Reverso
ISSN 0102-7395
Reverso vol.37 no.69 Belo Horizonte jun. 2015
ARTIGO
A inadmissível pulsão de morte
The unacceptable death drive
Cristina Lindenmeyer
Tradução: Bernardo Maranhão
Université Paris 7
RESUMO
A pulsão de morte é um dos conceitos mais controvertidos no seio da comunidade psicanalítica. Essa noção, no entanto, tem sido de importância capital para a teorização e o método freudianos. Este texto propõe um retorno ao nascimento e à evolução desse conceito, bem como à sua influência e aos seus efeitos na cura analítica. Assim, é no registro do dualismo pulsional, no qual a pulsão de morte há de ser levada em conta, que a autora se interroga sobre a clínica.
Palavras-chave: Pulsão de vida, Pulsão de morte, Compulsão à repetição, Angústia.
ABSTRACT
The death drive is one of the most controversial concepts within the psychoanalytic community. Such notion, though, has had a major importance in Freudian theory and method. This text proposes a return to the birth and the evolution of this concept, as well as to its influence and its effects upon the analytic cure. Thus, it is under the sign of instinctual dualism, in which the death drive is to be taken into account, that the author interrogates herself about the clinic.
Keywords: Life drive, Death drive, Compulsion to repeat, Anguish.
Introdução
A ideia de uma pulsão de morte presente em todo ser humano se impõe a Freud quando, pouco a pouco, ele se aventura em várias facetas inconscientes do homem e do mundo que o rodeia. A influência do pós-guerra e a situação inquietante da Alemanha nessa época entrarão nos consultórios privados com os casos de traumatismo e as observações sobre os movimentos da Kultur. Freud observa, então, o retorno violento disso que se organiza nos alicerces da vida psíquica e que quase sempre temos dificuldade em receber.
Essa dimensão do sujeito inconsciente, habitado por forças às vezes contraditórias e frequentemente paradoxais, é o que Freud sustentará a partir de 1920 em seu texto Além do princípio do prazer. Essas forças, que em nosso jargão psicanalítico chamamos de pulsão de vida e pulsão de morte, manifestam-se às vezes de modo incompreensível e serão concebidas por Freud como terrivelmente humanas.
A pulsão de morte, essa força “inadmissível” à qual Freud será pouco a pouco levado a se acercar, recobre esse lado selvagem e terrível presente em todos nós. É também por isso que ele será levado, no final de sua obra, notadamente em Construções em análise (1937), a adotar uma posição mais subversiva e atribuir uma importância particular ao processo de regressão tanto no analista quanto no paciente. É por sua capacidade de se confrontar com a relação com o outro em dificuldade, de fazer frente à violência do psíquico, mas também à sua própria, inclusive para consigo mesmo, que o trabalho do analista se diferencia radicalmente das outras terapias.
Daí virá a força do conceito de pulsão de morte, um dos mais importantes da teorização de Freud, mas também o mais controvertido. E tal força se verifica mesmo ante a violência das tomadas de posição de um J. Laplanche, que falará de uma “desorientação biológica” de Freud ou de outros que rapidamente põem de lado o conceito, reconhecido como um absurdo... Nada de surpreendente, uma vez que o próprio Freud constata em 1938 que “tantos analistas ainda se insurgem” contra “a apresentação dessas forças fundamentais ou pulsões”.
Sustentar, portanto, um debate sobre a importância da noção de pulsão de morte é essencial, tanto mais quando observamos certas tendências atuais a compreender as manifestações psicopatológicas somente como um déficit ou como patologias narcísicas.
Efetivamente, é através da reflexão sobre a Kultur que Freud se vê forçado a reconhecer a ligação desta com a vida pulsional, embora tal ligação já seja sublinhada por ele desde o manuscrito de 31 de maio de 1897, quando ele escreve que “[...] o incesto é um fato antissocial ao qual a civilização, para existir, pouco a pouco precisou renunciar [...]”.
Esse elo irredutível entre a Kultur e a vida pulsional do sujeito é assim sustentado na ideia de que a neurose é um sintoma da Kultur. Dito de outro modo, ela não é somente a consequência da Kultur, mas é o sintoma da cultura. Em Moral sexual civilizada (1908), esse elo é reconhecido mais uma vez quando ele escreve:
Eu devo, pelo contrário, chamar atenção para o fato de que a neurose, aonde quer que ela leve e qualquer que seja aquele em quem a encontramos, sabe fazer fracassar o desígnio civilizador.
Mas é nos seus últimos escritos, como Mal-estar na cultura (1930), que se verifica sua influência decisiva sobre a constatação de que o destino do indivíduo e o da comunidade são indissociáveis: um se delineia através do outro. Nesse mesmo percurso, os escritos sobre a guerra irão ilustrar essa ideia. Até em Psicologia das massas e análise do eu (1921), quando Freud sublinhará a dissolução do indivíduo na massa, um verdadeiro apagamento do indivíduo, que desaparece como tal através de uma identificação com um líder, colocado como ideal.
Infelizmente, esses escritos sobre a Kultur são, para alguns analistas, postos de lado e considerados marginais. Como se houvesse uma psicanálise ligada à clínica, ao desenvolvimento da cura, etc. e uma psicanálise que seria pura especulação, estando a Kultur destacada da clínica.
Essa falsa divisão termina por distinguir um Freud clínico de um Freud pensador das questões antropológicas e culturais. Freud, contudo, sempre afirmou, nesses mesmos escritos, um antagonismo entre Kultur e vida pulsional.
Na análise de Freud, a psicologia social parte do indivíduo e questiona esse cortejo de movimentos psíquicos se manifestando na psique, quando o indivíduo está imerso na massa. Que tipos de constrangimento a multidão exerce sobre o funcionamento psíquico individual? Quais modificações ele será obrigado a fabricar ante a pressão de tais forças? Freud desenvolverá, assim, uma reflexão sobre a natureza da massa, a formação dos grupos e a importância da identificação ao chefe. E isso nos anos em que a questão do Führer é essencial para o entendimento do terrível abalo que a humanidade sofrerá em seguida.
As funções da pulsão de morte
De fato, a descoberta da pulsão de morte não se dará sem dificuldades. Pois, para além de seu efeito escandaloso, essa pulsão abriga diversas funções: uma de destruição, outra de regularização da excitação, traduzindo-se pela tendência a manter baixo o nível de tensão, e a última função, manifestando-se na onipotência de que o homem pode se revestir em certos momentos. Esta última função, Freud a reconhece claramente em seu texto Mal-estar na cultura (1930),
[...] uma vez que a pulsão de morte entra em cena sem propósito sexual, […] não se pode ignorar que sua satisfação é acompanhada de um prazer narcísico extraordinariamente pronunciado, uma vez que apresenta ao eu seus anseios primitivos de onipotência realizados [...]
Em As pulsões e seus destinos (1915), Freud se refere inicialmente à excitação como consequência da pressão da pulsão; depois, ele define claramente a pulsão como “o representante psíquico das excitações”. Nessa época, contudo, ele ainda não havia forjado o conceito de pulsão de morte, desenvolvido alguns anos mais tarde e, então, a questão que ele se colocará será determinar qual proximidade há entre a pulsão de morte e a excitação.
É preciso encontrar um equivalente biológico da excitação próprio à pulsão de morte? Essa será sua primeira questão. Inicialmente Freud responderá com a noção de nirvana, isto é, o retorno à ausência de excitação, pelas vias mais curtas. No Esboço de psicanálise (1940 [1938]), ele escreve:
Se supomos que o ser vivo veio depois do inanimado e que nasceu deste, a pulsão de morte se conforma à fórmula mencionada, a saber, que uma pulsão tende a retornar a um estado anterior.
Mas é no texto Além do princípio do prazer (1920) que é mais explícito o recurso à biologia para tornar visíveis os dois processos vitais no ser vivo: um que o conduz rumo à assimilação (reconhecida como ligação), e o outro, rumo à desassimilação (reconhecida como desligamento). Ele dirá: “O propósito de toda vida é a morte. Retrocedendo na cadeia, o não vivo lá estava antes do vivo”.
Dito de outro modo, esses dois processos em ação no ser vivo funcionam como forças de movimento, no melhor dos casos, imbricadas. A ideia de movimento é importante de reter. Assim, a pulsão de morte será reconhecida como força e fragilidade, já que ela é ao mesmo tempo soma e psique, movimento e causa do movimento. Dessa contradição virá seu aspecto indomável, ainda que sempre ativo no seio da psique.
É mesmo possível tomar de empréstimo, como fez Green (1993), a noção de apoptose em biologia. Esse é um fenômeno de morte celular natural, que desempenha um papel na formação do corpo de um organismo, por exemplo, na emergência dos dedos. No início de sua formação, a mão se parece a uma folha de palmeira; depois, as células situadas entre os futuros dedos perecem, formando, assim, a mão. Também o desaparecimento do apêndice caudal, nos fetos humanos, é devido a esse fenômeno de apoptose.
Ainda no texto Além do princípio do prazer (1920) Freud nos leva a conceber esse processo ativo presente no neurótico através do fenômeno de compulsão à repetição. Em outras palavras, é preciso que haja a repetição ou um julgamento do gênero: “[...] é sempre a mesma coisa” para que Tanatos encontre a possibilidade de sua existência. É então na “constatação” da coisa, aqui a coisa repetida, que ela se torna visível. Ela, a compulsão à repetição, é, assim, a tentativa de ligação construída no momento de experiências traumáticas passadas ou atuais dos pacientes traumatizados. Um paradoxo aparece: o sujeito é presa de um retorno à situação dolorosa (traumática), ao passo que isso lhe confere um gozo inconfessável.
Essa concepção do funcionamento econômico no neurótico permitirá a partir de então a concepção da segunda tópica e a necessidade de avançar rumo à compreensão das instâncias. Um aparelho psíquico se forma e terá a seu cargo a “psicologia das profundezas”, escreve Freud, isto é, as forças em ação nos alicerces do psiquismo. Se nos referimos à prática clínica, podemos reconhecer muitos pacientes que se encontram como fixados num retorno a uma situação traumática, o que evoca o trabalho de compulsão à repetição que dá forma à expressão de Tanatos.
Infelizmente, um posição kleiniana simplifica essa questão escamoteando o aspecto de retorno ao inanimado, retomando apenas a perspectiva de destruição e de desligamento da pulsão de morte oposta à libido e a seus componentes de ligação. O que estaria em jogo na perspectiva kleiniana seriam essencialmente os movimentos de intricação, desintricação e deflexão em direção ao exterior ou retorno sobre o mundo interno.
A pulsão de morte na cura
No texto Inibição, sintoma e angústia (1926), texto da segunda teoria da angústia, Freud caracteriza a angústia como uma “reação imprópria” que pode tanto agir como sinal de alarme quanto perder tal função e provocar a inibição e a paralisia do pensamento, traduzindo-se, assim, no corporal.
A expressão “reação imprópria” adquire, então, toda sua importância, na medida em que revela a inadaptação fundamental do ser humano a si mesmo e ao seu ambiente. Com efeito, a angústia é nesse texto a expressão da lembrança da imbricação pulsional.
A parte do texto Inibição, sintoma e angústia que nos interessa é a do lactante que, “[...] no lugar de sua mãe, percebe uma pessoa estrangeira” e exprime uma angústia em vista do perigo da perda do objeto amado. Através da expressão de seu rosto, diz Freud, vemos que ele sente dor. Nesse momento, a criança experimenta a desaparição do outro materno. Ela se dá conta de que a mãe amada pode se afastar ou desaparecer. Mas o problema é que ela não sabe se se trata de uma “desaparição provisória” ou se se trata de uma “perda durável”. Assim, ela irá se comportar “como se jamais fosse revê-la”. Essa situação é vivida como traumática, porque a criança, nesse momento, ainda necessita de sua mãe para gerir a situação para a qual ainda não está preparada:
[...] ela é traumática se a criança experimenta nesse momento uma necessidade que a mãe deve satisfazer; ela se transforma em situação de perigo se essa necessidade não é atual.
Se, com a ajuda da mãe, a criança pode aprender que ela pode partir e retornar, ela não pode, originalmente, distinguir a desaparição definitiva da provisória. Com a ajuda do outro materno, essa reação ao perigo irá se converter em reação de ligação, o horror se transforma em medo da perda do objeto, e o medo se transforma em angústia em vista dos signos de sua ausência. É preciso dizer então que
[...] se a mãe está ausente ou se ela retirou seu amor à criança, esta não tem mais certeza da satisfação de suas necessidades e está possivelmente exposta aos mais penosos sentimentos de tensão.
Na proposição freudiana sobre a angústia em 1926, a ideia de “imprópria” se impõe com o reconhecimento e o apoio da existência de uma pulsão de morte que, no melhor dos casos, alia-se a Eros, dando origem ao masoquismo erógeno primário. Com efeito, a moção pulsional advinda do somático assume uma forma representada graças à capacidade de simbolização construída na relação com o outro. É esse outro materno que, por sua ação, transforma a necessidade orgânica em pulsional.
Segundo Freud, é sobre a base de uma posição de masoquismo erógeno primário que se opera esse movimento pulsional em direção à representação. A posição masoquista erógena primária vem selar o encontro entre pulsão de morte e Eros quando a excitação ainda está ligada à dor. O masoquismo tem seu fundamento na “coexcitação libidinal quando da tensão da dor e do desprazer” experimentado pelo “mecanismo infantil psicológico”. A essa explicação se ligam as considerações esboçadas por Freud sobre o papel da libido e da pulsão de morte.
Assim, esse masoquismo seria o testemunho e um vestígio dessa fase de formação na qual se produz essa ligação, tão importante para a vida, entre a pulsão de morte e Eros.
A partir do encontro entre libido e pulsão de morte, essa pulsão que quer reconduzir o organismo a um estado anterior é impedida pelas pulsões libidinais e dirigidas para o exterior. Uma parte que se liga à função sexual é o sadismo, e a outra parte que não chega a ser dirigida ao exterior permanece no organismo
[...] e aí é ligada libidinalmente, com a ajuda da coexcitação sexual já mencionada; nela devemos reconhecer o masoquismo erógeno original”.
Quando a dor e o desprazer não são mais o signo de que algo não vai bem, mas se tornam o fim almejado, o princípio do prazer é paralisado, e o masoquismo se torna o perigo. A atitude que recobre o masoquismo se transforma em atitude “passiva” representada na fantasia Bate-se numa criança (1909).
Em seu texto Análise terminável e interminável (1937) Freud nos apresenta várias situações em que fantasias masoquistas congelam o processo analítico e, assim, entravam o desenvolvimento da cura analítica. Ele apresenta notadamente o caso de uma paciente histérica que sofre de tanta dor nas pernas que não consegue mais andar. Essas dores serão suprimidas pela cura analítica. Os anos seguintes serão marcados por catástrofes familiares, mas as perturbações somáticas estarão ausentes, até o dia em que uma hemorragia ginecológica revelará um mioma que exigirá uma histerectomia total. A paciente se apaixona, então, por seu cirurgião e se instala em fantasias masoquistas. A partir desse momento, afirma Freud, ela se torna inacessível a toda tentativa de análise.
Dito de outro modo, essa paciente se instala em fantasias masoquistas no momento em que a doença irrompe na sua vida e quando cenários fantasmáticos podem ser encenados. Ou seja, Freud afirma que a paciente se torna inacessível à análise a partir do momento em que ela se instala em fantasias masoquistas,.
Em seu artigo Da anti-histeria à histeria através das figuras do masoquismo,. Savvopoulos (2010) recorda o papel “intrincante” das forças pulsionais na posição masoquista primária, que permite a formação das identificações primárias. Ele desloca, assim, a reflexão mais para a posição masoquista do que para o outro materno. Essa capacidade de espera abre, então, a via para a simbolização. Assim, o lactante atormentado pela pressão pulsional advinda do somático, encontrará, ao erotizá-la, o meio de ligá-la e contê-la. É graças a essa posição masoquista primária que ele poderá suportar a aflição. Não podendo ser naturalmente satisfeita a excitação, o psiquismo mantém a insatisfação, investindo na tensão pulsional que se vincula à dor. Dito isso, em certas situações nas quais o paciente parece estar numa impossibilidade de “soltar” seu sintoma, não estará fazendo apelo a essa proposição mediana do masoquismo? Construindo assim sua maneira psíquica de não cair na desfusão pulsional?
Para Savvopoulos (2010) um masoquismo erógeno primário insuficiente não oferece ao sujeito a passagem às identificações histéricas. Assim, podemos pensar que o congelamento do núcleo primário masoquista em certos pacientes os conduz a uma aflição primária transbordante e, consequentemente, a uma incapacidade de se identificar de maneira histérica como se se tratasse de uma criança em aflição, na qual a pulsão de morte arrisca assumir o primeiro plano da cena.
A configuração psíquica que aparece em sua negatividade é próxima da proposição de Green (1993) em sua elaboração do “trabalho do negativo”. Na origem, a experiência da ausência de objeto permitirá à criança estruturar seu psiquismo. No entanto, se dificuldades vêm contaminar essas experiências de presença/ausência, então a experiência de ausência do objeto se transforma em ameaça de desaparecimento de si, levando o sujeito a encontrar uma solução que será uma espécie de isolamento sobre um modo autoerótico, uma forma de narcisismo em negativo, segundo Green (1993). Estamos aí bem longe do jogo do carretel...
Trata-se de construções psíquicas efetuadas sobre a ausência de investimento libidinal por parte do objeto, embora bem presente. Tudo se passa como se o objeto se inscrevesse psiquicamente sobre o fundo de uma presença em negativo, levando a criança a construir uma espécie de revestimento protetor de seu Eu. Não é a esse registro do dualismo pulsional, em que a pulsão de morte há de ser levada em conta quando o sujeito é confrontado com um vazio psíquico, com uma ausência de representação, que certos pacientes nos conduzem no impasse do trabalho de análise?
Conclusão
Nessa configuração clínica, em que os sujeitos estão como se estivessem privados de toda vida psíquica, como se todo marco identificatório em vista de uma conflitualidade histórica não pudesse se desenvolver, é sua moção pulsional que frequentemente domina a cena da transferência. Como se tudo se passasse na cena transferencial como uma espécie de presente anti-histórico e fora de toda temporalidade, sendo as sessões preenchidas pelo ato e por sua repetição. Como se as perlaborações das seções precedentes não pudessem mais ser tomadas em conta, o que produz como consequência um sentimento contratransferencial de esgotamento e de impotência.
A esse respeito, é indispensável evocar o texto de Searles O ódio na contratransferência (1977), texto pioneiro na reflexão sobre o reconhecimento de sentimentos ambivalentes experimentados pelo analista, no qual é pela identificação dos próprios afetos, mais do que pelo domínio deles, que se pode operar um acesso aos vividos mais arcaicos do paciente. Ou ainda O esforço para tornar o outro louco (1977), em que Searles nos conduz ao reconhecimento de nossa própria violência e do nosso desejo inconsciente de “tornar o outro louco” em lugar de ser loucos nós mesmos.
Essa é, com efeito, a clínica de um ataque não só aos vínculos mas também aos vínculos de pensamento. Como se a criação de vínculos de pensamento, que é precisamente a atividade própria da análise, representasse uma intolerável ameaça de domínio, na qual estivesse em jogo a sobrevivência do sujeito.
Certamente, pode-se falar em uma fonte perpétua de criatividade que esses pacientes evidenciam. Mas não se trataria sobretudo, seguindo aqui Freud, de apontar a força de uma pulsão de repetição, uma das máscaras da pulsão de morte, que viria reconduzir o ódio à diferença ou o desejo de alienação do outro, sempre em ação, mesmo nos movimentos que manifestam o intuito inegável de se tornarem independentes do império e de seus elos mais alienantes e destruidores?
Será que não se trata sobretudo dessa força de repetição, mortífera e que opera em cada indivíduo e em cada grupo, comunidade ou povo? Essa dimensão do humano que Freud havia situado sob o signo da luta entre Eros e Tanatos, em seu combate eterno na escala do indivíduo, mas igualmente nos movimentos próprios à Kultur?
Eis aí uma questão primordial que vem interrogar a possibilidade de um discurso psicanalítico que avança. Mas que avança sem máscara, conduzindo a reflexão sobre as forças contraditórias do humano, as quais frequentemente temos dificuldade em reconhecer.
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Endereço para correspondência:
44, rue de Sévigné
75003 Paris
E-mail: ristina.lindenmeyer@wanadoo.fr
Recebido em: 10/12/2014
Aprovado em: 15/02/2015
Sobre a Autora
Cristina Lindenmeyer
Psicanalista. Professora da UFR-EP, Université Paris 7 - Diderot. Membro do CRPMS-UFR-EP na Université Paris 7- Diderot.