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Journal of Human Growth and Development

 ISSN 0104-1282 ISSN 2175-3598

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. v.17 n.3 São Paulo dez. 2007

 

ESTUDO DE CASO CASE STUDY

 

A percepção de educadores sobre a escola promotora de saúde: um estudo de caso*

 

Educators' perception about the school as a promoter of health: a case study

 

 

Kátia Ferreira dos SantosI; Cláudia Maria BógusII

IMestre em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação da Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. E-mail: ka.fs@ig.com.br
IIProfessora Doutora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. E-mail: claudiab@usp.br
IIIProfessor readaptado é aquele que, por motivos de saúde física ou mental, retira-se da função de professor, mas mantém seu vínculo realizando trabalho de natureza burocrático-administrativa (PPP, 2004)

 

 


RESUMO

O presente trabalho teve como objetivos identificar o entendimento e a percepção que educadores de uma escola pública paulistana têm quanto às temáticas educação em saúde e promoção da saúde na escola e quanto às práticas desenvolvidas no ambiente escolar para promover saúde. Foi possível observar que as práticas educacionais são bastante heterogêneas, mas há predominância de uma concepção especialista, ou seja, o professor de Ciências é considerado o mais habilitado a desenvolver práticas de educação em saúde. Também se observou, em geral, tendência à visão assistencialista, que se baseia na preocupação com o cuidado pontual, sem, muitas vezes, considerar condições histórico-sociais da comunidade escolar. Quanto ao desenvolvimento de ações relacionadas à promoção da saúde, a maioria dos professores exclui-se do processo de planejamento e execução e atribui esse papel ao diretor e ao coordenador pedagógico. Assim, sua atuação é marcada pela realização de tarefas, definidas pelos que ocupam outras funções, caracterizando um distanciamento entre as atividades de planejamento e as de ação. Embora a maioria não participe de entidades civis, houve referência ao estabelecimento de um sistema de parceria com a comunidade e com instituições da sociedade civil como algo importante para a construção de ações sob o enfoque da promoção da saúde.

Palavras-chave: Promoção da Saúde. Educação em Saúde. Saúde Escolar. Serviços de Saúde Escolar.


ABSTRACT

The present work aimed to identify the understanding and perception that educators at a public school in São Paulo have in relation to the themes of health education and health promotion at school and regarding the practices developed in the school environment to promote health. A study was carried out in which three different techniques were combined to collect data: documental analysis, self-administered questionnaires and focal groups. Results showed that the educational practices are very heterogeneous but there is the predominance of a specialist conception, that is, the teacher of Sciences is considered the best-prepared person to develop health educational practices. There is also a general tendency towards a paternalist view that is based on non-permanent help, without taking into consideration the historical and social conditions of the school community. Concerning the development of actions related to health promotion, the majority of teachers exclude themselves from the planning and execution process, attributing this role to the principal and the pedagogical coordinator. Thus, the teachers' performance is marked by the execution of tasks, showing that there is a distance between the activities related to planning and action. Although the majority of the educators does not participate in civil entities, they refer to the establishment of a system of partnerships with the community and civil institutions as something important for the acquisition of shared knowledge in order to promote health.

Keywords: Health Promotion. Health Education. School Health. School Health Services.


 

 

INTRODUÇÃO

São cinco os campos de atuação da Promoção da Saúde apresentados na Carta de Ottawa (1986)1: elaboração e implementação de políticas públicas saudáveis; criação de ambientes favoráveis à saúde; fortalecimento da ação comunitária; desenvolvimento de habilidades individuais e reorientação dos sistemas e serviços de saúde.

Em 1992, Sutherland e Fulton (1992)2 distinguiram dois enfoques para a promoção da saúde. Um, voltado às atividades dirigidas para a mudança dos indivíduos, evidencia os estilos de vida, localizando-os, principalmente, no ambiente familiar e, no máximo, no ambiente cultural da comunidade em que se encontram. Nesse caso, os programas de promoção da saúde tendem a concentrar-se em componentes educativos relacionados aos riscos comportamentais passíveis de mudança, que se encontram, pelo menos, em parte, sob o controle dos próprios indivíduos. Nessa abordagem, fugiriam do âmbito da promoção de saúde todos os fatores que estivessem fora do controle individual das pessoas. O outro enfoque está relacionado à importância e à relevância dos determinantes gerais sobre as condições de saúde. Sua base é o entendimento de que a saúde é produto de um amplo espectro de fatores relacionados à qualidade de vida, incluindo padrão adequado de alimentação, nutrição, habitação e saneamento; boas condições de trabalho; oportunidades de educação ao longo de toda a vida; ambiente físico adequado; apoio social para famílias e indivíduos; estilo de vida responsável e outros cuidados de saúde. Suas atividades estariam, então, voltadas ao coletivo e ao ambiente, compreendidos num sentido amplo como ambiente físico, social, político, econômico e cultural, por meio de políticas públicas e de condições favoráveis para escolhas saudáveis, factíveis e viáveis e o fortalecimento das capacidades e habilidades dos indivíduos e das comunidades.

Nessa perspectiva, a promoção da saúde está relacionada a todas as práticas e condutas que procuram melhorar o nível de saúde da população (Salum e Morais et al., 2000)3 por meio de medidas que não se restringem a resolver problemas de doenças ou qualquer desordem orgânica, mas sim que visam a aumentar a saúde e o bem-estar geral. As estratégias de promoção da saúde enfatizam a transformação das condições de vida e de trabalho, que conformam a estrutura subjacente dos problemas de saúde, demandando uma abordagem intersetorial.

As ações de promoção da saúde concretizam-se em diversos espaços e órgãos definidores de políticas, sobretudo nos espaços sociais onde vivem as pessoas. As cidades, os ambientes de trabalho e as escolas são os locais onde essas ações têm sido propostas, procurando-se fortalecer a ação e o protagonismo do nível local, incentivando a intersetorialidade e a participação social (Bógus, 2002)4 .

As escolas aparecem, então, como excelente cenário de caráter formal, em que é possível gerar autonomia, participação crítica e criatividade para a promoção da saúde, que deve, no âmbito escolar, partir de uma visão integral, multidisciplinar do ser humano, considerando as pessoas em seu contexto familiar, comunitário e social (Iervolino, 2000)5.

Escola Promotora de Saúde (EPS) é aquela que se coloca a serviço da promoção da saúde e atua nas áreas de ambiente saudável, oferta de serviços de saúde e educação em saúde (Silveira, 2000)6.

A escola saudável, denominação utilizada por alguns autores como sinônimo de EPS, tem o propósito de contribuir para o desenvolvimento das potencialidades físicas, psíquicas e sociais dos escolares da educação básica, a partir de ações pedagógicas de prevenção e promoção da saúde e da conservação do meio ambiente, dirigidas à comunidade (Pelicioni e Torres, 1999)7.

A promoção da saúde no ambiente escolar deve ser realizada por todos os atores sociais envolvidos no processo: pessoal da saúde, comunidade escolar (alunos, professores, pais, funcionários e direção) e todas as pessoas que vivem no entorno escolar, procurando desenvolver as habilidades de autocuidado em saúde e a prevenção das condutas de risco em todas as oportunidades educativas (Torres, 2002)8.

A escola promotora de saúde deve responsabilizar-se pelas seguintes intervenções: educação em saúde; ambiente escolar, entorno e organização; comunidade escolar, parcerias e serviços de saúde (Moreira et al., 2006)9.

A meta estabelecida pela Iniciativa Global de Saúde nas Escolas é aumentar o número de instituições escolares que possam ser qualificadas como Escolas Promotoras de Saúde (EPS) (Pereira et al., 2002)10.

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e Temas Transversais

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) foram elaborados com o objetivo de respeitar as diversidades regionais, culturais e políticas existentes no país e, ao mesmo tempo, construir referências nacionais comuns ao processo educativo em todas as regiões brasileiras. Com isso, pretendeu-se criar condições, nas escolas, que permitissem aos jovens ter acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente elaborados e considerados necessários ao exercício da cidadania (MEC/SEF, 1998)11.

Os Temas Transversais assumidos pelos PCNs dão sentido aos procedimentos e aos conceitos próprios das áreas convencionais, superando, assim, o aprender apenas pela necessidade escolar de passar de ano (MEC/SEF, 1998)11. O trabalho com esses temas permite a complementação da interdisciplinaridade horizontal do currículo, isto é, a equipe de cada série deve construir seus projetos pedagógicos conjuntamente e com esse novo ânimo. É só por meio do trabalho coletivo que essa desejada integração de conhecimento e atitudes pode ser concretizada na escola (Stefani, 2000)12.

Em 1977, o Conselho Federal de Educação destacou a importância de se considerar a saúde um dos Temas Transversais dos PCNs, ao indicar que os Programas de Saúde não deveriam ser encarados como matéria ou disciplina, mas como "preocupação geral do processo formativo, intrínseca à própria finalidade da escola", e abordada "por meio de uma correlação dos diversos componentes curriculares, especialmente Ciências, Estudos Sociais e Educação Física" (MEC/ SEF, 1998, p. 263)11.

Apesar de, na década de 1980, diversos estados brasileiros já terem desencadeado processos de reformulação de seus currículos, buscando a incorporação de tendências mais progressistas na área de educação, é efetivamente em Ciências Naturais que a temática continuou sendo prioritariamente abordada (Silveira, 2000) 6.

A introdução da Promoção da Saúde nas atividades e ações educativas pode assumir diversas formas. Entretanto, em geral, o exercício de alguns hábitos e atitudes, assim como a organização de ações sobre temas específicos, sobrepõe-se ao currículo escolar e não permite maior participação dos alunos, que se limitam a cumprir pontualmente as prescrições indicadas.

Assim, faz-se necessária uma reflexão sobre como os professores têm trabalhado saúde como temática no ambiente escolar assim como a articulação entre a educação para a saúde e a programação do conjunto das matérias escolares.

Não se pretende desviar as funções dos professores e dos profissionais da saúde, mas sim incorporar no âmbito escolar atitudes e práticas que valorizem a promoção da saúde de forma crítica. A idéia é que as questões de saúde não passem despercebidas nesse ambiente, como se apenas os profissionais da saúde soubessem e pudessem dar conta de lidar com elas, desconsiderando as possibilidades de práticas integradas e intersetoriais.

A escola pode e deve criar seus próprios projetos, pois tem competência para isso; pode ampliar suas ações na comunidade e envolver os alunos, por meio de diagnósticos quanto às demandas dirigidas à escola. Depois dessa primeira etapa de diagnóstico, pode-se discutir com os diversos segmentos da escola o planejamento de ações e conteúdos curriculares que podem ser desenvolvidos nas diversas áreas do conhecimento com a integração de Temas Transversais e a formação de uma "teia", que seja um suporte para a construção de um Projeto Político Pedagógico (PPP), com conteúdos diferenciados e significativos, que possibilitem condições de mudanças culturais aos educandos (Moreno, 1993)13.

A partir desse referencial, este trabalho teve como objetivos: identificar o entendimento e a percepção que professores e equipe técnica de uma escola municipal de ensino fundamental têm quanto às temáticas da educação em saúde e da promoção da saúde na escola e quanto às práticas desenvolvidas no ambiente escolar para promover saúde.

 

METODOLOGIA

Este estudo foi desenvolvido em uma escola municipal, de ensino fundamental, dos Ciclos I (da primeira à quarta séries do primeiro grau) e II (da quinta à oitava séries do primeiro grau), situada na zona leste do município de São Paulo.

A escola foi escolhida por sua localização, na periferia do município de São Paulo, e por apresentar um corpo docente estável e um Projeto Político Pedagógico definido. O fato de estar localizada na zona leste remete a uma situação de grande exclusão social e alta concentração populacional (Paparelli, 2005)14.

Nessa investigação, diferentes técnicas foram combinadas para a coleta de dados: análise documental, questionários auto-aplicáveis e grupo focal. Os dados foram interpretados de forma conjunta, com o objetivo de permitir uma análise mais aprofundada.

A análise documental constituiu-se no levantamento dos seguintes materiais: Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola, grade horária, quadro de docentes, funcionários e alunos, por período, referentes ao período de desenvolvimento de estudo.

Os questionários auto-aplicáveis (Gil, 1999)15 constituíram-se na segunda etapa da coleta de dados. O questionário foi aplicado em cinco membros da equipe técnica (direção e coordenação pedagógica), 23 professores do Ciclo II e dois professores do Ciclo I.

A primeira parte do questionário referia-se à identificação dos respondentes (nome, idade, sexo, estado civil, cor, local de nascimento, tempo de residência em São Paulo, escolaridade e Endereço para correspondência), informações profissionais e informações quanto à participação ou não em entidades civis ou movimentos sociais. Na segunda parte, as questões abordaram os temas: educação em saúde, promoção da saúde, parâmetros curriculares, saúde como Tema Transversal e o papel dos profissionais nas atividades escolares relacionadas à temática da saúde.

Depois da análise preliminar dos questionários, iniciou-se a terceira etapa do estudo, que foi a realização de grupo focal (Nogueira-Martins e Bógus, 2004)16, (Westphal et al., 1996)17, para o aprofundamento de alguns aspectos de interesse da pesquisa. Participaram do grupo focal dez professores do Ciclo II (dois professores de Arte, duas professoras de Geografia, dois professores de Matemática, um professor de Ciências, um professor de História, uma professora de Língua Portuguesa readaptada*** e responsável pelo tema saúde na escola e um professor responsável pela área de computação) e uma professora do Ciclo I.

O roteiro do grupo focal envolveu questões relacionadas aos seguintes temas: promoção da saúde, educação em saúde, Parâmetros Curriculares Nacionais e a relação da promoção da saúde com a comunidade.

Foi feita análise temática do material (Minayo, 2000)18, o que consistiu em descobrir os núcleos de sentido que compõem a comunicação, cuja presença ou freqüência determina seu significado, de acordo com o objetivo pretendido. No caso dessa investigação, privilegiou-se a presença dos temas educação em saúde e promoção da saúde e aspectos correlatados, para identificar as percepções dos profissionais da educação.

A análise dos dados da segunda parte dos questionários e do grupo focal permitiu a identificação de quatro grandes categorias relacionadas ao entendimento e à percepção quanto às temáticas da educação em saúde e da promoção da saúde na escola e quanto às práticas desenvolvidas no ambiente escolar para promover saúde: compreensão sobre saúde e promoção da saúde dentro do âmbito escolar; assistência à saúde na escola; referenciais pedagógicos para a prática escolar dos educadores e queixa profissional dos educadores.

 

RESULTADOS

Caracterização dos participantes do estudo

Todos os professores têm curso superior, sendo que cinco apresentaram dois cursos superiores e um apresentou três cursos superiores. Apenas dois fizeram curso superior em escola pública.

Os profissionais que atuam há mais de dez anos estão nas faixas etárias superiores a 44 anos.

 

Quadro 1

 

Embora a maioria " 21 " não participe de entidades civis, eles se referiram ao estabelecimento de um sistema de parceria com a comunidade e instituições da sociedade civil como algo importante para a construção de um conhecimento compartilhado na Promoção da Saúde. Apenas um participava de um movimento relacionado à alfabetização de jovens e adultos.

Compreensão de saúde, educação em saúde e promoção da saúde

Dezenove (70%) dos respondentes do questionário consideraram que a educação em saúde na escola é o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e destrezas; aproximadamente 60% indicaram que essa temática faz parte do cotidiano do aluno e do planejamento da escola.

 

 

 

 

Os conteúdos indicados pelos educadores estão relacionados à necessidade de mudanças individuais quanto ao estilo de vida (por exemplo: hábitos alimentares). Ao mesmo tempo, há uma incipiente percepção de que os estilos de vida são determinados social e economicamente, ou seja, são também decorrentes das condições de trabalho, como no caso dos próprios educadores. Também foi manifestada preocupação com as atividades extracurriculares e escolares, em geral, que possam contribuir para transformações favoráveis na qualidade de vida e da saúde da comunidade escolar (alunos, professores e pais).

Apesar disso, os trabalhos desenvolvidos em sala de aula acabam sendo, em geral, baseados no entendimento particular que cada professor possui a respeito do que é saúde e das ações individuais que eles consideram dar conta das condições de saúde.

É importante ressaltar que dentro da temática sobre escola promotora de saúde caberia um projeto especial e flexível voltado para as questões sobre saúde, que promova o autocuidado e diminua comportamentos de risco, desde que seja colocado em prática de forma constante e que possa viabilizar grandes transformações dentro da escola.

Os conteúdos abaixo foram obtidos por meio da realização do grupo focal e a análise temática revelou o entendimento que os educadores têm sobre a promoção da saúde na escola.

Para a apresentação dos resultados foram usados pseudônimos para cada um dos educadores, com a finalidade de assegurar-lhes o anonimato e o sigilo das declarações.

Professora Primavera: (...) Quanto ao teste visual, a professora responsável passa meses fazendo testes para as crianças da primeira série e não é fácil. Você fala assim para a criança olhar e você vai olhar lá e eu vou te mandar tapar um pouquinho do lado da janela e eles falam qual janela? " Aquela janela e aí você perde mais tempo explicando qual o lado, do que fazendo os testes.

O objetivo da realização da triagem visual é identificar, numa determinada população, indivíduos que possam apresentar algum distúrbio visual, mediante aplicação de testes, realização de exames ou outros procedimentos. A aplicação do teste em crianças pode ser feita a partir dos quatro anos de idade, por profissionais não médicos, desde que capacitados, e após a triagem a criança deve ser encaminhada para diagnóstico e tratamento adequados (Armond, 2003)20.

Professora Petúnia: Os alunos falam e acham correto o que eu vou passar para eles, desde o que devem fazer. Eu digo a eles, pelo amor de Deus procurem um médico que eu não entendo nada desta área, mas, para eles o professor é tudo! Eles querem saber mesmo é quando eles vão conseguir essas consultas e quando não tiverem remédio e não tiverem dinheiro para comprar, o que podem fazer e, então, recorrem ao professor.

Na percepção dos professores, os alunos acreditam que os educadores têm um poder divino de resolver, entender e enfrentar tudo, desde problemas familiares até problemas de saúde. Há uma identificação, por parte dos professores, de um sacerdócio no ofício de ensinar, ou seja, uma visão de missão, o que, às vezes, faz com que eles se sintam gratificados com essa concepção, desempenhando suas funções supervalorizando as atribuições de dar respostas prontas, não percebendo quais são suas responsabilidades e encontrando dificuldades em dar limites, delegar tarefas e exigir melhores condições para a sua atuação e/ou desempenho.

De acordo com Moreira et al. (2006)9, as atividades de educação em saúde devem ser pautadas pela busca ativa do aprendizado, preferencialmente na forma de projetos multidisciplinares, com o incentivo de atividades em que os alunos possam atuar, desde o planejamento até a organização de eventos e atividades de promoção da saúde.

Referenciais pedagógicos para a prática escolar dos educadores

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional reforça uma formação básica comum a todos os brasileiros, que deve ser complementada a partir das necessidades emergentes decorrentes da realidade local. Essas atividades complementares devem ser explicitadas no Plano Político Pedagógico de cada ano.

Tanto nos questionários quanto no grupo focal foi indicado que as questões relacionadas à saúde dentro da escola são trabalhadas de acordo com o que está definido no Projeto Político Pedagógico (PPP, 2004)19. Além disso, também são desenvolvidos projetos, a partir das determinações e orientações das Coordenadorias de Ensino. Os conteúdos norteadores para a elaboração do PPP estão nos Parâmetros Curriculares Nacionais. No início de cada ano escolar, nas reuniões pedagógicas dos professores e coordenadores, o PPP do ano anterior é discutido e avaliado com o objetivo de elaborar um novo para o ano letivo, adequado para a solução dos problemas educacionais identificados. Posteriormente, discute-se a proposta elaborada junto ao Conselho Escolar. O documento é, então, finalizado e são estabelecidas às metas a serem alcançadas pela escola durante o ano.

Professor Cravo: O parâmetro curricular existindo ou não existindo para mim é a mesma coisa, e uma das coisas que eu faço, porque eu acho importante e até está lá nos parâmetros curriculares, são questões sobre saúde, meio ambiente, mas para mim até hoje, eles concretamente não ajudaram e nem dificultaram. Estão normais.

Alguns professores que estão na escola há muito tempo e possuem autonomia em relação ao conteúdo proposto têm atuação sempre transformadora e comprometida com a realidade local e com o entendimento que os alunos terão sobre o que é proposto em aulas explicativas, sem necessariamente, seguir os parâmetros curriculares.

É interessante notar que, de forma geral, as funções de planejamento, implantação e avaliação são, prioritariamente, atribuídas à equipe técnica (Assistente Pedagógico, Assistente de Direção e Diretor) e cabe ao professor, principalmente, a execução das atividades de promoção da saúde. Há, assim, uma hierarquização em relação ao poder decisório das atividades da promoção da saúde, ocorrendo um distanciamento entre o pensar e o fazer.

Para Carvalho (1995)21, a realidade atual mostra um quadro ocupacional que confirma a idéia do professor como "cumpridor de tarefas" (destaque da autora). Isso é reforçado pelo fato de que a sua formação profissional é deficiente, desprovida de compromisso político. Dessa forma, o exercício da função educativa em saúde também estaria prejudicado, assim como toda a formação do cidadão.

 

 

Especificamente, quanto à forma de abordagem da temática saúde, nota-se certa incongruência nas respostas. Mesmo havendo a indicação de que os temas devem ser abordados em todas as disciplinas, não há consenso quanto ao fato de todos os professores se responsabilizarem pela inclusão do Tema Transversal saúde nas disciplinas que lecionam. Isso parece revelar que a compreensão quanto à abordagem mais integrada dá-se no âmbito hipotético, mas quando se trata de pensar sobre o que isso pode representar na sua prática docente, o mesmo não se verifica.

De acordo com Rocha et al. (2002)22, o discurso emergente da Escola Promotora da Saúde pede mudanças, tanto no olhar quanto na prática de todos os profissionais que continuam persistindo no erro de atuar isoladamente, prescrevendo receitas para a população brasileira.

 

 

 

 

Assistência à saúde na escola

Muitas vezes, o educador, sobrecarregado de tarefas, vê a sua função ir além do "ensinar" e não se sente apto ou capacitado a desempenhar tarefas preventivas ligadas à saúde. Há dificuldades de interagir com profissionais da saúde, pois não há profissionais disponíveis da Unidade de Saúde mais próxima da escola e quando os cursos de saúde são oferecidos, de acordo com os participantes, são para professores de Biologia ou Ciências, o que reforça a fragmentação entre a Saúde e Educação.

Professora Primavera: (...) a escola tinha dentista, tinha consultório, era uma graça, primeira série todo mundo de dentinho limpo. Funcionava às mil maravilhas, durante muitos anos usou-se esse serviço, (...) atendimento no posto de saúde que a gente mandava aluno, eles atendiam, faziam acompanhamento davam uma devolutiva para a gente. Não sei se alguém conheceu essa época que eu estou falando que era da Prefeitura, então funcionava muito bem. (...) aconteceu uma série de mudanças na escola em termos de saúde (...).

Percebe-se certo saudosismo referente à época em que profissionais da saúde, principalmente médicos e dentistas, faziam parte do contexto escolar, com atendimento específico, mas, de acordo com a VIII Conferência de Nacional de Saúde, alguns rompimentos importantes aconteceram no setor saúde e um novo cenário surgiu: a Unidade Básica de Saúde passou a ser o local determinado e apropriado para a assistência à saúde de crianças e adolescentes.

A escola, enquanto espaço privilegiado para ações educativas e comunitárias, pode trabalhar conjuntamente com a comunidade escolar sobre as questões de saúde, sem aceitar as prescrições dos profissionais da saúde que, quando se aproximam da Unidade Escolar, o fazem, em geral, "despejando" sobre os professores pacotes prontos de informações de como os alunos podem "ter" mais saúde.

Queixa profissional dos educadores

Professora Margarida: Promoção de saúde é ter boas condições de trabalho.

Para a professora Margarida, escola promotora de saúde é aquela que visa à comunidade como um todo, ou seja, eles próprios. Para os professores, é importante ter melhores condições e trabalho, escola arquitetonicamente mais adequada, acesso à saúde, melhores salários, classes menos numerosas. Segundo os professores, a promoção da saúde deve começar com jornada de trabalho compatível e também com remuneração salarial adequada à responsabilidade de ensinar. O fato de não receberem aumento salarial, sentirem-se desprestigiados, sem posição social e com sobrecarga de funções contribui para as modificações de um estilo de vida menos saudável e para o aumento do stress profissional.

Professor Lírio: (...) Outra coisa, a criança não tem assistência médica e nós também não, porque no nosso serviço nós precisaríamos de psicólogo, não temos uma terapia de apoio ao trabalho porque o que nós passamos dentro da escola não é qualquer pessoa que agüenta.

O professor reclama de não ter acesso a bons atendimentos em saúde nem suporte para desempenhar melhor sua função.

De acordo com Bertin (2005)23, o trabalho deveria ser aquele em que o ser humano fosse considerado produtor, sendo mais importante que o produto, a técnica e os dividendos, ou seja, as pessoas são o recurso mais importante em uma organização, pois colocam em movimento todos os demais recursos humanos adequados. A relação estabelecida entre trabalho e existência centraliza-se na necessidade de averiguar os diversos significados atribuídos pelo ser humano ao espaço social ocupado em determinado contexto. No trabalho, questões como competência, crescimento profissional e realização são fontes de identificação e de inserção social.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do material coletado por meio dos questionários, foi possível dividir os educadores em dois grandes grupos. Os do primeiro grupo têm uma concepção de trabalho em saúde reduzido ao corpo biológico, com visão higienista e de isolamento da própria instituição em relação aos outros "equipamentos" do território em que estão. Os do outro grupo tendem a ter uma prática baseada na concepção de saúde mais abrangente, considerando os aspectos sócio-históricos do processo saúde"doença.

Na discussão do grupo focal, prevaleceu a concepção especialista, na qual o responsável pelo tema de educação em saúde seria o professor de Ciências, exclusivamente, por ser ele o mais habilitado para isso, pela sua formação profissional.

Em geral, há uma tendência em os profissionais da educação pensarem em saúde de forma assistencialista e higienista, reduzida ao corpo biológico, executando ações de forma isolada e sem pensar nas articulações de parcerias que podem acontecer dentro e fora da escola com a interação e o empoderamento de conhecimentos e habilidades que possam ser adquiridos dentro da ótica das escolas promotoras de saúde.

Quanto às ações programáticas de saúde, os professores mostraram uma visão reduzida à execução, excluindo-se do processo de planejamento, atribuindo essa autonomia ao diretor e ao coordenador pedagógico.

Os professores que extrapolam essa prática são aqueles que trabalham há mais tempo na escola, têm mais de 40 anos, possuem atitudes mais autônomas e não de mera reprodução de ações, ao contrário, são voltados para a transformação da realidade escolar. Eles acreditam em um sistema de parcerias com a comunidade e instituições da sociedade civil, embora a maioria não participe de entidades civis.

Assim, para uma escola trilhar os caminhos da Promoção da Saúde, o conhecimento e o envolvimento com a realidade local são fundamentais, aliados a uma boa formação profissional, com cursos de graduação, especialização e pós-graduação, de capacitação profissional, que mantenham uma regularidade e possam ser também planejados e ofertados pelos órgãos públicos.

A escola de qualidade é aquela que é apropriada pela sociedade como um todo e deixa de ser presa fácil de políticos, partidos e de ideologias intransigentes, bem como de intelectuais e educadores com seus modismos doutrinários e pedagógicos, para se tornar uma escola de qualidade viva e real (Marcílio, 2005)24, passando a ser uma escola com participação pública e aberta à comunidade.

As políticas públicas da educação estão em processo de construção em que, muitas vezes, estratégias eficazes para melhorar a qualidade de ensino são pouco visíveis. Essa visibilidade só será possível incorporando em sua prática parcerias estabelecidas dentro e fora da escola e do sistema escolar e apoiadas, principalmente, nas reinvidicações de interesse ou de direitos.

Para que as instituições de ensino caminhem na direção de Escolas Promotoras de Saúde, a formação de equipes com o envolvimento da comunidade, de acordo com a proposta da escola e sua respectiva inserção nos Projetos Políticos Pedagógicos, é necessária.

 

AGRADECIMENTOS

A todos os professores, à equipe técnica e à coordenadora pedagógica da escola, que participaram deste estudo e deram vida a este trabalho, acreditando em sua importância, colaborando com a pesquisa, respondendo ao questionário e participando do grupo focal.

 

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Recebido em: 08/01/2007
Modificado em: 12/11/2007
Aprovado em: 03/12/2007

 

 

* Artigo baseado na dissertação de Mestrado: O tear de Penélope: a percepção dos educadores sobre a escola promotora de saúde, de Kátia Ferreira dos Santos (2006), Programa de Pós-Graduação da Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.

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