Junguiana
ISSN 0103-0825
Junguiana vol.35 no.2 São Paulo 2017
A estranheza do outro e os limites da tolerância
The strange other and the limits of tolerance
La estrañeza del outro y los límites de la tolerancia
Liliana Liviano Wahba*
RESUMO
A noção de alteridade possui uma fundamentação arquetípica/ontológica e, no entanto, é dificilmente alcançada no convívio social. A reflexão proposta aborda o tema dos limites da tolerância e da proliferação de intolerância e radicalismo perpassadas pelo fanatismo e suas disrupções sombrias imbricadas pela crueldade. Propõe-se que a vinculação entre alteridade, tolerância e aceitação do outro implica na aceitação da ansiedade existencial e no enfrentamento da incerteza.
Palavras-chave: Tolerância, alteridade, sombra.
ABSTRACT
The notion of otherness has an archetypal/ontological foundation, yet it is hardly achieved in social life. The reflection proposed here addresses the limits of tolerance, as well as the proliferation of intolerance and radicalism, permeated by a fanaticism whose dark disruptions are intertwined with cruelty. This work suggests that the link between otherness, tolerance and acceptance of the other implies accepting existential anxiety and coping with uncertainty.
Keywords: Tolerance, otherness, shadow.
RESUMEN
La noción de alteridad tiene una fundamentación arquetípica/ ontológica y entretanto es difícilmente lograda en el convivio social. La reflexión propuesta aborda el tema de los límites de la tolerancia y la proliferación de la intolerancia y del radicalismo que acompañan el fanatismo y sus disrupciones sombrías junto a la crueldad. Se propone que la vinculación entre alteridad, tolerancia y aceptación del otro envuelven la aceptación de la ansiedad existencial y del enfrentamiento de la incertidumbre.
Palabras clave: Tolerancia, alteridad, sombra.
O homem, sem apoio, é obrigado a inventar o homem a todo instante. (SARTRE, 1973, p. 7)
1. Introdução
Somos iguais e somos diferentes, temos aspirações comuns e desejos individuais, amamos o outro e o odiamos, em suma, somos feitos de contradições e almejamos segurança, seja esta material, afetiva, ideacional. Num mundo globalizado, convulsionado pela incerteza, que surpreende a cada dia com eventos que percorrem a escala da indiferença até o horror, uma pergunta desponta: Como evitar que diferenciações se tornem desigualdades irremovíveis?, pergunta que Da Matta se faz.
2. Alteridade: tão perto e tão longe
Constitucionalmente, em nossa escala de espécie, segundo Jung (1951/1978) e Lévi-Strauss (1986), partilhamos a igualdade.
Mas talvez tenhamos que escavar muito fundo para descobrir nossas potencialidades arquetípicas comuns enquanto, nas tramitações com nossos semelhantes, eles deixem de ser semelhantes com grande frequência, seja por falhar no amor desejado, seja por ameaçar-nos. O trato social afasta as igualdades e instala a estranheza.
Filósofos se debruçaram sobre essa aparente contradição da alteridade, buscando meios de afirmá-la. Arendt (2009) considera o outro fundamental para construir laços que se contraponham à finitude, o futuro se assegura com o perdão e a promessa. A assertiva nos faz pensar nas falsas promessas do mundo atual, pela lei de que meios justificam fins e, quanto ao perdão, se não fica atrelado à mera hipocrisia é avassalado pela vingança.
Um filósofo que nos ajuda a responder a contradição vivida entre o desejo privado do indivíduo e a demanda do convívio: é Lévinas (1997), para quem a alteridade é o derradeiro mistério. A presença se dá ao olhar o rosto do outro - fazer face - e ao endereçar-lhe uma linguagem. Ao se fazer face, ocorre a humanização total do Outro: o rosto que me olha me afirma; na submissão não há reconhecimento. A palavra, é entendida como uma relação entre liberdades que se afirmam com respeito e responsabilidade, que ultrapassa o mero afeto, já que requer um despojamento integral.
Um belo exemplo se deu quando um bebê de um ano de idade, perto da mãe que olhava para outro lado, segurou o rosto dela com ambas as mãozinhas e o posicionou bem de frente e próximo ao seu. É curioso examinar a expressão "vai encarar" sob esse prisma; o convite ao altercado e a coragem em enfrentar o outro desvirtua a potencialidade humana de afirmação do semelhante e, consequentemente, de si mesmo.
Arendt (1987) estende a palavra, o discurso entre os homens e o encontro com o outro em sua singularidade e diversidade para a humanização do mundo. Na concepção junguiana o Self individual insere-se em totalidades mais amplas que englobam ecossistemas, a anima mundi. Apesar de tecnologias e descobertas científicas notáveis, a hiperpopulação e a globalização despojaram o mundo de encantamento, acelerando danos extraordinários ao planeta a ponto de despertar preocupação legítima com sua extinção. Filmes apocalípticos de horror mostram hordas de seres desumanizados, destituídos de palavra e de olhares, em planetas destruídos por catástrofes ou guerras.
Deparamo-nos com um paradoxo, inerente ao ser humano que criou comunidades e cultura. De um lado, é natural para ele cooperar e viver em grupos, mas esses mesmos grupos fomentam preconceitos contra os demais até internamente. Haja vista - no Ocidente - o fenômeno Trump, cuja campanha fundamentou-se em preconceitos e projeção maciça, o recuo da Alemanha aos imigrantes, e xenofobismo na França, as campanhas de ódio ao outro em governos populistas na América Latina.
Se a alteridade é uma confirmação do outro, encontramos com maior frequência o oposto, a desconfirmação e a estranheza do outro.
3. Psicologia social e desconfirmação do outro
A partir de teorias sobre identidade cultural e cognição da psicologia social (HOGGAN; LITWIN, 2016), aprende-se que as pessoas protegem suas identidades protegendo suas convicções. Assim, se alguém detesta algo, vai procurar evidências que confirmem que aquilo merece ser detestado. Os seres humanos são tribais e se orientam formando matrizes morais do grupo que operam por oposição. Por exemplo, lealdade/traição ou santidade/degradação. A tendência é se identificar com o polo mais favorável e projetar o menos favorável no outro. A desconfirmação defensiva emprega a negação do discurso e facilmente desemboca no radicalismo
Portanto, procurar a alteridade mediante a moral não parece a solução, dada a dificuldade em encontrar uma resposta moral universal para garantir o respeito ao outro.
O debate sobre o relativismo moral é extenso. Importa assinalar aqui que, diante de uma pluralidade de morais, em uma sociedade múltipla na qual dificilmente se encontra consenso de princípios, a alteridade pode se diluir no convívio entre estranhos morais (ENGELHARDT JUNIOR, 2008), conceito particularmente elucidativo ao tema proposto.
4. Intolerância e fanatismo
Se, de um lado, é incerto estabelecer os mesmos pressupostos morais para grupos diferentes, de outro, em nome da moral e de elevados princípios, ideologias extremadas podem se instalar em detrimento da alteridade: a intolerância leva ao fanatismo. Jung (1948/1978) apontava no fanatismo uma dúvida inconsciente, um modo de evitar as próprias incertezas e a instituição de uma sacrossanta verdade acima de crítica em que a decisão moral é suprimida (1957/1978c). O escritor israelense e pensador contemporâneo Amos Oz (2004) considera a tolerância a questão fundamental do século XXI. Relaciona o fanatismo - muitas vezes - à atmosfera de um desespero profundo. Fora os extremos, a intolerância "fanática" se encontra no dia a dia em todo lugar, em formas civilizadas. Um exemplo seriam os antitabagistas, os vegetarianos, os assim chamados politicamente corretos, entre tantos outros.
Os grupos em torno de uma convicção são levados a se acharem moralmente superiores aos demais ou, oportunisticamente, retiram uma vantagem dessa condição. Em uma empresa na França um executivo que lá trabalhava há 30 anos foi sumariamente demitido, porque fumava no terraço e a fumaça "adoeceu" uma funcionária ressentida que o processou. Independentemente da teimosia do homem em questão ou da empresa estar farta dele, a punição parece certamente desproporcional, mas pegou, por quê?
O fanático intolerante difere daquele que tem opiniões firmes e convictas, pois se credita uma superioridade moral. Converge sua energia em salvar ou punir o outro e, desse modo, evita confrontar-se com sua pequeneza.
Há certamente forte fator de projeção na intolerância: o outro é desprezível e, se for despossuído de humanidade, pode ser perseguido até justificar-se a violência. O fenômeno do bode expiatório é conhecido na antropologia e estudado pela psicologia, aplicado a todas as esferas de convívio no decorrer da história.
A respeito dos fundamentalismos que estão atrelados ao fanatismo imbuído de princípios religiosos, Oz (2004, p. 86) conta uma anedota:
Em Jerusalém um homem está num café sentado junto a um idoso que se identifica como Deus. O homem pergunta a deus: - Caro Deus, quem tem a fé certa? Católicos, protestantes, muçulmanos, judeus? Quem tem a fé correta? - Para lhe dizer a verdade meu filho, não sou religioso, nunca fui religioso, nem sequer interessado em religião.
5. Ansiedade existencial
Adentrando nos meandros psíquicos da intolerância nos deparamos com o medo, a ameaça, a angústia. Henderson (1990) explorou o que foi entendido como "inconsciente cultural", a sombra pessoal estaria vinculada à autodúvida e inferioridade, ao medo que a persona cobre e a sombra coletiva proviria de determinantes históricos que ameaçam a identidade grupal (SINGER; KIMBLES, 2004).
O sentido de identidade é inseparável de uma ansiedade existencial básica, inevitável por ser ontológica - inerente ao ser humano -, que é a ansiedade de "um ser finito a respeito da ameaça de não-ser" (TILLICH, 1975, p. 39).
A ansiedade cultural, segundo Rafael López Pedraza (2000), deriva de conflitos culturais e, portanto, se faz mais presente em períodos de tensão histórica. O monoteísmo teria trazido, em sua contraparte negativa, a ansiedade de se sentir diferente, o que foi acentuado pela globalização. Ele postula, ainda, que a cultura ocidental se pauta na culpa e, portanto, culpabilizar o outro é um corolário, chega-se à "loucura da intolerância". Assim, a ansiedade de extinção seria uma das raízes da intolerância. A psicanálise - incluindo a junguiana -, no entanto, foi mais fundo na perscrutação do inconsciente.
6. As paixões e os impulsos do inconsciente
Segundo Sartre (1965, p. 9), o antissemitismo e o racismo em geral é uma "paixão do ódio". Além de se basear em uma concepção de mundo que confirme a própria ideologia - como a psicologia social bem observou - há no racista um elemento apaixonado no ódio dirigido a quem provoca uma disrupção. Sartre entende que o raciocínio deturpado se carrega de uma nostalgia de impermeabilidade. O racista/fundamentalista é maciço e impenetrável, não quer mudar e teme o que possa conduzi-lo à mudança. A ineficácia da razão decorre da ausência de espírito crítico; é incapaz de assimilar a realidade em sua complexidade. O fanático se autoafirma pelo ódio, teme a diferença por não poder lidar com o estranho. Estranheza essa que é a sua própria, ou seja, segundo Sartre, esse indivíduo tem medo de si mesmo, de sua consciência, de sua liberdade, de seus impulsos instintivos, de sua responsabilidade, de sua solidão, das mudanças da sociedade e do mundo. Em suma, o medo da condição humana é transformado em ódio radical.
7. Destruição e crueldade
López-Pedraza (2000) alerta que um elemento da ansiedade cultural a ser mantido sob observação é a crueldade, um produto do ser civilizado que pode coincidir com a agressão de cunho primitivo. A crueldade faz parte de nossa sombra.
Freud (1930/1996) tirou nossas ilusões a respeito da generosidade humana natural, já que, segundo ele, os homens não são somente criaturas gentis que desejam ser amadas e que, no máximo, podem defender-se quando atacadas; pelo contrário, são dotados de alta carga de impulsos agressivos e são, até mesmo, cruéis. Além do "narcisismo das pequenas diferenças", a agressividade se extrapola:
Em resultado disso, o seu próximo é, para eles, não apenas um ajudante potencial ou um objeto sexual, mas também alguém que os tenta a satisfazer sobre ele a sua agressividade, a explorar sua capacidade de trabalho sem compensação, utilizá-lo sexualmente sem o seu consentimento, apoderar-se de suas posses, humilhá-lo, causar-lhe sofrimento, torturá-lo e matá-lo. (FREUD, 1930/1996, p. 116).
Tanto ele como Jung se preocuparam com o poder de destruição do ser humano: se a destrutividade é uma negação do outro e do mundo, que se instrumentalizam e perdem sua substância existencial, a alteridade seria desejável para o equilíbrio possível. Mas, a alteridade permaneceria um mito, ainda que desejável?
Zoja (2015), sociólogo e analista junguiano escreveu recentemente A morte do próximo, um ensaio sobre o afastamento das relações humanas em que descreve fatos da história e do cotidiano, e detecta graves sinais de que se perdeu grande parte do contato com o próximo semelhante e concomitante perda de empatia. Existiria na atualidade uma liberação da sexualidade e uma repressão da intimidade, que busca vazões para a falta. O semelhante se torna estranho, difundem-se a desconfiança e as rivalidades, companhias de seguro faturam em decorrência das suspeitas e aumenta a psicopatia onde não seria usual, exemplo, nas corporações. Encenam-se rituais de vencedores e vencidos, exibidos em programas televisivos de eliminação do mais fraco. Segundo Zoja (p. 90), um rigor mortis psíquico contrasta com a agitação física: e as pessoas "Não têm pensamento autônomo. Não se interessam pelos homens que estão perto, não por maldade, mas porque não os compreendem". Ou seja, instala-se a morte psíquica ao se negar a face do outro, como intuído por Lévinas (1997).
Zoja (2017) também escreveu sobre a política da paranoia, e talvez a cultura ocidental patriarcal sofra da explosão da consoante "p" em três derivadas negativas: paranoia, psicopatia, perversão. O primeiro desconfia e teme, os dois outros se aproveitam como as infecções oportunistas. Evidências de desconfiança e suspeita, que fomentam a intolerância proliferam, na Europa o multiculturalismo está decrescendo como valor, no Brasil suspeita-se dos vizinhos, as fratrias se fecham em ódios e expulsam os traidores, nos Estados Unidos a política apoiada no discurso de ódio e a segregação se concretizaram de modo alarmante. Períodos de transição cultural ativam arquetipicamente primitivismo, confusão, incerteza.
O jornalista Brooks (2016) observa que as campanhas são impulsionadas por "uma sólida rajada de desconfiança", uma enquete mostrou que, em uma geração, diminuiu drasticamente a confiança do norte-americano nas pessoas ao redor - como seria no Brasil? Lá, o declínio de confiança social associa-se a uma epidemia de solidão, cada vez se tem menos amigos próximos para conversar e são substituídos por chats superficiais pela Internet. O colunista escreve: "o crescimento da desconfiança corrói a intimidade [...] o medo é o grande inimigo da intimidade. A perda de intimidade deixa as sociedades mais isoladas. Isolamento leva a mais medo. Mais medo leva a líderes divulgadores de medo". (p. A9), confirmando observações apontadas nesta apresentação e a obra icônica de Orwell (1984) 1984 - em uma sociedade do futuro o poder concentrado no Partido e simbolizado no Grande Irmão mantém em guerra e sob vigilância constante seus cidadãos, inibindo o pensar, a intimidade e o prazer.
8. Como combater a intolerância
Diante da pergunta de se o mundo caminha para a intolerância urge achar meios de combatê-la.
Importa assinalar que Freud não vê, apesar do pessimismo, uma disputa irreconciliável ou mal-estar irremediável entre natureza e cultura. Sua maior preocupação é com o futuro e a possibilidade de dominar a pulsão agressiva. Essa preocupação, presente em Jung, independe de se considerar uma possível pulsão de morte como primária ou secundária (em relação a eros), pois o efeito destrutivo é real, assim como a autodestruição possível.
A segunda imediata questão é se a psicologia profunda pode contribuir para criar antídotos da intolerância. A projeção maciça denota uma necessidade não reconhecida que provoca adoecimento. Ou seja, mais odiamos quanto mais precisamos desse Outro que nos escapa. O reconhecimento das necessidades latentes - no sentido de pulsante - se petrifica em monobloco. Ativar a multiplicidade interna favoreceria compreendê-la fora adquirindo maior flexibilidade. Podemos dizer: maior flexibilidade, menos medo.
Fomentar a imaginação - sem reduzi-la ao marketing -, estimular a capacidade de imaginar o outro, de ativar o bom humor - senso de humor inexiste no fanático - e difundir esperança, segundo Oz. O escritor repete as palavras de Yehuda Amichai (p. 35) "onde temos razão não podem crescer flores". Propõe prescindir das ilusões de amor e ao invés fomentar a paz, e procurar soluções de compromisso e de encontro do outro em algum lugar no meio do caminho. Latour (2016), filósofo francês, escreve a esse respeito que, ao não compartilhar o terreno comum, pode-se compartilhar a disputa.
Trata-se de uma tarefa de educação cultural que felizmente se verifica em distintas partes do mundo. Na França, criou-se um Centro de Desradicalização com trabalho ainda incipiente e incerto. Na África do Sul, findaram o apartheid via negociações políticas e, apesar do árduo percurso inacabado e continuação da intolerância, encerrou-se uma condição de perversão.
Na contramão do televisivo Big Brother, cineastas e documentaristas trazem mensagem de tolerância e solidariedade. O documentário israelense de B. Z. Goldberg, Promises (Promessas de um novo mundo) de 2001, acompanha sete crianças palestinas e israelenses entre 9 e 13 anos. Gravado de 1997 a 2000, e entrevistas dois anos depois. Se houve mudança neles é difícil dizer, um dos meninos palestinos fica amargo, a garota palestina se mostra disposta a diálogos, os gêmeos liberais não têm ódio, mas são levados por seu dia a dia. Os dois mais extremistas permanecem com opiniões polarizadas e enraivecidas, um dos garotos palestinos irá para os Estados Unidos, com dor, mas para uma nova vida.
Seriam estratégias esparsas que, reunidas, poderiam ganhar força. Os psicólogos sociais e linguistas cognitivos demonstram que para efetivar mudanças o comunicador precisa usar mensagem de valor (HOGGAN; LITWIN, 2016).
Jung (1951/1978) atentava para a importância da função sentimento que trata de valores para emitir julgamentos que provenham de um envolvimento com a dimensão mais plena da realidade.
Pareceriam quimeras, no entanto, estudos sobre estresse pós-traumático revelam que a superação é possível via resgate do reprimido e acionando uma linguagem afetiva. O medo e a atroz desconfiança de um eu traumatizado recobram a confiança de viver.
Para que esse processo de resgate de confianças possa ser pelo menos ensejado - e certamente não atinge os radicais, mas os inseguros desejosos de algo diferente -, há de se começar pelo reconhecimento da vulnerabilidade e do medo íntimo, em cada um. Seria um processo de educação da personalidade, de uma "educação para a consciência mais plena" (JUNG, 1945/1980) educar-se para ter a coragem - continente do medo - de enfrentar assombrações, a "coragem de ser" anunciada por Tillich (1975), a coragem que amaina a estranheza do outro e o torna cúmplice de um partilhar de humanidades possíveis, quando as vulnerabilidades deixam de ser vergonha e a exposição crua se desfaz ao adquirir consciência que a imperfeição é nossa, minha e sua, pois não somos deuses, apesar de alçar voos para o infinito.
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Recebido em: 02/08/2017
Revisão: 13/11/2017
* Analista junguiana, membro da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica - SBPA, doutora em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, Pós-doutorado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP, coordenadora do Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia Clínica da PUC-SP. E-mail: <lilwah@uol.com.br>