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 ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) vol.44 no.73 São Paulo jan./jun. 2022

 

OUTRAS ODISSEIAS

 

Sobre simbolismo e simbolização: a obra de Freud, Durkheim e Mauss

 

On symbolism and symbolisation: the work of Freud, Durkheim and Mauss

 

 

Eric SmadjaI; Tradução de Marcia BernardII

IPsiquiatra, psicanalista, membro da Société Psychanalytique de Paris, membro convidado da British Psychoanalytical Society e membro da International Psychoanalytical Association, psicanalista de casais. Trabalha tanto em Paris como em Londres. Antropólogo, membro associado da American Anthropological Association e membro da Society for Psychological Anthropology. Em 2007, foi agraciado com o Prêmio ipa por "Contribuição Excepcional à Pesquisa Psicanalítica". Autor de diversos livros. Paris / ericsmadja59@gmail.com
IIBacharel em Letras e Literatura Inglesa pela USP. Tradutora juramentada (Jucesp).

 

 


RESUMO

Esse tema de simbolismo e simbolização, que surgiu no final do século xix e início do século xx, revolucionaria as ciências humanas e sociais como um todo ao longo do século xx, tanto dentro de cada uma delas quanto em suas inter-relações. Além disso, ele se tornaria um "fenômeno de transição", desempenhando um papel mediador- -ligador dentro da cisão histórica entre os campos individual e coletivo, entre psicologia e sociologia, em particular. Portanto, contribuiria para unificá-los prática e teoricamente dentro de um novo espaço epistemológico. Assim, simbolismo e simbolização se tornariam conceitos centrais das ciências humanas, que transformariam a representação e a compreensão do ser humano, das sociedades e de suas culturas. No entanto, a história recente dessas ciências humanas permite detectar dois caminhos "epistemológicos" bastante distintos que convergem para esse tema comum. Trata-se, por um lado, daquele tomado por Freud e pela psicanálise, e, por outro, daquele tomado por Durkheim, depois Mauss, a escola francesa de sociologia, depois a etnologia francesa moderna. Assim, apresentamos as concepções de simbolismo e simbolização de nossos três fundadores sobre o tema, que serão seguidas de uma discussão frutífera e necessária. Finalmente, nossa exploração desse vasto e complexo campo de simbolismo e simbolização através das concepções revolucionárias de Freud, Durkheim e Mauss levanta algumas questões inevitáveis e necessárias, uma das quais nos impõe: o que aconteceu com ele, ou qual foi seu destino dentro das ciências humanas e sociais, particularmente na França, durante a segunda metade do século xx?

Palavras-chave: simbolismo, simbolização, Freud, Durkheim e Mauss


ABSTRACT

This theme of symbolism and symbolization which appeared at the end of the xixth century and the beginning of the xxth century would revolutionize the human and social sciences as a whole all throughout the xxth century, both within each of them and in their interrelationships. Moreover, it would become a "phenomenon of transition", playing a mediating-connecting role within the historical split between the individual and collective fields, between psychology and sociology, in particular. Therefore, it would contribute to practically and theoretically unifying them within a new epistemological space. Thus, symbolism and symbolization would become central concepts of the human sciences that would transform the representation and understanding of human beings, societies and their cultures. Nevertheless, the recent history of these human sciences enables us to detect two quite distinct "epistemological" paths converging towards this common theme. It is a matter, on the one hand, of that taken by Freud and psychoanalysis, and, on the other hand, of that taken by Durkheim, then Mauss, the French school of sociology, then modern French ethnology. So, we are presenting the conceptions of symbolism and symbolisation of our three founders on the subject, which will be followed by a fruitful and necessary discussion. Finally, our exploration of this vast, complex field of symbolism and symbolisation through the revolutionary conceptions of Freud, Durkheim and Mauss raises some inevitable and necessary questions, one of which forces itself upon us: What became of them, or what was their fate within the human and social sciences, particularly in France, during the second half of the xxth century?

Keywords: symbolism, symbolization, Freud, Durkheim and Mauss


 

 

A título de introdução

O tema do simbolismo e da simbolização que surgiu no final do século xix e início do século xx viria a revolucionar as ciências humanas e sociais como um todo ao longo do século xx, tanto no âmbito de cada uma delas - reorganizando, portanto, os diversos aspectos de seus próprios campos epistemológicos, de diferentes maneiras - quanto em suas inter-relações.

De fato, desde o século xix, as ciências humanas classificadas entre as ciências da mente fundamentadas na interpretação-entendimento, de acordo com Wilhelm Dilthey, tinham sido permeadas e dirigidas por uma divisão essencial entre, como Bruno Karsenti o expressou (1997, pp. 19-20), "estudar os seres humanos por fora, por meio da análise de suas formas sociais de existência, e estudá-los por dentro, concentrando-se no ego individual concebido como uma entidade voltada para dentro". Essa divisão entre o coletivo e o individual se traduz principalmente na separação estabelecida entre sociologia e psicologia, que Durkheim abraçaria enfaticamente.

Esse tema do simbolismo e da simbolização se tornaria, entretanto, um "fenômeno de transição", desempenhando um papel de mediação-conexão entre os campos individual e coletivo, entre psicologia e sociologia, e adquirindo assim um status privilegiado derivado do fato de que os fenômenos que se enquadram nessa categoria minam o próprio princípio da dualidade entre interioridade e exterioridade. Dessa forma, contribuiria para eliminar a divisão entre eles, para depois unificá-los prática e teoricamente dentro de um novo espaço epistemológico.

No entanto, a história recente dessas ciências humanas nos permite detectar dois caminhos "epistemológicos" bastante distintos que convergem para esse tema comum. Trata-se, por um lado, do que foi feito por Freud e pela psicanálise e, por outro, do que foi feito por Durkheim, seguido por Mauss, a escola francesa de sociologia, e depois a moderna etnologia francesa, algo que vamos examinar.

O simbolismo e a simbolização se tornariam então conceitos centrais das ciências humanas, que transformariam a representação e a compreensão dos seres humanos, das sociedades e de suas culturas. Eles nos levam, contudo, a fazer perguntas sobre suas diversas fontes detectáveis na história recente.

A seguir, vamos explorar as concepções de Freud, Durkheim e Mauss sobre simbolismo e simbolização, seguidas de discussões necessárias e fecundas.

 

Freud, o simbolismo e a simbolização

O simbolismo e a simbolização inauguraram a psicanálise baseada em sintomas psiconeuróticos e seu significado "simbólico", principalmente a conversão histérica. Assim, descobrindo as relações entre sintomas evidentes e seus significados latentes que refletem conteúdos inconscientes reprimidos, Freud descobriu e ao mesmo tempo explorou os processos de simbolização individual relacionados a uma função psíquica essencial.

Foi somente durante uma segunda fase que o simbolismo dos sonhos ou o simbólico entrou na história da psicanálise e do jovem movimento psicanalítico. A seguir, Freud descobriria outras formas de simbolização, como a circuncisão - uma prática ritual coletiva sobre a qual começaria a refletir em Totem e tabu (1912-1913/1998) - e, mais tarde, jogos infantis, como outra forma de simbolização individual, que ele descreveria em "Além do princípio do prazer" (1920/1996).

Ele tomaria consciência da dimensão simbólica e simbolizadora do arranjo analítico que havia estabelecido devido a seu modo de funcionamento baseado em uma estrutura de três termos (paciente, analista e o setting como terceiro agente, incluindo o dinheiro) condicionando o desdobramento do processo de simbolização nos pacientes, particularmente por meio da verbalização.

Freud também percebeu que a transferência realiza outra forma de deslocamento, de uma representação para outra que tenha um valor simbólico e sintomático e que ressalte, de forma exemplar, o papel e o significado do objeto perdido no surgimento de um processo de simbolização.

 

O sintoma: descoberta de um processo de simbolização individual correlato à criação da psicanálise

O sintoma histérico foi desde o início considerado, e designado por Freud, como um símbolo, um "símbolo mnésico" de uma memória, ou uma fantasia reprimida, tendo valor traumático, ou seja, como algo definitivamente inscrito no corpo, o corpo da pessoa histérica. Resultante de um processo de substituição de um estado corporal por um estado psíquico, de uma conversão ligada a uma conexão associativa, tratava-se, portanto, de uma simbolização individual, não denominada como tal, ligando sintomas, símbolos conscientes, a coisas simbolizadas inconscientemente. Dessa forma, Freud introduziu uma nova dimensão inconsciente, intrapsíquica-individual nessa descoberta da simbolização. Além disso, a histeria de conversão mostrou-lhe o caminho a seguir para destacar a função simbolizadora do corpo e sua ligação essencial com a memória.

Foi assim que essas características específicas da histeria de conversão, bem como as dos outros sintomas psiconeuróticos - obsessivos e fóbicos -, proporcionaram a Freud uma abertura para a universalidade da função simbólica. Ele descobriu então, por um lado, que a simbolização individual associa duas representações. De fato, ela substitui uma representação por outra e é, portanto, um modo de "representação indireta". Por outro lado, descobriu que ela também conecta um afeto e uma representação, sendo o afeto o do desejo e da ansiedade. Também entendeu que a simbolização é acima de tudo o resultado de um processo que pressupõe a capacidade de representar tanto um objeto ausente quanto um sujeito capaz de saber que o símbolo não é o objeto simbolizado.

 

O simbolismo dos sonhos ou o simbólico

Freud definiu as relações simbólicas - particularmente em suas Palestras introdutórias sobre psicanálise (1916-1917/2000) - como "traduções permanentes para vários elementos do sonho" (1920/1996, p. 150), sendo esse elemento em si chamado de "símbolo do pensamento-sonho inconsciente" (1920/1996). Essa relação entre símbolo e simbolizado era uma relação individualizada baseada em "semelhança", analogia, evoluindo para a analogia natural (de forma, tamanho, função, frequência etc.).

Para Freud, o campo do simbólico, ou sistema de símbolos fixos, era extraordinariamente grande, o campo dos sonhos representando dele apenas uma pequena parte. Além disso, nesses outros domínios, o simbólico claramente não era apenas sexual, ao contrário dos sonhos, em que a imensa maioria dos símbolos era quase exclusivamente utilizada para representar a esfera da vida sexual (genitais, processos sexuados, relações sexuais). Outros símbolos, entretanto, representariam o corpo humano como um todo, a pessoa humana, pais, filhos, irmãos e irmãs, nascimento, nudez e morte.

De fato, esse simbólico - que não é específico dos sonhos e, além disso, é compartilhado com as psiconeuroses - pertencia à atividade de representação inconsciente (Freud, 1899-1900/2004, p. 396) dos povos. Portanto, não é apenas individual, mas também coletivo por natureza.

 

Durkheim, simbolismo e simbolização

Durkheim introduziu essa reflexão em 1893, em seu livro Da divisão do trabalho social, obra em que a lei foi apresentada como um símbolo de solidariedade social. No entanto, suas ideias foram desenvolvidas mais amplamente em Formas elementares da vida religiosa (1912/2013), em que apresentou sua teoria dos símbolos e uma teoria sociológica do simbolismo e da simbolização.

 

O símbolo durkheimiano

Durkheim tentou explicar a formação de símbolos pelos efeitos de grandes reuniões durante as quais os grupos se tornam efervescentes. É a força originária da energia social resultante da reunião de seres humanos, que é liberada em cada símbolo para constituí-los um por um, e separadamente, como entidades significantes.

Tratado como uma metáfora, um símbolo traz em si uma ligação natural com a realidade que simboliza, a realidade social, nesse caso. O direito penal simboliza a solidariedade, a coesão baseada na conformidade de todas as consciências individuais. Assim como na moralidade, a sanção é um símbolo do sentimento de obrigação. Por fim, o totem é o símbolo do deus ou princípio totêmico, mas também o do clã, da sociedade.

Assim, o que é peculiar ao símbolo durkheimiano é a associação de força e representação. Ele sempre traduz um estado afetivo coletivo.

Além disso, por meio de sua "materialização" e sua "objetivação" na forma de uma "coisa", o emblema ou bandeira, o símbolo durkheimiano torna representável a exterioridade do social, concebido como uma força externa superior aos indivíduos. Ele constitui então, segundo Karsenti (1997), uma entidade significante para as consciências particulares.

Os símbolos também aparecem como cristalizadores e condições de durabilidade dos sentimentos sociais. Por um lado, os símbolos coletivos presentificam o desaparecimento de sentimentos sociais nascidos na efervescência de reuniões humanas que já não existem. Por outro lado, eles os inscrevem e os prendem a coisas, indivíduos importantes - reais ou míticos - de modo que se mantenham sempre vivos, algo que permite a esses sentimentos coletivos tornarem-se conscientes de si mesmos.

Símbolos são também ferramentas de comunicação social que possibilitam às consciências individuais, "fechadas umas para as outras" (Durkheim, 1912/2013, p. 175), o encontro e a troca por meio da mediação desses signos, externos a elas, portanto, de natureza social, que então traduzem, expressam seus estados internos.

Símbolos também são instrumentos de pensamento e expressão coletiva.

Eles expressam e traduzem a maneira pela qual a sociedade se representa, pensa sobre si e o mundo que a cerca. Consequentemente, são instrumentos de pensamento coletivo, daí a religião como sistema de símbolos, portanto, um modo de pensar próprio de toda sociedade.

 

Simbolismo e simbolização

Durkheim afirmou, por um lado, a necessidade de simbolismo para a própria existência das sociedades humanas, e, por outro lado, a existência de uma especificidade de simbolismos. Além disso, ele considerou que o simbolismo veio não apenas para remediar a limitação constitutiva de determinadas consciências, mas também representou essa vida social para elas.

Durkheim também chamou a atenção para o fato de que no âmbito social, "lá, muito mais do que em qualquer outro lugar, a ideia cria a realidade" (1912/2013, p. 173) e que, além disso, "para expressar nossas próprias ideias, precisamos ancorá-las em coisas materiais que as simbolizam" (1912/2013, p. 173). Foi por essa razão que ele considerou que o pensamento coletivo, o pensamento religioso em particular, se expressa pela combinação de idealismo, "criador de realidade", e simbolismo.

Consequentemente, acredito que o conceito de simbolismo de Durkheim é necessariamente acompanhado de idealismo, "criador de realidade", que assumirá, portanto, múltiplas formas simbólicas. Esses são dois processos interdependentes de criação-recriação da sociedade. Formam um par funcional.

 

Mauss, simbolismo e simbolização

Já na Teoria geral da magia (1902-1903/1950b), Mauss e Hubert promoveram uma concepção de símbolo e simbolismo que rompe com a concepção durkheimiana. Karsenti (1997) considerou, de fato, que sua tentativa de conceituar fenômenos mágicos como fenômenos sociais com base em um modelo linguístico levou-os de início a uma "formalização simbólica do social", sem precedentes até então no pensamento socioantropológico francês. Deve-se ressaltar que, como filólogo, em particular, Mauss já estava direta ou indiretamente lidando com problemas de linguagem, tradução e interpretação.

 

Símbolo, simbolismo e simbolização em Mauss

Assim, desde a época da Teoria geral, símbolos pareciam vazios de todo conteúdo representativo (Karsenti, 1997), e Mauss destacou sua constituição formal dentro da estrutura de um sistema de signos e valores sociais representados por magia. A partir de então, os símbolos são considerados como signos, eles próprios entidades relativas. Com base nessa perspectiva até então desconhecida, o simbolismo designaria a atividade dinâmica por meio da qual os signos são determinados e produzem seu significado pelo jogo exclusivo de suas relações mútuas. Embora Mauss, entretanto, se recusasse a distinguir entre signo e símbolo, ele não reduziu nenhum dos dois a signos linguísticos.

Além disso, a adoção do ponto de vista da magia desloca, dentro do próprio símbolo, sua dimensão de objetivação - relacionada à subordinação durkheimiana dos símbolos às representações - para a de significação. De fato, segundo Mauss, é essa função de significação em si que se afirma como proeminente e como condição primordial do social. Assim, liberado do conceito de representação, o simbolismo assume uma natureza autônoma que não poderia ter aos olhos de Durkheim.

De outra perspectiva, os símbolos maussianos formam "cadeias" e só existem em redes que constituem simbolismos, aquelas de um rito, de uma religião, de uma cultura.

Além disso, esses simbolismos têm sua própria ordem. De fato, esse mundo de signos e símbolos, que tem sua própria natureza específica, sua própria realidade e sua ordem, não pode ser fundido com o mundo da experiência. Antropologicamente falando, esse conjunto de simbolismos pode ser designado pelo simbólico.

E as "Relações reais e práticas entre psicologia e sociologia" (1924/1950c)?

Tarot (1999) considera que essa palestra marcou o nascimento da antropologia do simbólico, ou a mudança da sociologia durkheimiana para os problemas do simbólico (1999, p. 271). Ele apresentou símbolos como sendo signos comuns, "permanentes", "externos aos estados mentais individuais", que permitem às pessoas comunicarem-se umas com as outras, mas também que estejam em comunhão. Essas características atestam dessa forma sua origem social, não individual.

A própria noção de símbolo é a agência mediadora descoberta por Mauss para conectar psicologia e sociologia, o indivíduo ao coletivo. A partir daí, o psíquico e o social tornam-se duas modalidades e dois pontos de vista sobre a mesma realidade humana do ser humano total e do fato social total. Com base nessa perspectiva sem precedentes, a simbolização será exaurida e reempregada na interface de todas essas dimensões; portanto, não é propriedade exclusiva do sociólogo, mas também diz respeito ao psicólogo, até mesmo ao biólogo.

Mauss também propõe várias coisas: o "aspecto simbólico" do fato social, e o mundo de fervilhantes relações simbólicas que constituem toda a vida social. Em seguida, ele traz à tona a noção fundamental e central da atividade simbólica da mente, tão coletiva quanto individual, de natureza inconsciente, a primeira provando ser mais simbólica do que a segunda. Trata-se apenas, segundo ele, de uma diferença de intensidade e de espécie, mas não de tipo, algo que permite explicar elementos importantes, por exemplo, dos mitos, ritos, crenças, delírios coletivos. No entanto, essa noção de atividade simbólica da mente também funciona como uma mediação-conexão entre o campo individual e o campo coletivo. Assim, não existe mais uma divisão entre o social e o individual, mas sim transições, mediações, relações de interdependência.

Ademais, ele reconheceu plenamente que o pensamento simbólico é a principal forma de pensamento humano, subjacente a todo pensamento, e se esforçou para reconhecer essa atividade em todos os estratos do social. Além disso, Mauss não hesitou em estabelecer relações de tradução entre todos os níveis do real, entre o sociológico, o psicológico e o biológico, entre a sociedade e os indivíduos.

Mauss identificou o mecanismo de produção de sentido que está no coração da vida social e que é, de certa forma, anterior a ela, mesmo que só seja concretizada, realizada, nela e por ela. É uma questão de função simbólica.

Por fim, o pensamento de Mauss permite ir além da descoberta durkheimiana de que a vida social não seria possível sem o simbolismo: afirma que o simbolismo é o que torna a vida social possível e a produz. Ele é a própria condição para a existência de grupos como grupos. Além disso, Mauss chegou a pensar que as particularidades sociais resultam especificamente de processos de simbolização, ou seja, de acordos não universais, portanto arbitrários, mas particulares e necessários, ou pelo menos funcionais, para pessoas obrigadas a viver em grupos (Mauss, 1929/1969, pp. 456-479). Assim, cada sociedade produz suas próprias simbolizações. Mauss então estabelece claramente os termos da dialética do universal humano e do particular social.

O que interessa a Mauss quanto aos instintos, outra noção que ele discutiu e desenvolveu, é a relação obtida entre as representações, os atos, o corpo e especialmente os instintos e as coisas. De mais a mais, considerou que essa parte do instinto era ainda muito maior quando se tratava de psicologia coletiva. De fato, ele considerava que as pessoas só podem produzir e se comunicar por meio de símbolos porque compartilham os mesmos instintos, entre os quais os estados de exaltação, de efervescência, de "êxtase", criadores de ideais e símbolos, são "proliferações", daí o par instinto-símbolo funcional em Mauss.

 

Elementos de discussão

Símbolos

Durkheim desenvolveu uma concepção objetiva, substancialista e representativa dos símbolos, estabelecendo uma relação unívoca entre os símbolos e o que é simbolizado, ao contrário de Mauss que, desde a época da Teoria geral, esvaziou os símbolos de todo conteúdo representativo e, por analogia com os signos linguísticos, atribuiu-lhes uma dimensão puramente formal, relativa. Os símbolos não conectam termos pré-determinados, mas signos que são entidades relativas cujo significado pertence à ação recíproca de suas relações mútuas dentro do sistema que eles formam juntos.

Olhando para a dimensão representativa dos símbolos, nela as abordagens de Durkheim e Freud parecem convergir, assim como do ponto de vista da relação individual entre o símbolo e o que é simbolizado.

Lembremos, entretanto, que, em Freud, todas as formas de representações - indiretas e figurativas - são simbólicas de um desejo inconsciente - sonhos, lapsos, sintomas, atos falhos, em particular -, e a exigência de conectar afetos é responsável pela natureza específica da simbolização inerente às formações do inconsciente, e, portanto, pela ocultação da relação entre o símbolo e o que é simbolizado. Os símbolos coletivos de Durkheim, todavia, representariam indiretamente um desejo coletivo inconsciente, tal como formações individuais do inconsciente? Essa noção de desejo inconsciente obviamente não tem lugar em sua terminologia.

Além disso, Freud e Durkheim se encontram em terreno comum quando se trata da conjunção de força e significado que constituiria toda representação simbólica, enquanto a referência precoce de Mauss ao modelo linguístico o distanciaria consideravelmente de Durkheim, mas também de Freud.

De fato, em Durkheim, as representações coletivas são "forças", e em Freud, as representações individuais são modalidades de expressão psíquica do instinto, ele próprio definido como o conceito de fronteira entre o somático e o psíquico. Mas, com relação a isso, Durkheim e Freud estavam falando sobre a mesma coisa quando se tratava da noção de representação? De forma alguma.

Quanto a Mauss, lembre-se que em sua palestra de 1924 a noção de símbolo tornou-se a agência de mediação e de conexão entre o social e o psicológico, entre o coletivo e o individual, algo que o distanciou ainda mais de Durkheim, mas, ao mesmo tempo, o aproximou mais de Freud. Ele considerou que o social se torna uma dimensão de todos os fenômenos humanos, como os psíquicos e também os biológicos. Além disso, Mauss reintroduziria o corpo ao lado do psíquico e do social, por meio do instinto e do "ritmo", e associaria instinto e símbolo. Note-se que esse par maussiano "instinto-símbolo" é encontrado novamente, de certa forma, em Freud, notadamente em sua compreensão dos sintomas histéricos, que o levou a descobrir que o corpo humano, o corpo erógeno e o instinto são fontes de simbolização.

 

Simbolismo e simbolização

Durkheim levou em consideração a dimensão exclusivamente coletiva do simbolismo. Era a questão da linguagem de cada sociedade que expressava ideias, sentimentos, imagens dessa forma. Constituía tanto um instrumento de comunicação intersubjetiva quanto um fator de comunhão e de unidade social. Mas era também a forma de pensar de cada coletividade, permitindo-lhe não apenas refletir sobre si mesma, mas também representar para si mesma seu ambiente e suas relações com ele. Lembre-se que esse simbolismo é acompanhado pelo que ele chamou de "idealismo", "criador de realidade", algo que corresponderia à atividade imaginária coletiva representada por símbolos, linguagem do imaginário social. É assim com o pensamento religioso, em particular. Por meio dessa noção de idealismo, encontramos semelhanças com a noção freudiana de atividade fantasiosa, que seria simbolizada de várias formas diferentes.

Além disso, os dois processos de simbolização descobertos por Freud em sua clínica de neuroses são detectáveis nesse campo do simbolismo coletivo como pensamento, e elaborados por Durkheim: por um lado, o processo de associação entre duas representações e, por outro lado, o processo de ligação de um afeto por uma representação. Da mesma forma, identificamos o papel e a importância do objeto perdido no aparecimento de um processo de simbolização coletiva, especialmente na simbolização de sentimentos sociais. Assim, quando Durkheim declara que, "para expressar nossas ideias para nós mesmos, precisamos ancorá-las em coisas materiais que as simbolizam" (1912/2013, p. 173), então, quando os sentimentos sociais perduram por meio dos símbolos, encontramos tanto a ligação entre duas representações - simbolizada e simbolizadora - quanto a representação que conecta um afeto tornando possível seu domínio. A simbolização do que não existe mais, o afeto do luto, a dor da perda e da ausência, poderá, consequentemente, encontrar uma representação material ou ideal que ligará esse afeto, sempre presentificando a ausência, algo que Freud objetivizou notavelmente através de sua análise do jogo da bobina.

Mas, ao contrário de Mauss, Durkheim se agarraria a essa atividade simbólica coletiva, excluindo assim qualquer possível conexão com o pensamento individual. Nessa concepção de Durkheim existe definitivamente a preocupação de estabelecer e manter uma solução de continuidade entre o âmbito social e o âmbito psicológico, que ele viria a estabelecer por razões epistemológicas e de identidade. Tratava-se de fundar a sociologia como uma ciência finalmente emancipada da filosofia, da psicologia e da biologia, ainda que encontremos em Durkheim uma linguagem dupla - biológica e psicológica -, assim como um paradigma biológico, e até mesmo a tentação de transformar a sociologia em uma psicologia "especial", sui generis, ou uma psicologia coletiva, por causa do estudo necessário das representações coletivas.

Por sua vez, Mauss relacionou o simbolismo à atividade simbólica da mente humana, seja coletiva ou individual, e reconheceu plenamente que o pensamento simbólico era a forma primária do pensamento humano, subjacente a todo pensamento. Com essa atividade simbólica da mente, não existe mais, ao contrário do que acontece em Durkheim, qualquer divisão entre o social e o individual, mas sim transições, mediações, relações de interdependência.

Além disso, não se trata mais apenas de dizer, como fez seu tio, que a vida social seria impossível sem o simbolismo. É preciso acrescentar que o simbolismo é simplesmente a condição necessária para qualquer grupo. Tarot (1999) considera corretamente que esse problema da simbolização parece fornecer o verdadeiro campo para a observação das relações entre Durkheim e Mauss e consequentemente da transição de um para o outro. De fato, enquanto Durkheim propunha uma teoria sociológica de simbolização, Mauss nos introduziu a uma teoria simbólica da sociedade que se enquadra no marco da elaboração de uma antropologia do simbólico, como uma orientação profunda, que a partir daquele momento ele propôs à sociologia e à antropologia, mas também como um projeto do qual ele convidou especialistas das ciências sociais e humanas a participar.

Por sua vez, Freud abordaria a dimensão coletiva do simbolismo utilizando o vasto campo do simbólico, do qual os sonhos faziam parte. Considerando que a imensa maioria dos símbolos de sonhos eram símbolos sexuais e observando um contraste distinto entre a riqueza dos símbolos sexuais e a escassez de coisas simbolizadas por múltiplos símbolos quase equivalentes, ele não podia deixar de assumir a existência de uma relação particularmente estreita entre símbolos genuínos e sexualidade, algo com que Durkheim e Mauss certamente não concordariam!

Além disso, através do simbólico aparece, segundo Freud, a possibilidade de uma certa língua universal ou "língua fundamental", que os sujeitos teriam à sua disposição além da diversidade de culturas e línguas e que, em certos casos ou em certos pontos, permitiria então a decifração transindividual. De fato, ele descobriu, por um lado, que esse simbólico era compartilhado com as psiconeuroses - em que a maioria dos elementos eram preservados -, algo que nos possibilita, além disso, a compreensão mais profunda dessa "língua fundamental". Por outro lado, descobriu que ela na verdade pertencia à "atividade de representação inconsciente" dos povos. Portanto, não era apenas individual, mas também coletiva por natureza.

Há, portanto, um importante ponto de convergência detectável entre Mauss e Freud no que diz respeito aos fundamentos humanos do simbolismo, algo que obviamente os distanciou de Durkheim.

Mauss sustentou que se tratava de uma produção de "atividade simbólica da mente", seja individual ou coletiva, enquanto Freud chamou a "atividade de representação inconsciente" de atividade de indivíduos ou povos, que ligaria produções individuais tais como sintomas e sonhos, e produções coletivas, mitos, lendas e outras coisas. Noutro lugar, ele falaria da noção de "atividade da mente humana" (1924/1950c). Ambos conferem a essa atividade da mente humana - inconsciente, por um lado, e simbólica, por outro - o status e o papel da mediação, da transição entre as três dimensões de toda a realidade humana: biológica, psicológica e social. Entre elas, existiriam relações de tradução e expressão.

Ao associar, entretanto, sintomas neuróticos e conteúdo sexual reprimido, por um lado, e símbolos de sonhos e conteúdo essencialmente sexual, por outro, consequentemente fundamentando essa "atividade de representação inconsciente" no desejo, Freud divergiu radicalmente de Mauss. E, no entanto, ele havia escrito que a magia é "o domínio do desejo". Mas aí não se trata de desejo sexual!

Além disso, deixe-me enfatizar em Freud o contraste entre a escassez de coisas simbolizadas inconscientes e a riqueza de símbolos e pensamento simbólico, uma característica com a qual Mauss concordaria.

Em contraste, quando Mauss enfatizou que as particularidades sociais são arbitrárias, mas necessariamente funcionais devido às restrições da vida em grupo, e que resultam de processos de simbolização, ele estava ao mesmo tempo próximo e distante de Freud, esse lidava com sintomas individuais, que na verdade procedem de simbolizações individuais, portanto, de particularidades não universais, individuais. No entanto, elas não são "arbitrárias", mas sim superdeterminadas, fundamentadas em fantasias inconscientes relacionadas à vida infantil dos sujeitos.

A esse respeito, Freud provavelmente se aproxima da noção durkheimiana de "idealismo", "criador de realidade", relativa a uma atividade do imaginário coletivo cheia de necessidades, desejos, sentimentos, expectativas, esperanças e ideais, mas obviamente desprovida de conteúdo sexual.

Além disso, escrevendo em Moisés e o monoteísmo (1939) sobre a universalidade do simbólico da linguagem e da relação simbólica detectável nas crianças e nos sonhos, Freud os relacionou às "disposições do pensamento", ou seja, a conteúdos inatos que representam elementos de um legado arcaico ou filogenético. Ele chegou assim a afirmar que os sonhos e neuroses, assim como as produções culturais - como as lendas mais antigas e usos antigos entre outras coisas -, seriam os "depositários" dos conteúdos do legado arcaico transmitidos de geração em geração. É bem provável que Mauss e Durkheim tivessem rejeitado essa noção de legado arcaico, especialmente Mauss, que já tinha se oposto ao pensamento evolucionista de seu tio.

Finalmente, uma última reflexão. Freud poderia refutar a afirmação de Mauss dirigida aos psicólogos com estas palavras: "Enquanto vocês encontram esses casos de simbolismo em raras ocasiões, e muitas vezes dentro de uma série de fatos anormais, nós apreendemos um grande número deles o tempo todo e dentro de uma imensa série de fatos normais" (1924/1950c, p. 299; citado em Lévi-Strauss, pp. 10-11).

De fato, enquanto Freud trouxe à luz o trabalho sobre a simbolização dos sintomas neuróticos, também mostrou de maneira exemplar que os sonhos, produções individuais normais, diárias, são outra forma de produção simbólica, que se baseia tanto no simbólico coletivo quanto no trabalho individual de simbolização, disfarçando dessa forma os pensamentos latentes que carregam, notadamente, fantasias sexuais infantis, da mesma forma que a atividade lúdica das crianças, e também as diversas formas de criação artística individual, em particular, representam muitas outras produções simbólicas individuais normais.

 

A título de conclusão

Esses poucos elementos de discussão destacam, em especial, as diferenças irredutíveis e características específicas do inconsciente intrapsíquico - individual e sociocultural -, e as realidades históricas coletivas determinantes de um pensamento e de uma linguagem apropriada que forma campos epistemológicos singulares. A participação de questões ideológicas e de identidade pode, entretanto, contribuir para reforçar essas diferenças essenciais, o que é óbvio em Durkheim, ao contrário de em Mauss, que se esforçou justamente para apreender as três dimensões do ser humano total, mas com ferramentas metodológicas provenientes da sociologia, da etnologia, da crítica histórica, assim como da linguística e da psicologia.

No entanto, apesar de tudo, estamos lidando com a realidade humana, que é tão complexa. É por isso que existem convergências inevitáveis, as quais eu também tentei identificar.

 

Referências

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