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Barbaroi

 ISSN 0104-6578

Barbaroi  no.33 Santa Cruz do Sul dez. 2010

 

Significados do cuidado materno em mães de crianças pequenas

 

Meanings of maternal care in mothers of toddlers

 

 

Fabiela Aparecida BarbosaI; Lucinéia de Fátima Vidigal MachadoII; Laura Vilela e SouzaIII; Fabio Scorsolini-CominIV

IFaculdades Integradas FAFIBE - Brasil
IIFaculdades Integradas FAFIBE - Brasil
IIIUniversidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM - Brasil
IVUniversidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM - Brasil

 

 


RESUMO

Uma relação mãe-bebê saudável é considerada fundamental para a constituição do psiquismo da criança e também para o desenvolvimento da maternagem. O objetivo deste estudo qualitativo foi compreender os significados do cuidado materno e da experiência da maternagem produzidos e negociados por mães de crianças pequenas. Foram realizadas cinco entrevistas semiestruturadas com mães, entre 22 e 45 anos de idade, com filhos de zero a cinco anos. A análise de conteúdo temática teve a psicanálise como referencial teórico, especialmente na vertente winnicottiana. Foram identificados cinco temas principais nas entrevistas: o holding profissional; a preocupação materna primária; a amamentação e os momentos com o bebê; as angústias e transformações no amor materno; e os sentimentos ambivalentes sobre a gravidez. A atitude do profissional no cuidado dessas mães foi importante para que elas se sentissem seguras para terem seus filhos. A ambivalência dessas mães foi expressa no conflito entre o desejo de ter filhos e as preocupações com as mudanças que ocorreram com a chegada do bebê. Concluiu-se que as mães que encontraram o holding necessário no ambiente foram capazes de sentir as necessidades dos filhos e de compreender a melhor forma de responder a elas, promovendo o desenvolvimento saudável da díade mãebebê.

Palavras-chave: Maternagem; Relação mãe-bebê; Preocupação materna primária; Holding.


ABSTRACT

A health infant-mother relationship is considered essential to the constitution of the child psyche and also to the development of the motherhood. This qualitative research aimed to comprehend the meanings of maternal care and the experience of motherhood produced and negotiated by mothers of babies, toddlers and young children. Five semi-structured interviews with mothers, aged from 22 to 45 years, with children aged from zero to five years, were undertaken. The thematic content analysis used psychoanalysis as theoretical framework, especially Winnicott's work. Five main themes were identified in the interviews: professional holding; primary maternal preoccupation; breastfeeding and moments with the baby; anguish and maternal love transformations; and ambivalent feelings toward the pregnancy. Professional's attitudes in the care of these mothers were important so they could feel secure to take care of their children. The ambivalence of these mothers was expressed in the conflict between the desire of being a mother and the changes involved in that. It was possible to conclude that the mothers who experienced the necessary holding in the environment were able to feel the needs of their children and understand the best way to respond to them, promoting the health development of infant-mother relationship.

Keywords: Maternal care; Infant-mother relationship; Primary Maternal Preoccupation; Holding.


 

 

Introdução

Teodoro falou uma coisa alinhada de perfeita: "a vocação é um afeto" (Adélia Prado).

No ciclo vital, a parentalidade marca não apenas o início de um novo período, mas de transformações que circunscrevem uma nova família, sendo o nascimento de um filho também o de um pai e o de uma mãe (COSTA; ROSSETTI-FERREIRA, 2007; MENEZES; LOPES, 2007). Especificamente a maternidade, para muitos autores, é considerada como um desempenho natural da mãe, fortemente associada à questão biologizante do comportamento humano. Outros encaram a maternidade como uma construção social. Ambas as visões, porém, mantêm a dicotomia entre o inato e o adquirido. Para se entender o desenvolvimento e as relações sociais, aspectos biológicos e culturais devem ser considerados conjuntamente, já que é metodologicamente impossível separar os efeitos dos genes dos fatores ambientais, em qualquer instância de comportamento (ARIÈS, 1978; BADINTER, 1985; FREITAS, 1997; CARVALHO, 1998; AMORIM, 2002; SCORSOLINI-COMIN; BIASOLI-ALVES, 2006; PERUCCHI, 2008; RAMOS; NASCIMENTO, 2008).

O bebê humano é considerado um ser imaturo, totalmente dependente do outro para garantir a sua sobrevivência. Essa sua total dependência se observa também em relação ao seu ingresso no mundo cultural do grupo social no qual ele está incluído. O bebê nasce dependente do outro (geralmente a mãe). É a mãe ou outro adulto que irá promover a inserção deste bebê no ambiente social, facilitando a sua comunicação e interlocução em um mundo ainda estranho e cheio de novidades. Para os etólogos, as competências trazidas e desenvolvidas pelos bebês só podem ser entendidas se consideradas com relação à sua eficácia no ambiente (CARVALHO, 1998). A díade mãe-bebê teria evoluído como um sistema interativo, sendo a mãe capaz de ser mobilizada pelas reações do bebê, em especial, por meio do componente da afetividade.

Em uma perspectiva histórico-sociológica, Badinter (1985) refere que o amor materno, como hoje o entendemos, teria surgido no fim do século XVIII, como uma espécie de "revolução das mentalidades", por meio da qual a imagem da mãe, de seu papel e de seu comportamento mudaram radicalmente. O amor materno teria passado a assumir um novo conceito, sendo um valor ao mesmo tempo natural e social, favorável à espécie e à sociedade, que promoveu uma modificação radical da imagem e do papel materno. Essas novas regras impuseram à mulher a obrigação de ser mãe e engendraram o "mito do amor materno" como um valor natural. Desde então, promoveu-se um deslocamento do poder paterno, que passou a ser partilhado com a mãe. O caráter de novidade centrava-se na percepção do "ser mãe", naturalmente vinculada à feminilidade, e na abertura de novas possibilidades que o exercício da função materna permitia às mulheres.

Ainda para Badinter (1985), embora a condição da mulher não tenha sofrido grandes alterações neste período, a imagem da esposa/mãe progrediu. Por um lado, foi parte da moderna construção da maternidade, e, por outro, alimentou os valores do amor romântico. A figura da mãe passou a desempenhar um papel mais importante na família, e, notadamente, na criação dos filhos. Badinter (1985) analisa essas mudanças em função de aspectos como a importância adquirida pela criança na sociedade e a expansão da filosofia das luzes, que valorizava a procura da felicidade e os imperativos do amor.

Embora tal perspectiva ofereça um aporte para se pensar a questão da maternidade como sendo socialmente construída, opta-se pela adoção do referencial psicanalítico para que se compreendam os significados da maternidade, tal como vivenciados por mães de filhos pequenos, como será destacado no decorrer do trabalho, fundamentalmente a partir dos estudos de Winnicott (2000; 2005; 2006). Segundo pesquisas teóricas conduzidas a partir de diferentes áreas, notadamente da Psicologia, vinculações familiares seguras na infância estariam ligadas aos relacionamentos afetivos satisfatórios na vida adulta, interferindo em uma apreensão mais positiva da realidade e em uma consequente avaliação positiva da vida (HAZAN; SHAVER, 1987; BARTHOLOMEW; HOROWITZ, 1991; MAIN; GOLDWYN, 1998). Assim, pondera-se que essas vinculações familiares estariam relacionadas à ligação cuidador-criança nos anos iniciais do desenvolvimento, o que nos leva à necessidade de abordar a relação mãe-bebê.

 

A maternidade na família contemporânea

Para Cicco, Paiva e Gomes (2005), o estudo da família e dos modelos de relações conjugais da pós-modernidade é fundamental para a compreensão das mudanças ocorridas nas últimas décadas e de suas implicações para o desenvolvimento e amadurecimento dos indivíduos nos contextos familiares atuais. Nesta sociedade, a família tem sido vista como veículo de fortalecimento de identidades e atenuadora de subjetividades construídas. A família deve ser responsável por construir as identidades individuais de seus membros. A construção dessas identidades, inclusive no âmbito da conjugalidade e da parentalidade, passa pelas transformações sociais e pelas diversas metamorfoses operadas na cultura pós-moderna. A família é o espaço interativo em que se constroem as identidades pessoais, experienciando uma metamorfose e produzindo em seus membros não identidades tão fixas e estáveis, mas sim identidades muito mais flexíveis (CALVO, 2000; CARRASCO, 2000; RAMOS; NASCIMENTO, 2008; SCORSOLINI-COMIN; SANTOS, 2010).

Contemporaneamente, a gravidez e a maternidade são eventos singulares que circunscrevem períodos do desenvolvimento que marcam profundamente a história de vida não apenas das gestantes e futuras mães, como também da família e da rede social constituída pelas pessoas que as acompanham. A maneira como a gestação se inscreve no meio social repercute emocionalmente no modo como a mãe se posiciona diante do mundo e como irá se relacionar com o bebê, o pai, a sua família de origem e a família constituída a partir do nascimento do novo ser (SOIFER, 1992; BARBIERI, 2002; MALDONADO, 2002; PERGHER; CARDOSO, 2008 LEVY; JONATHAN, 2010).

Nesse sentido, os cuidados parentais têm sido colocados como fatores importantes para se pensar tanto o desenvolvimento dos pais como das crianças. Na visão de Bowlby (1990), uma criança que tem pais afetivos e vive em um lar bem estruturado, no qual encontra conforto e proteção, consegue desenvolver um sentimento de segurança e confiança em si mesma e em relação àqueles que convivem com ela. Esse autor ainda considera que o relacionamento afetuoso do bebê com a mãe ou com o pai é fundamental para que todos encontrem prazer e satisfação. Sendo assim, pai-mãe-bebê precisam sentir-se profundamente identificados um com o outro, sendo necessário que a mãe e o pai sintam que sua personalidade expande-se para o filho, interferindo na personalidade do bebê e na sua própria. Essa relação é fundamental para a saúde mental do trio e principalmente do bebê, nos primeiros dias de vida (BOWLBY, 1989; ALEXANDRE; VIEIRA, 2009).

No percurso de construção do conhecimento psicanalítico, a valorização das vicissitudes que envolvem a formação de vínculos afetivos dirigiu a atenção dos psicanalistas para a observação da relação mãe-bebê-família. A despeito das inúmeras particularidades que diferenciam as distintas escolas teóricas em psicanálise, essa relação é tomada como fundante no processo de constituição da subjetividade, assim como é considerada como o princípio de construção da família (FREUD, 1994/1933; KLEIN, 1982; WINNICOTT, 2000). Para compreender a problemática, no presente estudo, o referencial de apoio é o winnicottiano, do qual serão, a partir de agora, explicitados alguns conceitos.

 

A maternagem suficientemente boa

Segundo Winnicott (1983), um bom desenvolvimento emocional dependerá do cuidado materno efetivo. O conceito de holding é utilizado por este autor para sua teorização dos primeiros momentos de relação mãe-bebê e sua influência no desenvolvimento da criança. Tal conceito não se relaciona apenas aos cuidados físicos de uma lactante para com o bebê, mas também ao que o ambiente que o acolhe pode oferecer. Winnicot (1983) refere-se aqui ao relacionamento materno-infantil, o qual se dá no início da infância, quando o lactante ainda não conseguiu separar o self do cuidado materno, no qual ainda há uma dependência absoluta em seu sentido psicológico. É neste estágio que o bebê vai precisar de um ambiente que possa prover o que ele precisa. Suas necessidades fisiológicas são satisfeitas e, nesse momento, a fisiologia não está separada da Psicologia (WINNICOTT, 1983; SANTOS, 1999).

A ênfase no holding físico da lactante está relacionada a uma forma de amar. Esta forma é a única maneira em que uma mãe é capaz de demonstrar seu amor ao bebê. Há mães que têm condições de sustentar, de conter o bebê, outras não. Essas que não conseguem contê-los vão desencadear no lactante uma sensação de insegurança (ABRAM, 2000). Não havendo um holding suficientemente bom, os estágios de dependência (dependência absoluta; dependência relativa; rumo à dependência do lactante) não poderão ser alcançados, e caso o sejam, não se manterão. Os resultados ocasionados de cada falha materna consequentemente vão interromper a continuidade do ser, resultando em um enfraquecimento do ego. Estas interrupções poderão vir a provocar aniquilamento, ligadas ao sofrimento de caráter e intensidade psicótica (WINNICOTT, 1983; 2000).

O conceito de maternagem, por essa leitura psicanalítica, pode ser compreendido como um conjunto de cuidados dispensados ao bebê que visam suprir suas necessidades. Essas, por sua vez, são entendidas por Winnicott (2000) como necessidades de holding. O cuidador materno deve ter a capacidade de perceber como o bebê está se sentindo, reconhecendo, assim, a sua subjetividade (SANTOS, 1999). Segundo Zornig e Levy (2006), o aparecimento do self ocorre partindo do sentimento de continuidade do ser, com base no processo de cuidados maternos, ou seja, como se dão esses cuidados que servem de proteção para o bebê, livrando-o dos excessos pulsionais e também externos. O trauma de nascimento não é estrutural, mas é representado como uma falha, sendo que a descontinuidade está relacionada ao processo de invasão longa e de excessos causados pelo meio ambiente.

Esses autores destacam a importância da boa maternagem, da relação que dá início à construção subjetiva da criança, em que a voz da mãe soa como música para a criança, o olhar da mãe se antecipa às necessidades do bebê, o toque da mãe proporciona-lhe sustentação física e psíquica, sendo essa mãe capaz de compreender tais necessidades e apelos. Zornig e Levy (2006) enfatizam a importância de o ambiente ser provedor, principalmente quando se inicia a vida da criança. A criatividade também se inicia em uma experiência de ilusão nessa relação mãe-bebê, possibilitando que o bebê experimente um sentimento de continuidade de existência, tendo a ilusão de que é onipotente e capaz de criar seus próprios objetos.

A mãe suficientemente boa pode ser classificada como aquela que alimenta o bebê. Dessa forma, o self verdadeiro vai existindo por meio da força dispensada ao fraco ego do lactante, por meio dos complementos, isto é, pela mãe que fortalece a onipotência do lactante, suprindo suas necessidades. A mãe que não é suficientemente boa, que não corresponde às necessidades do lactante e acaba sempre falhando de maneira repetitiva, não complementando a onipotência do lactante, leva-o a interpretar essas falhas de maneira submissa. O estágio inicial do falso self é essa submissão por parte do lactante e, consequentemente, é a falta de habilidade da mãe em sentir suas necessidades (WINNICOTT, 2000).

Para Winnicott (1983), há duas linhas de desenvolvimento possíveis. A primeira é quando a mãe é suficientemente boa, o lactante passa a acreditar nos acontecimentos externos que vão surgindo e começa a renunciar à onipotência (devido à adaptação bem sucedida da mãe, que corresponde aos gestos e às necessidades do lactante). O verdadeiro self vai sendo espontâneo ao se confrontar com os acontecimentos do mundo. A questão é que agora o lactante experiencia a ilusão de ser onipotente, que é capaz de criar e controlar. Dessa forma, aos poucos, vai sendo capaz de identificar o elemento ilusório, o que ocorre devido à capacidade de brincar (WINNICOTT, 1983; MISHIMA; BARBIERI, 2009). Segundo Dias (2003), nenhuma criança é capaz de se tornar uma pessoa real se não estiver sob os cuidados de um ambiente que lhe ofereça sustentação e facilite os processos de amadurecimento emocional. Portanto, "o que existe é o indivíduo em relação ao mundo externo; primeiramente, há a relação de um par corporal e depois entre unidades corporais" (MISHIMA; BARBIERI, 2009, p. 250).

A segunda linha se refere à situação na qual a mãe não consegue se adaptar às mudanças, às alucinações e aos impulsos espontâneos do lactante, ou seja, não consegue ser suficientemente boa. Nesse processo, a capacidade do lactante de usar símbolos não tem início ou é prejudicada (WINNICOTT, 1983). Aqui o lactante fica sozinho, mas, na verdade, permanece vivo, de maneira falsa. O lactante se torna submisso e o seu falso self vai reagir (ao invés de agir) às exigências do meio. O falso self acaba por ocultar o verdadeiro (WINNICOTT, 1983), o que irá repercutir não apenas no desenvolvimento da criança, mas da mãe e da própria família.

Ainda que muitos desses processos ocorram em nível inconsciente, a maternagem, na visão winnicottiana, pressupõe que a mãe se posicione de maneira madura, acolhedora e segura diante do filho, o que não ocorre apenas na ocasião do nascimento e dos cuidados iniciais, mas ao longo de toda a primeira infância, notadamente. Sendo assim, a maternagem acaba sendo um processo que vai se constituindo ao longo do tempo, possibilitando o surgimento de diferentes significados acerca do ser mãe.

A partir dessas reflexões sobre o desenvolvimento de uma maternagem suficientemente boa, na perspectiva winnicottiana, o objetivo deste estudo é compreender os significados sobre o cuidado materno e sobre a experiência da maternagem produzidos e negociados por mães de crianças pequenas.

 

Método

Tipo de estudo

Trata-se de um estudo transversal, seguindo a abordagem qualitativa de pesquisa. O estudo qualitativo não busca a generalização dos dados. Dessa forma, não entende que a quantidade de participantes garanta uma maior aproximação da verdade do fenômeno ou resulte em um estudo mais válido e fidedigno, pois compreende que a produção científica, independentemente da metodologia aplicada, é também uma produção sócio-histórica. Assim, sua relevância científica encontra-se na compreensão das particularidades dos relatos de cada participante, buscando contextualizar cada uma das entrevistas, compreendendo a multiplicidade e a complexidade desse fenômeno (MINAYO, 1999).

Participantes

O critério para participar do estudo foi ser maior de idade e ser mãe de uma ou mais crianças de zero a cinco anos, além de concordar com os termos do trabalho. Sendo assim, foram entrevistadas cinco mães, com idades variando entre 22 e 45 anos, aqui identificadas por nomes fictícios, em respeito às disposições éticas: (a) Pérola: 30 anos, estudante, casada há oito anos, tem dois filhos, um de três anos e outro de seis; (b) Safira: 45 anos, do lar, casada há 10 anos, dois filhos, um de três e outro de cinco anos; (c) Esmeralda: 44 anos, psicóloga, casada há 10 anos, possui três filhos, um de um ano, e outros dois com oito e 12 anos; (d) Rubi: 22 anos, psicóloga, solteira, uma filha de três anos de idade, mora com os pais; (e) Jade: 18 anos, do lar, solteira, possui um filho com dois anos de idade, mora com os pais e a avó. As mães pertencem às camadas socioeconômicas superiores, todas residentes em uma cidade do interior paulista. As voluntárias foram selecionadas a partir da rede de contatos dos pesquisadores.

As entrevistas semiestruturadas foram realizadas na própria residência das mães, durando, em média, 50 minutos. Cada participante foi entrevistada uma vez, totalizando cinco entrevistas. As mães participaram voluntariamente do estudo, por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa das Faculdades Integradas FAFIBE (Protocolo 0125/2009).

Procedimentos

Os pesquisadores estabeleceram o rapport com as participantes, fornecendo as informações e os esclarecimentos necessários acerca dos objetivos e procedimentos concernentes à pesquisa. A coleta dos dados foi efetuada em conformidade com a disponibilidade e motivação das participantes. As entrevistas, realizadas em salas da clínica da faculdade de origem dos pesquisadores, foram audiogravadas e, posteriormente, transcritas na íntegra. Foi feito um diário de campo para o registro de fatos e impressões ao longo da coleta dos dados.

Análise dos dados

Foi utilizado o método da análise de conteúdo temática (MINAYO, 1999). Essa forma de análise é composta por três etapas: pré-análise (organização do material e sistematização das ideias); descrição analítica (categorização dos dados em unidades de registros) e interpretação referencial (tratamento dos dados e interpretações). Assim, uma vez identificados os temas principais, recorreu-se à classificação das falas de acordo com as unidades temáticas, elencadas a partir dos relatos das participantes. No decurso do processo de análise, procurou-se identificar os elementos comuns nos depoimentos, assim como aqueles aspectos considerados ímpares, que se mostraram úteis e significativos para a compreensão almejada pelo estudo. Em seguida, foi realizada a interpretação dos resultados dessa análise, tendo como quadro teórico de referência a abordagem psicodinâmica, notadamente na vertente winnicottiana. Para este estudo, os dados contidos nos diários de campo foram utilizados para a contextualização da pesquisa e das participantes, não sendo analisados em profundidade, tal como procedemos com as entrevistas.

 

Resultados e Discussão

Após a análise das entrevistas, foram reconhecidos os seguintes temas: Holding profissional; preocupação materna primária: amamentação e momentos com o bebê; angústias e transformações no amor materno; e sentimentos ambivalentes sobre a gravidez.

O holding: como a equipe de saúde cuida da mãe e do bebê

Segundo Winnicott (2005), a partir do momento em que os profissionais de saúde conhecem a importância de se trabalhar com a afetividade dos pacientes, acabam por promover mudanças em suas atuações, melhorando a forma como se relacionam com os pacientes e respeitando os limites que há entre a doença física e os processos vitais.

Acerca do relacionamento com o seu médico, Pérola diz que

O médico que fez a ultrassonografia falou que meu filho ia nascer com uma deficiência. Ele não sabia de nenhum médico aqui que fazia aborto, era para eu procurar um. Quando mais precisava de apoio ele me dá uma notícia dessas, ele não foi muito ético.

Pérola parece dizer que o médico não foi muito coerente em sua fala, que se precipitou ao dar-lhe a notícia da possível deficiência do filho, sem preocupar-se com o que ela estava sentindo naquele momento. Ela continua: "A forma que ele me abordou foi terrível, e eu estava sozinha, um dia antes tinham ido minha mãe e minha irmã à consulta junto comigo".

Pérola fala que naquele momento da consulta, em que não estavam presentes os seus familiares, a única pessoa com quem ela poderia contar era o médico, talvez não fosse o momento propício para que ele lhe desse tal notícia. Essa é uma prática que acaba ocorrendo com certa frequência entre os profissionais de saúde como médicos e enfermeiras, que só será evitada quando houver uma compreensão por parte desses profissionais de que não é função deles solucionar problemas de seus clientes, que, por sua vez, podem ser mais maduros emocionalmente que os próprios profissionais que os aconselham (WINNICOTT, 2005). Assim, os profissionais de saúde não devem subestimar os recursos dos pacientes, mas devem oferecer apoio e desenvolver uma atitude empática e de acolhimento, o que era reclamado por Pérola nesse momento. Fala-se, desse modo, no holding dos profissionais cuidadores que, naquele momento de ansiedade e de fantasias, podem ajudar a mãe a se acalmar, a entrar em contato com o ambiente de maneira positiva e assumir a maternagem sadia, com maturidade emocional e recursos internos adequados.

Ela segue afirmando: "Mas meu médico, quando era para ter a criança, na semana seguinte ia operar a perna, aí teria que fazer o parto com outro". Na verdade, surge um imprevisto, aquele médico, que acompanhou sua gravidez até então, não poderia fazer o seu parto. Essa notícia instala não apenas uma dúvida na paciente, como desperta a sua ansiedade e a mobiliza emocionalmente.

Para Winnicott (2005), a mãe sadia, por ser madura e adulta, não é capaz de deixar o controle da situação nas mãos do médico e da enfermeira, os quais ela não conhece. É fundamental conhecer os profissionais antes do parto, uma vez que o período antecedente à cirurgia é propício para que ocorra esse processo. Sobre essa dificuldade, ela atesta: "Mas eu não queria por já confiar neste, então optamos por fazer cesárea mesmo". Pérola conta que preferiu realizar a cesárea com o médico, com o qual já existia um vínculo, ou seja, confiança em seu trabalho, do que optar por um outro profissional, que ela não conhecia. Parece que esta decisão lhe deu maior segurança.

A mãe tem duas opções, ou confia nos profissionais, pronta a desculpá-los caso venham a cometer alguma falha, ou não confia, podendo acarretar dificuldades no trabalho de parto. Aqui a mãe terá de deixar o controle por parte dos profissionais (WINNICOTT, 2000). Pérola conta sobre a pressão que sentiu do médico:

Tem momentos que você fica cansada, tem momentos que o pediatra fica, "você tem que amamentar, você tem que amamentar que é melhor". Eu acho que nesta angústia, de ter que dar o peito eu não conseguia. Não é que eu não conseguia, eu não tinha.

Pérola conta que se sentia pressionada com a insistência do profissional e isso tornouse cansativo, prejudicando a amamentação. A habilidade de mostrar o mundo de maneira significativa para o bebê não provém da inteligência que a mãe possua ou instrução formal que tenha recebido, e sim por ser ela a mãe natural (WINNICOTT, 2005). A respeito desse momento, ela diz:

Então até você entrar nesse processo de autonomia de que você sabe como lidar com seu filho. Sem o outro dizer o que você tem que fazer, que você também tem direitos, que pode tomar atitudes que não vai prejudicar seu bebê.

Pérola fala da importância de ter liberdade para lidar com o bebê, ao mesmo tempo fala da importância de os profissionais a reconhecerem como mãe, capaz de cuidar do bebê sem que lhe digam o que fazer, respeitando seus direitos e o seu tempo. Segundo Winnicott (2005), não deve haver imposições para a amamentação, uma vez que o leite materno "desce" de maneira natural, segundo a necessidade do bebê e a mãe percebe a hora de amamentar pelo cheiro, no contato com o bebê e na hora que ele chora.

Preocupação materna primária: amamentação e momentos com o bebê

Ao passarem por essa fase, as mães desenvolvem a capacidade de identificar-se com seus bebês, o que lhes facilita perceberem de maneira natural as necessidades básicas de seus filhos. Trata-se de um estado natural da relação mãe-bebê, uma capacidade que não pode ser ensinada (WINNICOTT, 2006). A esse respeito, Rubi nos conta que, por sua falta de experiência, sentiu medo de pegar o bebê, de cuidar dele, sentiu dificuldade ao dar o banho, o que mudou com o tempo, pois foi adquirindo prática e mesmo a relação foi se desenvolvendo de maneira mais natural. Já no caso de Jade, ela conta que: "Eu pegava ele no colo, fazia massagem na barriguinha dele, mas ele parava um pouco e voltava a chorar, aí eu tentava dar o peito, que ele parava de chorar".

Aqui Jade começa a identificar-se com seu bebê, conhecer suas necessidades, busca saciá-lo, segurá-lo e massageá-lo e, por meio da própria amamentação, conter o seu choro. A mãe se identifica com seu bebê sem deixar de ser uma pessoa adulta, ou seja, sem regredir psiquicamente (FREUD, 1994/1933). O bebê, por sua vez, se identifica com os momentos de tranquilidade que a mãe lhe proporciona por meio de seus cuidados. Nesse momento do desenvolvimento, só existe ele e a mãe é parte dele; este processo chama-se identificação primária (WINNICOTT, 2006).

Esmeralda também descreve esse processo:

A amamentação foi boa, no começo rachou o bico do seio esquerdo, ficou durante meses muito dolorido, porque estava machucado, mas ela [o bebê] pegou o peito com muita facilidade, aprendeu a sugar rapidamente, não precisei dar nenhum outro tipo de leite.

Esmeralda nos fala que, apesar de sentir dor para amamentar, foi muito boa a amamentação, que nesta interação mãe e filha, a segunda aprendeu a sugar rapidamente, sem necessitar de introduzir outro tipo de leite. Sobre a amamentação, Rubi afirma:

Só no começo mesmo foi difícil, depois foi fácil, mas dar banho eu tinha medo de pegar. Amamentar, muita gente reclama que dói, para mim foi muito tranquilo.

A esse respeito, Pérola destaca:

"Como era o meu segundo [filho], eu já sabia como era o peito, quando ela começou a querer chorar muito e querer o peito eu já introduzi a mamadeira".

Pérola nos conta que, por ter tido pouco leite para alimentar o primeiro filho, quando isso ocorreu com o segundo filho, ela logo introduziu a mamadeira por conta própria. Atualmente, muitas pessoas relatam um bom desenvolvimento sem que tenham sido amamentadas com o leite materno. Isso quer dizer que não é só a amamentação que propicia um contato íntimo com a mãe, uma vez que este contato pode se dar de diversas maneiras. Embora se faça essa consideração, Winnicott (2006) destaca a amamentação como uma experiência importante não apenas para o desenvolvimento biológico da criança, mas também para o estabelecimento e fortalecimento da vinculação mãe-bebê.

Pérola fala que: "Aí eu cheguei no pediatra e falei já introduzi a mamadeira". Esta participante, por ser sua segunda experiência como mãe, já tomou a atitude de introduzir a mamadeira, ao perceber a necessidade de alimentar sua filha, e depois comunicou ao médico sua decisão. A amamentação por mamadeira não deixa de ter seus aspectos significativos, assim como a amamentação pelo seio, como o fato de ser neste momento que a mãe e o bebê podem se olhar nos olhos, sendo uma das características fundamentais do estágio inicial, que não precisa do contato com o seio para que isto ocorra (WINNICOTT, 2006).

Angústias e transformações no amor materno

O amor materno como um sentimento ligado às práticas religiosas é algo trazido desde Eva, vista como um símbolo feminino e pecaminoso. Ao contrário, a maternagem é associada à figura de Maria, um símbolo de santidade. Em outras épocas, as famílias com uma melhor condição social, por meio do sacerdote, nomeavam uma parteira e, junto a ela, ficava a mãe da gestante, que era incumbida de ajudar a parturiente com os primeiros cuidados com o bebê (MALDONADO, 2002).

De acordo com as entrevistas realizadas, foram identificados aspectos ligados aos costumes de outras épocas, bem como as angústias das parturientes, como é possível observar nas falas de Safira, Jade e Esmeralda.

Minha sogra me ajudou nos primeiros banhos, eu tinha medo, porque antigamente falavam muitas coisas, minha mãe falava que era perigoso (Safira).

Eu tinha muito medo de acontecer alguma coisa comigo ou com meu bebê, mãe de primeira viagem deve ser assim mesmo (Jade).

Sempre tive medo do parto normal, porque me falaram que dói muito (Jade).

Medo de morrer, eu tinha a sensação que a barriga ia crescer e eu ia morrer, mas foi uma coisa mal resolvida na gravidez passada (Esmeralda).

A experiência do parto é angustiante, pois traz consigo o envolvimento de outras pessoas que já passaram por este período. Assim, essas experiências contadas à futura mãe podem interferir em como ela vai enfrentar o parto, nos medos e até mesmo na maneira como irá lidar com o filho, transmitindo costumes e crenças anteriores. As experiências das próprias participantes, em gestações anteriores, acabam por contribuir para que alguns medos não sejam elaborados e ressurjam no momento do parto, gerando não apenas angústia, como também ansiedade.

Um costume antigamente adotado por algumas culturas era de o bebê ser alimentado por uma ama de leite, com a crença de que nesta amamentação eram transmitidos traços de caráter, sendo poucas as crianças amamentadas pelas próprias mães. Porém, foram surgindo algumas opiniões contra essas amas de leite, deixando para a mãe a responsabilidade da amamentação. Essa responsabilidade era imbuída de um dever e, ao mesmo tempo, era compreendida como uma consequência natural, um instinto materno (SOIFER, 1992; PERGHER; CARDOSO, 2008). O amor e a dedicação da mãe para com o filho eram vistos como naturais da mulher, como um instinto que ela carregaria para exercer a função de mãe, independente do momento e das condições nas quais ela se encontrasse.

Safira conta sobre o que sentia quando amamentava o seu bebê:

Você sente o aconchego da criança perto de você, às vezes nem acredito como pode você amamentar crianças. É um contato muito bom com a criança, que a gente sente que a criança se sente bem (...). Ela fica o dia todo comigo, acho importante enquanto a mãe pode estar por perto, cuidar, deixar o serviço e se dedicar aos filhos.

A esse respeito, Esmeralda relata:

É uma sensação que não dou conta de cuidar deste bebê depois de tantos anos.

Porque já é nato de mãe o cuidado, a gente é cuidadosa, mas a [nome do bebê], por ser uma menina, e eu só tinha os meninos, eu chamei a enfermeira, fiz ela tirar a roupa da [nome do bebê] para eu ver como ela fazia.

Nas falas de Safira e Esmeralda é possível identificar o quanto elas acreditam que o estar mais próximo possível do bebê traz benefícios para o desenvolvimento da díade, o que fica claro no caso de Safira, que deixa de trabalhar fora de casa para cuidar dos filhos.

Na fala de Esmeralda, observa-se a crença de que toda mulher, ao se tornar mãe, está pronta para cuidar de um filho, tendo com ele todo cuidado, como algo natural. A participante também relata a sua insegurança ao cuidar de uma menina, depois de dois filhos homens. Assim, ela pede ajuda para as enfermeiras. Essa naturalização dos sentimentos e das preocupações maternas conduz a quadros que não permitem a existência de diferentes perfis de mulher, inclusive daquelas que não tenham em seus planos (ou em seus desejos) a maternidade e a constituição de uma nova família. A partir disso, as mães que, por algum motivo, não conseguem ou não desejam cuidar de seus filhos são alvos de sentimentos de repulsa pela sociedade, que as rotula como desnaturadas, más e sem juízo.

Se adotarmos uma perspectiva histórico-sociológica, é necessário um olhar atento para as diferentes culturas nas quais essas mães estão inseridas, pois os costumes se processam de maneiras diferentes, a depender dos valores, das crenças e das práticas de cuidado veiculadas e corporificadas, sendo a maior ou menor proximidade entre mãe e filho algo também regulado pelos fatores sociais e culturais. No entanto, quando trazemos à baila uma reflexão psicanalítica, tais dificuldades de contato ou no cuidar devem ser contempladas no plano dos desejos e da capacidade de a mãe se identificar com o filho, preocupando-se com seu bem-estar e com a interação estabelecida entre a díade, como apresentado por Winnicott (2000).

Sentimentos ambivalentes sobre a gravidez

A descoberta de uma gravidez traz para a mulher medos, angústias e incertezas, pois se trata de um período de mudanças. Assim, ela vivencia uma crise que a obriga a procurar meios para se adaptar a tal situação. Essa crise resulta em um enfraquecimento das bases do ego e, dessa forma, ela precisa buscar alternativas para solucionar esse problema, ou seja, a pessoa tem que ir em busca de algo novo, que pode ser satisfatório ou mesmo prejudicial para ela (MALDONADO, 2002).

Jade conta sobre sua reação quando soube que estava grávida: "Foi um susto, pois eu não esperava, e meu ex acabou querendo me culpar, e neste rolo nos largamos, então foi meio complicado mesmo." Para Maldonado (2002), qualquer pessoa pode ser auxiliada neste momento de crise e ter como resultado algo positivo, independente de como essa pessoa lida com os aspectos práticos da vida. Diante desse momento de crise, esta pessoa está sujeita a algumas alterações de humor, falta de apetite, taquicardia, entre outros. A diferença de crise e transição existencial é que essa primeira se dá de forma mais tranquila, porém também requer mudanças e adaptações.

Jade descreve este período:

Fiquei muito deprimida no começo, mas meus pais sempre me deram força, falando que aquilo ia passar, e que eles estavam ali para me ajudar. Hoje eu vejo como eles foram bons comigo, e que isso tudo foi difícil no começo.

A gravidez é um período como esse, pois ocorrem mudanças de papéis, a mulher necessita se organizar para o nascimento do bebê, e esse momento ocorre em cada filho que a mulher tiver, pois cada criança que nasce requer uma necessidade de mudança nas bases dessa família. Esses pais podem lidar com esta situação de diferentes formas, podendo trazer consigo antigos conflitos, e também diferentes formas de como lidar com esta criança, transmitindo ou não aspectos dos cuidados de seus próprios pais (SOIFER, 1992).

Rubi fala sobre este período de adaptação:

Assim, quando eu fiquei sabendo que eu estava grávida, foi muito difícil porque eu me assustei muito, nos primeiros meses, até mesmo nos primeiros dias foi muito difícil, porque não tinha muita prática, e minha família é muito grande. No dia que eu cheguei do hospital com ela, tinha muita gente em casa, 45 pessoas me esperando, então foi muito difícil esse comecinho. O primeiro dia que dei de mamar em casa tinha 15 pessoas me olhando, uma loucura. Agora, de um mês para frente vai pegando mais o jeito de como lidar com a criança, aí é muito bom.

Outro fator que é muito significativo para esses pais é a situação econômica em que essa família se encontra, pois a chegada deste filho exigirá atenção a diferentes necessidades que antes não existiam. Diante dessa situação, a mulher está mais exposta a sentimentos frustrantes, dependendo das expectativas que tem em relação à gravidez. Um momento de transição pode virar uma crise, quando algo muito esperado deixa de acontecer, ou mesmo algo inesperado ocorre de forma brusca (MALDONADO, 2002). Jade fala sobre este aspecto que foi relevante quando ficou grávida:

Na época eu trabalhava em uma loja de roupa, mas era só por um período, pois estava ali até a minha patroa ficar melhor de saúde. E depois que saí de lá foi mais complicado, porque fiquei dependente dos meus pais e estava grávida, não tinha que cuidar apenas de mim, mas também do meu filho.

A mulher, ao descobrir que está grávida, seja de forma inconsciente, quando ela ainda não tem a confirmação do médico, percebe isso por meio das mudanças em seu corpo, ou mesmo de modo consciente. Nesse momento, iniciam-se as transições decorrentes desta fase, como também da diferente vivência com que irá se deparar após o parto. Jade conta as dificuldades que ela passou quando ficou grávida, por não ter uma estabilidade no emprego e depender dos pais, fator relevante para uma jovem que, futuramente, terá gastos com seu filho. Esmeralda também relata sobre sua reação diante da gravidez:

A gravidez me assustou muito, eu estava fazendo o quarto ano de Psicologia. Eu tive todas as fobias possíveis, tive um acompanhamento com psiquiatra e terapia, né? Mas assim, no sentido ai que bom ser mãe, mais um, mas é que nos dias de hoje está muito complicado, pela correria do dia a dia e pela idade também.

A gravidez pode ser algo que traz muitas coisas positivas, um amadurecimento pessoal, ou mesmo no relacionamento conjugal, como também pode desequilibrar a relação do casal, de acordo com os aspectos emocionais envolvidos na relação do casal. É a mulher quem está grávida, mas esse fato afeta toda a família, que terá de se organizar e modificar suas rotinas (MENEZES; LOPES, 2007).

Jade relata sobre como foi contar para o namorado que estava grávida:

Ele assumiu depois de algumas brigas entre nós; ele ficou muito assustado com a situação quando fiquei grávida, como eu também, nós estávamos numa fase de curtir a vida, sem muitos compromissos e, de repente, vem um filho. Mas agora ele me ajuda, paga pensão, ajuda com remédio quando ele fica doente.

Diante dessas mudanças, a mulher se vê frente a uma nova situação, deparando-se com um sentimento de desejar e não desejar esta criança. Segundo Barbieri (2002), não existe uma gravidez totalmente aceita ou contraposta, pois esse sentimento ambíguo é natural do ser humano (ainda mais de uma mulher em uma fase de crise e de transição), e cada um em uma intensidade diferente, o que se dá pela ambivalência afetiva.

Nas falas de Jade, Rubi e Esmeralda é possível perceber o quanto uma gravidez inesperada pode ser angustiante para a mãe, que se vê diante de algo desconhecido e ao mesmo tempo bom, pois é uma nova vida que ela está gerando. Isso exigirá mudanças em sua rotina de vida e as responsabilidades se intensificarão. Também, a partir do nascimento desse filho, ela terá de dividir a atenção, que estava somente voltada para ela, sua família e seu companheiro, com esta criança que irá nascer e se colocará como totalmente dependente de seus cuidados e de sua atenção (COSTA; ROSSETTI-FERREIRA, 2007; MENEZES; LOPES, 2007). Na visão winnicottiana, esse será um momento decisivo não apenas na relação mãe-bebê, mas também para o desenvolvimento futuro desse bebê, que passará a ter contato com o ambiente a partir dos cuidados e do olhar desta mãe.

 

Considerações finais

A partir das falas das participantes, foi possível compreender que o holding profissional, ou seja, como o profissional de saúde (notadamente o médico e a equipe de enfermagem) lida com a mãe e com o bebê, terá fundamental importância desde antes do parto, já que uma relação de confiança favorece a assunção de uma postura de maior segurança física e emocional na hora do parto. Este momento, em que a mãe é invadida em seu corpo e em sua intimidade, é permeado por muitas fantasias, o que leva à necessidade de uma equipe que possa oferecer suporte e atenção adequados à mãe, que poderá, com isso, dedicar-se de uma maneira menos ansiogênica a esse momento de transição, de forte carga emocional.

A preocupação materna primária foi experienciada de forma distinta em cada uma das mães entrevistadas. Independente da faixa etária da mãe e de suas gestações anteriores, algumas sentiram-se mais tranquilas nos cuidados com o bebê e, outras, embora já tivessem sido mães, destacaram a gravidez mais recente como diferente, trazendo inseguranças na hora de cuidar do bebê. Em um dos casos, a diferença no cuidado foi motivada pelo sexo do novo filho, diferente dos anteriores. O holding na relação mãe-bebê, o fato de ser uma gravidez planejada ou não também levaram as mães a vivenciarem momentos de crise, principalmente quando elas não a planejaram. Consequentemente, o modo como se deu a gravidez e a existência de um relacionamento conjugal ou não foram fatores associados ao apoio e ao não apoio que essas mães receberam de seus companheiros, familiares ou no ambiente que estavam inseridas.

Em relação ao mito do amor materno, podemos compreender que as crenças e os costumes de outras épocas acabam por ter influências sobre as mães nos cuidados atuais com os seus bebês, levando as participantes a sentirem medo na hora do parto, tanto por experiências que lhes são contadas como por suas próprias experiências anteriores. Os cuidados e a preocupação com os bebês são vistos por essas mães como algo natural, como se fossem algo tipicamente humano, tarefa à qual elas não poderiam abdicar. A naturalização do afeto materno ou a necessidade de que tais cuidados sejam exclusivos das mulheres acabam atravessando diferentes gerações, tanto em nível psíquico como em termos culturais e sociais. A cultura e as práticas de educação e de cuidado acabam regulando não apenas o modo como as mães se colocam diante dos seus bebês, mas como significam o ser mãe, a amamentação e os cuidados básicos de higiene, saúde e afeto no cuidado dos filhos. Em uma matriz psicanalítica de referência, tais dificuldades ou facilidades devem ser analisadas em termos do desejo materno e de sua capacidade de identificação com o estado de gravidez e, posteriormente, de sua identificação e diferenciação em relação ao filho, o que é central para que ambos os membros da díade possam conviver (em uma típica relação mãe-filho) e se desenvolver em termos individuais (como uma mãe e como um filho).

Os sentimentos de ambivalência característicos da gravidez, e abordados de maneira privilegiada na obra de Winnicott (2005), acabam fazendo com que algumas mães, ao saberem que estavam grávidas, sentissem muita satisfação, ao mesmo tempo em que relataram um "susto", que não esperavam que passassem por momentos difíceis, de desestruturação, experimentando sentimentos depressivos, fobias e ansiedades que envolvem a notícia da chegada do filho. Outras, ainda, destacaram a falta de apoio do companheiro, e mesmo o abandono e o término do relacionamento a partir da gravidez. O suporte oferecido pela família, no entanto, contribuiu para que as mães conseguissem superar esses sentimentos negativos e pudessem ressignificar a gravidez como um marco positivo em seu desenvolvimento. A maternagem e os auxílios familiares nessa fase ajudaram essas mães a enfrentarem o momento de crise, possibilitando a assunção de um relacionamento mais saudável e adaptativo entre mãe, bebê e família (PERGHER; CARDOSO, 2008).

Concluímos que, para cada mãe, o significado do cuidado materno é único, sendo que cada uma, a partir de suas histórias e vivências familiares e pessoais, acaba produzindo significados diversos sobre o ser mãe. Esses significados nem sempre se apresentam de maneira linear e são construídos em uma sequência temporal, mas justamente são negociados no processo de desenvolvimento da maternagem. Assim, os significados desses cuidados não são mais positivos à medida em que as mães vão se tornando mais experientes, mas sim quando se tornam mais maduras, podendo regredir psiquicamente, a ponto de se identificarem com seus bebês, mas conservando-se independentes e capazes de operarem uma diferenciação de seus bebês, em uma postura de maturidade emocional.

Desse modo, a experiência da maternagem dependerá muito do momento que esta mãe está vivendo, se esta gravidez foi planejada ou não, se ela pode ou não contar com uma rede de apoio, se ela possui recursos psíquicos para assumir a gravidez e as mudanças que irão se processar em seu corpo, em seu desenvolvimento e em seu contexto de vida. Independente da faixa etária dessas mães, foram encontrados aspectos semelhantes, principalmente no que se refere à gravidez não planejada, em que todas relataram a surpresa que experienciaram ao receber esta notícia. Sendo assim, é fundamental a existência do holding, o apoio dos profissionais de saúde, do companheiro e dos familiares, que permitirão às mães corresponderem às necessidades de seus filhos, identificando-se e diferenciando-se de modo saudável e suficiente, operando a assunção de uma maternagem que possa ser internalizada como significativa na vida dessas mães.

 

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Data de recebimento: 29/06/2010.
Data de aceite: 10/11/2010.

 

 

Sobre os autores:

Fabiela Aparecida Barbosa é psicóloga graduada pelas Faculdades Integradas FAFIBE. Email: fabyela@hotmail.com

Lucinéia de Fátima Vidigal Machado é psicóloga graduada pelas Faculdades Integradas FAFIBE. Email: lucineiavm@hotmail.com

Laura Vilela e Souza é Professora do Departamento de Psicologia Clínica e Sociedade da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Psicóloga, Mestre e Doutoranda em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP). Pesquisadora do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde (NEPPS-USP-CNPq). Email: lacake@uol.com.br

Fabio Scorsolini-Comin é Professor do Departamento de Psicologia do Desenvolvimento, da Educação e do Trabalho da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Psicólogo, Mestre e Doutorando em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP). Pesquisador do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde (NEPPS-USP-CNPq). Email: scorsolini_usp@yahoo.com.br

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