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Junguiana

 ISSN 0103-0825

Junguiana vol.35 no.2 São Paulo  2017

 

Aspectos históricos da alquimia

 

Hysyoric aspects of alchemy

 

Aspectos históricos de la alquimia

 

 

Nairo de Souza Vargas*

 

 


RESUMO

O autor realiza um passeio pelas origens da alquimia e por sua existência em diferentes culturas e em diferentes épocas. Reconhece a alquimia como originando-se de técnicas mágico-míticas, que surgiram com o despertar da consciência. As diferentes alquimias incorporam diferentes sabedorias, que buscam compreender as relações cósmicas do homem com a matéria. A alquimia precedeu no nível objetivo a química e no subjetivo a psicologia. Toda matéria tem sua alma, que é perene. Os corpos, porém, são formas transmutáveis. Acentua que a física moderna, também como a alquimia, admite a transmutação da matéria. A leitura que Jung fez da simbólica alquímica, como projeção de vivências inconscientes pessoais e arquetípicas, trouxe uma compreensão psicológica para o complexo simbolismo alquímico. O autor acentua que o psicólogo moderno deve saber que, em termos científicos, só pode descrever o processo psicológico, uma vez que a natureza real da psique transcende a consciência como um mistério da vida ou da própria matéria.

Palavras-chave: Alquimia, aspectos históricos, alma da matéria, projeções na matéria.


ABSTRACT

The author describes the origins of Alchemy and shows that it was present in several cultures and in different times in History. It is acknowledged that Alchemy originated from magical-mythical techniques, which arose from the emerging consciousness. Alchemy seeks to understand various aspects of the cosmic relationship of man to matter, and each different school of alchemical thought has its own wisdom and brings light to valuable elements of this relationship. Objectively, Alchemy preceded chemistry, and subjectively, it preceded psychology. Matter also has a soul, which is perennial. But, in its physical aspect, matter is transmutable. In this paper, it is emphasized that modern physics, like alchemy, admits the transmutation of matter. Jung's comprehension of the symbology of alchemy, as a projection of personal and archetypal unconscious experiences, brought a psychological understanding to the complex alchemical symbolism. The author emphasizes that, in the field of science, the modern psychologist can only describe the psychological process, since the real nature of the psyche transcends consciousness because it is one of life's mysteries as well as one of the mysteries of matter itself.

Keywords: Alchemy, historic aspects, matter's soul, projections on matter.


RESUMEN

El autor realiza un paseo por los orígenes de la Alquimia y su existencia, en diferentes culturas y en diferentes épocas. Reconoce la Alquimia como originaria de técnicas mágico-míticas que surgieron con el despertar de la conciencia. Las diferentes Alquimias incorporan diferentes sabidurías que buscan comprender las relaciones cósmicas del hombre con la materia. Respecto a lo objetivo, la Alquimia precedió a la Química, y a lo subjetivo, a la Psicología. Toda materia tiene un alma que es perenne. Los cuerpos, sin embargo, son formas transmutables. La física moderna, tal como la Alquimia, admite la transmutación de la materia. La lectura que Jung hizo de la simbólica alquímica, como proyección de vivencias inconscientes personales y arquetípicas, posibilitó una comprensión psicológica del complejo simbolismo alquímico. El autor señala que una vez que la naturaleza real de la psique trasciende la conciencia, el psicólogo moderno debe saber que solo se puede describir el proceso psicológico como un misterio de la vida o de la propia materia.

Palabras claves: Alquimia, aspectos históricos, alma y materia, proyecciones en la materia.


 

 

É impossível dizer-se onde, quando e como surgiu a alquimia. Suas origens são várias, imprecisas, difusas e discutíveis.

São várias também as versões sobre a etimologia da palavra alquimia. Parece referir-se ao Egito (Khem ou khan, nome antigo do Egito) e o artigo definido árabe "al" dando-al-chimia, (a terra negra). Parece também prover da raiz grega chemeia, do egípcio chem, negro, que pode referir-se à terra negra (Egito), ao negro da oxidação dos metais ou ao negro, cor sagrada dos sacerdotes egípcios que como tintura a preparavam secretamente, daí o termo "Arte Negra" como arte do aperfeiçoamento em busca do divino.

Como mostra Eliade (1979), a alquimia teria muito a ver com técnicas arcaicas, mágico-míticas da humanidade, que devem ter surgido com o despertar da consciência. Ter instrumentos (como pedra e madeiras) e ser capaz de usá-los como utensílios tem a ver com a tomada de consciência, adaptação do homem ao seu meio natural.

As técnicas, pelo contrário, surgem quando o homem promove a adaptação do meio natural às necessidades humanas, para atender às suas consciências.

A emergência da consciência traz algo destacado da natureza, mas traz também a percepção dos limites da própria consciência, ou seja, o medo do que permanece desconhecido e fora dela, ou seja, o medo da noite com seus sonhos e da morte.

No escuro da noite, o homem não sabe o que se ater. Daí consciência ter que ver com luz e esclarecimento de um lado e não ter consciência tem a ver com escuridão e desconhecido de outro. Esta vivência interna que se manifesta como consciência também aparece como emoções, como, por exemplo, amor e medo. Este interno assustador se assemelha ao sobrenatural com deuses, fantasmas e demônios e parece sobreviver à morte, pois o ser humano pode pensar e desejar além do que está claro e distinto na consciência. Temos então dois polos: a consciência instrumental, clara e discriminada, surgindo junto com a crença no sobre natural da qual a alma humana faz parte. A ideia de que a conjugação de opostos, o polo claro, natureza (consciência), com o polo escuro, sobrenatural (inconsciente), é propiciadora de crescimento, vai permear toda a obra alquímica (opus).

Se a alquimia tem origem nas técnicas arcaicas mágico-míticas, ela só pode instituir-se como um saber, a partir de uma sabedoria que procura compreender as relações cósmicas do homem com a matéria.

A sabedoria pode ser formulada por um homem, o(a) sábio(a) (tipo Confúcio) que procura compreender estas relações de um modo que pode ou não ser aceito. Com o advento das religiões reveladas, a sabedoria é considerada como vinda de Deus, sábio e único, que fala pela boca de seu profeta. Em várias civilizações antigas, encontramos alquimias que trouxeram valores que foram incorporados pela alquimia europeia. O raciocínio alquímico é principalmente dedutivo e baseado em duas premissas estabelecidas a priori: a unidade da matéria e a existência de um potente agente transformador, chamado "pedra filosofal". Este seria capaz de curar as imperfeições dos metais enobrecendo-os para se transformarem em ouro, símbolo do perfeito e incorruptível. Do postulado da unidade da matéria segue-se que um agente seria capaz de curar enfermidades no humano e prolongar sua vida. A pedra filosofal seria esta medicina perfeita, com o nome de elixir da vida.

Havia em várias antigas civilizações técnicas complexas e refinadas, por exemplo, técnicas com tinturas, vidros coloridos e metalurgia no Egito que foram assimiladas pela alquimia, pela qual se acreditava que coisas materiais estavam carregadas com coisas divinas.

Na Caldeia, havia a astrologia que associava planetas aos metais e ao destino dos homens. A alquimia chinesa desenvolveu técnicas de preparo de elixires para tratamento médico e prolongar a vida. Ela se consolida quando sobre estas técnicas e também técnicas de metalurgia se aplicassem a sabedoria do Taoísmo. Na alquimia hindu ocorreram coisas parecidas à chinesa, quando, sobre técnicas arcaicas, surgiram interpretações sapienciais do hinduísmo.

Dos sumérios e babilônios vieram as técnicas para se obtiver metais a partir de minérios e a produção de ligas metálicas como o bronze, realizadas como cerimômias religiosas. Para fundir o ferro deveria-se esperar a época adequada, quando Marte estaria propiciador. Para sua fundição, o homem deveria estar preparado. Era o momento do Kairos, que iria ser o momento propício para determinadas operações alquímicas.

Houve grande florescimento da alquimia em Alexandria nos séculos II e III, que é considerada por muitos como aquela em que atingiu maior maturidade e plenitude. Houve algumas propostas alquímicas no século I A.C., mas difíceis de identificar e localizar. Reflexões da filosofia grega e dos neoplatônicos ampliaram e enriqueceram as percepções dos alquimistas helenísticos.

No século VIII, através da Síria e Pérsia, a alquimia penetrou nos países árabes, vinda principalmente de Alexandria. Entre os árabes, floresceu em duas vertentes diferentes, uma essencialmente prática, ligada ao artesanato e a medicina (vertente extrovertida), e outra ligada ao misticismo, vista como introvertida e cheia de segredos. A primeira, ligada aos sunistas, reduziu-se mais à química, tendo em Al-Razi seu expoente, que introduziu a necessidade de quantificar os materiais. A segunda, ligada aos xiitas, teve em Mohamed Ibn-U-mail um grande místico, que ficou conhecido como Sênior, seu nome latino, na alquimia europeia.

No século X, a alquimia retorna à civilização cristã, pelos árabes na Europa (Espanha e Sicília), unindo-se à filosofia escolástica e a sapiência cristã.

Para muitos a alquimia, pelo menos a helenística, seria filha do encontro da tecnologia química e da mágica dos egípcios com a filosofia dos pré-socráticos, preocupada com o cosmo, o tempo e a matéria e a filosofia dos neoplatônicos. Para muitos, portanto, a alquimia só adquire maturidade com os alexandrinos, quando, ao lado de técnicas antigas, temos um conjunto de doutrinas com afirmações sapienciais e religiosas nos séculos II e III.

Data também desta época a junção na alquimia, da filosofia dos neoplatônicos com a cabala judaica, a mântica caldaica e a mística egípcia. Havia em alguns autores alquimistas uma verdadeira teurgia, ou seja, a manipulação mágica dos deuses em prol da satisfação dos desejos humanos. Toda matéria é a mesma, nas suas diferentes formas de apresentação, inicialmente a mesma na sua origem, é a "prima matéria", que por diferentes processos evolucionários adquire diferentes formas. Toda matéria tem uma alma comum que por si só é permanente. A forma externa ou corpo, são modos de manifestação da alma do mundo (anima mundi) e, portanto, formas transitórias e transmutáveis em outras formas.

Em essência, estes pontos de vista guardam estreita semelhança com os modernos pontos de vista da física moderna. Esta verdadeira "alquimia moderna" tem mostrado a possibilidade da transmutação de elementos. A "pedra filosofal" seria um fantástico catalisador, capaz de provocar transformações na matéria. Um grande catalizador seria, por exemplo, um bombardeio de nêutrons que iniciam a desintegração do Urânio 235 em outros elementos. O que antes era imaginação agora prova-se.

A ideia da transmutação está implícita na teoria dos quatro elementos de Aristóteles. A natureza busca o aperfeiçoamento. Das ideias gregas, pouco parece ter havido uma extensão para a concepção da pedra filosofal e o elixir da vida como agentes que buscam a perfeição para o mundo inanimado e animado.

Um dos primeiros títulos da alquimia helenística é a Physica do pseudoDemócrito que mostra o mago caldeu Ostanes no templo de Memphis e, através de um aforisma zoroastriano, recebeu as receitas para obtenção do ouro e de elixires para a imortalidade, justificados pela teoria grega dos quatro elementos, da mântica caldaica, da Astrologia e do rito do fogo do zoroastrismo.

Na idade média, com influências de outras alquimias, a europeia tornou-se um grande sistema filosófico que busca penetrar e harmonizar os mistérios da criação e da vida. Propõem-se a relacionar o microcosmo do homem com o macrocosmo do universo.

A alquimia é muito mais que uma forma rudimentar de ciência experimental. A busca da transmutação de matéria inanimada, os metais, é apenas um objetivo incidental. Com isto ela busca provar sua mais essencial e ampla proposta da unidade de todas as coisas. Encontramos na alquimia uma vasta rede de ideias e afirmações na qual se misturam rudimentos de química, relacionados com religião, folclore, mitologia, astrologia, magia, misticismo, filosofia, teologia e outros campos de imaginação e experiência humana, ou seja, tudo o que é manifestação do inconsciente pessoal e coletivo.

Uma das compreensões da simbólica alquímica é a de que se tratava de projeções do alquimista sobre a matéria e suas alterações, do inconsciente pessoal e de imagem arquetípicas expressas pelo seu Self, principalmente de seu processo de individuação.

A associação da alquimia com religião e psicologia tem mostrado que ela é tão ou mais importante para a psicologia do que para a química. Esta interpretação, proposta por Jung, trouxe enorme compreensão para os complexos, confusos e as vezes incompreensíveis manifestações da alquimia.

A compreensão da alquimia como projeções de vivências inconscientes, pessoais e arquetípicas trouxe um sentido psicológico importantíssimo para a compreensão do riquíssimo, exuberante e confuso simbolismo alquímico. Estas expressões simbólicas aconteceram em diferentes culturas, em diferentes lugares e diferentes épocas, devendo, portanto, estar presentes, para os diferentes alquimistas, além de aspectos pessoais e culturais próprios de vivências de cada alquimistas, também símbolos arquetípicos do inconsciente coletivo. Nelas, assim, aparecerá o coletivo arquetípico, próprio do ser humano, de maneira exuberante, pois os alquimistas não tinham consciência que eram expressões do seu inconsciente. Achavam que eram realmente expressões de alterações na matéria que para eles era una, e, por conseguinte, não havia nenhuma crítica ou defesa contra suas expressões.

Esta simbólica expressava tudo aquilo que é próprio e eternamente presente na psique inconsciente coletiva, ou seja, a vivência dos arquétipos, na busca da estruturação da consciência. Por esta razão, Jung identificou em muitas expressões simbólicas dos alquimistas, expressões simbólicas idênticas às que apareciam nos sonhos e imaginações de seus clientes.

Como dizia Jung (1991), a psique objetiva é autônoma em alto grau, sendo o inconsciente uma realidade psíquica que só aparentemente pode ser disciplinada. É um lado da natureza que não pode se melhorado nem deteriorado, podemos auscultar seus segredos, mas não manipulá-los. Fica claro que ambos estavam expressando símbolos arquetípicos, presentes na personalidade do ser humano, que sempre existiram e existirão sempre pois são arquetípicos e próprios de nossa espécie. Aparecerão, no entanto, com algumas características próprias do tempo e da cultura de quem os está vivenciando, porém idênticos na sua essência.

A ideia básica da alquimia é que tudo provém do Uno. O processo alquímico é uma reconstrução microcósmica do processo de criação ou em outras palavras uma recriação. Para desmanchar o "corpo" em sua forma atual, a procura da forma original do Uno, várias operações eram feitas. Ao nível do individual, o corpo das coisas poderia ter a operação de dissolução, chamada solutio e seguida da coagulação, a coagulatio. Era a solvite corpora et coagulate spiritum. Havia muitas outras operações: calcinatio, putrefatio, coniunctio etc. Como afirmava Jung, o desenvolvimento e crescimento da personalidade, não pode ser completo só à custa das vivências externas. É fundamental que venha da própria personalidade, do Self, motivações que os inspirem e promovam seu desenvolvimento e aprimoramento.

As íntimas conexões entre o simbolismo alquímico e as metáforas das religiões são muito grandes. Por exemplo, o grande símbolo da união dos opostos, expresso por inúmeras metáforas em todas as religiões, por exemplo, Cristo unido à igreja, está presente em inúmeros símbolos alquímicos, como o casamento do rei e da rainha. Outro exemplo, unicórnio, monstro hermafrodita simbolizando uma coniunctio opositorum está presente em várias alquimias. A serpente gnóstica é comparável ao mercúrio alquímico ou à água divina, símbolo que leva todas as coisas à maturação e desenvolvimento, buscando aperfeiçoamento. É o espírito da vida, a anima mundi. Serpente e o chifre do unicórnio são alexipharmakons, ou seja, são antídotos contravenenos.

A experiência alquímica europeia era mais uma "vivencia mágica" do que uma experiência científica concreta e repetível. Ela fundamentava-se na concepção animista da natureza. Nela tudo é movido por uma alma, da qual a alma humana participa. Isto possibilitou o estreito paralelismo entre o que acontece com a matéria durante sua transmutação e o que acorria na alma do alquimista. Como já dissemos, Jung trouxe uma nova interpretação para os textos e símbolos alquímicos como sendo projeções do inconsciente do alquimista sobre a matéria e suas transformações e seus símbolos coletivos de seu processo de individuação. Ele mostra fenomenologicamente que a opus é uma projeção sobre a matéria do acontecer psicológico no processo de individuação. Este, para Jung (1997), pode ocorrer na segunda metade da vida, principalmente em pessoas preocupadas com sua melhoria interna e desenvolvimento de sua personalidade ou em termos religiosos como a salvação de sua alma. Atualmente, a psicologia analítica fala em processo de individuação ocorrendo em toda a vida e vindo do Self, para o crescimento e aperfeiçoamento da consciência.

A imagem central da alquimia é o opus com a qual o alquimista tinha um compromisso sagrado, era a busca do valor supremo, o ouro alquímico.

O segredo alquímico não podia ser divulgado e sua violação seria um crime pois poderia cair em mãos inadequadas que poderiam fazer mal uso dele. As energias transpessoais devem ser secretas e sagradas e não apossadas pelo ego que não pode se identificar com imagens arquetípicas o que seria uma inflação, um não conhecer a si mesmo e seus limites.

A ideia da prima matéria veio dos filósofos pré-socráticos como um a priori de que o mundo derivava de uma substância original e única da qual derivava o mundo. Seria da parte desses filósofos ou uma imaginação, ou um pensamento irracional, ou uma impressão visual e, portanto, uma manifestação de um fato psíquico arquetípico, projetados na matéria, já que o mundo é obviamente múltiplo.

A prima matéria sofrendo um processo de diferenciação se parava-se em quatro elementos: terra, ar, fogo e água que combinado-se em proporções variadas formariam todos os objetos físicos, os corpos.

A alquimia descreve um processo de transformação química e das instruções para sua realização. Embora muito variáveis elas coincidem em algumas partes principais desde o começo da Era Cristã. Seriam quatro os estágios da opus caracterizados pelas cores originais: preto (nigredo), branco (albedo), amarelo (xantosis) e vermelho (rubedo). No século XV, as cores foram reduzidas a três, caindo em desuso a xantosis. Dizia-se que apesar de serem quatro elementos, as cores eram três. A mudança na classificação dos estágios foi devida ao significado simbólico do quaternio e da trindade, ou seja, foi devida a razões internas psicológicas, e não externas.

A sequência das fases da opus, nos diferentes autores depende em primeiro lugar de sua concepção da meta, que são tão variáveis como os processos individuais. Às vezes, trata-se como meta, da obtenção da tintura branca e vermelha, às vezes da pedra filosofal, capaz de promover transformações, ou o elixir de vida, a panaceia, capaz de curar doenças e prolongar a vida.

O lápis philosophorum é muitas vezes a prima matéria, ou o meio de produzir ouro, ou um ser místico chamado Deus terrestris ou Salvator.

A opus inicia-se com a evocação da sabedoria divina, condutora do processo.

A primeira fase, a nigredo, estado confuso da matéria é atingida por diferentes operações e se encerra para muitos quando surgem as "scintillas, centelhas que brilham e são associadas às ilhas de consciência". Através de diferentes operações, evolui-se para a segunda fase, a albedo ou fase da prata, na qual se estabelece a ordem sapiencial esclarecedora com a união dos opostos. Esta evolui para a rubedo, o nascer do sol, associada à vitória sobre a morte e a redenção da humanidade.

Um dos conceitos básicos da alquimia, além da prima matéria, de espaço, tempo e energia de uma partícula, é o conceito daquilo que se poderia chamar de afinidade química. Era compreendida pela alquimia como uma atração inexplicável que certas substâncias exerciam sobre outras e a repulsão por outras.

O inconsciente pode fornecer modelos a que se pode chegar diretamente desde o interior da personalidade e estes podem se ajustar a realidade exterior. Von Franz (1980) fala em duas explicações possíveis para este fenômeno: o inconsciente tem conhecimento de outras realidades ou ele é uma parte da mesma coisa que constitui a realidade exterior, pois ignoramos como o inconsciente se liga à matéria.

O inconsciente não material fornece ideias sobre a realidade material, ou ele próprio está ligado à matéria sendo um fenômeno dela. Von Franz pensa que Jung inclinava-se a pensar hipoteticamente que o inconsciente tem um aspecto material, por isto a conhece. Haveria um vago fenômeno de consciência na matéria.

Estamos diante de um mistério que não conseguimos compreender. Isto pode nos colocar na posição mais humilde e modesta de termos que descrever fenômenos de acordo com nossos conhecimentos atuais e reconhecermos nossa ignorância em termos científicos da compreensão de tais fenômenos.

Como nos mostra a história, a alquimia existiu em inúmeras civilizações por séculos e de certo modo está viva em nossas ideias.

Assim, no estudo da obra de Jung, seu livro Psicologia e Alquimia (1991), é de importância fundamental, o que mostra o quanto ela tem para nos ensinar sobre a psique humana e seu funcionamento. De certo modo, nós, analistas junguianos, somos todos alquimistas, porém com mais consciência de nosso trabalho.

Os alquimistas sabiam que a produção da pedra filosofal era um milagre que só poderia ocorrer Deo concendente.

O psicólogo moderno deve saber que, em termos científicos, só pode apresentar uma descrição de um processo psicológico, uma vez que sua natureza real transcende a consciência, tal como o mistério da vida ou da matéria.

O psicólogo não explica o mistério, apenas o aproxima um pouco mais da consciência individual, comprovando com base em dados empíricos o caráter real e passível de experiência do processo de individuação.

Como dizia Jung, é parte da ética do pesquisador poder reconhecer o ponto em que seu saber chega ao limite.

Este limite significa o início de conhecimentos mais altos.

 

Referências

ELIADE, M. F. Alquimistas. Rio de Janeiro, RJ: Zahar, 1979.         [ Links ]

JUNG, C. G. Psicologia e alquimia. Petrópolis, RJ: Vozes, 1991.         [ Links ]

JUNG, C. G. O Eu e o inconsciente. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. (Obras completas de C.G. Jung, v. 2/2).         [ Links ]

VON FRANZ, M. L. Alquimia. São Paulo, SP: Cultrix, 1980.         [ Links ]

 

 

Recebido em: 14/08/2017
Revisão: 07/11/2017

 

 

* M.D, Ph.D, Médico, Psiquiatra, Professor-doutor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP, Psicodramatista, Membro-fundador da Sociedade de Psicodrama de São Paulo - SOPSP, Analista Junguiano, Membro-fundador da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica - SBPA, Membro da International Association for Analythical Psychology - IAAP. E-mail: <nairosvargas@gmail.com>

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