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Journal of Human Growth and Development
versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598
Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. v.18 n.2 São Paulo ago. 2008
PESQUISA ORIGINALORIGINAL RESEARCH
Iniciação sexual entre adolescentes de Pelotas, Rio Grande do Sul
Sexual initiation among adolescents of Pelotas, state of Rio Grande do Sul
Ana Laura Sica CruzeiroI; Luciano Dias de Mattos SouzaI; Ricardo Azevedo da SilvaI; Bernardo Lessa HortaII; Renata Mendes MuenzerI; Augusto Duarte FariaI; Ricardo Tavares PinheiroI
IPrograma de Pós-Graduação em Saúde e Comportamento, Escola de Psicologia e Escola de Saúde - Universidade Católica de Pelotas. Rua Almirante Barroso, 1202 - Sala G 107. CEP 96010-280 - Pelotas - RS
IIPrograma de Pós-graduação em Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas. Centro de Pesquisas Epidemiológicas. Rua Marechal Deodoro, 1160 - 3º piso. CEP 96020-220 - Pelotas - RS. Caixa Postal 464
RESUMO
O objetivo do presente estudo foi avaliar a idade de início das atividades sexuais e fatores associados em adolescentes. Realizou-se estudo transversal em uma amostra representativa de adolescentes de 15 a 18 anos residentes na cidade de Pelotas. Sortearam-se, aleatoriamente, 90 setores a partir de 448 setores censitários, em cada setor foram visitados 86 domicílios. Os adolescentes respondiam a um questionário auto-aplicado e anônimo contendo questões sobre nível socioeconômico, sexo, escolaridade do adolescente e dos pais, idade, religião, morar com os pais, trabalho remunerado, uso de drogas, tabagismo, consumo de álcool e comportamento sexual. A iniciação sexual foi avaliada através da idade da primeira relação. A mediana da idade da primeira relação sexual foi calculada usando-se tabelas de sobrevida, e as medianas foram comparadas através do long rank teste e na análise multivariada utilizou-se a regressão de Cox. Foram entrevistados 960 adolescentes. A mediana da idade da primeira relação sexual foi de 16,7 anos. O risco de ter iniciação sexual em uma idade mais jovem foi maior entre os homens, assim como naqueles adolescentes que não residem com a mãe ou com o pai. O mesmo ocorreu com os jovens que não possuem trabalho remunerado, não praticam sua religiosidade, consumiram bebida alcoólica ou tabaco no último mês e carregaram arma nos últimos 12 meses. A idade da primeira relação sexual foi menor entre os adolescentes fumantes e consumidores de maconha, cocaína ou bebidas alcoólicas. A iniciação sexual é menor entre os adolescentes usuários de tabaco ou outras substâncias psicoativas, o que sugere que os comportamentos em saúde estão inter-relacionados.
Palavras-chave: Adolescente; Iniciação sexual; Relação sexual; Coito.
ABSTRACT
This study aims to evaluate the age of the onset of sexual activities and associated factors in adolescents. It is a cross-sectional study with a representative sample of adolescents between 15 and 18 years old, living in the city of Pelotas. Ninety tracts were randomly drawn from 448 census tracts, and in each tract 86 households were visited. The adolescents answered a self-reported and anonymous questionnaire containing questions about socioeconomic level, sex, adolescent's and parents' education, age, religion, living with parents, paid work, use of drugs, tobacco use, alcohol consumption and sexual behavior. Sexual initiation was evaluated through the age of the first intercourse. The median of the age of the first sexual intercourse was calculated using survival tables, and the medians were compared through the long rank test. In the multivariate analysis, Cox regression was used. In the study, 960 adolescents were interviewed. The median of the age of the first sexual intercourse was 16.7 years. The risk of having sexual initiation in a younger age was larger among men, as well as in those adolescents who do not live with mother/father. The same happened with the youths that do not have paid jobs, those who do not practice their religiosity, those who consumed alcoholic beverages or used tobacco in the last month and those who carried a weapon in the last 12 months. The age of the first sexual intercourse was lower among adolescents who used tobacco, marijuana or cocaine in the last 12 months, as well as among those who drank alcoholic beverages in the same period. The association between sexual initiation and tobacco or other psychoactive substances suggests that these health behaviors are interrelated.
Keywords: Adolescent; Sexual initiation; Sexual Relationship; Coitus.
INTRODUÇÃO
A adolescência é um período em que se iniciam muitos comportamentos. Alguns deles podem ser considerados comportamentos de risco, que podem comprometer a saúde física e mental do adolescente1.
A iniciação sexual geralmente ocorre na adolescência2,3 - estudo realizado em Pelotas mostrou que 45,3% das mulheres já tinham tido relações sexuais entre 15 e 19 anos4. Em universitários de 17 a 19 anos, 48,8% já haviam iniciado a atividade sexual5.
Estudos mostram que a iniciação sexual precoce está associada com alguns aspectos da vida dos jovens. Esta é mais freqüente entre os adolescentes do sexo masculino6,7, fumantes, que consomem bebidas alcoólicas2, que usam drogas8, com menor escolaridade2,9,10, que não praticam uma religião9,11,12 e de menor nível socioeconômico10.
Na adolescência, os riscos associados ao exercício inadvertido da sexualidade devem ser considerados13,14,15. O início precoce da atividade sexual associa-se com menor seletividade e um maior número de parceiros sexuais15,16,17, estando ligado a um maior risco de contaminação por doenças sexualmente transmissíveis (DST)16,18,19,20,21,22.
Este Estudo avaliou a idade de início das atividades sexuais e fatores associados em adolescentes de 15 a 18 anos da cidade de Pelotas, RS.
MÉTODO
Delineamento e participantes
Realizou-se um estudo transversal de base populacional em uma amostra representativa de adolescentes com idades entre 15 e 18 anos, residentes na zona urbana da cidade de Pelotas-RS no ano de 200223,24. O desenho amostral adotado foi o de amostragem por conglomerados e tamanho da amostra foi calculado para um estudo amplo sobre comportamentos de saúde em adolescentes. Em função dos seus múltiplos objetivos, o tamanho da amostra calculado através do programa EPI-INFO 6.4 foi de 800 adolescentes. A investigação foi aprovada pelo comitê de ética em pesquisa.
Locus do estudo
O presente estudo ocorreu na zona urbana da cidade de Pelotas-RS, sendo que o instrumento de pesquisa foi aplicado na residência dos participantes.
Instrumentos
Após a obtenção do consentimento por escrito dos pais ou responsável pelo adolescente, o mesmo respondia a um questionário auto-aplicado e sigiloso com questões sobre nível socioeconômico, uso de drogas, tabagismo, atividade física, consumo de álcool, uso de métodos anticoncepcionais, e também, a ocorrência de transtornos psiquiátricos menores. Para avaliar o nível socioeconômico, utilizou-se a classificação da Associação Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercado (Abipeme). Ao final da entrevista o questionário era depositado em uma urna lacrada.
Procedimentos
A partir dos 448 setores censitários da zona urbana desta cidade, 90 setores foram escolhidos aleatoriamente. Em cada um desses setores, foi sorteada uma quadra e uma esquina como ponto inicial, a partir do qual 86 residências foram sistematicamente visitadas. No total, 7740 domicílios foram visitados pela equipe de pesquisa visando à identificação e participação de jovens entre 15 e 18 anos no presente estudo.
No que tange ao processamento dos dados coletados, foram feitas duas digitações no programa EPI-INFO 6.4 e estas foram comparadas para que as inconsistências fossem resolvidas. Na análise estatística foi utilizada a análise de sobrevivência25. A regressão de Cox foi utilizada na análise multivariada e seguiu um modelo hierárquico, onde cada bloco de variáveis de um determinado nível foi incluído e as variáveis com um valor pd"0,20 no teste de razões de verossimilhança permaneciam no modelo. Nesse tipo de modelo, as variáveis situadas em um nível hierárquico superior ao da variável em questão são consideradas como potenciais confundidores da relação entre essa variável e o desfecho em estudo, enquanto que as variáveis em níveis inferiores são consideradas como potenciais mediadores da associação. As variáveis selecionadas em um determinado nível permaneceram nos modelos subseqüentes e foram consideradas como fatores associados com a iniciação sexual mesmo que, com a inclusão de variáveis hierarquicamente inferiores, tivessem perdido sua significância.
RESULTADOS
Foram identificados 1039 adolescentes e 960 (92,4%) foram entrevistados. A mediana da idade da primeira relação sexual foi de 16,7 anos, sendo que os meninos apresentaram uma menor mediana de início das atividades sexuais. A população estudada se caracterizou por encontrar-se no nível sócio-economico C (38,1%), ter em média 16,5 anos de idade e escolaridade de 9 anos ou mais de estudo (58,0%). A maioria ainda relatou índices de escolaridade paterna e materna inferior a 8 anos de estudo, assim como residir com pai ou mãe e não praticar religião. Dos jovens entrevistados, 21,0% possuem trabalho remunerado. Com relação ao uso de substâncias, 43,2%, 16,4% e 8,6% afirmaram ter consumido, respectivamente, bebida alcoólica, tabaco e drogas nos últimos trinta dias. O sedentarismo foi identificado em 374 adolescentes enquanto que 28,9% dos entrevistados apresentaram indicativo para transtorno psiquiátrico menor. No que se refere ao porte de arma de fogo ou branca nos últimos 12 meses, 9,6% dos adolescentes relataram ter carregado, enquanto que 22,8% afirmaram ter participado de pelo menos uma briga com agressão no mesmo período (Tabela1).
Na análise de sobrevivência, três características que demonstraram maior risco para iniciação sexual precoce na análise estatística inicial - baixa escolaridade, consumo de drogas e participação em briga com agressão nos últimos 12 meses - não se mantiveram após o ajuste para o controle das outras variáveis em estudo.
Após a análise de sobrevivência ajustada para o modelo hierárquico proposto, o risco de ter iniciação sexual em uma idade mais jovem foi 86% maior entre os homens (IC95% 1,55 a 2,22). Aqueles adolescentes que não residem com a mãe ou com o pai apresentaram maior risco de ter iniciação sexual mais cedo do que aqueles que residem, 33% (IC95% 1,05 a 1,68) e 36% (IC95% 1,12 a 1,66), respectivamente. O mesmo ocorreu com os jovens que não possuem trabalho remunerado (RH 1,31 IC95% 1,07 a 1,60) ou não praticam sua religiosidade (RH 1,41 IC95% 1,16 a 1,73) (Quadro 1).
Comportamentos como consumir bebida alcoólica ou tabaco no último mês e carregar arma nos últimos 12 meses também se mostraram fatores de risco para uma iniciação sexual em idade mais jovem. Os jovens que relataram uso de álcool mostraram maior risco (HR 1,47 IC95% 1,22 a 1,78) de iniciar sua vida sexual em uma idade inferior em relação aos adolescentes que não utilizaram bebida alcoólica no último mês. No mesmo sentido, os entrevistados que utilizaram tabaco, no mês anterior à realização do estudo, apresentaram risco 30% maior de iniciar sua vida sexual em uma idade mais jovem. Além desses comportamentos aditivos, ter carregado arma nos últimos 12 meses associou-se à iniciação sexual precoce com hazard ratio 1,18 e IC95% 1,13 - 1,93. (Quadro 1).
DISCUSSÃO
O presente estudo avaliou uma amostra representativa dos adolescentes residentes na zona urbana da cidade de Pelotas e buscar captar, ainda que parcialmente, a multiplicidade de fatores que influenciam a iniciação sexual dos jovens nas cidades do Brasil. Em relação à construção da amostra investigada é importante assinalar a taxa de resposta de 92,4%, reduzindo assim a possibilidade de ocorrência de viés de seleção. No que concerne à qualidade da informação coletada, o fato de ter sido usado um questionário auto-aplicado assegurou o sigilo da informação, reduzindo com isso a possibilidade dos entrevistados omitirem as informações relacionadas à sua iniciação sexual. Em contrapartida, pode-se supor um possível viés de informação relacionado à auto-classificação quanto à iniciação sexual, pois indivíduos do sexo masculino talvez tenham relatado o início da vida sexual, mesmo que não tenha ocorrido, para responder a expectativas sociais, podendo ser o oposto para o sexo feminino26, ou seja, as jovens do sexo feminino podem não ter informado o início da atividade sexual. A utilização de questionário auto-aplicado reduz bastante esta possibilidade, mas aspectos como manutenção da auto-imagem e temores em relação à iniciação sexual podem estar presentes prejudicando a resposta ao instrumento.
Os achados deste estudo de base populacional, onde indíviduos do sexo masculino tem chances mais elevadas de iniciar a vida sexual mais cedo, são coincidentes com investigação realizada em escolas do estado de São Paulo e com um estudo de Coker et al. com escolares na Carolina do Sul, Estados Unidos. No estudo realizado em São Paulo com 783 estudantes, a primeira relação sexual ocorreu para 46% dos entrevistados entre os 16 e os 17 anos2 e na investigação da Carolina do Sul, os meninos tiveram 6,8 vezes mais risco do que meninas de ter iniciado a vida sexual com idade precoce18. Assim, estudos em diferentes países e com metodologias diversas encontraram resultados semelhantes entre si e com o senso comum entre os profissionais da área. Este resultado é coerente com as expectativas sociais que continuam pressionando os meninos para uma iniciação sexual precoce como simbolismo de maturidade.
Em relação à associação entre iniciação sexual e comportamentos de risco, os resultados do presente estudo mostram que a iniciação sexual prematura está relacionada com comportamentos perigosos e que apresentam riscos a saúde. Outros estudos transversais também sugerem que aqueles adolescentes que iniciam a vida sexual mais cedo mantêm padrões de comportamento que os colocam em risco19,28. Estes artigos, um deles brasileiro, apontam fatores que são confirmados na presente investigação como carregar armas18,19 e uso de bebidas alcoólicas27. A relação entre uso de bebida e iniciação sexual pode ser explicada pelo uso cada vez mais precoce e indiscriminado de álcool e por sua ação depressora do sistema nervoso central, contudo não foi encontrada a mesma associação significativa entre o uso de drogas e a idade da iniciação sexual, diferente de outro estudo brasileiro sobre o tema4.
A relação com o fato de carregar arma demonstra com a iniciação sexual precoce está inserida em um conjunto de comportamentos de risco para desenvolvimento social e pessoal do adolescente.
Neste estudo, alguns comportamentos que, em outras investigações, estavam associados à iniciação sexual precoce não apresentaram relação estatística tais como escolaridade do adolescente27, nível sócio-econômico10 e briga com agressão física26.
O presente estudo encontrou um resultado muito interessante em relação ao trabalho do jovem e sua iniciação sexual. Neste estudo e no de Cubbin e colaboradores, aqueles adolescentes que trabalham iniciam a vida sexual mais tarde em relação aos que não exercem qualquer função remunerada29. Este resultado pode significar que mais autonomia e uma maior responsabilidade sobre a vida por parte do adolescente pode ser protetor em relação a comportamentos de risco. Neste sentido, para Turner et al. aqueles adolescentes que receberam apoio para autonomia (encorajar a expressão de opiniões e evitar a superproteção) eram menos propensos a manter relações sexuais25.
Em 2001, Rosenthal et al. mostraram que a iniciação sexual tardia estava associada com famílias expressivas, com ênfase moral-religiosa e supervisoras10,30, assim como Leite et al. que encontraram um forte associação entre religiosidade e iniciação sexual12, o que está de acordo com os achados do presente estudo, onde a prática de religião protege o jovem da iniciação sexual precoce, sugerindo uma conexão positiva entre a sociedade em comunidades religiosas e comportamento pró-social10.
Outro achado importante desta investigação foi a relação significativa entre virgindade e família biparental, ou seja, composta por pai e mãe. Outro estudo realizado com adolescentes de 12 a 19 anos em 2001/200231 relatou resultado semelhante. Neste mesmo sentido, uma investigação com puérperas adolescentes revelou que não ter pai efetivamente presente, especialmente do ponto de vista afetivo, é um fator de risco à sexualidade precoce31. Estão relacionados a este resultado, provavelmente, o fato da mãe ficar sobrecarregada com o sustento e a educação quando o pai é ausente e a falta da figura paterna que deve propiciar ao jovem o ingresso na realidade das regras sociais.
Este conjunto de fatores analisados reforça a importância da família na formação do adolescente e da presença parental como fator de proteção aos comportamentos de risco. Contudo, o número de famílias composta apenas pela mãe e seus filhos tem aumentado e deve servir de alerta para a definição de estratégias de enfrentamento do problema a partir de políticas públicas.
Os resultados deste estudo apontam para uma associação entre um conjunto de comportamentos e a ausência de iniciação sexual precoce, adolescentes que trabalham, não usam álcool ou armas, mostram comportamento religioso e tem a presença bi-parental apresentam um menor risco para este comportamento. Estas associações demonstram a complexidade do tema estudado e as dificuldades para o estabelecimento de políticas que reduzam a iniciação sexual precoce e a gestação na adolescência. Fica evidente que ao buscar-se controlar o uso de álcool e a violência se está contribuindo para a redução do problema. Da mesma forma estratégias que reforcem o papel da família e a presença dos pais são positivas. Contudo nenhuma destas variáveis é de fácil intervenção. O uso de álcool está em franco progresso e os casais tem se dissolvido mais rapidamente.
São necessários estudos de coorte que permitam compreender a forma como se desenvolvem os fatores aqui relacionados, estabelecendo, quando possível, relações temporais. Além disso, estratégias preventivas ligadas à família e a autonomia do adolescente parecem ser um bom caminho para garantir uma iniciação sexual mais segura e responsável.
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Endereço para correspondência
Ana Laura Sica Cruzeiro
Universidade Católica de Pelotas
Mestrado em Saúde e Comportamento
Rua Almirante Barroso 1202 - Sala G 107
CEP 96010-280 - Pelotas - RS - Brasil
E-mail: alcruzeiro@gmail.com
Recebido em: 08/02/2008
Modificado em: 08/05/2008
Aprovado em: 28/08/2008
Trabalho realizado pelo Mestrado em Saúde e Comportamento, Escola de Psicologia e Escola de Saúde Universidade Católica de Pelotas.