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Psico
versão On-line ISSN 1980-8623
Psico (Porto Alegre) vol.47 no.1 Porto Alegre 2016
https://doi.org/10.15448/1980-8623.2016.1.21765
ARTIGO ORIGINAL
http://dx.doi.org/10.15448/1980-8623.2016.1.21765
Funcionamento diferencial dos itens na Escala de Motivos para Evasão do Ensino Superior (M-ES)
Differential item functioning in the Higher Education Dropout Reasons Scale (M-ES)
Funcionamiento diferencial del ítem en la Escala de Razones para Deserción de la Educación Superior (M-ES)
Rodolfo A. M. Ambiel; Lucas de Francisco Carvalho; Thaline da Cunha Moreira; Aline Ribeiro Bacan
Universidade São Francisco. São Paulo, SP, Brasil
RESUMO
O estudo visou verificar a adequação da Escala de Motivos para Evasão do Ensino Superior via rating scale model e investigar a presença de funcionamento diferencial dos itens (DIF) de acordo com o tipo das instituições dos participantes da pesquisa, pública ou particular. Participaram da pesquisa 327 estudantes universitários, de universidades públicas e particulares, de todos os estados brasileiros, incluindo o Distrito Federal. As idades variaram entre 17 e 58 anos, sendo 80,1% do sexo feminino. O instrumento utilizado foi a Escala de Motivos para Evasão do Ensino Superior (M-ES). Os resultados apontaram que em relação à adequação do instrumento as análises foram satisfatórias e que houve a presença de funcionamento diferencial em alguns itens, sendo que a maior parte dos itens com presença de DIF tiveram como grupo privilegiado os alunos de instituição pública. Os resultados são discutidos de acordo com a literatura e novos estudos são sugeridos.
Palavras-chave: Funcionamento diferencial do item (DIF); Evasão escolar; Ensino superior.
ABSTRACT
The study aimed verify the adequacy of the Reasons for Higher Education Dropout Scale through rating scale model and investigated the presence of items differential functioning (DIF) according to the type of institutions of research participants, public or private. The participants were 327 college studants from public and private universities from all Brazilian states, including the Federal District. The ages ranged from 17 to 58 years and 80,1% were female. The instrument used was the Reasons for Higher Education Dropout Scale. The results showed that the analyzes appropriateness of the satisfactory and that there was the presence of items differential functioning some items of the scale with most of the items with the presence of DIF had a privileged group of the public institution students. The results are discussed according to the literature and studies are suggested.
Keywords: Differential items functioning (DIF); Student dropouts; Higher education.
RESUMEN
El objetivo del estudio fue comprobar la adecuación de la Escala de Razones para Deserción de la Educación Superior a través de calificación maqueta e investigar la presencia de funcionamiento diferencial de los ítems (DIF) de acuerdo con el tipo de instituciones de participantes en la investigación, públicas o privadas. Los participantes fueron 327 estudiantes de las universidades públicas y privadas de todos los estados brasileños, incluyendo el Distrito Federal. Las edades oscilaron entre 17 a 58 años, y el 80,1% eran mujeres. El instrumento utilizado fue la Escala de Razones para Deserción de la Educación Superior (M-ES). Los resultados mostraron que comparado de la idoneidad de los análisis de instrumentos fueron satisfactorios y que no había presencia de funcionamiento diferencial del ítem en algunos artículos, con la mayoría de los elementos con la presencia de DIF tenían un grupo privilegiado de los estudiantes de instituciones públicas. Los resultados se discuten de acuerdo con la literatura y se sugieren nuevos estudios.
Palabras clave: Funcionamiento diferencial; Deserción escolar; Educación superior.
Introdução
O ensino superior no Brasil tem crescido consideravelmente ao longo dos últimos anos, seja na quantidade de cursos, alunos ou até mesmo de instituições de ensino (Bardagi & Hutz, 2009; Neves, 2012). Segundo dados apresentados em relatórios do Censo de Educação Superior, em 1991 as matrículas totalizavam pouco mais de 1.500.00, sendo que em 2007 esse número chegou próximo a 5.000.000 e em 2011, foi computado um total de 7.037.688 matrículas em mais de 30.000 cursos distribuídos em 2.416 instituições de ensino superior (IES-INEP, 2012). Ainda de acordo com o Censo da Educação Superior, em 2011 foi registrada uma proporção de 12,6% de IES públicas e 87,4% de particulares, sendo que essas últimas concentram a maioria dos estudantes universitários do Brasil (INEP, 2012).
Outro aspecto que se observa é o aumento de vagas nas IES privadas e públicas reservadas para alunos que contemplam perfis sócio-econômico e étnicos considerados público-alvo dos programas governamentais, oferecidos para o ingresso na educação superior. Nas IES privadas o Programa Universidade para Todos (Prouni) considera aspectos sociais e econômicos dos interessados (Tontin & Walter, 2014) e nas IES públicas este quadro também é apresentado agregando a diversidade racial e étnica como fatores de seleção dos ingressos (Batista, 2015).
Segundo Felicetti e Fossatti (2014) apesar do aumento de IES nos últimos anos a quantidade de candidatos ainda é maior do que o número de vagas oferecidas. Ao lado disso se observa que as vagas oferecidas não são todas preenchidas indicando um desajuste nas estatísticas estudadas. Para os autores esse impasse pode ocorrer por diversos fatores, como por exemplo, os candidatos não obterem a nota mínima para o ingresso no curso ou entrarem na graduação e abandonarem algum tempo depois.
Assim, a evasão é um problema que atinge todas as instituições de ensino, sejam elas públicas ou particulares e de todos os níveis de ensino. A não finalização do curso e seu respectivo abandono gera uma perda coletiva, pois todos os envolvidos sejam eles alunos, instituição, professores, governo e a sociedade em geral são prejudicados pelo investimento que não resultou em uma formação, pelo tempo despendido sem alcançar o objetivo, entre outras perdas que podem ser acadêmicas, econômicas e sociais (Lobo, 2012). A evasão no ensino superior ainda pode ser distinguida em dois conceitos, que são a evasão do curso, que se trata do abandono do curso sem concluí-lo, mas podendo o aluno se matricular em outro, e a evasão do sistema, que diz respeito à saída do estudante do sistema universitário (Morosini et al., 2011). Os dados sobre evasão do ensino superior no Brasil, embora escassos, informam que entre os anos de 2001 e 2005 a taxa anual média de evasão foi de 22%, sendo de aproximadamente 26% nas IES particulares contra 12% nas públicas (Silva Filho, Montejunas, Hipólito, & Lobo, 2007).
Considerando os problemas potenciais e reais que a evasão pode causar tanto no nível individual quanto no institucional ou social, alguns autores têm se preocupado em compreender quais os motivos pelos quais os estudantes optam pela evasão. Tinto (1975; 1997) é um autor estadunidense que dedica-se a essa temática e em seus estudos encontrou dados mostrando que uma má integração do estudante ao contexto universitário, tanto do ponto de vista acadêmico, quanto social, é um importante fator que pode levar à evasão. Complementando, Demetriou e Schmitz-Sciborski (2011) apontam que, para além da adaptação acadêmica, a condição socioeconômica familiar também pode ser um fator imbricado na decisão de evadir do curso.
No Brasil, alguns estudos foram encontrados tratando da temática e, de forma específica, abordando estudantes de IES públicas e particulares. Por exemplo, Cavalcanti, Lima, Marques, Alves e Granville-Garcia (2010) e Barlem et al. (2012) realizaram estudos em universidades públicas e concluíram que a dificuldade de acessar esse tipo de IES parece fazer com que os alunos, ainda que insatisfeitos com os cursos, permaneçam, seja por medo de ter que passar pelo processo seletivo novamente ou pelo reconhecimento social e familiar que um diploma em uma IES pública pode conferir. Por outro lado, Castro e Teixeira (2013) mostram que os suportes familiar e social podem atuar como fatores de proteção à evasão. Já em relação à IES particulares, Silva (2013), encontrou dados mostrando que reprovações, pendências financeiras e aumentos na mensalidade são fatores associados à decisão de evadir.
Apesar da importância da evasão e do impacto nas IES pouco é realizado para lidar com esse problema. Verifica-se que as IES privadas apresentam investimentos volumosos em estratégias mercadológicas para atrair novos alunos, porém estas ações não são proporcionais aos recursos monetários disponíveis para incentivar a manutenção dos alunos ingressantes. Este cenário justifica as falhas das IES particulares em relação a incorporação de processos e programas institucionais com o objetivo de determinar causas influenciadoras, ações de controle e estratégias para minimizar a problemática (Silva Filho, Montejunas, Hipólito, & Lobo, 2007). Baggi e Lopes (2010) apontam a importância da integração entre a evasão, qualidade de ensino e avaliações institucionais com o intuito de promover a exploração acadêmica dos envolvidos no processo de gerenciamento das políticas institucionais e evidenciar a problemática nas IES particulares e públicas.
De acordo com Barlem et al. (2012), a escolha por uma trajetória acadêmica é um momento marcante na vida de uma pessoa e envolve sentimentos de expectativas, questionamentos e aflições, pois se configura em várias mudanças através de um processo decisório que resulta em uma percepção sobre o curso pretendido. Diante deste panorama, apresenta-se necessário estudos mais consistentes sobre os fatores influenciadores da evasão e sua relação com os aspectos psicológicos e comportamentais dos estudantes das IES privadas e públicas no Brasil.
Nesse sentido, e considerando a problemática que é a evasão e a importância de se estudar os motivos envolvidos na decisão de deixar o curso superior, Ambiel (2015) elaborou um instrumento com o objetivo de avaliar os motivos potencias que podem influenciar a decisão de abandonar o curso superior, que foi denominado de Escala de Motivos para Evasão do Ensino Superior (M-ES). O instrumento, que foi construído com base em estudos nacionais sobre evasão e em relatos de experiências de alunos ativos e evadidos, conta com estudos de estrutura interna, que apontou a existência de 7 componentes com precisão variando entre 0,79 e 0,93, além de análise dos itens pelo modelo de Rasch.
Assim, nota-se que a evasão é um tema complexo e que compreender os motivos envolvidos na decisão de abandonar o curso é algo pertinente para que estratégias sejam pensadas para lidar com este problema. Ainda algo que deve ser considerado é quanto ao tipo de instituição, uma vez que entre IES públicas e particulares motivos diferentes podem estar envolvidos na decisão de evadir. Com isso, o presente estudo tem como objetivo verificar a adequação do instrumento via rating scale model e investigar a presença de funcionamento diferencial dos itens de acordo com o tipo das instituições dos participantes da pesquisa, sendo ela pública ou particular. Ressalta-se que o rating scale é um modelo com base na Teoria de Resposta ao Item (TRI), derivado do modelo de Rasch. O modelo Rasch estima os itens de acordo com a intensidade no traço latente medido, calculando o parâmetro b (dificuldade do item), sendo conhecido também como modelo de 1 parâmetro (Embretson & Reise, 2000). Especificamente, o rating scale é um dos modelos que possibilita a análise de itens politômicos (Wright & Masters, 1982), presentemente utilizado.
Método
Participantes
Participaram desta pesquisa 327 estudantes universitários, sendo a maioria do sexo feminino (80,1%), com idades entre 17 e 58 anos, com média de 25,4 e desvio-padrão de 7,6. Quanto à instituição de ensino, 205 pessoas (62,7%) eram de instituições particulares e 122 pessoas (37,3%) de instituições públicas. Os participantes foram provenientes de todos os estados brasileiros, incluindo o Distrito Federal. O estado de São Paulo contribuiu com 167 pessoas (51,1%), o Paraná com 56 pessoas (17,1%), Minas Gerais 26 pessoas (7,9%) e Bahia com 24 pessoas (7,3%), os estados do Acre, Alagoas, Amazonas, Maranhão, Pará, Rondônia, Rio Grande do Norte, Sergipe e o Distrito Federal contribuíram com apenas um participante cada.
O critério de inclusão dos participantes na amostra era que o mesmo fosse, no momento da pesquisa, estudante de ensino superior, independente do curso, semestre ou tipo de instituição. Dessa forma, a amostra original de 336 pessoas, sete informaram ser estudantes de pós-graduação e duas já terem concluído a graduação e foram excluídas do banco de dados para as análises.
Instrumento
O instrumento utilizado nesta pesquisa foi a Escala de Motivos para Evasão do Ensino Superior (M-ES) de Ambiel (2015), que visa avaliar os potenciais motivos que podem influenciar a decisão de uma pessoa em deixar o seu curso superior. O instrumento de autorrelato é composto por 65 itens, com chave de resposta em formato Likert de 5 pontos, em que cada motivo é avaliado em 1 "muito fraco" e 5 "muito forte", sendo 2 a 4 uma variação entre os extremos. Os itens são divididos em sete fatores, que são: Motivos Institucionais; Motivos Pessoais; Motivos relacionados à Falta de Suporte; Motivos relacionados à Carreira; Motivos relacionados ao Desempenho Acadêmico, Motivos Interpessoais e Motivos relacionados à Autonomia.
Procedimentos
Este estudo é parte de um projeto maior, devidamente avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade São Francisco (CAAE: 21887613.7.0000.5514). A coleta de dados foi realizada por meio eletrônico, sendo o instrumento disponibilizado pela ferramenta de formulários do Google Drive. Na primeira página constava o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), no qual os participantes que fornecessem seus dados e clicassem em "concordo" dariam continuidade para participar da pesquisa. Após a montagem da escala na ferramenta online, o link da pesquisa foi divulgado via e-mail e pelas redes sociais, juntamente com uma descrição dos objetivos do estudo e do público-alvo, ficando disponível entre novembro e dezembro de 2013. O tempo médio para responder a escala foi de 20 minutos.
Análise de dados
Após a coleta dos dados, estes foram tabulados em planilha eletrônica e abertos no software Winsteps. O banco para realização das análises no software foi desenvolvido via o próprio programa, que apresenta essa função. Considerando os objetivos deste estudo, os parâmetros dos itens e das pessoas foram calculados a partir do rating scale model, além disso, a unidimensionalidade do conjunto de itens (via análise de resíduos por componentes principais; Swaminatham & Hambleton, 1985) e o funcionamento das categorias de resposta também foram investigados. Ressalta-se que a unidimensionalidade foi investigada, já que a análise de conjuntos de itens unidimensionais é um pressuposto do modelo matemático utilizado. Por último, a análise de DIF for procedida. Todas as análises foram realizadas pelo uso do software Winsteps.
Resultados
Considerando os objetivos da pesquisa, inicialmente foi verificado o pressuposto de unidimensionalidade de cada um dos fatores da M-ES por meio da análise de resíduos por componentes principais. A Tabela 1 apresenta os dados referentes aos eigenvalues e porcentagem de variância, tanto para o montante explicado por cada fator quanto para o montante não explicado. Utilizou-se como critério o ponto de corte estabelecido por Linacre (2009), qual seja, os contrastes não devem apresentar eigenvalue superior a 2, sugerindo que não apresentam expressividade o suficiente para serem considerados como uma segunda dimensão. Na tabela estão apresentados os eigenvalues somente do primeiro contraste, pois dos demais contrastes em cada fator o número obtido sempre foi inferior a 2.
Pode-se observar que a maior parte dos fatores não apresentou resíduos considerados como expressivos (Linacre, 2009), contudo, os dois primeiros fatores ultrapassaram de maneira marginal o ponto de corte utilizado (2,0). Considerando que o ponto de corte estabelecido não foi atingido pelos dois primeiros fatores, mas, ainda assim, os eigenvalues ficaram marginalmente próximos ao critério, optou-se por considerar também esses conjuntos de itens como prioritariamente unidimensionais, já que evidências nesse sentido já foram angariada anteriormente (Ambiel, 2015). Entretanto, os dados encontrados para esses dois casos devem ser ponderados de acordo com os dados aqui descritos. A partir disso, deu-se prosseguimento às análises investigando-se o funcionamento das categorias de resposta de cada fator da M-ES. Essa análise permite observar se as categorias na escala Likert proposta para o teste obtiveram um funcionamento minimamente adequado. A Figura 1 fornece dados ilustrativos acerca das categorias de resposta das dimensões da M-ES.
Estão apresentadas as categorias de resposta dos itens nos sete fatores da M-ES. No eixo x observa-se a escala de theta (nível dos respondentes no traço latente) e no eixo y a probabilidade de resposta dos participantes nos diferentes níveis de theta (na figura, a média de b está centrada em zero). Observa-se também na figura as probabilidades de endosso dos participantes em cada uma das categorias de resposta e suas distribuições nos diferentes níveis de theta para um item bi= 0 (isto é, nível médio de dificuldade igual a zero). A intersecção entre duas categorias pode ser interpretada como o valor limiar (threshold) de transição entre essas categorias. Entre os fatores do instrumento, somente ocorreu sobreposição das curvas em um caso específico, qual seja, a categoria 2 do fator 2, de modo que essa categoria de resposta não apresentou região na escala de theta (eixo horizontal) na qual seria a mais provável. Por um lado, esse dado sugere que os respondentes, de modo geral, utilizaram adequadamente as categorias de resposta nos diferentes fatores, por outro, que os participantes não utilizaram, em alguns casos, adequadamente a categoria 2 especificamente do fator 2, de modo que há indicativos de que não há uma diferenciação clara entre a categoria 2 e as demais categorias (especificamente, 1 e 3).
Além da análise visual das categorias de resposta, é também de relevância investigar se há uma evidente progressão na escala theta na passagem entre uma categoria de resposta e outra. Verificou-se que a progressão dos níveis de theta à medida que a escala Likert aumenta é evidente para todos os fatores da M-ES, o que é esperado e demonstra que quanto maior o nível de theta, maior a probabilidade do sujeito escolher uma categoria de resposta mais alta.
Na Tabela 2 estão apresentadas as estatísticas descritivas sumarizadas dos traços latentes (theta) dos respondentes, seus respectivos índices de ajuste (infit e outfit) e o número de itens respondidos em cada um dos fatores da M-ES. Além disso, essa tabela sumariza os dados descritivos para os itens, isto é, o nível de dificuldade, os índices de ajuste, a correlação item-theta, e os índices de fidedignidade (real e (modelado)).
No geral, o nível médio (ΣX(θ ) = -0,54) do traço latente nos fatores sugere que os itens tenderam ao não endosso pela amostra, sendo que somente o fator 2"Motivos Pessoais" obteve um valor positivo na média de theta. O fator com a menor média de theta (-1,25) foi o Fator 6 "Motivos Interpessoais", indicando que os itens componentes foram os menos endossados pelos participantes. Embora a média do nível no traço latente dos participantes tenha sido baixa, observou-se variabilidade de pontuação em todas as escalas, sugerindo que a amostra é composta por pessoas com níveis de intensidade distintos em relação aos seus motivos potenciais para evadir. Para realizar essa inferência assume-se que as pontuações observadas, mais brandas ou mais extremas, são indicativas do nível de funcionamento dos sujeitos no que se refere aos motivos para evasão.
Em relação aos participantes, por meio dos índices de ajuste, infit e outfit, foram verificadas discrepâncias entre os valores esperados e observados em relação à estimação dos thetas dos respondentes. Esses valores tenderam a ser adequados (Linacre, 2009), uma vez que a média foi abaixo de 1,3 para todas as escalas. Entretanto, foram encontrados valores máximos dos índices de ajuste superiores a 1,3, sugerindo discrepâncias para além do esperado pelo modelo para alguns sujeitos. Ao lado disso, o índice de fidedignidade das estimativas de theta calculado pelo modelo de Rasch variou entre 0,76 e 0,93 (real) e 0,84 e 0,94 (modelado). Esses índices podem ser considerados como satisfatórios (Embretson, 2000).
Na continuidade, são apresentados os resultados relativos ao funcionamento diferencial dos itens (DIF), de acordo com a categoria administrativa das instituições dos participantes da pesquisa (pública ou particular). Foram utilizados dois critérios distintos para considerar a existência ou não de DIF nos itens, considerando que não há consenso sobre esse ponto (Du, 1995; Primi, Carvalho, Miguel, & Silva, 2010). Um dos critérios foi o de Draba (1977), que estabelece a presença de DIF em itens cuja diferença entre as dificuldades dos itens refletem um escore t igual ou superior a 2,4. O outro critério é o proposto em alguns trabalhos (Linacre, 2009; Tennant & Pallant, 2007), que compreende a presença de DIF de acordo com o logit, isto é, ocorrerá o DIF quando a diferença entre as dificuldades de um mesmo item para dois grupos distintos for igual ou superior a 0,5. A Tabela 3 apresenta os dados relativos ao DIF.
Observa-se que a Tabela 3 é composta por 5 colunas, sendo a primeira relativa aos itens que apresentaram DIF, a segunda e a terceira referente ao nível de dificuldade (b) apresentado por cada grupo, a quarta apresenta o valor de t e a quinta o grupo que foi privilegiado pela ocorrência do DIF. Vale notar que a tabela está também dividida por fatores da M-ES, sendo que o fator que apresentou mais itens com DIF foi o terceiro (6 itens) e os fatores 4 e 5 não apresentaram itens que atingissem critério para DIF. Além disso, a maior parte dos itens com ocorrência de DIF, tiveram como grupo privilegiado o de instituição pública. De acordo com Linacre (2009), a presença de DIF indica que um segundo fator, que não o principal construto avaliado, teve influência na resposta do indivíduo a um determinado item.
No que se refere ao nível de dificuldade apresentada por cada grupo, alguns itens com menor dificuldade merecem um destaque. Dos itens que privilegiaram a instituição pública, podem ser elencados o item que compõem o fator 1 de Motivos Institucionais com valor b de -1,37 (Os professores não serem comprometidos com a instituição) e o item do fator 3 de Motivos relacionados a Falta de Suporte, com o valor b de 1,14 (Minha família não concorda que eu estude e trabalhe ao mesmo tempo). No grupo de instituição particular os itens que se destacaram com menor dificuldade foram os referentes ao fator 3, com valores b de -1,12 (Dificuldades financeiras para pagar o curso) e valor b de -0,13 (Precisar deixar de trabalhar para ter tempo de fazer os estágios).
Discussão
O presente estudo teve como objetivo verificar a adequação da Escala de Motivos para Evasão do Ensino Superior (M-ES) via rating scale model e investigar a presença de funcionamento diferencial dos itens de acordo com o tipo das instituições dos participantes da pesquisa, sendo pública ou particular. A proposta de realizar tal investigação se deu pelo fato de que, para além da estrutura psicométrica da M-ES, é necessário se conhecer seu potencial para identificar os motivos de estudantes de diferentes tipos de IES, tendo em vista que ainda, no Brasil, há uma carência de pesquisas que demonstre a diferença nos motivos e na própria decisão de evadir dos alunos de instituições públicas e privadas. Assim, o estudo sobre a evasão é pertinente considerando os prejuízos que esta decisão pode acarretar, atingindo o estudante, a família, a universidade e a sociedade de forma geral (Lobo, 2012). Cabe ressaltar que, embora o objetivo não tenha sido testar ou confirmar a estrutura fatorial da M-ES, os parâmetros psicométricos analisados foram bastante satisfatórios (Linacre, 2009; Ambiel, 2015).
A análise de DIF é de grande importância, uma vez que permite identificar fatores que podem enviesar os resultados do teste, o que prejudica a sua utilização (Sisto, 2006). Com isso, os resultados deste trabalho permitiram verificar a ocorrência de DIF nos itens da M-ES, sendo que dos sete componentes da escala, cinco apresentaram ao menos um item com funcionamento diferencial. Além disso, verificou-se que o grupo privilegiado com o maior número de itens com DIF foi o de universidade pública. É importante relembrar que, neste contexto, o grupo privilegiado é aquele que demonstrou endossar ou concordar mais facilmente com determinado item, ou seja, que o grupo privilegiado tem maior probabilidade de concordar com o motivo relatado no item em questão. E isso é um indicativo de que aquele item tem um funcionamento diferencial entre os grupos comparados (Linacre, 2009).
Dentre os itens que apresentaram DIF, os que tiveram como grupo privilegiado as instituições particulares, trazem no conteúdo dos itens basicamente questões relacionadas à dificuldade financeira, o que indica uma problemática típica de estudantes de universidade particular, uma vez que ele é responsável pelo custo com o curso e muitas vezes pelo próprio sustento e, ainda a dificuldade de conciliar o estudo com o trabalho. Esse resultado está de acordo com os achados de Silva (2013), que aponta sobre o peso das questões financeiras na decisão de estudantes de universidades particulares de abandonar a graduação.
No que se refere aos itens que apresentaram DIF e tiveram como grupo privilegiado os estudantes de instituições públicas, observa-se que o conteúdo desses itens versam sobre problemas relacionados à própria instituição, que pode se referir tanto a estrutura física como também acadêmica e a falta de suporte, principalmente o familiar. A este respeito, verifica-se que os alunos de instituições públicas são aqueles que tendem a passar por uma mudança de cidade para fazer o curso escolhido, o que resulta em uma necessidade de suporte da família, tanto no quesito financeiro como também emocional durante todo o período do curso. Esses resultados se assemelham ao que Castro e Teixeira (2013) identificaram na pesquisa que realizaram com estudantes de uma universidade pública, em que o suporte da família esteve presente durante todas as decisões tomadas durante a trajetória acadêmica, influenciando também no momento de evadir ou não do curso superior.
Assim, verifica-se que o fator que mais apresentou itens com DIF foi o de Motivos relacionados à Falta de Suporte que está diretamente ligado as decisões de abandonar o curso superior. A falta de suporte tanto pode estar relacionada às questões financeiras, que neste estudo mostraram-se como prioritárias para estudantes de IES particulares; como ligadas ao suporte familiar, desta forma se tornam itens que tendem a ser respondidos mais facilmente por estudantes de universidades públicas. Tais resultados também podem ser comparados com os achados anteriores de Cavalcanti et al. (2010), Barlem et al. (2012), Castro e Teixeira (2013) e Silva (2013), que apresentaram resultados diferentes nas respectivas amostras no sentido dos achados deste estudo. Contudo, é importante notar que os estudos referenciados anteriormente não tiveram como objetivo comparar motivos de estudantes de IES públicas e particulares, mas realizar levantamentos para identificar os motivos mais proeminentes em cada contexto.
Nesse sentido, tal como preconizado por Tinto (1977; 2007) e Demetriou e Schmitz-Sciborski (2011), sendo as instituições responsáveis pela formação dos estudantes, deveriam também estar atentas às suas necessidades e oferecer intervenções ou possibilidades para que possam buscar alternativas para a continuidade nos cursos. Em concordância, Silva Filho et al. (2007) e Baggi e Lopes (2010) indicam que avaliações institucionais sistemáticas poderiam facilitar o mapeamento e identificação de alunos com potencial para evasão e, por conseguinte, disparar estratégias para manutenção ou, ao menos, recondução do aluno para novas oportunidades educacionais, favorecendo sua formação. Dessa forma, os resultados deste estudo podem proporcionar subsídios para a formulação de programas de apoio aos estudantes, considerando as especificidades das amostras de cada grupo.
Considerações Finais
Um dos objetivos deste trabalho foi verificar a presença de funcionamento diferencial dos itens considerando o tipo de instituição dos estudantes. De forma geral, pode-se observar que houve a presença de DIF em alguns itens da escala, além disso, foi possível identificar uma coerência entre o conteúdo dos itens que apresentaram tal funcionamento com o público privilegiado, levando em conta a literatura apresentada. Quanto a este resultado, deve-se ressaltar a importância da análise do DIF que permite identificar fatores que podem tendenciar os resultados apurados, contribuindo para a apresentação de dados reais e consistentes com a pesquisa. No que se refere à adequação do instrumento, tendo em vista as análises realizadas e critérios considerados, nota-se que a escala obteve resultados considerados apropriados e satisfatórios.
Assim, as principais contribuições deste trabalho se deram em relação à verificação da adequação da Escala de Motivos para Evasão do Ensino Superior e especificamente quanto a presença de DIF nos itens. No entanto, apesar dos resultados apresentados serem pertinentes, deve-se ressaltar que dentre as limitações, destaca-se a amostra relativamente pequena e principalmente a falta de balanceamento entre as quantidades de pessoas em cada grupo, bem como em relação ao sexo dos participantes. Para o futuro, sugere-se que novas pesquisas sejam realizadas, com amostras mais representativas, que busquem investigar o funcionamento diferencial dos itens considerando o sexo dos participantes e, abordar outros temas que explorem o tema da evasão de forma que possa proporcionar estudos que auxiliem a combater e a lidar com a problemática em questão.
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Recebido em: 01.09.2015
Aceito em: 20.01.2016
Endereço para correspondência:
Rodolfo Augusto Matteo Ambiel
Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, 45 – Centro
13251-900 Itatiba, SP, Brasil
Autores:
Rodolfo Augusto Matteo Ambiel – Doutor, Universidade São Francisco.
Lucas de Francisco Carvalho – Doutor, Universidade São Francisco.
Thaline da Cunha Moreira – Mestranda, Universidade São Francisco.
Aline Ribeiro Bacan – Especialista, Universidade São Francisco.