Journal of Human Growth and Development
ISSN 0104-1282 ISSN 2175-3598
Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. v.15 n.3 São Paulo dez. 2005
PESQUISA ORIGINAL RESEARCH ORIGINAL
Conhecimento de mães primíparas sobre desenvolvimento infantil. um estudo em Itajaí, SC
Primiparous mothers' knowledge about child development. a study in Itajaí, SC
Anna K. SilvaI; Mauro L. VieiraII; Maria L. Seidl de MouraIII; Rodolfo C. Ribas Jr.IV
IMestre pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina
IIProfessor da Universidade Federal de Santa Catarina. Autor responsável para correspondência. Departamento de Psicologia. Campus Universitário - Trindade. 88049-900 - Florianópolis (SC). E-mail: mvieira@cfh.ufsc.br
IIIProfessora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
IVProfessor da Universidade Federal do Rio de Janeiro
RESUMO
A presente pesquisa teve como objetivo avaliar conhecimentos que mães primíparas têm ao longo de primeiro ano de vida de seu filho sobre o processo de desenvolvimento infantil. Participaram da pesquisa 109 mães primíparas, maiores de 18 anos, com filho ou filha de até um ano de vida e que viviam na cidade de Itajaí (SC). Para sua realização foi utilizado o KIDI (Knowledge of Infant Development Inventory) e para identificar o nível socioeconômico dos pais foi utilizada a Escala de Avaliação de Status Socioeconômico de Hollingshead. Através de análise estatística, foi verificado que fatores sócio-demográficos, tais como: escolaridade e ocupação da mãe estão correlacionados significativamente com seu conhecimento sobre cuidados parentais. Foi constatado que o maior conhecimento das mães é sobre cuidados parentais (crenças, estratégias e comportamentos dos pais). Conclui-se que o status socioeconômico é um fator importante na determinação do conhecimento da mãe sobre sua criança.
Palavras-chave: Mães primíparas. Desenvolvimento infantil. Contexto sócio-econômico. Crenças parentais.
ABSTRACT
The central focus of this study was to evaluate primiparous mothers' knowledge about parenting and child development throughout the first year of life of their children. Participants were 109 primiparous mothers, aged 18 years or older, living in Itajaí (Santa Catarina), with a child aged 1-12 months. The KIDI (Knowledge of Infant Development Inventory) was employed to evaluate mothers' conceptions of infant development and the Hollingshead Four Factor Index of Socioeconomic Status was used to evaluate the socioeconomic level of mothers' and their families'. Through statistical analysis it was verified that mothers' educational attainment and occupation correlated significantly with their knowledge on parenting and child development. The study revealed that mothers had more knowledge about parenting (beliefs, strategies and practices of the parents) when compared with other types of knowledge. The study concluded that the mothers' socioeconomic level is an important factor related to their knowledge about the child development.
Key words: Primiparous mothers. Child development. Socioeconomic context. Parental beliefs.
INTRODUÇÃO
Conhecimentos acerca do desenvolvimento infantil e da criação de filhos ocupam um papel central no sistema de crenças parentais e exercem influência significativa sobre o estabelecimento de interações entre pais e filhos e sobre o próprio desenvolvimento infantil1,2. Mães com maiores acessos a informações sobre crianças teriam maiores possibilidades de interagir de forma positiva com seus filhos3. Esses autores acrescentam também que mães com expectativas não realísticas tendem a experienciar problemas de relacionamento com os filhos, tais como conflitos e estresse.
A importância do conhecimento sobre desenvolvimento infantil pode ser verificado, por exemplo, na Convenção sobre os Direitos da Criança promulgada pela Organização para as Nações Unidas4. De acordo com essa convenção, os países devem assegurar que todos os setores da sociedade, especialmente os pais e as crianças, conheçam princípios básicos de saúde, nutrição e desenvolvimento infantil, incluindo, entre outros tópicos, higiene, saneamento e prevenção de acidentes.
O conhecimento parental, um tópico hoje amplamente estudado por pesquisadores interessados na psicologia parental, vem sendo definido como qualquer tipo de informação acerca de aspectos factuais do desenvolvimento humano e da criação de filhos (e.g., importância da amamentação para a saúde do bebê), que seja ou tenha sido endossada por membros da comunidade científica. Dessa forma, conhecimento parental pode ser diferenciado de outros tipos de cognições parentais, como valores e metas de socialização. Metas de socialização, por exemplo, não se referem a aspectos concretos ou factuais do processo de socialização, mas a objetivos ou metas finais que devem ou deveriam ser idealmente alcançados por esse processo1,5,6.
Bornstein et al.7 apresentaram uma ampla revisão dos estudos sobre conhecimentos parentais e verificaram que esse tipo de conhecimento pode ser classificado em três grandes áreas: (1) conhecimentos acerca do desenvolvimento infantil (e.g., idade mais provável para aquisição de habilidades como andar); (2) conhecimentos acerca de saúde e segurança (e.g., informações acerca de como promover a saúde das crianças e prevenir doenças e acidentes domésticos); e (3) conhecimentos acerca de como preencher necessidades físicas, sociais, emocionais e cognitivas das crianças.
Conforme observou Ribas1, estudos acerca de conhecimentos parentais têm fornecido informações importantes para governos e agências de saúde. Na Itália, por exemplo, Angelillo et al.8 estudaram conhecimentos de mães acerca de vacinação infantil e verificaram que a falta de conhecimento impede que mães italianas desempenhem um papel mais efetivo na erradicação de doenças que poderiam ser prevenidas com vacinas. Os autores anteriormente mencionados ponderaram que programas educacionais poderiam aumentar a colaboração dos pais e o nível de vacinação na Itália.
Nos Estados Unidos, Russell e Champion9 estudaram conhecimentos de mães acerca de prevenção de acidentes domésticos envolvendo crianças. Os autores verificaram, entre outros aspectos, que mães com maior nível de conhecimento acerca da prevenção de acidentes utilizavam mais práticas que promoviam a segurança em suas residências.
Nas Filipinas, Williams et al.10 investigaram expectativas de mães que viviam em ambiente rural e em ambiente urbano acerca do desenvolvimento infantil em três áreas (cognitiva; física, perceptual e motora; social). Entre outros aspectos, esses autores verificaram que mães que acreditavam que as aquisições da criança se dariam em idades menores tendiam a começar a implementar mais cedo uma variedade de atividades com seus filhos (e.g., conversar com os bebês, contar histórias, ler livros, ensinar o nome de cores).
Diversos estudos têm indicado a influência de variáveis socioculturais sobre os conhecimentos parentais. Em Israel, por exemplo, foi verificado que mães de classes populares acreditavam que o desenvolvimento das crianças dar-se-ia de forma mais lenta em comparação com a expectativa de mães provenientes de classes com melhores níveis socioeconômicos11. Em outra pesquisa, Sluckin et al.12 relatam que mães de classe média estão mais propensas a responder às vocalizações da criança com uma vocalização própria delas, enquanto que mães provenientes de classes populares estão mais propensas a tocar na criança. A explicação para esta possível diferença, apresentada por mães de classes diferentes, seria uma crença, por parte da mãe de classes populares, de que a criança não pode se comunicar com os outros e que, de qualquer modo, ela tem pouca influência a exercer em seu desenvolvimento, enquanto que as mães de classe média acreditam exercer grande influência no desenvolvimento de sua criança.
Um fator que vem sendo apontado como um importante preditor do conhecimento parental é o nível de escolaridade, conforme pesquisas realizadas nos Estados Unidos7,13 e no Brasil3,14. Ou seja, quanto maior o nível educacional da mãe, maiores possibilidades ela teria para obter informações sobre princípios e normas sobre desenvolvimento infantil e práticas parentais, além de orientações de como proceder sobre saúde e segurança de crianças.
Outras variáveis também parecem ter influência sobre o conhecimento parental, embora numa escala menor. Jacobs e Eccles15, por exemplo, verificaram a influência do sexo dos filhos na avaliação de mães de crianças com 11 a 12 anos. As mães avaliaram que meninos são mais competentes em matemática e em esportes do que as mães de meninas, enquanto que meninas foram consideradas mais competentes em habilidades sociais do que meninos.
Em termos teóricos, segundo Harkness e Super16 (p.218), a criança vivenciaria a cultura através da família, que atuaria como mediadora focal desta relação, pois "embora a criança e o meio ambiente sejam vistos como um sistema interativo, a família, como centro da vida humana inicial, é o foco mediador desta relação". Ao exercer essa função mediadora, a família assumiria um papel fundamental na promoção da saúde e do bem estar da criança.
Harkness e Super16,17 chegaram ao conceito de nicho de desenvolvimento através de estudos sobre o desenvolvimento infantil e as relações familiares. O nicho de desenvolvimento pode ser entendido como um sistema composto por três componentes básicos que atuariam de forma indissociável na criança em desenvolvimento: (1) o meio ambiente físico e social onde a criança vive (e.g., família nuclear, comunidade); (2) as normas e costumes culturalmente estabelecidos acerca de maneira adequada de cuidar de crianças (e.g., noções de saúde e infância); (3) a psicologia dos cuidadores das crianças (crenças pessoais, estilos de atribuição causal). Esses três componentes teriam a função comum de mediar a experiência individual da criança dentro de sua cultura. Assim, a construção de um ambiente propício para um desenvolvimento saudável da criança seria realizado por meio da família.
A partir desse modelo teórico, o objetivo central da presente pesquisa foi investigar a psicologia dos cuidadores sobre desenvolvimento infantil. Nesse sentido, conhecimentos parentais de um grupo de mães brasileiras residentes em uma cidade do litoral de Santa Catarina foi avaliado. Esses conhecimentos, de certa forma, refletem as normas e as crenças que são valorizados no contexto sócio-cultural em que essas mães estão inseridas. De modo mais específico, pretende-se descrever quais informações que mães primíparas têm sobre o desenvolvimento da sua criança, além de identificar se as variáveis sócio-demográficas (ocupação profissional, escolaridade e idade) da mãe são fatores que influenciam o seu conhecimento sobre desenvolvimento infantil. Também fazem parte dos objetivos da presente pesquisa investigar se a variável sexo da criança interfere no conhecimento que as mães tem sobre crianças e identificar se a mãe altera o seu conhecimento sobre desenvolvimento infantil à medida em que a criança ganha idade.
MÉTODO
Participantes
Participaram da pesquisa 109 mães residentes em Itajaí, Santa Catarina, primíparas, com idade igual ou superior a 18 anos, e filhos de ambos os sexos com idade entre 0 - 1 ano. Uma sistemática foi seguida para obter um número relativamente igual de mães com filhos com idade entre 0 - 4 meses, 5 - 8 meses e 9 - 12 meses, e com nível de instrução fundamental, média e superior.
Instrumentos
Conhecimento do Desenvolvimento Infantil
Nesta pesquisa foi utilizada uma versão em português do Inventário de Conhecimento do Desenvolvimento Infantil (KIDI, Knowledge of Infant Development Inventory+), traduzida e adaptada por Ribas et al.++, para avaliar o conhecimento sobre desenvolvimento infantil. Conforme aponta Ribas1, a principal característica desse inventário é que ele permite obter uma ampla avaliação de conhecimentos relacionados a crianças de até dois anos. Uma cópia do instrumento utilizado nesta pesquisa pode ser obtida junto aos autores.
O KIDI possui 75 questões, 48 das quais solicitam que o respondente escolha uma entre três respostas ("concordo", "discordo", ou "não estou certo(a)") para uma série de declarações (e.g., "Em geral, os bebês não podem ver e ouvir ao nascerem."). Outras 20 questões pedem que o respondente escolha uma entre quatro respostas ("concordo", "mais jovem", "mais velho", "não tenho certeza") relacionadas a afirmações acerca de quando uma criança normalmente adquire uma determinada competência (e.g., "As crianças normalmente já estão andando por volta dos 12 meses de idade."). Finalmente, sete questões solicitam que o respondente escolha uma entre cinco respostas (e.g., "A melhor maneira de baixar a febre de um bebê é:" "a. Colocar um pano frio na testa do bebê", "b. Colocar mais roupas no bebê.", "c. Dar gotas de remédio contra a febre.", "d. Dar muita vitamina C para o bebê.","e. Não tenho certeza").
Macphee+ recomendou a utilização do escore total no kidi, definido como a proporção total de itens respondidos corretamente (respostas corretas/total de respostas), na interpretação do KIDI e relatou dois coeficientes de fidedignidade para o inventário (Alfa = 0,82; Guttman Split-half = 0,85). Adicionalmente, o KIDI pode fornecer resultados em quatro áreas ou subescalas distintas: (1) Normas (períodos mais prováveis para aquisição de habilidades motoras, perceptuais e cognitivas, 32 afirmações); (2) Princípios (fatores responsáveis pelo desenvolvimento, 17 afirmações); (3) Cuidados (práticas parentais mais adequadas para cuidar de crianças, 14 afirmações); (4) Saúde e Segurança (cuidados relacionados à alimentação, higiene e segurança, 12 afirmações). No presente estudo foi observado um alfa de Cronbach de 0,74 na aplicação do KIDI.
Educação, Ocupação e Nível socioeconômico.
Uma escala de 7 níveis (1 = ensino fundamental incompleto, 2 = ensino fundamental completo, 3 = ensino médio incompleto, 4 = ensino médio completo, 5 = curso superior incompleto, 6 = curso superior completo, 7 = pós-graduação) adaptada de Hollingshead+++ foi utilizada para avaliar o nível educacional das mães e seus companheiros.
Uma escala de nove níveis também adaptada de Hollingshead+++, baseada em uma lista com aproximadamente 450 atividades profissionais, foi utilizada para avaliar o nível ocupacional das mães. Empregados não qualificados, e empregadas domésticas, por exemplo, receberam a menor pontuação da escala (1); ao passo que executivos e profissionais liberais recebem a maior pontuação da escala (9).
Para avaliar o nível socioeconômico da amostra, utilizamos o Índice Quadrifatorial de Status Socioeconômico, Hollingshead (HI, Hollingshead Four Factor Index of Socioeconomic Status+++). Uma descrição completa dessa escala pode ser examinada em Ribas et al.3.
Procedimentos
A pesquisa foi realizada em um centro de referência à saúde da criança e da mulher que fica na cidade de Itajaí - SC. A instituição pertencente à Prefeitura e realiza exames e tratamentos relacionados à mãe e a criança. A pesquisa foi realizada após autorização da Secretaria de Saúde e provação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Santa Catarina (Projeto 173/2001).
Os instrumentos foram administrados oralmente pela primeira autora. A aplicação dos questionários foi realizada na sala de atendimentos para as mães e crianças, em horários previamente marcados após consultas das mães com médicos e psicóloga. A seleção das mães foi realizada através da análise da ficha de encaminhamento médico. Nesta ficha foram coletados dados acerca do número de filhos, nível socioeconômico determinado pela Prefeitura, endereço, evolução clínica. As participantes desta pesquisa foram convidadas a assinar um termo de consentimento informado. Foram realizadas aproximadamente seis entrevistas por dia com duração de aproximadamente 1 hora cada.
RESULTADOS
Antes de todas as análises principais, as variáveis foram examinadas quanto a distribuição (normalidade) e para identificar valores extremos (outliers). Em função de outliers persistentes (i.e., outliers de um mesmo participante em diferentes variáveis), dados de uma mãe foram retirados das análises. Não foram identificadas outras violações dignas de referência.
A idade das mães variou entre 18 e 46 anos (M = 25,91, DP = 5,94), enquanto que a idade das crianças variou entre 1 e 12 meses (M = 6,54, DP = 3,77). Em relação à idade dos pais, constatou-se que a idade variou entre 18 e 51 (M = 30,27, DP = 6,00), destacando que os homens experimentam a paternidade pela primeira vez, mais tarde do que as mulheres.
Em relação à escolaridade, verificou-se que aproximadamente 17% das mães tinham o ensino fundamental completo ou incompleto; 41% tinham o ensino médio completo ou incompleto e 42% tinham o ensino superior completo ou incompleto. A escolaridade média foi de 4,20 (DP = 1,55), considerando a escala de 7 níveis adaptada de Hollingshead (1975). Constatou-se que 70 mães (64,22%) tinham uma ocupação remunerada. O nível dessa ocupação variou de 1 (e.g., empregadas domésticas) a 9 (e.g., profissionais liberais), sendo que a média foi de 6,71 (DP = 1,81), considerando a escala de 9 níveis de Hollingshead (1975). A maioria das mães possuía atividades como: representante de vendas, secretárias, promotora de vendas. Das 109 mães, 87,2% declaram estar ou já terem estado casadas com o pai da criança, enquanto que 12,8% de mães declaram nunca terem estado casadas.
Verificou-se que aproximadamente 23% dos pais tinham o ensino fundamental completo ou incompleto; 38% tinham o ensino médio completo ou incompleto e 25% tinham o ensino superior completo ou incompleto. A escolaridade média foi de 3,72 (DP = 1,63), considerando a escala de 7 níveis adaptada de Hollingshead+++.
Vale observar que a média da escolaridade das mães foi significativamente superior à média da escolaridade dos pais (t(94)= 3,45, p < 0,01, d = 0,33). Pode-se especular que estes pais podem ter deixado mais cedo de estudar para trabalhar, enquanto que as mulheres permanecem mais tempo na escola.
Apenas um dos pais não possuía ocupação remunerada no momento da pesquisa. O nível da ocupação média dos pais foi de 5,62 (DP = 2,63), considerando a escala de 9 níveis de Hollingshead+++. Destacaram-se atividades como: caixa de supermercado, operador de máquinas, chaveiro e assistente de livraria. Vale também observar que, na média, as mães possuíam um nível de ocupação significativamente superior ao nível de ocupação dos pais (t(57) = 2,71, p < 0,01, d = 0,36). Essa melhor colocação no mercado de trabalho pode ser uma conseqüência do maior nível de escolaridade.
A Tabela 1 apresenta uma matriz de correlações de ordem zero entre as diferentes variáveis consideradas no presente estudo. Como se pode verificar, várias correlações positivas e significativas foram identificadas. Foi identificada, por exemplo, uma correlação entre a escolaridade e a idade das mães, constatando-se que quanto maior a idade da mãe maior seu grau de instrução. Foi ainda identificada uma correlação entre o grau de instrução e a colocação no mercado. Assim, mães com maior escolaridade tenderam a possuir melhores posições no mercado de trabalho.
A escolaridade do pai se mostrou relacionada significativamente com a escolaridade da mãe. Esse resultado vem sendo observado em outros estudos segundo os quais as pessoas tendem a se casar com pessoas com idade, nível de escolaridade e ocupação profissional compatível com o seu.
A Tabela 2 apresenta os resultados obtidos pelas mães, calculados como percentagem de respostas corretamente respondidas, nas diferentes subescalas e na escala total. O menor índice de acertos foi obtido na subescala princípios (18%) enquanto que o maior índice de acertos foi observado na subescala saúde (100%). Em termos da escala total, a percentagem de acertos oscilou entre 40% e 73%, com uma média de 58% de acertos.
A Tabela 3 apresenta as correlações de ordem zero entre a idade, escolaridade e ocupação profissional das mães e os resultados obtidos por estas nas diversas subescalas. Verificou-se inicialmente que a idade das mães não se correlacionou com nenhuma das medidas de conhecimento das mães. A ocupação profissional das mães se correlacionou significativamente com apenas uma medida de conhecimento das mães (cuidado parental - práticas parentais mais adequadas para cuidar de crianças). Verificou-se que a escolaridade das mães se correlacionou significativamente com duas das medidas de conhecimento das mães (cuidado parental e normas - períodos mais prováveis para aquisição de habilidades motoras, perceptuais e cognitivas). Vale observar que diversas correlações entre as medidas de conhecimento do desenvolvimento infantil emergiram. Por exemplo, o nível de conhecimento sobre saúde (cuidados relacionados à alimentação, higiene e segurança) se correlacionou significativamente com o nível de conhecimento sobre normas e princípios do desenvolvimento (fatores responsáveis pelo desenvolvimento).
Na tabela 4 são apresentadas as correlações da idade das crianças com as quatro categorias destacadas nesta pesquisa para o conhecimento das mães sobre desenvolvimento infantil. Constatou-se que a faixa etária em que a criança se encontra não foi um fator significativo para o conhecimento das mães em relação ao desenvolvimento infantil. Dessa forma, mães que tinham crianças mais velhas não tinham mais conhecimento do que as mães que têm crianças mais jovens. Esses resultados parecem indicar que a experiência com os filhos parece não ter influência sobre o conhecimento das mães nessa faixa de idade da criança.
Finalmente, testes t foram realizados para avaliar se mães de meninas apresentavam nível de conhecimento diferente de mães de meninos. Esses testes evidenciaram que mães de meninos e meninas têm níveis de conhecimento semelhantes em todas as medidas do KIDI.
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
As crenças, valores e práticas parentais fazem parte do nicho de desenvolvimento, conforme preconizado por Harkness e Super16,17. Nesse sentido, a realização desta pesquisa constatou a importância e influência do contexto sócio-econômico e, por conseqüência, cultural, no conhecimento que as mães têm sobre desenvolvimento infantil. Esse conhecimento tem papel importante no sistema de crenças parentais, que pode variar dependendo do contexto onde a pessoa está inserida.
Com base nos resultados obtidos, pode-se afirmar que as variáveis escolaridade e ocupação da mãe mostraram-se relacionadas com seu conhecimento sobre desenvolvimento infantil, confirmando resultados de pesquisas anteriores3,7,13,14. Isto mostra que as mães que têm maior escolaridade podem ter melhores oportunidades de emprego e, por conseqüência, obter informações mais detalhadas sobre o desenvolvimento de suas crianças. Sluckin et al.12 ressaltam que as oportunidades sociais que a mãe tem ou terá são grandes influenciadores do conhecimento e das atitudes da mãe em relação à criança.
Além disso, constatou-se, através da análise descritiva, que a maior média de acertos foi em relação a subescala referente aos cuidados parentais, que se referem às práticas mais adequadas para cuidar de crianças. Em consonância com esse resultado, Prado18 identificou que pais e mães se percebem como os principais atores responsáveis pela promoção do desenvolvimento dos seus filhos por relatarem que a principal estratégia por eles utilizada é ser o modelo comportamental para os filhos. Nesse sentido, procuram dar e ser exemplos de como se comportar, conversam e orientam seus filhos.
No entanto, é importante enfatizar que as crenças, estratégias e comportamentos adequados dos pais estão relacionados com a escolaridade e a ocupação da mãe, indicando mais uma vez que esses fatores têm efeitos positivos no conhecimento das mães sobre desenvolvimento infantil. Ou seja, o grau de escolaridade e, por conseqüência, os efeitos dessa condição (possibilidade de ter acesso às informações) poderiam auxiliar os pais na educação e interação com seus filhos. Nesse caso, a educação poderia aprimorar a perspectiva de vida dos pais, desenvolver habilidades cognitivas e intensificar sentimentos de competência em relação à criação dos filhos, além de fazer com que os pais organizem um ambiente enriquecido de estímulos que favoreceria a promoção de saúde3.
Por outro lado, constata-se que o sexo da criança não é uma variável que interfere significativamente no conhecimento que as mães apresentam sobre desenvolvimento infantil. Dado semelhante também foi obtido em estudo anterior em que participaram da pesquisa mães primíparas com crianças de 5 meses13. Talvez em função da idade (0-1 ano), o sexo da criança não seja relevante, pois pesquisa realizada por Jacobs e Eccles15 encontrou diferenças no conhecimento de mães sobre filhos e filhas entre 11 e 12 anos. Os primeiros foram avaliados como mais competentes no esporte e na matemática, enquanto as filhas foram avaliadas com tendo maior habilidade para relacionamentos sociais. Seria importante fazer esse mesmo estudo com crianças mais novas para verificar as origens dessas e de outras diferenças.
A idade da criança também não se mostrou correlacionada ao conhecimento das mães, pois não necessariamente as mães que têm filhos mais velhos têm maior conhecimento do que as mães de filhos mais novos. Embora se considere que a experiência tenha interferência no conhecimento sobre desenvolvimento infantil, o período inicial de 0 a 1 ano talvez seja curto para detectar essas diferenças. Se a pesquisa fosse realizada em períodos mais espaçados de tempo ou comparando mães experientes e inexperientes, os resultados poderiam ser diferentes.
Além dos dados obtidos, é importante destacar aspectos que surgiram durante as entrevistas e que deveriam ser estudados em pesquisas futuras. Por exemplo, durante algumas entrevistas em que os pais estavam presentes, foi mencionado por eles o interesse em estar participando de uma pesquisa semelhante e contribuindo para um entendimento maior sobre o conhecimento de seus filhos. Para a presente pesquisa, a amostra foi de mães primíparas mas seria interessante que houvesse pesquisas que explorassem o conhecimento dos pais e, posteriormente, fizessem uma comparação sobre o conhecimento de ambos.
Durante a realização da pesquisa foram encontradas algumas dificuldades que precisam ser ressaltadas. As mães de classes menos favorecidas têm, em sua maioria, três ou quatro filhos e experienciam a maternidade antes dos 18 anos. Sendo assim, tornou-se difícil selecionar um grupo de mães primíparas de 18 anos nas classes de baixo poder econômico.
De modo geral, fica evidente, através da presente pesquisa que, no estudo do desenvolvimento infantil, o fator cultural tem papel relevante. No entanto, o conceito de cultura é muito amplo. Para as próximas pesquisas, deve-se tentar identificar quais são os aspectos culturais que interferem na concepção das mães sobre os seus filhos. Além disso, estudos transculturais deveriam ser propostos. Nesse aspecto, o Brasil apresenta-se como um contexto privilegiado em função da rica diversidade cultural.
Por outro lado, a escolaridade mostrou ser um fator decisivo em relação a concepção de mães primíparas sobre desenvolvimento infantil. Contudo, em função da dificuldade de parte da população em ter acesso à educação formal, principalmente as pessoas de camadas sociais menos favorecidas economicamente, surge a necessidade de disponibilizar para mães e pais informações sobre cuidados parentais, educação e saúde infantil. Também é necessário criar situações para que essa população reflita sobre as conseqüências de suas crenças em relação ao desenvolvimento infantil.
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Recebido em 14/08/2005
Aprovado em 01/09/2005
O presente artigo tem como base a dissertação de mestrado da primeira autora e que foi defendida no Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina.
+ Macphee, D. Manual: knowledge of infant development inventory. University of North Carolina;1981. Manuscrito não publicado.
++ Ribas Jr RC, Seidl de Moura ML, Gomes APN, Soares ID. Adaptação brasileira do inventário de conhecimento sobre o desenvolvimento infantil de David Macphee. UERJ-UFRJ; 1999.
+++ Hollingshead, AB. Four factor index of social status. Yale University, Department of Sociology; 1975. Manuscrito não publicado.