A equipe de aplicação relatou que os alunos inicialmente demonstraram perplexidade frente ao fato de pesquisadores de uma universidade estar preocupados com seu padrão de beber, considerado por eles uma conduta normal. Passada a surpresa inicial, contudo, os estudantes se mostraram cooperativos e interessados em conhecer seu padrão de consumo de álcool.
Além dos alunos, vários segmentos da população da cidade, especialmente os responsáveis pela proteção legal e dirigentes educacionais dos adolescentes, mostraram surpresa quando o projeto foi submetido pois, ao mesmo tempo em que há um clamor da sociedade em relação ao uso de drogas pela juventude, esse grupo não identificava as bebidas alcoólicas, especialmente a cerveja, como droga (Vivarta, 2003) e quando o fazia buscava, a princípio, a abstinência. Nesta perspectiva, o grupo de pesquisadores inicialmente divulgou, via entrevistas a jornais e programas de televisão locais, os resultados de pesquisa, do mesmo teor, com alunos universitários (Kerr-Corrêa, Dalben, Simão, Cerqueira & Mendes, 1999; Kerr-Corrêa, Dalben, et al. 2001; Kerr- Corrêa, Simão, et al., 2001; Kerr-Corrêa et al. 2002). Da mesma forma, teve o cuidado de não apresentar o projeto apenas ao Comitê de Ética local, mas aos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente & CMDCA e Antidrogas & COMAD, dos quais recebeu manifestação favorável.
Os resultados mostram que 17,8% dos alunos do ensino médio tiveram pontuação igual a, ou maior do que 8 no AUDIT. Esta porcentagem vem ao encontro dos levantamentos epidemiológicos entre alunos de ensino fundamental e médio, que mostram, para a cidade de São Paulo, que em 2004, 70,1% dos alunos relataram uso de álcool na vida. Embora este número tenha baixado em relação a 1987, quando era de 77,4%, continua preocupante, especialmente quando vemos, no levantamento de 2004, no conjunto dos estudantes brasileiros, que 11,7% destes adolescentes fazem uso freqüente de álcool (seis ou mais vezes por mês) e 6,7% já fazem uso pesado (vinte ou mais vezes no último mês).
Quando comparamos a porcentagem de alunos de ensino médio, com pontuação igual ou superior a 8, com universitários do estado de São Paulo, que alcançou 26% (Kerr-Corrêa et al., 2002), consideramo-la baixa, mas em relação à população geral do país, que apresenta somente 7,9%, é alta (Mendoza-Sassi & Béria, 2003). De qualquer forma, é preciso levar em conta que, embora os alunos tenham cooperado com a pesquisa, somente 73,5% deles responderam o questionário. Os motivos para que 1/4 deles não tenham participado foi, principalmente, o absenteísmo, que foi minorado em parte pelo fator de os pesquisadores terem ido várias vezes às escolas. Pode-se pensar que o número de alunos que estão bebendo excessivamente seja maior, devido ao fato de o desempenho escolar pobre estar associado à maior ingestão de álcool (Tavares, Béria & Lima, 2001), sendo que a combinação destes dois últimos fatores podem ter contribuído para o abandono da escola.
Um dado que tem sido pouco explorado nas pesquisas com adolescentes é o nível sócio-econônico. Este fato talvez seja devido à complexidade do próprio conceito, mas, em dois estudos recentes no Brasil, foi utilizado o critério ABA/ABIPEME (P. M. Almeida & Wickerhauser, 1991), que utiliza uma escala de cinco pontos, na qual a classe “A” é a mais rica e a “E”, a mais pobre. O estudo de Kerr-Corrêa et al. (2002) mostra que a maioria dos universitários pesquisados eram de classe média e alta, sem citar as porcentagens. Mendoza-Sassi e Béria (2003) relatam que nível sócioeconômico e pontuação no AUDIT são inversamente proporcionais, isto é, bebe-se mais nas classes mais pobres, que alcançam 13,7% na classe “E”, comparados com apenas 2,7% da classe “A”. Nesta perspectiva, o percentual de 17,8% de estudantes com pontuação igual ou superior a 8, encontrado em nosso grupo, pode ser devido ao fato de a maior parte deles pertencerem aos níveis “D” e “E”, mas esta interpretação deve ser vista com cautela, tendo em vista o reduzido número de estudos utilizados para comparação.
O estudo de Mendoza-Sassi e Béria (2003) traz, também, detalhes sobre o consumo de bebidas alcoólicas, especialmente os referentes a sexo, série e turno de freqüência à escola. No primeiro, sexo, constatou-se que na população geral a relação entre homens e mulheres é de 6 para 1, enquanto na amostra do presente estudo ela é de 2 rapazes para uma moça, resultado que é mantido entre os alunos que pontuaram 8 ou mais no AUDIT. O período de freqüência à escola é fator de consumo de álcool. Enquanto na amostra geral os alunos do período noturno representam 35,6% do total, no grupo positivo eles passam para mais da metade (57,8%). Em relação à série, constatou-se que, na amostra geral, a 3a série corresponde a 37% dos alunos, que passam para 42,2% no grupo AUDIT positivo. O maior número de bebedores excessivos nas turmas de 3a série do período noturno pode ser explicado pelo fato de estes alunos trabalharem durante o dia e já disporem de renda própria. Nesta idade, o rendimento vindo do trabalho, geralmente, é destinado para as próprias despesas do aluno, que gasta em parte, nas diversões regadas a bebidas.
Este estudo não avaliou especificamente o papel da religião na conduta de beber, mas solicitou que os participantes declarassem a sua. Os resultados vêm ao encontro de outras pesquisas, em que não ter religião é fator de risco para abuso de álcool (Dalgalarrondo, Soldera, Corrêa Filho & Silva, 2004). Especificamente, não responder ou declarar que não tem religião, foi a opção de 20,8% dos alunos na amostra total. Este número passa para 29,4% no grupo dos positivos AUDIT. Ao mesmo tempo ser evangélico, no grupo geral, corresponde a 20,6% e passa para 9,2% entre os que bebem excessivamente. Resumidamente, ser do sexo masculino, estar concluindo o ensino médio no período noturno e não ter religião, são fatores que facilitam o uso de bebidas alcoólicas.
Finalizando, apresentam-se dois comentários, o primeiro referente ao teste AUDIT e o segundo, em relação à abrangência do estudo. Quanto ao AUDIT, embora tenha se mostrado um teste de fácil aplicação e com boa aceitação entre os adolescentes, é possível pensar em adaptá-lo, com somente cinco questões, segundo sugestão de Miles et al. (2001). Nesse estudo, em vez de trabalhar com as dez questões do teste original, três das quais sobre o padrão de beber, três sobre sintomas de dependência e quatro sobre as conseqüências do beber, optou-se por manter as três primeiras, uma sobre dependência e outra sobre as conseqüências do beber. Os resultados mostraram que a nova versão, com somente cinco questões, identifica os adolescentes que estão bebendo excessivamente, com a mesma precisão que o teste completo, com as dez questões. Quanto à abrangência do estudo é preciso lembrar que ele foi aplicado em somente duas escolas e que, embora elas tenham sido indicadas pelo Escritório Regional da Secretaria de Educação, por receberem alunos de praticamente toda a cidade, não foram escolhidas aleatoriamente. Independentemente desta última limitação, considera-se que este instrumento pode ser uma ferramenta útil para implementação de programas de prevenção ou de intervenção quanto ao uso de álcool entre estudantes do ensino médio.
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Received 02/10/2006
Accepted 23/01/2007
Raul Aragão Martins. Universidade Estadual Paulista, São José do Rio Preto, Brasil.
Antonio José Manzatto. Universidade Estadual Paulista, São José do Rio Preto, Brasil.
Luciana Nogueira da Cruz. Universidade Estadual Paulista, São José do Rio Preto, Brasil.
Suzy Mary Granzoto Poiate. Universidade Estadual Paulista, São José do Rio Preto, Brasil.
Ana Carla Cividanis Furlan Scarin. Universidade Estadual Paulista, São José do Rio Preto, Brasil.
1 Endereço: Rua Cristovão Colombo, 2265, São José do Rio Preto, SP, Brasil, CEP 15054-000.
E-mail: raul@ibilce.unesp.br
2 Apoio: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo & FAPESP (Auxílio no 2003/10846-2).