Junguiana
ISSN 0103-0825
Junguiana vol.35 no.1 São Paulo jun. 2017
ARTIGOS
Vilão ou herói? Uma meditação sobre a representação do negro em dois contos folclóricos brasileiros
Villain or hero? A meditation on the representation of the Negro in two Brazilian folk tales
¿Villano o héroe? Una meditación sobre la representación del negro en dos cuentos populares brasileños
Marco Heleno Barreto*
Departamento de Filosofia da FAJE – Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia
RESUMO
O autor examina dois contos folclóricos brasileiros do século XIX e mostra como a representação do negro em cada um deles aponta para duas possibilidades distintas no que diz respeito à configuração psicológica brasileira, em sua relação com a verdade profunda de nossa constituição psicocultural histórica.
Palavras-chave: Alma brasileira, representação do negro, exclusão da sombra, integração psicológica.
ABSTRACT
The author examines two Brazilian folk tales from the nineteenth century and shows how the representation of the Negro in each of them points to two distinct possibilities with regards to the Brazilian psychological configuration, in its relation to the deep truth of our historical psychocultural formation.
Keywords: Brazilian soul, representation of the Negro, exclusion of the shadow, psychological integration.
RESUMEN
El autor examina dos cuentos populares brasileños del siglo XIX y muestra cómo la representación del negro en cada uno de ellos apunta a dos posibilidades distintas con respecto a la configuración psicológica brasileña, en su relación con la verdad profunda de nuestra constitución psicocultural histórica.
Palabras clave: alma brasileña, representación del negro, exclusión de la sombra, integración psicológica.
Em 1885, Sílvio Romero, estudioso da cultura e sociedade brasileiras, publicava seus Contos populares do Brasil (ROMERO, 1954), no qual apresentava uma coletânea desse material anônimo que, contado de uma geração a outra nos meios populares de uma determinada região, permite um vislumbre da mentalidade coletiva da qual é expressão espontânea e fiel. Lembrando que, àquela altura, os meios de comunicação de massa ainda não haviam feito sua entrada avassaladora na história, para influenciar de forma poderosa e tendencialmente homogeneizante as mais diversas mentalidades submetidas ao seu raio de ação, os contos recolhidos e publicados por Sílvio Romero constituem uma valiosa fonte de informação acerca dos meandros da mentalidade brasileira coletiva e popular, naquele momento histórico, em seu estado bruto, por assim dizer. Justamente por provir de uma atividade espontânea daquela mentalidade, sem estar submetido ao crivo crítico dos juízos éticos e estético- artísticos mais apurados, esse material folclórico pode fornecer um acesso aos níveis mais elementares e coletivos do solo comum em que se enraíza a alma brasileira, sobre os quais se erguem, depois, as diferenciações mais elaboradas das expressões culturais de nosso povo.
Neste breve ensaio, pretendo tomar dois dos contos anotados por Sílvio Romero e pensá-los a partir de um determinado ângulo interpretativo, com o objetivo de apontar para um aspecto fundamental da mentalidade brasileira. Evidentemente, pretender expor alguma característica estrutural de uma mentalidade tão multifacetada como a brasileira é tarefa arriscada, incerta, e o resultado forçosamente será provisório e de validade apenas relativa, na melhor das hipóteses. A rica diversidade que pode ser constatada tanto nos materiais que expressam nossa cultura como nos distintos estilos que se reúnem sob a denominação "brasileiro" aconselha, de partida, uma atitude cautelosa, modesta e cética. No entanto, nada proíbe meditar sobre certos detalhes presentes em um material proveniente da cultura popular brasileira e propor, com sobriedade e parcimônia, algum tipo plausível de correspondência com aspectos do espírito que nele se expressa. É o que pretendo fazer nas páginas que se seguem, deixando, portanto, bem claro que minha interpretação, movida por um impulso lúdico e não pelos rigores da inteligência acadêmica, deve ser lida com as reservas e com a benevolência que se fazem necessárias nessas circunstâncias. Meu texto é antes um devaneio do pensamento do que uma peça de demonstração rigorosa de uma ideia. Não defendo uma tese: apenas apresento uma sugestão que me parece relativamente verossímil.
Na interpretação que se segue, considerarei as diversas personagens e situações dos dois contos que examinaremos como expressões da alma brasileira captada sob um determinado ângulo. Ao usar a expressão "alma brasileira", não reivindico qualquer estatuto ontológico para o que é por ela designado, ou seja, não tomo como hipóstase ou entidade objetiva a assim chamada "alma brasileira". Com essa expressão, quero indicar, antes, um modo particular de ser-no-mundo, dotado de certos traços e características relativamente estáveis, de forma a poder ser reconhecido como representativo deste mosaico diversificado e plural, mas identificável e inconfundível em sua diversidade própria, a que poderíamos também chamar "caráter brasileiro". Há aqui uma boa aproximação com o que, nos estudos junguianos, costuma-se designar por "complexo cultural".
1. A negação de si mesmo: o negro vilão
O conto "João mais Maria", registrado por Sílvio Romero em Sergipe e no Rio de Janeiro (ROMERO, 1954, p. 167-173), pode ser assim esquematicamente resumido:
Como nas versões típicas, o pai abandona João e Maria no mato. No dia seguinte, encontram a casa da feiticeira e roubam bolinhos de milho feitos pela velha. As crianças são descobertas. A bruxa as recebe em sua casa e trama comê-las. Nossa Senhora aparece às crianças e lhes ensina como derrotar a bruxa. Após a morte da feiticeira, de sua cabeça saem três cães ferozes e, seguindo a instrução de Nossa Senhora, as crianças dão um nome e um pão a cada um deles. Os cães então se tornam seus cães de guarda. João e Maria tomam conta da casa e vivem alguns anos tendo os cães como protetores.
Depois Maria se apaixona por um homem e os dois tentam dar cabo de João, que está sempre protegido pelos cães. Os ardis para neutralizar os cachorros de João falham e os cães devoram o amante de Maria. João abandona Maria por causa da traição e sai pelo mundo para ganhar a vida, acompanhado por seus três cachorros.
João chega a uma terra assolada por um monstro de sete cabeças, devorador de pessoas, que a cidade tinha de fornecer para não ser destruída pela fera. João encontra uma princesa, a vítima sacrificial do dia, e que fora prometida em casamento a quem matasse o monstro. Os três cães matam a fera. João corta as pontas das sete línguas do monstro morto e vai com a princesa para o palácio. Mas um preto velho e aleijado passa no local, corta os cotocos das sete línguas e os leva ao rei, apresentando-se como o matador do monstro. O rei prepara o casamento da princesa com o preto velho aleijado, a despeito de a princesa afirmar que não fora ele quem matara o monstro. No almoço de casamento, os três cães arrebatam os três pratos servidos ao falso noivo negro. A princesa reconhece os cães e diz que foram eles que haviam dado cabo do monstro. O rei manda seguir os cachorros, que retornam para João, e então este vem ao palácio com as sete pontas das línguas. O logro é desmascarado e o rei manda amarrar o negro a quatro burros bravos, que o despedaçam. João casa-se com a princesa.
A versão brasileira do "Hänsel und Gretel" dos irmãos Grimm resulta da confluência de três motivos distintos: 1) o episódio do casal de irmãos abandonados no mato, terminando na morte da feiticeira; 2) o episódio da paixão de Maria por um homem, que resulta na tentativa malograda de matar João; 3) o episódio da aventura "solo" de João, em que ele mata um tipo de dragão e termina por desposar a princesa prometida ao herói que libertasse o reino da dominação pelo monstro mítico.
Certos detalhes da versão brasileira chamam a atenção do leitor que se proponha a pensar a partir do postulado da correspondência entre o sentido psicológico do conto e a mentalidade coletiva em que está inserido e de onde é narrado. Por exemplo: se levarmos em conta a história da formação do povo brasileiro, e de sua congênita carência coletiva no que tange à função paterna, não parece simples acidente desprovido de possível significação psicológica o fato de a aventura do casal de irmãos abandonados pelos pais terminar com a morte da feiticeira, sem que haja uma reconciliação final com a origem. O crônico e brasileiríssimo sentimento de um abandono radical, gravado indelevelmente em nossas origens históricas, é condizente com a eliminação da cena de reconciliação com os pais, como também o é o anseio por uma restituição heroica e narcisisticamente grandiosa da dignidade assim anulada, da autoestima desde sempre problemática. Assim, a configuração psicológica que se expressa em "João mais Maria" já exibe, em seu primeiro episódio, pelo traço particular do abandono radical, uma semelhança com um aspecto da mentalidade brasileira historicamente constituída.
Na relação entre a feiticeira, Nossa Senhora e os três cães de guarda, podemos ler o dinamismo psicológico autotransformador em ação nessa expressão imaginativa da alma brasileira. Observe-se que a feiticeira está associada à preparação de alimentos (bolinhos de milho) e, assim, já se localiza no nível da cultura. Não é casual, portanto, que os cães que irrompem de sua cabeça sejam conciliados com pães, e que o conhecimento dessa estratégia seja comunicado pela figuração positiva da imagem materna (Nossa Senhora). Aquilo que ameaça (a feiticeira) é, dialeticamente, aquilo que salva (Nossa Senhora), e se transpõe, mediante uma integração operada por artifícios culturais – linguagem (a nomeação dos cães) e alimento preparado (os pães que os propiciam) –, para o nível de uma potência defensiva (os cães domesticados) à disposição da própria consciência em vias de autorrealização (João e Maria). E se os cães emergem da própria feiticeira, então vemos como as quatro imagens (feiticeira, Nossa Senhora, cães e crianças) são aspectos distintos de uma mesma realidade psicológica fundamental, em seu dinamismo de autotransformação.
A ambivalência do arquétipo materno corresponde, na perspectiva dialética, ao potencial autocontraditório, pelo qual a configuração psicológica inicial nega a si mesma para atingir uma expressão mais evoluída e diferenciada em uma forma ulterior. O dinamismo autotransformador refere-se à própria totalidade psicológica, de seu momento inicial indeterminado (uma potência que é destruidora e assim criadora de uma nova ordem psicológica) até seu momento final, simbolizado na coniunctio entre o herói João e a princesa.
O monstro que aparece no terceiro episódio é homólogo à feiticeira do primeiro, simbolizando esse potencial destrutivo, autonegador da própria totalidade psicológica, que é a condição que a propele a um nível mais diferenciado de si mesma. Por isso mesmo, são os cães de guarda, resultantes da transformação inicial da mesma imagem materna "negativa", que dão cabo do dragão ressurgido. Note-se, de passagem, a rede simbólica que se estabelece entre as diversas partes do conto pela referência ao motivo da alimentação: João e Maria roubando bolos, de uma feiticeira antropófaga, de quem brotam cães apaziguados com pães, que devoram o amante de Maria e, depois, derrotam um monstro devorador, para, finalmente, exporem o usurpador em um banquete, roubando-lhe os pratos servidos. Podemos afirmar que o processo de autotransformação psicológica aqui figurado em imagens simbólicas é um processo centrado na oralidade, entendida como matriz arcaica dos processos psíquicos de introjeção/destruição/ assimilação, que determinam a constituição da identidade.
No mesmo sentido, aquilo que no segundo episódio se opõe a João é designado apenas como "um homem", pelo qual Maria se apaixona, e que é devorado pelos cães que haviam saído da cabeça da feiticeira morta. O "enamoramento" de Maria pelo antagonista de João traz à tona o fator dinâmico da autonegação da unidade atingida em um estado prévio pela consciência, uma negação que tem como telos imanente a reconstituição em um nível mais elevado, mais diferenciado, da unidade negada ou sacrificada. Se atentarmos para o fato de que, na estrutura do conto, a posição de João em relação à personagem feminina é ameaçada por uma outra figura masculina, perceberemos que o amante de Maria no segundo episódio e o negro velho e aleijado no terceiro são homólogos. O antagonista interno é necessário para criar a tensão exigida para a transformação da própria consciência através da realização heroica. Dito em outros termos: a consciência constela seu próprio outro, que vem romper a sua unidade provisória figurada em João e Maria, para superar a si mesma rumo a um estado mais avançado. Podemos conjecturar que, na diversidade de expressões imagéticas dessas oposições internas (João, Maria, feiticeira, Nossa Senhora, cães, amante, monstro, preto velho aleijado), encontram- se diferentes aspectos, em diferentes situações, da mesma força autonegadora elementar que cria a possibilidade de autorrealização da totalidade psicológica.
Na verdade, temos então uma estrutura simples: João e Maria, e depois João e a princesa que vem preencher o lugar vago de Maria, representam a dialética unidade na diferença da totalidade autocontraditória da consciência (imaginativamente representada como uma dualidade em coniunctio), que emerge de um fundo originário obscuro e vai se diferenciando em níveis sucessivos na narrativa, uma diferenciação que sempre é posta em movimento pela psique a partir de seu próprio fundo originário ou estado inicial (normalmente designado como "o inconsciente" na psicologia junguiana tradicional). Esse fundo, cuja primeira figuração no conto está nos pais que decidem descartar João e Maria, reaparece no primeiro episódio como feiticeira antropófaga, e como monstro devorador de pessoas no terceiro. E a figuração final do movimento da totalidade psicológica representado imageticamente no conto – o par João-princesa – corresponde à mesma forma originária, só que agora diferenciada através dos vários momentos do processo autodeterminante (poderíamos dizer autopoiético) da própria consciência.
Mas certamente não é casual o fato de o vilão embusteiro do terceiro episódio do conto ser representado como um preto velho aleijado. Em jargão junguiano tradicional, estamos diante de uma personificação da sombra do próprio herói. Se este é visto como uma personificação do ideal da consciência coletiva, o que se destrói na imagem do negro vilão é algo que pertence legitimamente à totalidade daquela mesma consciência. Consequentemente, no conto "João mais Maria", encontramos como resultado final um estado cindido dessa totalidade consciente. O "mal" é simplesmente aniquilado e aquilo que se representa na imagem do negro não é integrado naquela totalidade. Isso equivale a dizer que o estado alcançado pela consciência nessa representação imaginária não é verdadeiramente final, trazendo dentro de si uma lacuna de onde pode brotar o dinamismo que tenderá a uma evolução ulterior.
Ora, mas quando uma forma psicológica, em sua unidade autocontraditória, se transpõe para o mundo concreto, expressando-se no mundo das relações sociais efetivas, via de regra o que ocorre é uma fragmentação daquela mesma unidade. Em consequência, encontraremos os fragmentos encarnados em posições que se opõem externamente, sem se alçarem ao reconhecimento consciente da unidade de fundo que as determina. Assim sendo, a representação da sombra brasileira como um preto velho aleijado é altamente significativa, e o conto pode estar expressando de modo espontâneo algo de um traço característico da mentalidade brasileira: o nosso racismo, frequentemente denegado e escondido por trás da nossa também característica cordialidade. O aviltamento histórico do negro escravo na formação do povo brasileiro transpõe- se para a esfera dos valores coletivos sob a forma do antivalor, aquilo que põe em risco justamente o anseio dolorosamente arraigado de uma dignidade compensatória à nossa inferioridade (lembre-se que o preto velho é aleijado). Reconhecer a sombra negra implicaria em integrar nossa inferioridade, o aleijão em nossas origens, e, como a experiência analítica confirma, contra essa integração erguem-se violentamente todas as defesas do sujeito, que tendem, portanto, a preservar um estado cindido e a se hipnotizar com um ideal ambicionado, que esconde por recalcamento a verdade inconsciente.
Para deixar claro esse ponto, façamos uma analogia rápida com o mito adâmico: o casal primordial não se refere ao homem e à mulher concretos em sua distinção sexual (Adão representando o homem e Eva representando a mulher), mas a todo e qualquer ser humano, cuja situação existencial global é simbolizada no mito pelos dois personagens. Assim, como lembra Paul Ricoeur, toda pessoa peca em Adão, toda pessoa é seduzida em Eva. Se Eva figura a misteriosa infinitude do desejo humano, Adão figura a tendência a realizá-lo em um plano finito incomensurável com aquela infinitude radical. Adão e Eva representam, portanto, a unidade da consciência humana em sua relação consigo mesma e com o mundo. Não obstante, a incrustação histórica dos modelos imaginários indubitavelmente guarda as marcas de uma projeção psicológica real. Assim, não é casual que, na esteira do mito adâmico, à figura de Eva corresponda um véu de desvalor lançado sobre as mulheres reais, alimentando a secular misoginia que marca o Ocidente cristão.
Analogamente, e guardadas as devidas proporções, poderíamos dizer que é a alma brasileira que se nega dialeticamente no "enamoramento" de Maria, que aspira a uma integração prematura no preto aleijado velho, que aspira à reconstituição da unidade perdida no casamento de João com a princesa, que se cinde no dilaceramento violento promovido pelo rei. Do mesmo modo, podemos supor que a particularidade da atribuição a um negro do papel de vilão no conto brasileiro é um indício da projeção psicológica que está na base do nosso racismo frequentemente denegado por nossa suposta cordialidade.
Mas insistamos por mais um momento na perspectiva da totalidade psicológica, e não na da realidade concreta fragmentada e conflitiva em que ela se encarna: se o conto é a expressão de um aspecto do modo brasileiro de ser-no-mundo, em todas as suas personagens e situações, então a figura do preto velho aleijado não designa um indivíduo ou uma parte específica do povo brasileiro, mas uma componente essencial da configuração psicológica brasileira. Não são apenas os negros reais que estão representados nessa imagem, mas toda e qualquer subjetividade que for constituída a partir do modo brasileiro de ser-no-mundo, não importando quão azuis sejam os olhos ou quão louros os cabelos do indivíduo concreto que encarne tal subjetividade. O traço de dissociação aí representado (culminando com o violento diasparagmos do preto velho aleijado) estará presente nos sujeitos brasileiros cuja organização psicológica situar-se no nível correspondente ao do conto – seja como a projeção da sombra nos negros reais, fundamento do nosso "racismo cordial"; seja como a triste "identificação com o agressor", tão comum quanto inconfessada nos "negros de alma branca"; seja ainda como a justificadamente ressentida e agressiva reação "afro" contra qualquer valor "branco" (uma reação que por vezes se assenta na mesma lógica da discriminação e segregação de que historicamente os negros foram vítimas no Brasil, constituindo-se, assim, uma forma sutil da mesma "identificação com o agressor" de que fala a psicanálise, apenas com o vetor invertido).
Para além desse nível de dissociação excludente, a verdade indelével do modo brasileiro de ser-no-mundo, histórica e psicologicamente falando, encontra-se na mestiçagem: o brasileiro é, por definição, não um branco, um negro ou um índio, mas um mestiço, a resultante do encontro histórico, atormentado, apaixonado, violento, monstruoso, amoroso, contraditório enfim, de várias raças. A essencial mestiçagem brasileira é promessa de máxima universalidade humanista no reconhecimento incondicional do outro que se apresenta como ingrediente no nosso caldeirão étnico antropofágico; a sua negação particularista é índice seguro de que tal promessa não foi realizada, detendo-se no nível de uma dissociação excludente. Na linguagem do conto: a coniunctio final representada no casamento de João com a princesa se faz às custas de uma violenta negação do preto velho aleijado, que está portanto simplesmente excluído da forma de consciência aí instaurada, e não dialeticamente suprassumido. Se considerarmos o nível e a forma de consciência correspondentes à lógica do conto, perceberemos que, nesse nível, a universalidade mestiça é ainda uma meta a ser atingida, uma possibilidade potencial, latente. A plena realização da verdade psicológica da alma brasileira não está figurada no conto "João mais Maria". O que aí encontramos corresponde a uma configuração muito difundida em nossa realidade social, uma configuração cindida. E, a sustentar esse nível da forma de consciência brasileira, está um certo princípio ordenador que, no conto, é figurado na personagem do rei – que não só não é substituído, como ainda é quem promove a aniquilação da sombra. Além disso, observe-se que há uma clara dominância arquetípica maternal sustentando a trajetória do herói (Nossa Senhora, a feiticeira e os cães que dela nascem) – e trata-se de um herói que não se destaca propriamente por feitos heroicos típicos, pelos quais o herói ativamente se realiza em sua essência própria. Como não pensar aqui no traço infantil (ou de imaturidade) tão reconhecido no caráter brasileiro, congruente com aquele sentimento de abandono radical aludido anteriormente?
Examinemos agora a constelação psicológica brasileira sob um outro ângulo, em um conto que apresenta uma estrutura distinta da que encontramos em "João mais Maria".
2. Uma outra posição: o negro triunfante
Na mesma coletânea de Sílvio Romero, encontra-se um conto que pode iluminar outras possibilidades psicológicas presentes na alma brasileira no tocante ao simbolismo psicológico representado na figura do negro. Trata-se do conto "O pássaro preto", proveniente de Pernambuco (ROMERO, 1954, p. 68-73). Ei-lo resumido em forma esquemática:
Um homem pobre possuía um pássaro preto. Um dia, seu filho foi alimentar o pássaro e o soltou. O pássaro então carrega o menino pelo bico e o leva a um rico palácio, mandando pôr a mesa para o almoço. Tendo de sair, o pássaro preto (a que o menino chama de padrinho) dá à criança uma chave, com a ordem de só abrir o primeiro dos sete quartos que havia em frente à sala. O menino abre o quarto, encontra muitos cavalos e se diverte tanto que se esquece de comer. No dia seguinte, o pássaro lhe dá a chave do segundo quarto, onde o menino encontra selins e arreios. Nos três próximos dias, o menino recebe a chave dos quartos seguintes e encontra moças brancas no terceiro, mulatinhas no quarto e espadas no quinto.
Passam-se os tempos, o menino vira moço feito e pede tudo ao padrinho. O pássaro preto lhe diz que, se o afilhado o obedecer, será dono de tudo o que ali havia. E dá-lhe a sexta chave, com a recomendação de não abrir o sexto quarto, sob pena de perder tudo o que ele havia lhe prometido. O moço abre o quarto, encontra um rio de prata, mergulha o dedo no mesmo, e seu dedo fica prateado. Esconde o dedo em um pano, mas o pássaro percebe o que houvera, e o moço pede para não ser castigado. O padrinho diz que o castigo será no dia seguinte, quando o moço tornar a desobedecê-lo. Dá-lhe a sétima chave e sai. O moço abre o outro quarto proibido, acha um rio de ouro. Quando o pássaro preto retorna, castiga-o tirando-lhe a roupa, mergulhando-o no rio de prata, depois no de ouro, após o quê lhe dá uma varinha de condão e o expulsa de casa. O moço chega a um reino, encontra um negro velho, a quem chama Pai Gaforino, e lhe pede a roupa velha e suja para encobrir sua cor e poder entrar na cidade. O negro cede; mas uma princesa observa a cena de uma janela do palácio, e então pede ao rei para casar-se com o pior negro que ali chegasse. O rei concorda e o casamento é celebrado, mas o rapaz, desconfiado, não se deita com a princesa na cama, ficando numa tábua ao pé do fogo.
O rei, desgostoso, fica à beira da morte. A família faz uma promessa à padroeira: se o rei se recuperasse, fariam uma festa de três dias na igreja. O médico prescreve ao rei comer três pássaros de plumas. Os outros dois genros do rei partem em busca das aves. O genro negro pede então à sua varinha de condão uma carruagem, um rico vestuário e três pássaros de plumas, e sai no encalço dos outros dois genros do rei. Encontra-os, e lhes vende os pássaros de plumas sob a condição de marcar os concunhados com seu ferro nos quadris. Os dois concordam, são ferrados e levam os pássaros ao rei, que os come e se cura.
Segue-se a festa. A cada dia o negro manda sua mulher à igreja com uma carruagem e um vestido progressivamente mais ricos, sem a mulher saber; o primeiro vestido era da cor do campo com todas as suas flores; o segundo, da cor do mar com todos os seus peixes; o terceiro, da cor do céu com todas as suas estrelas. Depois pedia o mesmo para ele e, a cada vez, aparecia em todo o esplendor na igreja sem ser reconhecido. As irmãs da princesa, invejosas e desconfiadas, ao verem o desconhecido magnífico na igreja, escarneciam da mulher do negro: "Com um moço assim é que tu devias ter casado e não com um negro". O moço retornava rapidamente ao palácio e assumia as suas vestes andrajosas de negro, à beira do fogo.
Ao fim do terceiro dia, houve festa no palácio e todas as princesas e respectivos maridos compareceram. Então o negro apresentou-se na sua cor verdadeira e nos mesmos trajes que usara ao ferrar os concunhados. Declarou que não se assentaria na mesma mesa que seus cativos, e contou a história da venda dos pássaros emplumados. O rei verifica a veracidade da mesma, as duas irmãs invejosas atiram-se da varanda do palácio, seus maridos fazem o mesmo. O rei fica tão desgostoso que morre em pouco tempo. Então Pai Gaforino torna-se o senhor de todo o reino.
Analisar as diversas e interessantes imagens do conto em sua totalidade extrapolaria os limites deste trabalho. Enfocarei apenas aquelas que são centrais na estrutura da estória e que nos ajudam a pensar a representação do negro que nela encontramos, e o que esta nos revela a respeito do nível da configuração psicológica que a lógica do conto exprime.
Observe-se que o ponto de partida é uma situação de pobreza que, após as várias peripécias da trama, culmina em uma situação de riqueza (e de poder: o Pai Gaforino torna-se o senhor de todo o reino). Há uma inversão evidente em operação na estória, de tal modo que poderíamos apontar no conto a presença do dinamismo da carnavalização, estudado por Mikhail Bakhtin (2005). Aliás, as inversões pontuam toda a cadência da estória: o menino que alimenta o pássaro cativo é raptado pelo pássaro e por ele alimentado; na sucessão de figuras paternas, temos o pai pobre, o padrinho rico, e o Pai Gaforino miserável; o moço tem sua roupa arrancada pelo pássaro preto e consegue roupas andrajosas de um negro velho; instala-se a oposição entre uma essência valiosa (de ouro e prata) e uma aparência miserável (o negro andrajoso); por fim, Pai Gaforino, pertencente à condição mais humilde na hierarquia social, assume o lugar do rei, que ocupa o lugar mais elevado naquela mesma hierarquia.
A referência explícita ao negro encontra-se tanto na cor do pássaro como na figura do Pai Gaforino. Toda a transformação que se realiza no episódio do palácio encantado do pássaro preto, culminando no banho de ouro e prata que faz do moço o suporte do valor máximo, encaminha-se inequivocamente para a expulsão e para o encontro com o Pai Gaforino. Há, aqui, uma mudança de dimensões: da dimensão encantada (ou transmundana) para a dimensão social (mundana). A cena do encontro entre o moço transmutado e o negro velho às portas da cidade marca uma passagem entre uma e outra, de modo que a entrada do novo valor psicológico na realidade vigente se faz por meio do personagem negro. Em analogia com o tema cristão da encarnação de Deus em um homem de condição humilde, o Pai Gaforino encarna o valor fundamental e decisivo na estória em todas as suas circunstâncias, e o resultado lógico da carnavalização que informa a narrativa em "O pássaro preto" é a entronização do negro Gaforino, a revelação final de seu valor essencial que vem reconfigurar a ordem instituída.
Como no conto anterior, encontramos mais uma vez a figura de um negro velho, desta vez não mais aleijado, mas simplesmente pobre, miserável. Aqui, porém, o negro não será esquartejado, mas assumirá o posto de valor máximo (a função real), consumando a inversão carnavalizante que comanda a estória. Temos, então, um desenlace exatamente inverso ao que encontramos em "João mais Maria": lá, o herói (João) reúne-se à princesa, integrando-se à ordem vigente (o rei que sanciona o casamento), à custa da supressão violenta do negro; aqui, a princesa acolhe a essência valiosa do herói negro, que se apossa da ordem vigente à custa da autossupressão de seus avatares (as irmãs invejosas, seus maridos e, por fim, o próprio rei).
O estranho pássaro que dá título ao conto é a peça-chave para toda a transformação expressa na estória (assim como, em "João mais Maria", um personagem sobrenatural é estratégico na peripécia: Nossa Senhora). Evidentemente, no pássaro preto encontramos um "rei invertido": propriedade de um homem pobre, ele é, na verdade, proprietário de um palácio encantado. E é nesse palácio que se opera a transformação do menino-moço, segundo um esquema arquetípico muito difundido em contos de fadas. A promessa da posse de todo o reino encantado terá que ser resgatada em outro nível. É necessário que o herói aparentemente perca tudo o que estava à sua mão, preservando, contudo, a nova essência de ouro e prata (e o dom da varinha de condão, pelo qual o poder mágico do pássaro encantado se transmite ao afilhado transmutado), e assuma a pobreza do Pai Gaforino, para que o valor de sua essência, reunindo-se à princesa, possa tomar posse do reino, mediante o auxílio mágico concedido pelo padrinho sobrenatural (a varinha de condão) e a astúcia própria no uso do mesmo. Em outros termos: o novo valor psicológico virá inscrever-se no mundo, realizar-se nesta dimensão, organizando-a segundo uma forma em que não há mais lugar para a depreciação de tudo aquilo que se simboliza na imagem do Pai Gaforino – do negro excluído e desprezado.
O esquema simbólico é análogo ao da kenosis na visão cristã: Deus se esvazia de sua majestade para encarnar-se em uma condição infinitamente inferior àquela majestade transcendente, assumindo a condição humana, ou sarx (carne) em linguagem bíblica. Da mesma forma, há uma identidade dialética entre o moço transmutado e o Pai Gaforino, e a atribuição final do reino ao negro andrajoso não é um simples "engano" da consciência popular que narra o conto: é a manifestação da verdade simbólica específica sobre a qual a estória se funda.
Observe-se que a contradição entre os dois polos – a ordem vigente da consciência (reino, cidade) e a nova forma proveniente da transformação ocorrida no momento anterior – é representada em "O pássaro preto" como a desconfiança que o herói, disfarçado com as roupas andrajosas de Pai Gaforino, manifesta em relação à princesa com quem se casa: ele não se deita com ela, não consuma o casamento, e mantém-se numa tábua ao pé do fogo. Somente após a revelação final é que – pode-se inferir – a coniunctio será plenamente realizada.
A mesma contradição, em sentido inverso, também vem à tona com o desgosto e a doença do rei, causados pelo casamento da filha com o negro andrajoso. A doença será curada pela intervenção do herói camuflado, mas não se trata de uma verdadeira reconciliação, pois, ao final, mesmo após a revelação da essência valiosa do negro andrajoso – ou melhor: justamente em virtude dela –, o desgosto novamente toma conta do rei e ele morre. Em linguagem junguiana tradicional: o princípio dominante da consciência desaparece para dar lugar a uma nova orientação. Segundo a lição do simbolismo dos contos de fadas, essa transformação renovadora provém sempre daquilo que é rejeitado, vil, desprezado, inferior, marginalizado. Sob o ponto de vista da lógica dos símbolos, portanto, não é casual o encontro do moço, portador do novo valor psicológico, com Pai Gaforino, encarnação da sombra rejeitada dentro da ordem vigente.
Note-se que há uma repetição de motivos entre a transgressão e o casamento com a princesa: o moço oculta seu dedo prateado com um pano, assim como oculta sua essência transmutada com as vestes de Pai Gaforino; o pássaro preto percebe o que houvera, assim como a princesa percebe o ocultamento da janela do palácio. E, ao expulsar o moço do palácio encantado, o pássaro preto arranca-lhe as roupas. Se, em "João mais Maria", o simbolismo fundamental era o da alimentação, aqui todo o sentido psicológico se concentra no simbolismo do vestuário, que representa a mediação necessária entre as duas dimensões distintas (a dimensão do palácio encantado do pássaro preto, que simboliza o fundamento psicológico arquetípico da consciência, e a dimensão do reino, que simboliza a realidade social empírica que manifesta uma configuração particular da mesma consciência). A roupa andrajosa de Pai Gaforino oculta a essência verdadeira do personagem, mas também a revela, segundo a lógica da coincidentia oppositorum que rege o dinamismo psicológico. Aqui vale a pena recorrer a um comentário especializado:
Já no Antigo Testamento, a roupa pode significar, ao manifestá-lo, o caráter profundo daquele que a veste. [...] Portanto, a vestimenta não é um atributo exterior, alheio à natureza daquele que a usa; pelo contrário, expressa a sua realidade essencial e fundamental. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1995, p. 948).
Seguindo a linha dialética de interpretação, parece-me importante insistir nesse paradoxo do simbolismo das vestes: elas revelam e ocultam ao mesmo tempo. Revelar é ocultar, ocultar é revelar. Por isso, os andrajos de Gaforino são as vestes suntuosas que o moço providencia com o auxílio da varinha mágica. Por isso, o moço triunfante é o negro Gaforino que se assenhoreia de todo o reino. Como diriam os alquimistas, o ouro filosofal está em uma pedra vil, lançada no meio da rua, desprezada pelo vulgo, venerada pelos sábios.
As vestes suntuosas não precisam ser interpretadas literalmente, como mera ostentação exterior de poder, prestígio e riqueza. Seu caráter cósmico aponta para a correspondência entre o microcosmo e o macrocosmo e, assim, elas simbolizam o aspecto de totalidade que recobre o personagem, ou seja: as roupas aqui apontam para a realização plena da consciência investida na posição do herói, e não para um suposto poder empírico, literal, concreto. Em jargão junguiano tradicional, estamos diante do simbolismo do si mesmo, o Anthropos ou totus homo enquanto figuração da totalidade psicológica veiculada no conto. Essa mesma totalidade representavase, na cena do palácio encantado do pássaro preto, como os sete quartos com seus respectivos conteúdos e a promessa de que o herói seria o possuidor de tudo aquilo.
Assim, o conto "O pássaro preto" pode ser visto como estando em um nível mais avançado em relação a "João mais Maria", no que diz respeito à expressão da forma de realização da configuração psicológica mestiça da alma brasileira. Aliás, há um detalhe interessante no palácio encantado do pássaro preto: no terceiro quarto encontram-se moças brancas e, no quarto seguinte, encontram-se mulatinhas, indicando que, naquela dimensão onde se reúne toda a riqueza psicológica da forma de consciência que se expressa no conto, os opostos estão contidos, em forma feminina. Há uma totalidade em potência contida no reservatório que é o castelo encantado do pássaro preto, e é essa totalidade que se encarna na figura do herói-Gaforino e se transmite à ordem que ele vai inaugurar, após o desaparecimento do princípio que sustentava a ordem velha. Se pensarmos em termos de preconceito e depreciação como sendo característicos da ordem decadente (veja-se o escárnio das irmãs invejosas quanto ao marido negro e pobre da princesa), podemos dizer que a ordem antiga é unilateralmente (e simbolicamente) "branca", ao passo que a nova ordem vai reunir o "negro" (Gaforino) e o "branco" (a princesa) em uma coniunctio mestiça – e, justamente por isso, "O pássaro preto" representa um estágio mais avançado no que diz respeito à realização plena da verdade psicológica brasileira.
3. Concluindo
Se, como sustenta Darcy Ribeiro (1995, p. 126-133), o brasileiro não é branco europeu, nem negro africano, nem ameríndio, então qualquer adesão exclusivista a qualquer dessas três linhagens originárias (como, eu acrescentaria, a qualquer outra posterior que se derramar em nosso caldeirão étnico mestiço) será irremediavelmente negadora da brasilidade. Acontece, porém, que essa negação é, paradoxal e efetivamente, constitutiva do próprio movimento de construção e realização gradual do modo brasileiro de ser-no-mundo, um modo cujo vetor fundamental está na mestiçagem. A destinação gravada em nossa origem aponta para uma unidade plural de ingredientes étnicos, e é nessa diversidade que está cifrada a identidade brasileira. O brasileiro lúcido não pode reivindicar títulos de nobreza ancestral – seja ela europeia, africana ou indígena, ou qualquer outra. Nossa nobreza, paradoxalmente, está na falta de nobreza, na mestiçagem irrestrita, nossa ferida mais funda e nosso tesouro mais valioso. Somos vira-latas. Se houver uma possível contribuição brasileira à família humana mais ampla, ela estará na assunção serena e alegre da humilde condição mestiça. Resta saber se estaremos à altura de tal atitude, que exige ultrapassar o círculo vicioso dos mecanismos psicológicos de compensação grandiosa e narcísica contra nosso congênito sentimento de inferioridade.
A exclusão que verificamos em "João mais Maria" não realiza a verdade psicológica da miscigenação que é essencial à alma brasileira. Já a renovação da consciência expressa em "O pássaro preto" parece-me mais próxima da exigência inscrita no mais fundo do caráter brasileiro. A nossa forma de totalidade psicológica (poderíamos dizer em jargão junguiano: o si mesmo brasileiro) reclama uma estrutura inclusiva, que supere a exclusão do preto velho aleijado (que legitimamente representa o impulso de inclusão na forma de casamento com a princesa) e que substitua as bases psicológicas do preconceito e da depreciação raciais. O autocontraditório preconceito racial integra a configuração psicológica brasileira como uma espécie de esfinge postada no caminho da autorrealização da nossa forma de consciência. A inclusão compreensiva corresponde à forma de realização plena e última da verdade psicológica brasileira da miscigenação. Concluindo, talvez pudéssemos dizer que o desafio da individuação brasileira está na capacidade de passarmos do nível de consciência representado em "João mais Maria" para aquele representado em "O pássaro preto". Mas a questão é: seremos capazes de suportar a "morte" das irmãs invejosas e de seus maridos em nós? Conseguiremos deixar que o rei de nossa atitude preconceituosa morra de desgosto dentro de nós? Pois individuar não é simplesmente ganhar o reino, mas morrer em nossas defesas mais arraigadas. E isso não é fácil, nem simples. Por isso, ser plenamente brasileiro é – que me seja permitido encerrar com um paradoxo esta meditação lúdica – um indesejado desideratum.
Referências bibliográficas
BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. [ Links ]
CHEVALIER, J.; GHEERBRANT, A. Dicionário de símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1995. [ Links ]
RIBEIRO, D. O povo brasileiro. A formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. [ Links ]
ROMERO, S. Contos populares do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1954. [ Links ] v.35-1, p.49-60
Endereço para correspondência
Marco Heleno Barreto
E-mail: marcoheleno@uol.com.br
Recebido em: 4/3/2017
Revisão: 24/5/2017
* Psicólogo formado pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, especialista em psicologia clínica, mestre e doutor em filosofia pela UFMG. Professor titular do Departamento de Filosofia da FAJE – Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia.