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Journal of Human Growth and Development
versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598
Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. v.15 n.1 São Paulo abr. 2005
PESQUISA ORIGINAL RESEARCH ORIGINAL
Promoção de habilidades sociais em pré-escolares
Promotion of social skills promotion in preschool children
Caroline G. De SalvoI; Ingrid H. K. MazzarottoII; Suzane S. LöhrIII
IAcadêmica do curso de Psicologia da Universidade Federal do Paraná. Autor responsável por correspondências. Rua Sudão, 196. Curitiba-PR. 82960-150. e-mail: carolineguisantes@yahoo.com.br
IIAcadêmica do curso de Psicologia da Universidade Federal do Paraná
IIIPsicóloga, Doutora em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo. Professora Adjunta da Universidade Federal do Paraná, Departamento de Psicologia- Praça Santos Andrade, 50 / 1º andar- Curitiba-PR - 80060-000. Centro Universitário Positivo
RESUMO
A promoção de habilidades sociais nas relações da criança, a um nível preventivo, proporciona o desenvolvimento e melhoria da competência social, resultando em maior adaptabilidade ao meio social. Esta pesquisa teve por objetivo verificar a eficácia de um programa preventivo de desenvolvimento de habilidades sociais em crianças de 4 a 6 anos e seus pais. Os resultados refletem o desempenho de 9 crianças, de ambos os sexos, com idade entre 5 e 6 anos. Como instrumento de análise utilizou-se o Child Behavior Check-List (CBCL), respondido pelos pais em relação aos comportamentos dos filhos, antes e após a participação do programa. A partir desta análise, foi possível observar que existe uma diferença estatística entre os resultados do CBCL pré e pós-intervenção, indicando mudanças na percepção dos comportamentos das crianças pelos pais e provável aumento dos comportamentos facilitadores de interação social.
Palavras-chaves: Habilidades sociais. Programas preventivos.
ABSTRACT
Social skills promotion in the child's relationships, in a preventive level, provides the development of and improvement in social competence, resulting in greater adaptability to the social environment. This research aimed to verify the effectiveness of a preventive program of social skills development in children between 4 and 6 years old and their parents. The results reflect the performance of 9 children of both sexes, with age between 5 and 6 years. CBCL (Achenbach, 1991) was used as the analysis instrument, answered by parents about the children's behaviors, before and after the participation in the program. Based on this analysis, it was possible to observe that there is a statistical difference between CBCL results before and after intervention, indicating changes in parents' perception about their children's behaviors and the probable increase in behaviors that facilitate social interaction.
Key words: social skills, preventive programs.
INTRODUÇÃO
Durante muito tempo, o foco das pesquisas sobre desenvolvimento da criança e do adolescente foi o comportamento anti-social e outros aspectos negativos do comportamento. Atualmente, vem crescendo o interesse pelo estudo de natureza positiva do comportamento da criança e do adolescente, como os comportamentos pró-sociais1. Neste sentido, a psicologia tem se voltado com maior freqüência para trabalhos preventivos uma vez que o conhecimento psicológico pode auxiliar a identificar dificuldades futuras, propondo intervenções e evitando problemas que possam vir a se instaurar2, 3, 4. Dentre as diversas razões para a existência de trabalhos preventivos, duas são fundamentais: 1- resultados mais positivos a longo-prazo; 2- menores custos, o que torna viável para o Estado e a sociedade o financiamento de tais medidas5.
A sociedade ocidental não está habituada com trabalhos preventivos, o que pode levar a um agravamento das situações, antes da busca de ajuda. Existe ainda uma cultura de procura por atendimento, não só psicológico, mas também médico, odontológico, etc. somente após o problema estar instaurado. Este tipo de cultura impossibilita a atuação em prevenção primária nas comunidades, pois há baixa adesão a intervenções deste tipo6. Ainda assim, os programas preventivos têm se mostrado uma estratégia eficiente para interromper a progressão do comportamento anti-social e /ou desenvolver comportamentos pró-sociais2.
Muitos programas preventivos5,7, 8 voltam-se para crianças pré-escolares ou em seus anos iniciais na escola, já que muitas crianças têm seus primeiros contatos sociais com pares fora do ambiente familiar com a entrada na escola. Este é um dos fatores que contribui para que esta fase do desenvolvimento tornar-se foco de projetos voltados à prevenção primária em psicologia preventiva9,7,10. Alguns projetos que procuram atender a criança de forma integral, propondo ações dirigidas aos principais contextos em que esta vive: família, escola e pares. Para Ingberman11, o trabalho conjunto entre criança, pais e escola permite uma maior adaptabilidade das crianças às exigências da sociedade, já que propicia mais contextos onde os comportamentos adequados possam ser reforçados. Um exemplo de trabalho no Brasil nesta direção é o de Melo5 no qual a autora desenvolveu um projeto voltado a crianças da segunda série de uma escola pública, envolvendo as crianças, os pais e os professores em grupos de treinamento. As crianças e professores participaram de grupos semanais, sendo que o foco do trabalho com as crianças voltou-se para o desenvolvimento de habilidades sociais. Em um follow up de nove meses, os resultados alcançados na pós-intervenção ao final da participação no programa apontavam melhoras nos níveis de competência social, nas relações com pares sendo que as habilidades acadêmicas se mantiveram.
Um outro exemplo de resultados positivos decorrente de participação em programas é o programa preventivo realizado pelo Conduct Problems Prevention Research Group12 com crianças do jardim da infância, que envolveu pais, pares e professores das crianças. Este programa apontou para melhoras tanto no âmbito social como no afetivo e escolar das crianças. Cabe ressaltar que este programa procurou, por meio de treinamento em habilidades sociais, auxílio acadêmico, treinamento de pais e visitas domiciliares, desenvolver competências na família, o que provavelmente constitui um importante fator de manutenção dos ganhos, pois envolve diferentes contextos de convívio da criança. Outra pesquisa que encontrou resultados positivos a longo prazo foi a pesquisa longitudinal realizada por Hawkins e col.8 com adolescentes da quinta série de colégios norte-americanos, envolvendo orientação aos pais e professores dos participantes e treinamentos em competência social para os adolescentes. A pesquisa obteve resultados positivos imediatos, como maior compromisso e ligação com a escola e menos comportamentos inapropriados do que no grupo controle, sendo que a avaliação no follow up de seis anos pós-intervenção mostrou que esses adolescentes envolveram-se em menos atos delinqüentes, tiveram menores índices de gravidez precoce, obtiveram melhores notas escolares e tiveram menos evasão escolar. Webster-Stratton13 trabalhou com um programa de treinamento parental, no qual 296 famílias fizeram parte do grupo experimental. As mães receberam treinamentos com foco no uso de estratégias disciplinares positivas e o desenvolvimento de habilidades parentais efetivas. Após um ano, os resultados obtidos ainda se mantinham, sendo que as mães tornaram-se mais efetivas em suas práticas educativas; professores relataram que as mães pós-intervenção passaram a se envolver mais com a vida escolar das crianças, e essas se tornaram mais competentes socialmente. Em outro estudo, de Webster-Stratton e Hammond14, foi comparada a eficácia de treinamentos envolvendo crianças de 4 a 8 anos, seus pais ou ambos. Para o grupo infantil foram enfocados aspectos referentes ao desenvolvimento de habilidades sociais e habilidades para resolução de conflitos; no grupo de pais, o foco foi o desenvolvimento de habilidades interpessoais e práticas educativas efetivas. Os resultados apontaram para uma maior efetividade do treinamento envolvendo pais e crianças, sendo que este treinamento combinado foi o que obteve resultados mais significativos no follow up de um ano pós-intervenção.
Baseado no pressuposto de que crianças agressivas podem caminhar para comportamentos anti-sociais mais graves, o "Early Risers Program"15 é outro exemplo de programa preventivo. Nele, pais e crianças recebem treinamento de habilidades sociais, além de haver intervenções dirigidas aos professores e crianças. Participaram do programa 124 crianças avaliadas como de risco e suas famílias. Em follow up após dois anos da intervenção, ainda observavam-se melhoras em relação a desempenho escolar e comportamentos na escola. As crianças mais agressivas ainda mostravam mudanças em seus comportamentos de autoregulação, e os pais mantinham as mudanças em suas práticas educativas.
Como pode ser observado, nas pesquisas acima citadas, muitos projetos voltados à prevenção têm como um dos focos o desenvolvimento de habilidades sociais, já que estas têm sido relacionadas à melhor qualidade de vida, à realização pessoal e à profissional, além de ser um antecedente para comportamentos socialmente reforçadores 16,17. Bedell e Lennox18 revisaram uma variedade de estudos que demonstraram a efetividade do Treinamento em Habilidades Sociais em problemas conjugais, problemas de escolaridade, orientação vocacional, transtornos de ansiedade, dependência química, transtornos de personalidade, depressão e esquizofrenia. Entretanto, o treinamento em habilidades sociais não se destina apenas ao tratamento de problemas clínicos, uma vez que os comportamentos sociais inadequados também podem ser manifestados pela população não clínica19. Atualmente, os programas de aprendizagem de habilidades sociais focalizam-se no desenvolvimento máximo das capacidades pessoais e relacionais, bem como da generalização dessas aquisições para o contexto social do indivíduo20.
Segundo Hops21, o desenvolvimento social do indivíduo inicia-se no nascimento e o repertório de habilidades sociais torna-se mais elaborado ao longo da infância. Ao longo do seu desenvolvimento, o repertório da criança vai se transformando e se adaptando, de acordo com suas experiências e necessidades. No contexto familiar, por meio do modelo dos pais, as primeiras habilidades sociais são desenvolvidas e alguns valores culturais são reconhecidos como importantes fatores de competência social pela criança16;22. Assim, o contato com os pais estabelece as principais oportunidades para a criança pequena aprender habilidades e valores necessários a uma boa interação social. Posteriormente, na escola, ela irá avaliar as próprias habilidades, bem como sua aceitação no grupo, ao se comparar com os colegas20. Neste sentido, vários estudos23-32 têm correlacionado as práticas educativas adotadas pelos pais e o posterior desenvolvimento de comportamentos pró e anti-sociais. Engles e col.33 apontam que um dos antecedentes para o adequado desenvolvimento de habilidades sociais é um grande apego parental que se refletirá, no futuro, em bons relacionamentos com pares. Ao ingressar em um novo grupo social, a criança precisa adquirir novas habilidades9. Com a entrada na escola, a criança tem a oportunidade de construir novos conhecimentos e ampliar sua compreensão social16. Segundo Casares e Cabalo34, o relacionamento entre pares na infância, além de proporcionar oportunidades únicas na aprendizagem de habilidades específicas, contribui significativamente para o adequado desenvolvimento interpessoal da criança, sendo este um importante contexto onde as habilidades sociais se desenvolvem. Além disso, as interações com pares influem na construção do autoconceito da criança. O desenvolvimento de programas visando o desenvolvimento de habilidades sociais no próprio ambiente escolar aponta, portanto, para possibilidades concretas de um trabalho preventivo, já que estimula a competência social, a construção de relacionamentos positivos e condutas socialmente mais ajustadas9.
Falar em habilidades sociais pressupõe situações nas quais mais de uma pessoa esteja envolvida interagindo com outra. No caso de crianças, grupos de pares onde estas possam testar e aprender novas habilidades sociais. Assim, observa-se que os trabalhos em grupo são indicados para o desenvolvimento de habilidades sociais. Falcone17 aponta algumas vantagens de procedimentos para o desenvolvimento de habilidades pró-sociais em grupo: generalização mais rápida dos ganhos, maior variedade de ensaios comportamentais com maior número de pessoas, redução da ansiedade e aumento das habilidades; maior quantidade de feedback efetivo (reforço social); maior número de situações-problema e mais suporte para sua solução; maior disponibilidade de modelos múltiplos. Del Prette e Del Prette22 indicam ainda a maior oportunidade de o participante decidir entre diferentes tipos de respostas, maior envolvimento motivacional e maiores oportunidades de aprendizagem observacional.
Com o objetivo de estruturar e implementar grupos preventivos de desenvolvimento de habilidades sociais em pré-escolares surgiu, na Universidade Federal do Paraná, em 1999, um projeto de pesquisa e extensão direcionado a crianças das escolas públicas e municipais de Curitiba, com atendimento para as crianças, os pais e os professores. Este projeto foi inicialmente desenvolvido na própria clínica escola da instituição, onde se tinha maior controle de variáveis, possibilitando filmagens e observações diretas do comportamento das crianças e dos pais. Desta etapa mais controlada em que a pesquisa em clínica fornece subsídios para a intervenção, definiu-se o modelo do programa, composto por nove sessões semi-estruturadas de intervenção grupal com as crianças, acompanhadas de nove sessões de orientação a pais, abordando os mesmos temas do grupo de crianças. Na semana que precedeu o programa, os pais participaram com suas crianças de uma sessão em que desenvolviam jogos e atividades com a criança. Ao final do programa (após a nona sessão) novamente os pais e as crianças foram convidados para um encontro de jogos e brincadeiras envolvendo a díade. De 1999 até o presente momento já foram realizados dez grupos. A principal dificuldade encontrada foi a adesão ao programa por parte dos pais. Esta deveu-se tanto ao custo do deslocamento da criança e seu responsável até a clínica escola, quanto à crença de que se a criança não tinha nenhum problema clinicamente comprovado, não necessitando participar até o final em um projeto de caráter preventivo. Melo3 mostra a dificuldade da adesão ao tratamento por pais quando problemas clinicamente relevantes não são encontrados; como já salientado, vigora a cultura da procura de auxílio psicológico apenas quando os problemas aparecem e fogem ao controle dos pais. A baixa adesão dos pais ao programa foi solucionada a partir do desenvolvimento do projeto na própria escola no último grupo em 2003. Nesta ocasião, todos os pais que concordaram em participar do programa compareceram a todas as sessões previstas pelo projeto (100% de adesão).
Este artigo enfoca os resultados de três grupos de desenvolvimento de habilidades sociais, apresentando os resultados de dois grupos desenvolvidos na clínica-escola da UFPR e um na comunidade durante o ano de 2003. Consiste, pois, em um estudo da verificação da eficácia de um programa preventivo de intervenção, cujo objetivo foi aumentar a competência social das crianças participantes.
MÉTODO
Participantes
Os resultados discutidos a seguir refletem o desempenho de 9 crianças, de ambos os sexos, com idade entre 5 e 6 anos, 5 das quais participaram dos grupos realizados na clínica escola da universidade (Grupo A, 3 crianças, e Grupo B, 2 crianças); as outras 4 foram atendidas na sua escola de origem (Grupo C). A análise dos dados será feita em conjunto, pois ambos os grupos seguiram a mesma estruturação, descrita por Löhr7.
Instrumentos
Para analisar o comportamento das crianças antes e após a participação no programa, utilizou-se o Child Behavior Check-List (CBCL)35, respondido pelos pais em relação aos comportamentos dos filhos. O CBCL permite agrupar os resultados em dois âmbitos: 1- competência social e 2- problemas de comportamento. A competência social é agrupada em 3 escalas: atividade, sociabilidade e escolaridade. Os problemas de comportamento, por sua vez, são agrupados nas escalas internalização e externalização. A soma dos escores brutos obtidos em todas as escalas comportamentais leva ao Distúrbio total de problemas de comportamento. Os resultados ponderados no CBCL permitem classificar as crianças em: não clínica, limítrofe e clínica36. Para as escalas sociais, são considerados: clínicos - escores abaixo de 30; limítrofes - entre 30 e 33; e não clínico - acima de 33. Para as escalas comportamentais: clínico - acima de 70; limítrofe - entre 67 e 70; e não-clínico - inferior a 67. Para o escore Total: clínico - acima de 63; limítrofe - entre 60 e 63; e não-clínico - abaixo de 60.
Procedimento
As crianças, cada qual com um responsável (pai / mãe), participaram de onze encontros, dos quais o primeiro caracterizou-se como pré-intervenção e o último como pós-intervenção. Os Grupos A e B foram atendidos semanalmente na clínica escola da UFPR, em 11 semanas consecutivas, sendo cada encontro com duração de uma hora e trinta minutos. Nestes encontros, por meio de atividades lúdicas, as crianças foram levadas a experienciar e analisar situações envolvendo a temática das habilidades sociais; estas atividades exigiram gradativamente um repertório mais acurado das crianças, o qual foi se constituindo no decorrer das sessões. As atividades desenvolvidas junto às crianças focaram prioritariamente os trabalhos cooperativos em grupo, conforme descrição de Lohr7.
Ao mesmo tempo em que as crianças eram atendidas em grupo por uma terapeuta e uma co-terapeuta, em outra sala os pais das crianças recebiam sessões de orientação em grupo. Estas sessões de orientação seguiram a estruturação descrita por Lohr7 onde, por meio de discussões dirigidas e materiais de apoio desenvolvidos pela própria equipe, os pais foram levados a analisar as situações que vivenciam com seus filhos bem como, de forma conjunta, encontrar soluções para as questões levantadas.
O Grupo C se diferenciou dos outros por ter sido desenvolvido diretamente na escola das crianças. Nesse grupo, as sessões foram realizadas logo após as aulas, seguindo a mesma estruturação dos outros dois grupos.
Nos dois encontros pré e pós-intervenção, as mães ou responsáveis responderam o Child Behavior Check-List (CBCL), no qual pontuaram suas percepções sobre o comportamento dos filhos. Durante este período, as crianças eram levadas a uma sala de grupo com brinquedos, onde aguardavam os pais e tinham o primeiro e último contato respectivamente com as demais crianças.
Após o término do grupo, o CBCL foi corrigido em software específico e seus resultados submetidos à análise estatística.
RESULTADOS
A comparação dos escores do CBCL obtidos na pré e pós-intervenção em relação às escalas atividades e socialização, pode ser visualizado na Tabela 1.
Observa-se, de forma geral, que todas as médias da pós-intervenção são mais altas do que as da pré-intervenção. O ponto de corte, nas escalas atividade e socialização, para escores clínicos é de 30, ou seja, escores abaixo deste ponto de corte indicam que a criança precisa de atendimento psicológico. As crianças 1, 2 e 9, que no pré-intervenção estavam na faixa clínica, no pós-intervenção já se encontravam fora desta faixa. De forma geral, os escores da maioria das crianças subiram no segundo momento de avaliação.
Quanto às escalas de problemas internalizantes, externalizantes e total, indicadas pelo CBCL, estas podem ser observadas na Tabela 2.
Quanto aos escores internalizantes e externalizantes, o ponto de corte para escore não-clínico é de 67, ou seja, crianças que pontuam acima desta pontuação são consideradas clínicas. Observa-se assim, que algumas crianças foram consideradas clínicas no pré-intervenção. Porém, na pós-intervenção, nenhuma criança encontrava-se na faixa clínica. Na média, os escores da pós-intervenção foram mais baixos do que os da pré-intervenção, o que aponta para melhor desempenho social após a participação no programa de desenvolvimento de habilidades sociais. Quanto ao escore Total, o ponto de corte para escore clínico é de 60. No pré-intervenção, várias crianças encontravam-se na faixa clínica, ou seja, escore maior que 60. Já na pós-intervenção, apenas uma criança se encontrava na faixa clínica. Na média do grupo, o escore pré-intervenção estava na faixa clínica (61,11). Já na pós-intervenção a média do escore Total localizou-se na faixa não-clínica (55,22).
Os escores da pré e da pós-intervenção foram comparados, verificando-se o grau de significância estatística por meio do teste não-paramétrico Wilcoxon. Compararam-se os escores de cada escala separadamente, aceitando-se p d0,05. Os resultados podem ser observados na Tabela 3.
Os resultados comparando pré e pós-intervenção, descritos na Tabela 3, mostram que, nas cinco escalas avaliadas, houve diferença estatisticamente significativa dos resultados nos dois momentos de avaliação, ou seja, houve mudanças do primeiro para o segundo momento da avaliação.
DISCUSSÃO
Os dados obtidos foram analisados caso a caso, avaliando a percepção dos pais quanto à conduta de seus filhos antes e após a participação no programa voltado para o desenvolvimento preventivo de habilidades sociais, adotando o delineamento de sujeito único. A observação dos escores obtidos na avaliação antes da implementação do programa mostra que, embora o convite para a participação no mesmo tenha ressaltado a sua natureza preventiva, quatro das nove crianças obtiveram pontuação passível de classificação clínica em alguma das escalas. Assim, a afirmação de Melo5 e de Ribes4 quanto à busca de atendimento psicológico apenas quando problemas estão instaurados confirma-se em quatro dos nove casos. Quase metade das crianças que participaram do programa, embora não tivessem ainda sido encaminhadas para atendimento psicológico, emitiram comportamentos com freqüência, intensidade ou topografia, que poderiam, na seqüência, indicar necessidade de acompanhamento. Tal constatação leva-nos a refletir sobre o papel da prevenção na sociedade e se esta estaria disposta a engajar-se em ações preventivas. Bayes6 já destacou o quanto, muitas vezes, optamos pelo reforço a curto-prazo de comportamentos de risco, ao mesmo tempo em que deixamos de nos engajar em ações preventivas, uma vez que a conseqüência de ações preventivas é sentida apenas a longo-prazo.
A comparação dos escores no CBCL antes e após a participação no programa de desenvolvimento de habilidades sociais mostrou que, após a participação em sessões de desenvolvimento de habilidades sociais, a maioria das crianças foi percebida pelos seus pais como desempenhando mais comportamentos apropriados e pró-sociais do que antes de participar do mesmo; ou seja, parece ter havido aumento de comportamentos facilitadores de interação social.
Nas escalas de Atividade e Socialização - escalas componentes da primeira parte do CBCL referente à competência social -, todas as crianças tiveram escores mais altos ao término das sessões do grupo de atendimentos. Nas escalas de problemas internalizantes e externalizantes, componentes da segunda parte do CBCL, referente aos Problemas de Comportamento, todas as crianças tiveram decréscimo na pontuação, inclusive havendo casos em que, na pré-intervenção, a criança apresentava o escore equivalente ao de uma população clínica e, na pós-intervenção, apresentou um escore mais baixo, equivalente à população não-clínica. Pode-se perceber com isso que a intervenção no grupo de crianças e pais (combinada) em curto prazo teve efeitos positivos sobre o comportamento das crianças, colaborando para o aumento de atividades e socialização e para o decréscimo de comportamentos internalizantes e externalizantes. Este dado corrobora diversas pesquisas da área de psicologia13,14 que apontam para a efetividade de trabalhos combinados de intervenção com crianças e de orientações a pais.
Apesar das mudanças verificadas a curto-prazo, é necessário ainda um maior controle de follow up com as crianças participantes da intervenção para se verificar se a manutenção das mudanças persistem com o passar do tempo, como indicam outras pesquisas de caráter semelhante5,8,12,14. O atual formato do programa ainda não abarcou tal acompanhamento; porém, para os grupos de 2005, essa medida será implantada para verificar os ganhos, a lon-go prazo, da intervenção.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa teve por objetivo verificar a eficácia de um programa de prevenção de desenvolvimento de habilidades sociais em crianças de 4 a 6 anos e seus pais, partindo do pressuposto da necessidade do atendimento combinado de pais e crianças para maior efetividade do programa14. Envolver tanto pares quanto familiares (pais), permite abordar as relações das crianças nos principais âmbitos de relação interpessoal desta faixa etária. A promoção de habilidades sociais nessas relações, a um nível preventivo, proporciona o desenvolvimento e melhoria da competência social da criança, o que resulta em maior adaptabilidade ao meio social. O desenvolvimento de condutas socialmente mais adequadas se relacionam com a saúde mental, uma melhor qualidade de vida, realização pessoal e profissional, além de serem um antecedente para comportamentos reforçadores socialmente16,17. Daí a importância de projetos preventivos na área de desenvolvimento de habilidades sociais na infância que proporcionem e facilitem a aquisição dessas habilidades já em fases iniciais da vida.
O último grupo, desenvolvido em 2003, ampliou as possibilidades de intervenção, indo até a comunidade oferecer atendimento psicológico, pois uma das prioridades da psicologia é oferecer trabalhos diretamente na comunidade, em locais que apresentam grande carência de serviço psicológico mas onde este dificilmente chega36. No ano de 2004, em continuidade a esta proposta, o programa está sendo ampliado para atender uma turma inteira de pré-escola de uma comunidade carente. Esperamos, assim, estar abrindo novas frentes de trabalho e pesquisa em psicologia clínica-comunitária e auxiliando na democratização da psicologia no Brasil.
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Recebido em 19/11/2004
Modificado em 18/01/2005
Aprovado em 20/01/2005