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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. v.19 n.3 São Paulo dez. 2009

 

PESQUISA ORIGINAL ORIGINAL RESEARCH

 

Acolhendo o acolhedor: o caminho mais curto para a humanização da assistência

 

Colecting the collector: the shortest way to humanization of assistance

 

 

Sandra Dircinha Teixeira de Araújo MoraesI; Cássia Maria BuchallaII; Vitor Engrácia ValentiIII; Lucinéia LeiteIII; Ana Cristina d'Andretta TanakaIV; Hugo Macedo Jr.III; Luiz Carlos AbreuIII

IHospital Maternidade Interlagos-SES-SP, São Paulo, SP
IIDepartamento de Epidemiologia. Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP
IIIDisciplina de Escrita Científica. Stricto Sensu da Faculdade de Medicina do ABC
IVDepartamento de Saúde Materno-Infantil. Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: o acolhimento tem se constituído num potente disparador de mudanças. Este trabalho reflete a satisfação experimentada, resultante da atuação num ambiente altamente sinérgico e produtivo.
OBJETIVO: implantação e implementação da assistência materno-neonatal a partir do acolhimento ao cliente interno.
MÉTODO: realizou-se observação direta do cotidiano em setores distintos do Hospital Maternidade Interlagos (HMI) -SES/SP e seu Ambulatório. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com dois profissionais da equipe multidisciplinar, as quais subsidiaram oficinas de humanização no ambiente hospitalar. Os profissionais foram divididos em áreas de exercício profissional, da administrativa à assistencial.
RESULTADOS: ocorreu implantação do Comitê de Acolhimento e Humanização da Assistência Materno-Neonatal no Hospital Maternidade Interlagos, com participação dos líderes de acolhimento na gerência institucional, provendo melhor desempenho individual e coletivo no exercício laboral na Unidade Hospitalar.

Palavras-chave: humanização da assistência; centros de saúde materno-infantil; acolhimento.


ABSTRACT

INTRODUCTION: the shelter consists in a powerful cause of changes. This work reflects the experimented satisfaction, outcome of the performance in a synergic and highly productive environment.
OBJECTIVE: to implant the maternal-neonatal assistance from the shelter to the internal customer.
METHOD: direct daily observation of in distinct sectors of the Hospital the Maternity Interlagos (HMI) - SES/SP and its out patient sector was performed. Two members of the multidisciplinary team nade semistructured interviews that supported humanization in the hospital environment. The professionals were divided by areas of professional exercise, from the administrative to the assistencial work.
RESULTS: implantation of a Collection and Humanization Committee of the Maternal Assistance occurred in the Hospital Interlagos Maternity, with participation of the leaders of shelter in the institutional management, this providing better individual and collective performance in the activities in the Hospital.

Keywords: Humanization of Assistance; Maternal-Child Health Centers; User Embracement .


 

 

INTRODUÇÃO

O acolhimento, ao se colocar enquanto estratégia para reconfigurar o processo de trabalho nos equipamentos de saúde, pretende otimizar o acesso dos usuários aos serviços de saúde, humanizando as relações entre os clientes interno e externo, em especial no que tange à forma de recepcionar estes usuários e de escutar seus problemas e/ou demandas, numa abordagem que contemple não apenas a dimensão biológica mas também a psicológica, a social e a cultural; aperfeiçoando o trabalho em equipe com a integração e a complementaridade das atividades exercidas por cada categoria, buscando o atendimento segundo os riscos apresentados, complexidade do problema, além do grau do saber e tecnologias exigidas para a solução, critérios esses que também são a base para a definição dos papeis, das competências e responsabilidades de cada categoria profissional, no trabalho em equipe.1

Constitui-se num potente disparador de mudanças, permitindo uma profunda reflexão dos problemas existentes na instituição, os quais, com a mudança do processo de trabalho vem a tona com toda a força: área física inadequada, insuficiência quantitativa e baixa capacitação de Recursos Humanos, ausência e/ou protocolos inadequados, sucateamento da frota de ambulâncias, carência de leitos, falhas dos processos gerenciais, afloraram como problemas emergentes.2

O acolhimento deverá ser utilizado para desenvolver ações de promoção, prevenção e assistência e vincular o usuário ao sistema de saúde. Partindo do pressuposto que a humanização do ambiente de trabalho e por conseqüência da assistência a saúde é uma questão de atitude de cada profissional envolvido, todos esses questionamentos que apontavam falhas na instituição, na prática, permitiram a articulação de respostas, a redefinição de papéis e de redes de ajuda, o maior apoio da proposta de mudanças por parte do gestor, exigindo, sem dúvida, maior mobilização de todos os autores3. Assim, o objetivo é promover a implantação e implementação da assistência materno-neonatal a partir do acolhimento ao cliente interno.

 

MÉTODO

O Hospital Maternidade Interlagos (HMI) e seu Ambulatório pertencem a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e atendem gestantes/parturientes de baixo e alto risco. O HMI realiza, aproximadamente, 600 partos/mês, oscilando as taxas de cesariana entre 30 e 40% do total de partos.

A região onde está localizado o HMI tem aproximadamente 650.000 habitantes, sendo que 35% destes habitantes são constituídos por mulheres em idade reprodutiva sendo este hospital o único equipamento público de atendimento especializado à mulher no ciclo gravídico-puerperal. Conta com 96 leitos, sendo que quatro são destinados à Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Adulto e 12 de Unidade de Terapia Intensiva Neonatal.

Realizou-se estudo qualitativo no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2002 junto ao cliente interno do HMI e seu ambulatório. Foi definida como cliente interno a totalidade dos profissionais de que exercem labuta no ambiente do HMI.

Os setores avaliados foram: Recepções, Unidades de Terapia Intensiva Neonatal e Adulto, Unidade Pré-Parto, Centro Obstétrico, Alojamento Conjunto, ambientes de espera das consultas ambulatoriais e do pronto-atendimento, bem como ambiente das Diretorias da Instituição e de seu Ambulatório.

Utilizou-se a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo como estratégia para a elaboração da pesquisa, a qual busca produzir uma opinião coletiva4, pela agregação, num discurso-síntese redigido na primeira pessoa do singular, dos conteúdos de depoimentos individuais que apresentam sentidos semelhantes ou complementares, constituindo um discurso síntese, tendo como fundamento a teoria da Representação Social e seus pressupostos sociológicos.

A técnica consiste basicamente em analisar o material verbal coletado em pesquisas que tem depoimentos como sua matéria prima, extraindo-se de cada um destes depoimentos as Idéias Centrais ou Ancoragens e as suas correspondentes expressões-chave; com as Idéias Centrais/Ancoragens e expressões-chave semelhantes compõe-se um ou vários discursos-síntese que são os Discursos do Sujeito Coletivo4. Desta maneira, o DSC constitui numa técnica de pesquisa qualitativa criada para fazer uma coletividade falar, como se fosse um só indivíduo.4

De acordo com Lefèvre4, é possível entender como uma das possíveis contribuições práticas do DSC a de treinar a escuta, pelo especialista portador do conhecimento instituído, do mundo empírico como um outro, com o qual ele deve interagir.

Assim, neste estudo foram realizadas entrevistas com dois ou três profissionais de cada especialidade, escolhidos aleatoriamente, como obstetras, anestesiologistas, neonatologistas, intensivistas, residentes, diretores de serviço, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, psicólogos, assistentes sociais, nutricionistas, funcionárias do laboratório, da farmácia, do banco de leite, da recepção, serviço de apoio ao usuário, seguranças, motoristas de ambulância, sendo estas com conteúdos semelhantes para os diferentes profissionais, tentando apreender as questões peculiares de cada especialidade para confeccionar o roteiro das perguntas definitivas.

As entrevistas foram gravadas, transcritas, lidas várias vezes pela pesquisadora e posteriormente analisadas juntamente com alguns trabalhadores de fora da instituição como uma epidemiologista, uma psicóloga, uma antropóloga como também profissionais da instituição, como obstetras, neonatologistas, anestesiologistas, assistente social e diretoria do serviço de apoio ao usuário.

Realizaram-se oficinas (quatro módulos para cada grupo de profissionais) de sensibilização/capacitação para todos profissionais da recepção e do pronto-atendimento do HMI. Esses profissionais foram divididos como integrantes da área administrativa e da área assistencial. Estes grupos foram divididos em A e B, plantão par e plantão impar.

A duração de cada módulo das oficinas foi de 1h30min. Todas as informações obtidas e captadas nestas oficinas foram analisadas pela pesquisadora. No primeiro módulo das oficinas foram levantados os pontos negativos dos setores de trabalho e da instituição como um todo e sugestões para reverter em curto, médio e longo prazo esta problemática. Estes dados foram analisados e encaminhados à direção do hospital, que gradativamente foi atendendo às demandas evidenciadas. Foram redefinidos papéis funcionais e reparados alguns erros/incidentes que aconteciam no Hospital Maternidade Interlagos e Ambulatório.

No processo de realização das oficinas, foi contemplada quase a totalidade dos funcionários do HMI, optando-se por dividi-los em dois grupos: integrantes da área administrativa e da área assistencial. Na área administrativa foram inseridas as secretárias das diversas diretorias, diretores e assessores, funcionários do Serviço de Arquivo Médico e Estatística (SAME), Recepção de Pacientes, Serviço de Apoio ao Usuário, seguranças, motoristas de ambulância, auxiliares de limpeza, telefonia, rouparia, zeladoria, Recursos Humanos. Os da área Assistencial foram os médicos de todas as especialidades, enfermeiras, enfermeiras obstétricas, auxiliares de enfermagem, psicólogas, assistente social, biólogo, nutricionista, farmacêutico.

Foram estudados os trabalhos dos distintos grupos de profissionais, com o objetivo de analisar concepções de agentes sobre o sentido da humanização da assistência, trabalho em equipe interdisciplinar e as evidências do caráter coletivo desse trabalho. Tomou-se, como referenciais teóricos, um instrumento de Humanização do Ministério da Saúde, intitulado Parto, aborto e puerpério: assistência humanizada à mulher e demais textos de Apoio sobre Acolhimento e Humanização da Assistência Materno-Neonatal.5,6

O "Comitê de Acolhimento e Humanização da Assistência Materno-Neonatal" foi sendo implantado, sendo constituído por um representante efetivo e um ou dois suplentes, em cada setor de trabalho, eleitos pelos seus pares, com mandato de dois anos, teve sua estrutura sedimentada e balizada nos resultados das oficinas de sensibilização de humanização.

Posteriormente procedeu-se a oficinas de capacitação para esses líderes setoriais de Acolhimento e Humanização da Assistência Materno-Neonatal das diversas áreas de trabalho da instituição. A partir das observações destes profissionais referentes aos pontos de desumanização (pontos negativos) e de humanização (pontos positivos) dos seus setores de trabalho e da instituição como um todo, procedeu- se à elaboração do protocolo (funções, direitos e deveres) desses líderes setoriais de acolhimento. Para tal, realizaram-se duas oficinas, com duração de aproximadamente duas horas cada, intituladas "Limites e Possibilidades dos líderes de Acolhimento e Humanização da Assistência Materno-Neonatal do HMI".

Em pesquisa realizada junto a médicos de cada especialidade do HMI constatou-se que os mesmos não gostariam de ser capacitados nos mesmos eventos que os demais profissionais. Realizaram-se então Oficinas para Sensibilização/Capacitação de Médicos (obstetras, neonatologistas e anestesiologistas) em finais de semana para modificações necessárias e humanizadoras do Protocolo vigente e estratégias de implementação/implantação de Protocolos elaborados pelos próprios funcionários em oficinas de sensibilização/capacitação.

Iniciando a capacitação dos profissionais do HMI, foram realizados, o I Curso Humanização do Parto e Nascimento, realizado no período de 14 e 15 de fevereiro de 2002 e o II Curso de Humanização do Parto e Nascimento, realizado no período de 20 e 21 de junho de 2002.

Analisando a fala de determinados médicos, entendeu-se que seria melhor não colocar a palavra "humanização" no curso, intitulando-se I e o II Curso sobre Qualidade na Assistência Materno-Neonatal, nos dias 28/07/03 e 06/09/2003, para os médicos obstetras, neonatologistas, anestesiologistas e enfermeiras obstétricas que compareceram no 1º módulo mesmo sem terem sido inscritas, compareceram ao curso tal o alcance que este obteve entre os profissionais diretamente ligados ao binômio mãe-bebê.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na avaliação das oficinas com o cliente interno, estando aí incluídos os líderes setoriais de acolhimento, foi marcante, após a sensibilização que ocorreu na primeira oficina, a vontade da maioria dos profissionais em transformar as realidades do HMI e seu Ambulatório no sentido de ser implantada a Humanização da Assistência Materno-Neonatal, acolhendo o cliente externo com resolutividade da sua demanda.

Observou-se que, nos distintos ambientes estudados, os profissionais projetavam a perspectiva de "equipe integração", embora ainda se encontre em situações de agrupamento, estando o Ambulatório do HMI mais próximo do que foi denominado "equipe integração". Também observou-se que a diferença técnica dos trabalhos especializados trans-mutava-se em desigualdade valorativa dos mesmos.

Em relação à interação profissional

Vários funcionários, principalmente os não médicos, referiram que não eram respeitados como profissionais pelos seus colegas de trabalho e pelos seus superiores. Os discursos abaixo refletem bem esta questão.

"Ninguém mais respeita o auxiliar de enfermagem. Nós estamos ao lado da paciente desde o momento de sua internação, do nascer, até a morte, nas suas complicações (quando eles mais precisam), na sua angústia e na sua depressão, mesmo assim estamos ali, trabalhando e dando todo o apoio, sendo contratado ou efetivo, sendo que o funcionário contratado trabalha muito e não é reconhecido, porque não pode nem sequer fazer alguma queixa, porque: Olha seu contrato não vai ser renovado. Isso é descriminação, falta de alma e desumanização. Os auxiliares não têm oito folgas enquanto que as enfermeiras tem. Falta acolhimento entre os companheiros de trabalho e de humanização com os pacientes. As colegas faltam e não avisam, não tem consideração pelos colegas do plantão. É aconselhável a presença constante do médico no consultório."

Discurso dos profissionais terceirizados

"Queremos ser tratados como gente, ser respeitados, ser compreendido pelos demais funcionários do HMI. Gostaria que tivesse maior compreensão com os funcionários contratados".

O trabalho em equipe emergiu como modalidade de trabalho coletivo que se configurou na relação recíproca entre as intervenções técnicas dos distintos agentes. No bojo da relação entre trabalhos e interação os profissionais construíam consensos que configuravam projeto assistencial comum, desprovidos de significativos pontos de humanização dos relacionamentos e da assistência, em torno do qual deveria ocorrer a integração da equipe de trabalho.

Queixa da falta de equidade e organização por parte das chefias

"Infelizmente existem dois pesos e duas medidas. Há falta de planejamento das férias dos funcionários, assim prejudicando o andamento dos setores. Falta de organização vindo da chefia da recepção".

Referente à infraestrutura da instituição, a fala que segue é emblemática. Desvela a peculiaridade da instituição que absorve a demanda de outros hospitais públicos como: Hospital Municipal do Campo Limpo, Hospital Grajaú, Hospital Zona Sul e Hospital Pedreira que em determinados períodos suspenderam a internação para reforma no berçário e/ou centro cirúrgico.

"Não concordo com tantas puérperas que ficam nos corredores em macas após o parto, atrapalhando até o nosso andamento no corredor, pois são muitas macas e berços e as puérperas e os RNs são os que mais sofrem naquelas macas. São muito mal acompanhadas e ficam reclamando com os auxiliares. Falta de condições para acomodar as puérperas e os RNs".

Apesar da peculiaridade da infraestrutura, os funcionários sentem-se gratificados quando a população refere, apesar de tudo, a confiança na instituição.

Em relação aos direitos dos usuários

Muitos funcionários, apesar de não terem conhecimento sobre o direito dos usuários quanto à presença do acompanhante, referem que esta ausência causa muito prejuízo e ansiedade às gestante/ parturientes/ puérperas.

(...) "No Alojamento conjunto a paciente fica ansiosa aguardando a visita, notícias de casa, mas embora em horários restritos ela pode receber a família e amigos enquanto que no Centro Obstétrico e na Recuperação pós anestésica ela não tem acesso aos familiares".

(...) "É preciso a liberação do acompanhante e sensibilização de todos os médicos para o parto humanizado".

"Gostaríamos que as pacientes da semi-intensiva tivessem um acompanhamento mais organizado, para que elas não ficassem tão ansiosas e tanto tempo hospitalizadas, pois elas ficam bastante depressivas, embora estamos aqui para dar todo apoio a elas".

Referente aos pontos positivos

Apesar da violência no ambiente de trabalho, percebida e relatada por grande parte dos profissionais é visível interação profissional em certos setores.

"Dentro do DP não temos problemas, somos uma equipe unida sempre tentando colaborar com os colegas. Por isso somos taxados como panelinha". (func. DP)

(...) Em certos setores ainda existe coletividade e companheirismo (func ambulatório)

"Temos entre nós simpatia, alegria e comunicação. Temos um bom relacionamento entre os funcionários do setor".

Várias reportagens em jornais da região, referiram a qualidade do acolhimento e da assistência do HMI. Observou-se diminuição gradativa das taxas de cesárea, mesmo aumentando as internações de gestação de alto risco.

Com o desenvolvimento e manutenção do programa "Acolhendo o acolhedor: o caminho mais curto para a humanização da assistência", espera-se que a transformação idealizada pelo clientes interno e tão merecida pelo cliente externo possa de fato ocorrer, tendo em vista que já se observam significativas mudanças ambientais nos diferentes setores do Hospital e Ambulatório.

É meta do então implantado Comitê de Acolhimento e Humanização da assistência materno-neonatal do HMI, garantir em 100 % dos setores da instituição a participação dos trabalhadores na gestão e organização do processo de trabalho

Frente à instituição do Programa de Humanização no Pré Natal e Nascimento pelo Ministério da Saúde em junho de 2000, os hospitais da rede SUS sentiram se na obrigação de reverem suas praticas.

As equipes são conscientes de que de nada adianta pretender fazer mudanças organizacionais ou culturais sem antes sensibilizar e preparar o cliente interno para que essas mudanças aconteçam. As mudanças reais dentro das instituições somente ocorrem a partir dos funcionários e lideranças. Para promover uma assistência humanizada, acolhedora, o primeiro passo foi sensibilizar os profissionais e prepará-los antecipadamente para a mudança, tendo em mente de que esse é não só do departamento de Recursos Humanos mas dos responsáveis pela implementação da mudança. Foi indispensável preparar o ambiente psicológico adequado para a mudança e fazer com que as pessoas aprendessem a aprender e inovar. Sem isto, a mudança será apenas ilusória.

Contudo, a dificuldade maior é que a maioria dos gerentes e lideranças encontra-se acostumados a trabalhar com a atenção voltada para assuntos físicos e concretos. Com dados previsíveis e de compreensão lógica, isto é, sabem lidar com extrema facilidade e perícia com coisas reais e palpáveis, sejam elas máquinas, equipamentos, materiais, computadores, produtos, serviços etc.

Porém, tem enorme dificuldade e imperícia em lidar com pessoas. Aí residem os maiores problemas para fazer acontecer a mudança dentro das empresas. As diretrizes tomadas pelo Ministério da Saúde no sentido de mudar e de humanizar os serviços de saúde esbarram quase sempre com uma grande inabilidade do campo de fazer o acolhimento acontecer através dos próprios funcionários. E apesar da forte vontade de mudar, a mudança simplesmente não acontece. Culpa das pessoas? De quais?

Os paradigmas existentes moldaram profundamente o comportamento e atitude das pessoas. Assim, os profissionais ou lideranças por uma série de razões reagiram às mudanças, desde a resistência passiva até a tentativa de sabotá-la ou sincera e profunda adesão. A resistência à mudança pode ter sido conseqüência de aspectos lógicos, psicológicos e, sobretudo sociológicos.7

Sabe-se que toda mudança em uma organização representa alguma modificação nas atividades cotidianas, nas relações de trabalho, nas responsabilidades, nos hábitos e comportamentos das pessoas que são os clientes internos da organização. Enquanto a não-mudança requer significativo volume de acomodação e de ajustamento das pessoas à rotina diária, a mudança significa variações e alterações nessa rotina. Porém, não são todas as mudanças que impactam as pessoas.8

É que as pessoas têm um limiar de sensibilidade a elas. Até certo limiar de sensibilidade, a mudança é um evento diário e comum nos ambientes organizacionais e quase sempre passa despercebida pelas pessoas. Essas mudanças tênues podem ocorrer nos objetivos organizacionais e quase sempre são ignoradas quando ocorrem em um nível quase imperceptível às pessoas. Mas quando a mudança é grande e forte, isto é, ultrapassa o limiar de sensibilidade das pessoas, ela aguça a atenção e traz certo impacto a elas, causando-lhes preocupação, aflição e ansiedade, principalmente quando sua natureza e conseqüências são desconhecidas. Em alguns casos, provocando até o medo e pavor diante de uma situação nova e desconhecida. Assim é a mudança percebida pelas pessoas e não a mudança real e objetiva, que determina o tipo de reação que elas irão desenvolver. Portanto, vale a pena conhecer os motivos do medo e da resistência das pessoas às mudanças que ocorrem ou precisam ocorrer nas empresas.8

Para que a humanização da assistência e o acolhimento ao cliente externo ocorram, é fundamental que exista um ambiente psicológico propício, uma cultura organizacional adequada, um estímulo individual e grupal para a melhoria e para a excelência. Muitos esforços para a mudança organizacional são perfeitamente bem-sucedidos, enquanto outros tendem a transformar-se em redundantes fracassos.9

A maioria desses esforços enfrenta vários problemas. Muitos demandam muito mais tempo do que fora previsto ou desejado, enquanto outros deterioram o moral e quase sempre provocam elevado custo em termos do tempo que os gerentes dedicam aos funcionários para convencê-los e à resolução de distúrbios emocionais decorrentes da mudança. É que os esforços de mudança organizacional quase sempre esbarram ou colidem com alguma forma de resistência humana. Não só dos funcionários, mas inclusive de muitos gerentes.9

Na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) neonatal e na unidade Semi-intensiva os clientes internos aceitaram positivamente as mudanças e adotaram uma postura de simples aceitação, movidos pelos argumentos da direção da instituição e outros adotaram uma postura proativa tomando inclusive a iniciativa pessoal de fazê-la acontecer. No Pré-parto e sala de parto, certos profissionais, especialmente alguns médicos, comportaram-se negativamente em relação às mudanças que estavam ocorrendo reagindo negativamente, por exemplo, à presença das enfermeiras obstétricas e das doulas, desenvolvendo um comportamento de defesa para manter o status quo ou ainda tentando obstruir de maneira velada ou aberta qualquer tentativa de mudança dentro da maternidade.8

Os gerentes e os lideres setoriais foram orientados a não subestimar as reações dos funcionários e nem desprezar o fato de como eles podem influenciar positiva ou negativamente outros indivíduos e grupos durante a implantação da mudança. A resistência às mudanças foi sendo superada à medida que os clientes internos foram educados e preparados antecipadamente para a mudança. A comunicação de idéias e do projeto ajuda determinados profissionais a perceberem a necessidade da mudança e a lógica inerente a ela. O processo de educação e de comunicação envolveu reuniões, discussões, oficinas, relatórios e memorandos. Cada gerente preparou as apresentações em audiovisuais, explicando as mudanças e suas razões para os grupos de profissionais envolvidos no processo.

Na área médica foi necessário um bom relacionamento interpessoal entre os indicadores da mudança e os resistentes. A participação e envolvimento dos resistentes à implantação da mudança consistiu em dar atenção às suas sugestões. A resistência foi sendo neutralizada com um esforço participativo de mudança. Isto representou, inicialmente, profunda mudança na filosofia e na cultura organizacional da empresa, pois a participação e o envolvimento das pessoas foi uma posição eminentemente democrática.

O programa de participação e envolvimento, porém, esbarrou em alguns inconvenientes. Em alguns setores consumiu excessivo tempo de discussões e troca de idéias por seu aspecto altamente democrático. A mudança está sendo lenta e suave com participação e envolvimento da maior parte dos clientes internos.

A resistência continua sendo contornada por meio de facilitação e apoio no sentido de ajudar as pessoas a se ajustarem à mudança. Estas ações incluem aconselhamento, treinamento interno nas novas funções, planos de desenvolvimento e aquisição de novos conhecimentos e novas habilidades para preparar as pessoas para a inovação.4 A instituição tem municiado seu pessoal com as ferramentas e técnicas sobre como fazer a mudança e a inovação. Cada gerente e líder setorial está sendo instruídos sobre o comportamento de mudança e inovação e passam a instruir e educar seus liderados. Com isto, certos gerentes estão se transformando de controlador, supervisor e consequentemente autocrata em educador, orientador, líder, motivador, comunicador e multiplicador dos esforços de mudança.

O programa de facilitação foi e está sendo útil, pois o medo e a ansiedade pareciam estar presentes na base da resistência. O problema desta estratégia é que ela consumiu muito tempo para preparar as pessoas.

Os agentes da mudança têm empregado as abordagens com bastante sensibilidade, obtendo vantagens de seus pontos fortes e limitações e fazendo uma avaliação realista da situação como as taxas de cesáreas que continuam bem superiores às preconizadas pela Organização Mundial da Saúde.10

Cada dia mais de posse dos dados para projetar a mudança e com o conhecimento e energia para implementá-la, os gerentes e lideres setoriais de acolhimento estão aumentando a velocidade da humanização da assistência materno-neonatal. Ademais, atendendo às solicitações dos profissionais de saúde, foram feitas reformas na estrutura hospitalar, como a recepção do pronto-atendimento, sendo viabilizado uma sala de acolhimento, o que propiciou a participação do acompanhante, já desde a admissão no hospital, garantindo a presença do mesmo, para consultas e exames. Esta medida contribuiu para tornar o parto um evento social compartilhado com seu acompanhante de escolha no pré-parto, sala de parto e puerpério imediato (cumprimento da Lei 10241/17-03/99).

Por fim, a resistência à mudança não foi totalmente ruim. A reação dos profissionais trouxe alguns benefícios. A resistência levou as gerências a reexaminar suas propostas de mudança, adequando-as às expectativas das pessoas envolvidas.

Em conclusão, o novo contexto social trouxe novos desafios para o acolhimento e desenvolvimento de ações de humanização com o cliente interno. Solicita-se das instituições formadoras de recursos humanos para saúde a formação de cidadãos críticos, capazes de compreender as implicações do desenvolvimento científico, tecnológico e econômico para a sua qualidade de vida e atuação profissional. É preciso reconhecer que, em uma sociedade em que a tecnologia se faz presente em vários contextos, estas são importantes ferramentas, mas também não deve deixar seduzir-se por elas.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
Sandra Dircinha Teixeira de Araújo Moraes
Posto de Saúde-Escola. Faculdade de Saúde Pública
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP
End,: Av. Dr. Arnaldo, 715
Cerqueira Cesar - São Paulo - CEP 01246-904
E-mail: sandradi@usp.br

Recebido em 16 de maio de 2008.
Reapresentado em 25 de novembro de 2008.
Modificado em 26 de julho de 2009.
Aceito em 12 de agosto de 2009.

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