Journal of Human Growth and Development
ISSN 0104-1282 ISSN 2175-3598
Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. v.19 n.3 São Paulo dez. 2009
PESQUISA ORIGINAL ORIGINAL RESEARCH
Formação em serviço de profissionais da saúde na área de tecnologia assistiva: o papel do terapeuta ocupacional*
In service training for health professionals in assistive technology: the occupational therapists' role
Miryam Bonadiu PelosiI; Leila Regina d'Oliveira de Paula NunesII
IDoutora em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professora adjunta do curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: miryam.pelosi@globo.com
IIDoutora em Educação Especial, Programa de Pós-Graduação em Educação Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: leilareginanunes@terra.com.br
RESUMO
o objetivo é planejar, implementar e avaliar os efeitos de um curso de formação de 40 horas destinado a profissionais da Saúde na área de Tecnologia Assistiva. Participaram do estudo 28 terapeutas ocupacionais e nove fonoaudiólogos e o modelo utilizado foi a pesquisa-ação. No estudo, desenvolvido no município do Rio de Janeiro, os profissionais responderam a questionários e os procedimentos incluíram apresentação de vídeos, atividades simuladas e dinâmicas de grupo relacionadas à Tecnologia Assistiva. Os resultados mostraram que o modelo de cursos pontuais, mesmo quando consideram as necessidades e interesses dos profissionais em formação, não são suficientes para modificar a ação desses profissionais em seus campos de trabalho. Os dados apontaram para a necessidade de continuidade do processo de formação e para a relevância da interlocução com pares mais experientes, para que o profissional possa mudar sua atitude frente ao uso da Tecnologia Assistiva como instrumento de trabalho.
Palavras-chave: terapia ocupacional; tecnologia assistiva; educação continuada.
ABSTRACT
the purposes of this study were to plan, implement and evaluate the effects of a training course in Assistive Technology devised to health professionals. Twenty eight occupational therapists and nine speech pathologists were the recipients of the course offered in an action research model. In the study, conducted in the city of Rio de Janeiro, an active lecture model was employed, through the use of questionnaires, videos, simulated activities and group dynamics concerning the use of Assistive Technology resources. The results showed that this delivery model, in spite of taking into account the recipients´ needs and interests, was not sufficient to change the professionals' actions in their work field. Data pointed out both the need of continuity of the formation process and the relevance of interaction with more experienced peers in order to change the recipients´ attitudes towards the use of Assistive Technology as a work tool.
Keywords: occupational therapy; assistive technology; continuous education.
INTRODUÇÃO
A Tecnologia Assistiva foi definida no Brasil, pelo Comitê de Ajudas Técnicas (CAT), como sendo uma área de conhecimento de característica multidisciplinar que compreende recursos, estratégias, metodologias, práticas e serviços com o objetivo de promover a funcionalidade e participação de pessoas com incapacidades visando autonomia, qualidade de vida e inclusão social.1
O Comitê de Ajudas Técnicas foi criado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República - SEDH/PR através da Portaria 142 de 16 de novembro de 2006, e é composto por um grupo de especialistas brasileiros e representantes de órgãos governamentais. Os objetivos do grupo compreendem a apresentação de propostas de políticas governamentais, promoção de parcerias entre a sociedade civil e órgãos públicos, estruturação das diretrizes da área de conhecimento, levantamento de centros regionais de referência e de profissionais que trabalham na área, incentivo à criação de novos centros de referência, oferta de cursos na área de Tecnologia Assistiva, realização de outras ações com o objetivo de formação de recursos humanos qualificados, além da implementação de propostas de estudos e pesquisas relacionadas com a área de Tecnologia Assistiva.2
Essa área de conhecimento de caráter interdisciplinar possibilita o envolvimento de muitos profissionais no trabalho da Tecnologia Assistiva como engenheiros, educadores, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, psicólogos, enfermeiras, assistentes sociais, oftalmologistas, especialistas em audição, protéticos e outras áreas. Trata-se de uma área constituída pela expertise de muitos profissionais que envolve, ainda, os usuários e seus familiares.
As equipes são constituídas dependendo das necessidades do usuário e considerando as realidades do local onde está sendo desenvolvido o trabalho. No Brasil, muitas vezes o trabalho é implementado a partir do conhecimento de um único profissional. No estudo aqui descrito participaram da formação em serviço terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos.
Na equipe, o fonoaudiólogo realiza a primeira seleção de vocabulário, ensina o sistema de símbolos e promove estratégias de interação utilizando a Comunicação Alternativa. Em seu trabalho, promove as habilidades de fala, percepção auditiva, leitura, escrita e linguagem de seus pacientes. O terapeuta ocupacional possui um papel central no acesso, implementação e integração dos aspectos motores e sensoriais. Desenvolve o uso das mãos ou outra parte do corpo no controle da Tecnologia Assistiva. O terapeuta ocupacional também avalia e realiza a adequação postural nas diferentes atividades do dia-a-dia.4
O aumento na complexidade e na quantidade de equipamentos de Tecnologia Assistiva vem criando a necessidade de uma formação específica do terapeuta ocupacional nessa área e esse aprimoramento é realizado em programas de formação em serviço, workshops, conferências, cursos de curta duração em universidades ou centros de reabilitação, cursos não presenciais e em cursos de graduação.5
O ensino da Tecnologia Assistiva nas escolas de Terapia Ocupacional vem crescendo nos Estados Unidos nos últimos anos. Um estudo realizado em 79 instituições que oferecem o curso de Terapia Ocupacional mostrou que o ensino da Tecnologia Assistiva havia aumentado de 1989 a 1995. Nesse curso foram privilegiados temas como acesso ao meio ambiente e robótica; auxílio para dificuldades sensoriais; Comunicação Alternativa, próteses e órteses. Apenas 10% dos cursos ofereciam menos de 20 horas de formação em Tecnologia Assistiva comparativamente a 50% dos cursos estudados em 1989; 43% dos cursos haviam incluído um ou mais cursos de Tecnologia Assistiva enquanto em 1989 esse percentual era de 29%; 89% dos programas incluíram conteúdo e leituras sobre Tecnologia Assistiva em seu currículo, comparativamente a 54% do estudo conduzido em 19896.
No Brasil, observa-se interesse crescente na área de Terapia Ocupacional com o crescimento dos cursos de graduação no país. Emmel7 assinala que em 1996 existiam dezesseis cursos de graduação de Terapia Ocupacional oferecidos no Brasil e que dois anos mais tarde esse número aumentou para 23. Em 2002, o número de cursos havia aumentado para 32 enquanto que nos Estados Unidos, nessa época, havia mais de 100 cursos de graduação na área.
No levantamento realizado por Palm8, existem hoje no Brasil 58 cursos de Terapia Ocupacional. Sabemos que dentro desse universo há instituições que não têm aberto inscrição do vestibular para Terapia Ocupacional e que deixarão em breve de oferecer tais cursos como a Universidade Castelo Branco no Rio de Janeiro e a Faculdade Salesiana de Lins em São Paulo. Mesmo assim, o número de cursos na área teve um crescimento significativo nos últimos sete anos.
O recém criado curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, preocupado com a necessidade de formação de profissionais na área de Tecnologia Assistiva, apresenta em seu currículo uma disciplina obrigatória de Tecnologia Assistiva em Terapia Ocupacional, de 120 horas, e uma disciplina eletiva de Comunicação Alternativa em Terapia Ocupacional e Fonoaudiologia com carga horária de 60 horas. Além das disciplinas, o curso conta com um laboratório de Tecnologia Assistiva e um laboratório específico para Comunicação Alternativa.
Com pouco mais de 9000 profissionais no país9, comparado com os 100.000 que trabalham nos Estados Unidos10, constituímos ainda um pequeno grupo de profissionais que vem se apropriando da especificidade do trabalho na Tecnologia Assistiva.
O trabalho do terapeuta ocupacional na Tecnologia Assistiva envolve a avaliação das necessidades dos usuários, suas habilidades físicas, cognitivas e sensoriais. O profissional avalia a receptividade do indivíduo quanto à modificação ou uso da adaptação, sua condição sociocultural e as características físicas do ambiente em que essa adaptação será utilizada. O terapeuta ocupacional promove a instrução do uso apropriado do recurso de Tecnologia Assistiva e orienta as outras pessoas envolvidas no uso dessa tecnologia11.
A especificidade do trabalho do terapeuta ocupacional na Tecnologia Assistiva envolve a ênfase que é dada na função, ou seja, na habilidade de realizar tarefas específicas em casa, na escola ou no ambiente educacional. A Tecnologia Assistiva possibilita ao terapeuta ocupacional estimular a função e reduzir a interferência da deficiência na realização de atividades funcionais de maneira independente.11,12
Desta maneira, o objetivo é planejar, implementar e avaliar os efeitos de um curso de formação de 40 horas destinado a profissionais da Saúde na área de Tecnologia Assistiva no município do Rio de Janeiro.
MÉTODO
O projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro e foi aprovado em 28/09/2004 com o protocolo CEP SMS-RJ Nº 03/2004.
Participaram do estudo 28 terapeutas ocupacionais e nove fonoaudiólogos. Os profissionais que atendiam crianças em idade escolar tiveram prioridade na formação do grupo que foi acrescido por terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos que não trabalhavam com crianças em idade escolar, mas atendiam pacientes que necessitavam da Comunicação Alternativa e Ampliada.
O estudo foi desenvolvido no Centro Integrado de Atenção a Pessoa Portadora de Deficiência Mestre Candeias - Ciad, Centro que está localizado na região central do município do Rio de Janeiro e na Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Como mostra o Quadro 1, foram utilizados três questionários de coleta de dados; utilização de recursos de Tecnologia Assistiva em simulações e dinâmicas de grupo além da exposição de vídeos de indivíduos utilizando recursos da Tecnologia Assistiva (TA).
Com o objetivo de realizar um pré-teste e favorecer a organização do curso, os profissionais de Terapia Ocupacional e Fonoaudiologia, participantes do curso, responderam ao Instrumento1 cujos itens abordados foram: avaliação do paciente e determinação do melhor recurso de comunicação; determinação de respostas afirmativas e negativas do paciente que não tinha comunicação oral; indicação de adaptações para escrita; elaboração e utilização de pranchas de comunicação, inclusive no ambiente escolar; adaptação de trabalhos escolares; uso de recursos alternativos para a escrita e a utilização de recursos de alta tecnologia como facilitadores da comunicação oral e escrita.
Ao término do curso, os participantes responderam ao Instrumento 2 com o objetivo de avaliar o conteúdo do curso e traçar os objetivos de trabalho para o grupo de supervisão que se seguiu a essa formação. A avaliação do curso e do professor foi realizada através do Instrumento 3.
Os recursos de Tecnologia Assistiva envolveram: brinquedos adaptados com acionadores; diversos símbolos que incluíram objetos concretos, miniaturas, fotografias, desenho e pictogramas; diferentes tipos de pranchas de comunicação; um kit1 de avaliação; comunicadores artesanais e industrializados e o computador. Para as adaptações das atividades pedagógicas, os instrumentos utilizados foram: órteses facilitadoras da preensão e do posicionamento do punho e braços; prancha inclinada; letras emborrachas, imantadas e em papel; etiquetas como recurso de escrita; livros adaptados com símbolos; máquina elétrica; jogos adaptados e atividades de alfabetização adaptadas com letras ampliadas e símbolos.
As atividades com o computador envolveram o uso do software Boardmaker2 para a criação de pranchas de comunicação e atividades desenvolvidas com o software PowerPoint para facilitar a Comunicação Alternativa e Ampliada e a alfabetização. No laboratório de informática, os participantes experimentaram recursos como: a colméia de acrílico; o mouse adaptado; o apontador de cabeça e órteses para facilitar o teclar. As atividades com o computador foram vivenciadas no Laboratório de Informática da Faculdade de Educação da UERJ e as demais atividades aconteceram no Ciad.
Os vídeos de usuários de Tecnologia Assistiva continham informações sobre a utilização de recursos de Comunicação Alternativa e Ampliada, adaptações de acesso ao computador, atividades de recreação e atividades escolares adaptadas.
O método utilizado foi a pesquisa-ação e a análise dos dados envolveu a análise quantitativa das questões fechadas e análise de conteúdo das questões descritivas. A técnica utilizada foi a de análise categorial, que funciona por operações de desmembramento do texto em categorias, segundo reagrupamentos analógicos16.
Os dados coletados nas perguntas fechadas do estudo foram organizados em banco de dados usando-se os softwares Microsoft Office Access e Excel. O primeiro auxiliou a organização dos dados em categorias para facilitar a análise e o segundo foi utilizado para quantificar os resultados e possibilitar a criação de gráficos ilustrativos.
O curso de formação teve a duração de 40 horas e a carga horária de trabalho foi sugerida pela coordenação da Secretaria Municipal da Saúde, que considerou a dificuldade de liberação dos profissionais das Unidades por um período muito longo. As estratégias de organização das aulas e a escolha dos temas levaram em conta as necessidades e interesses dos profissionais.
O objetivo geral da formação foi o de iniciar a preparação dos profissionais a se tornarem agentes de inclusão escolar. Os objetivos específicos envolveram a capacidade de desenvolver respostas afirmativas e negativas consistentes na criança que não fala, a construção de pranchas de comunicação e sua implementação em casa e na escola, a indicação de órteses para auxiliar o processo de escrita, a determinação da melhor forma de acesso ao computador e a adaptação do material escolar.
Os participantes receberam apostilas com o conteúdo de cada aula e foram disponibilizados livros, artigos, revistas e exemplos de pranchas de comunicação.
Nas atividades práticas com o computador, o grupo selecionou um conjunto de símbolos do software Boardmaker que foi transformado em apostila. Esse material contendo 100 páginas e um CD com softwares gratuitos da área de Comunicação Alternativa foi distribuído a 12 Unidades de Saúde.
RESULTADOS
Resultados do pré-teste
Os resultados do pré-teste, realizado no início do curso de formação em serviço, apontaram para a inexperiência do grupo no trabalho de Tecnologia Assistiva e sinalizaram as diferenças de formação básica entre os profissionais de Terapia Ocupacional e de Fonoaudiologia. A indicação de adaptadores e acessórios para a escrita mostrou-se familiar aos terapeutas ocupacionais, assim como foi para os fonoaudiólogos a construção de pranchas de comunicação.
A maioria dos profissionais desconhecia as estratégias de seleção dos recursos de Comunicação Alternativa (83%) e a utilização de pranchas de comunicação (67%), comunicadores (91%) e computadores adaptados (80%).
Nas questões relacionadas à inclusão escolar, poucos profissionais (24%) assinalaram serem capazes de avaliar e determinar as necessidades do aluno. A avaliação do estágio de alfabetização demonstrou ser mais conhecida pelos fonoaudiólogos (50%), do que para os terapeutas ocupacionais (11%) e menos de 15% dos profissionais consideraram-se capazes de realizar adaptações para atividades de matemática ou de leitura e escrita.
Avaliação do conteúdo do curso
Os itens satisfatoriamente abordados durante o curso, na opinião dos participantes, foram: os conceitos de Tecnologia Assistiva e Comunicação Alternativa e Ampliada, os profissionais que trabalham na área, o papel do terapeuta ocupacional e do fonoaudiólogo na equipe, a seleção do aluno que necessita da intervenção e a percepção de suas respostas. Em relação aos recursos, os participantes consideraram satisfatoriamente abordados os temas relacionados a: símbolos utilizados na Comunicação Alternativa e Ampliada, recursos de baixa tecnologia, construção do kit de avaliação, confecção e utilização do acionador artesanal e confecção do interruptor de pilha e do comunicador artesanal.
Os temas que foram considerados, pelos participantes, como insuficientemente tratados durante o curso foram trabalhados na supervisão que se seguiu ao mesmo. Os tópicos merecedores de maior atenção no período de supervisão foram: as estratégias para o desenvolvimento da Tecnologia Assistiva, a avaliação do paciente na área de Tecnologia Assistiva e a construção da prancha de comunicação envolvendo itens como a seleção de vocabulário, técnica de seleção e o uso do Boardmaker. Aspectos relacionados ao auxílio do processo de inclusão escolar como adaptação de atividades de pré-alfabetização, alfabetização e leitura e os recursos alternativos para a escrita também foram considerados. Finalmente, foram assinalados os recursos de alta tecnologia como o uso do computador.
Avaliação da professora/pesquisadora e do curso
A avaliação que os participantes do projeto fizeram da pesquisadora foi bastante favorável. Para a totalidade dos profissionais, a professora do curso foi assídua ao ministrar as aulas, demonstrou domínio no assunto do curso e revelou clareza e objetividade na exposição. Para a maior parte dos participantes, a pesquisadora organizou o curso adequadamente (86%), estimulou a discussão em aula (90%), a participação dos alunos (90%) e o bom relacionamento entre o aluno e o professor (97%).
Nas perguntas abertas onde os participantes listaram suas considerações sobre aspectos favoráveis e desfavoráveis em relação ao curso e ao professor foram citados temas como: domínio do conteúdo pelo professor, o bom relacionamento com os alunos e a paciência ao ministrar as aulas (69%); a organização do professor, a objetividade e a boa dinâmica (52%), excelente disponibilidade em relação aos materiais didáticos e bons exemplos (45%); além de outros como o destaque favorável feito às aulas práticas, o estímulo ao uso do computador e o incentivo à implementação do trabalho de Comunicação Alternativa e Ampliada nas Unidades de Saúde.
A avaliação que os profissionais fizeram do curso revelou que os objetivos iniciais foram alcançados (76%), o conteúdo do curso mostrou-se adequado à sua prática profissional (80%), as atividades práticas do curso foram úteis para auxiliar o trabalho de Comunicação Alternativa e Ampliada na sua Unidade de Saúde (90%) e o curso desenvolvido correspondeu aos interesses e aspirações dos participantes (73%).
Os pontos desfavoráveis do curso e/ou professor foram: o uso das dependências da Universidade do Estado do Rio de Janeiro como local para o desenvolvimento das aulas práticas devido à sua localização, a realização do curso com profissionais de duas áreas da Saúde, o número excessivo de participantes, e a falta de uma fonoaudióloga para ministrar as aulas. Outros aspectos apontados foram: o pouco tempo de curso, o ritmo acelerado, a época do ano (novembro e dezembro) e o tempo reduzido para as aulas práticas.
DISCUSSÃO
Muito se discute em relação à formação continuada de professores e sua realidade de sala de aula e muito pouco se fala sobre a formação dos profissionais da saúde. Os princípios são os mesmos e os estudiosos da formação continuada em Educação podem contribuir para discutir a formação desses outros profissionais, considerando um locus de ação diferente. Candau14 aponta para a discussão de que o locus da formação dos professores deve priorizar o espaço educacional e estar relacionado ao trabalho coletivo da escola. Discutimos neste texto a necessidade de aproximar a discussão com os profissionais da saúde no seu espaço de trabalho considerando a realidade do Sistema Único de Saúde em que estão inseridos.
A política de formação deve estabelecer parcerias com universidades e/ou outras instituições governamentais e não-governamentais com o objetivo de contribuir para o planejamento e desenvolvimento dos programas de formação.
A formação em serviço proposta neste estudo compreendeu atividades de formação que se realizaram nas Unidades de Saúde, além de outras atividades que, apesar de não estarem inseridas no espaço de trabalho dos terapeutas, foram conduzidas considerando-se suas realidades de trabalho14. A formação objetivou atender os interesses do grupo de terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos, trabalhou com um grupo homogêneo e incluiu os próprios terapeutas na elaboração do curso. Considerou a experiência prévia dos participantes e seus interesses profissionais e caracterizou-se por uma ação contínua que seguiu a demanda do grupo com a implementação de novas etapas de formação.15
A formação em serviço proposta objetivou integrar teoria e prática e discutir o cotidiano dos profissionais envolvidos. A formação foi concebida em parceria com os profissionais que participaram da formação e integrada aos projetos coletivos e institucionais, considerando suas realidades15,16.
A proposta de um curso de 40 horas para um grupo que desconhecia a Tecnologia Assistiva teve o objetivo de sensibilizar seus participantes para o aprendizado de um novo conhecimento. Esse foi o objetivo dessa formação que utilizou, como estratégia de apoio, vídeos de crianças com idades variadas e com possibilidades distintas de comunicação fazendo uso de recursos de baixa e alta tecnologia, atividades práticas com exploração e confecção de recursos, e experimentação de estratégias de trabalho na área da Tecnologia Assistiva.
Os aspectos conceituais mais rapidamente assimilados pelos participantes foram : os conceitos de Tecnologia Assistiva e Comunicação Alternativa e Ampliada, os profissionais que trabalham na área, o papel do terapeuta ocupacional e do fonoaudiólogo na equipe e a seleção do aluno que necessita da intervenção.
Os temas apresentados a partir de atividades práticas tiveram um alto índice de aprendizado entre os professores. Foram eles: a percepção das formas de comunicação das crianças (abordadas com o auxílio do vídeo), e os tópicos apresentados a partir da experimentação dos recursos e elaboração de atividades em sala de aula como: os símbolos utilizados na Comunicação Alternativa e Ampliada, os recursos de baixa tecnologia, a construção do kit de avaliação, a confecção e utilização do acionador artesanal, do interruptor de pilha e do comunicador.
Os assuntos que exigiam maior experiência do participante na área de Tecnologia Assistiva foram assinalados como insuficientemente trabalhados. Foram eles: as estratégias para o desenvolvimento da Tecnologia Assistiva, a avaliação do aluno na área de Tecnologia Assistiva e a construção da prancha de comunicação envolvendo itens como a seleção de vocabulário, técnica de seleção dos símbolos, o uso do Boardmaker e o uso do computador adaptado.
Alguns tópicos dependiam da apropriação do conhecimento básico da Tecnologia Assistiva para serem aprendidos e foram apenas apresentados durante o curso. Fizeram parte dessa lista os aspectos relacionados ao auxílio do processo de inclusão escolar como: adaptação de atividades de pré-alfabetização, alfabetização e leitura e os recursos alternativos para a escrita. Esses tópicos também foram assinalados como insuficientemente trabalhados.
Os pontos desfavoráveis do curso, apontados pelos participantes, foram considerados pela pesquisadora na organização da continuidade da formação. As dependências da UERJ não foram mais utilizadas para as atividades práticas, o número de participantes foi reduzido e as supervisões foram distribuídas ao longo do ano.
Outro aspecto que não pode ser atendido foi a presença de uma fonoaudióloga com conhecimento na área de Tecnologia Assistiva que pudesse auxiliar na formação do grupo. Entretanto, não fazia sentido dividir o grupo por área de formação, pois a proposta era de integração dos participantes.
Em síntese, em que pese a necessidade de aprofundamento em muitos aspectos do curso para que os profissionais da área da Saúde verdadeiramente se apropriassem desse conhecimento, o objetivo de sensibilizar os profissionais para o trabalho da área de Tecnologia Assistiva foi cumprido.
A análise dos dados confirmou a necessidade de continuidade do processo de formação em serviço, pois o curso não havia sido suficiente para suprir as necessidades do grupo. Faltavam subsídios para a implementação dos projetos-piloto do serviço de Tecnologia Assistiva nas Unidades de Saúde e posterior trabalho conjunto entre os profissionais da área de Saúde e Educação na inclusão de alunos com quadro de paralisia cerebral, objetivo maior do projeto de pesquisa que originou a tese de doutorado intitulada Inclusão e Tecnologia Assistiva.1
Ao término do curso, foram selecionadas cinco Unidades de Saúde que acompanhavam crianças em idade escolar. Foram selecionados os NAIDIs (Núcleo de Assistência Interdisciplinar ao Desenvolvimento Infanto-Juvenil) do município e o Ciad (Centro Integrado de Atenção a Pessoa Portadora de Deficiência Mestre Candeias) por acompanharem crianças e jovens em idade escolar.
Participaram dessa etapa, 15 terapeutas ocupacionais e quatro fonoaudiólogas foram escolhidos por trabalharem nos locais escolhidos e terem participado do curso de formação. As supervisões aconteceram ao longo de um ano com duração de quatro horas cada encontro, e vários encontros aconteceram no próprio local de trabalho dos participantes.
A última etapa da formação envolveu a ação na escola de quatorze professores itinerantes, cinco terapeutas ocupacionais e três fonoaudiólogas que haviam participado das formações anteriores, além de diretores de quatro escolas selecionadas, quatro alunos e seus familiares, quatro professores de turma e cinco de aulas complementares. O grupo de profissionais que havia participado das formações anteriores trabalhou conjuntamente com os profissionais que atuaram no campo em atividades de supervisão por mais um ano.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A formação em serviço dos profissionais da Saúde considerou a realidade dos profissionais envolvidos, propôs continuidade das propostas de formação por mais dois anos, a partir da necessidade do grupo e integrou aspectos teóricos e práticos ao discutir o cotidiano dos profissionais.
O curso, apesar das avaliações positivas que recebeu de seus participantes, não foi suficiente para atender às demandas do grupo. O problema, tampouco, esteve relacionado ao formador, pois esse também foi positivamente avaliado.
A relevância do estudo foi mostrar que o modelo de cursos pontuais, mesmo quando consideram as necessidades e interesses dos profissionais em formação, não são suficientes para modificar a ação desses profissionais em seus campos de trabalho. Discussões são necessárias, ao longo do tempo, para que os novos conhecimentos aprendidos possam ser sedimentados e, então, utilizados.
O conhecimento precisa ser incorporado às distintas realidades de cada formando e essas incluem sua história profissional, seu local de trabalho, a característica de sua clientela e os recursos disponíveis.
Finalmente, o profissional em formação necessita de pares mais experientes como interlocutores após suas idas ao campo, para que possa mudar sua atitude frente ao uso da Tecnologia Assistiva como instrumento de trabalho.
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Endereço para correspondência
Leila Regina d'Oliveira de Paula Nunes.
Rua dos Artistas 204, apto 104.
Vila Isabel - Rio de Janeiro - RJ - CEP: 20511-130
Recebido em 22 de julho de 2009.
Aceito em 30 de agosto de 2009.
* O estudo compõe a tese de doutorado financiada pelo CNPq e FAPERJ intitulada: Inclusão e Tecnologia Assistiva defendida pela primeira autora em março de 2008 no Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
1 O kit de avaliação é um conjunto de símbolos e recursos de Tecnologia Assistiva organizados com o objetivo de facilitar a avaliação dos potenciais usuários ou usuários da Tecnologia Assistiva. O kit de avaliação deve ser organizado considerando as características da clientela/alunado atendidos. Podem fazer parte do kit de avaliação objetos, miniaturas, fotografias, desenhos, pictogramas de vários tamanhos, pranchas de comunicação, comunicadores além do computador e seus programas.
2 O software Boardmaker é um banco de dados gráfico que contém mais de 3.500 símbolos denominados Picture Communication Symbols (PCS). Os Símbolos de Comunicação Pictórica foram criados no início dos anos 80 pela fonoaudióloga americana Roxanna Mayer Johnson e compõe, atualmente, o conjunto de símbolos mais difundido em todo o mundo..