Barbaroi
ISSN 0104-6578
Barbaroi no.33 Santa Cruz do Sul dez. 2010
Síndrome de burnout e satisfação no trabalho em profissionais da área de enfermagem do interior do RS
Burnout syndrome and job satisfaction in nursing professionals of the interior of RS
Maione de Fátima Silva RuviaroI; Marucia Patta BardagiII
I Universidade Luterana do Brasil - ULBRA Santa Maria - Brasil
II Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Brasil
RESUMO
O trabalho dos profissionais de saúde tem ganhado crescente atenção nos meios acadêmicos da psicologia, especialmente estudos sobre a sua saúde física e psicológica. Esta pesquisa avaliou os níveis de Burnout e satisfação no trabalho em profissionais de enfermagem de uma cidade do interior do RS. A amostra se constituiu de 86 sujeitos (38 homens e 48 mulheres), com idades entre 21 e 50 anos (M = 32,1; DP = 6,97) e tempo de serviço entre cinco e 204 meses (M = 54,9; DP = 48,71). Os participantes responderam, em pequenos grupos no local de trabalho, a um questionário sociodemográfico, a uma escala de Burnout e a uma escala de satisfação no trabalho. Os resultados apontaram que a maioria dos profissionais apresentou risco baixo para o Burnout, mas o índice de risco médio é preocupante. Quanto à satisfação, houve impacto de variáveis como setor, gênero e turno de trabalho nos níveis de satisfação. Esses resultados indicam a importância de ações preventivas ao estresse crônico no ambiente de trabalho e também a observação dos grupos de acordo com suas especificidades ocupacionais.
Palavras-chave: satisfação no trabalho; Burnout; profissionais de saúde.
ABSTRACT
Health professionals' work have gained increasing attention in academic circles of psychology, especially studies concerning to their phisical and psychological health. This study evaluated the levels of Burnout and job satisfaction of nursing professionals from a country city of RS. The sample consisted of 86 participants (38 men and 48 women), aged between 21 and 50 years old (M = 32.1, SD = 6.97) and length of service between 5 and 204 months (M = 54.9; SD = 48.71). The participants completed, in small groups at work space, a demographic questionnaire, a burnout scale and a work satisfaction scale. The results showed that most professionals have low risk for burnout, but the level of medium risk is dangerous. As to satisfaction, there was impact of variables such as department, gender and work shift in the levels of satisfaction. These results indicate the importance of actions to prevent chronic stress in work environment and the observation of groups according to their occupational specificities.
Keywords: work satisfaction; burnout; health professionals
Introdução
Estudos sobre o trabalho dos profissionais de saúde têm ganhado crescente atenção nos meios acadêmicos da psicologia, onde de um lado observa-se o caráter estressante e sacrificante da profissão, assim como a complexidade da atividade realizada por esses profissionais e, de outro, as reclamações populares de atendimento de má qualidade, traduzidas em comportamentos e atitudes de descaso e indiferença para com os usuários (TAMAYO, 1997). As ocupações de caráter assistencial demandam dos profissionais altos níveis de comprometimento e envolvimento emocional, pois nesse tipo de ocupações os profissionais precisam cuidar dos usuários, aprender acerca de seus problemas e promover algum tipo de cuidado e ajuda a eles (TAMAYO, 1997). Segundo Rosa e Carlotto (2005), nesse sentido, atualmente existe uma maior preocupação com a saúde dos indivíduos que exercem suas atribuições em organizações de saúde. A instituição hospitalar é um desses contextos de potencial risco à saúde ocupacional, uma vez que o trabalho desenvolvido em hospitais requer que todos os profissionais tenham suficiente experiência clínica e maturidade que permitam enfrentar e tomar decisões difíceis, geralmente com implicações éticas e morais.
O trabalhador que atua em instituições hospitalares está exposto a diferentes estressores ocupacionais que afetam diretamente o seu bem-estar. Dentre eles, podemos citar as longas jornadas de trabalho, o número insuficiente de pessoal, a falta de reconhecimento profissional, assim como o contato constante com o sofrimento, com a dor e, muitas vezes, com a morte. O desempenho desses profissionais envolve uma série de atividades que necessitam de um controle mental e emocional muito maior que em outras profissões (BENEVIDES-PEREIRA, 2002). Além desses aspectos, estudos mencionam outros associados ao estresse e ao Burnout nos profissionais de saúde, entre eles os que mais se destacam são a pressão no trabalho, a falta de suporte social, a falta de feedback, a falta de participação na tomada de decisões, a falta de autonomia, o contato direto intenso com os pacientes e a gravidade dos problemas desses (CODO; VASQUES-MENEZES, 1999).
Estudar a manifestação do estresse ocupacional entre profissionais de saúde permitiria compreender e elucidar alguns problemas tais como a insatisfação profissional, a produtividade do trabalho, o absenteísmo, os acidentes de trabalho e algumas doenças ocupacionais (MUROFUSE; ABRANCHES; NAPOLEAO, 2005). Além da avaliação do estresse propriamente dito, uma das formas mais em voga atualmente de avaliar o sofrimento no trabalho, como as consequências ao psíquico dos trabalhadores geradas pelas mudanças organizacionais e sociais, é a avaliação da chamada Síndrome de Burnout. O conceito de Burnout surgiu nos Estados Unidos em meados da década de 1970 para explicar o processo de deterioração nos cuidados e na atenção profissional dos trabalhadores. O termo Burnout quer dizer 'incendiar-se, deixar-se queimar (burn = queimar e out = exterior). Ao longo dos anos essa síndrome de 'queimar-se' tem se estabelecido como uma resposta ao estresse laboral crônico integrado por atitudes e sentimentos negativos (FRANÇA, 1987).
Várias pesquisas vêm sendo feitas para avaliar a Síndrome de Burnout em diversas categorias profissionais. Podem-se encontrar trabalhos sobre Síndrome de Burnout entre médicos (BENEVIDES-PEREIRA, 2002), na enfermagem (BENEVIDES-PEREIRA, 2002; MUROFUSE et al., 2005; PAFARO; DE MARTINO, 2004), entre psicólogos (BENEVIDES-PEREIRA; MORENO-JIMÉNEZ, 2002), entre professores (CARLOTTO, 2001), dentre muitos outros. O Burnout tem sido estudado com bastante intensidade nos últimos vinte anos, procurando identificar suas causas, consequências e possíveis intervenções na esfera preventiva e terapêutica no ambiente de trabalho (CARLOTTO, 2001).
Para entender adequadamente o Burnout, inicialmente é necessário entender a definição de estresse, podendo-se dessa forma observar melhor as diferenças entre esses dois conceitos (BENEVIDES-PEREIRA, 2002). O estresse, cuja palavra deriva do latim e foi empregada popularmente a partir do século XVII, significa fadiga, cansaço. A partir do século XVIII e XIX o termo estresse aparece relacionado com o conceito de força, esforço e tensão (VIEIRA; GUIMARÃES; MARTINS,1999). Segundo Lipp e Malagris:
O estresse é uma resposta que o organismo dá frente a uma situação que é interpretada como desafiante. O estimulo interpretado como desafiador provoca uma quebra na homeostase do funcionamento interno que, por sua vez, cria uma necessidade de adaptação exige emissão de vários comportamentos adaptativos que se constituem na forma como a pessoa lida com o estresse, ou seja, suas estratégias, adequadas ou não, de enfrentamento (LIPP; MALAGRIS, 2001, p.477).
No entanto, existem várias definições diferentes, muitas vezes complementares, de estresse. Segundo Lipp (2001, p.279), "o estresse é uma reação do organismo com componentes psicológicos, físicos, mentais e hormonais, que ocorre quando surge a necessidade de uma adaptação grande a um evento ou situação importante". O estresse é a resposta fisiológica e de comportamento de um indivíduo que se esforça para adaptar-se e ajustar-se a estímulos internos e externos. Como a energia necessária para essa adaptação é limitada, se houver persistência do estímulo estressor, mais cedo ou mais tarde o organismo entra em uma fase de esgotamento. Segundo Lipp e Rocha (1994), o estresse é um desgaste causado por alterações psicofísicas que ocorrem quando uma pessoa se vê forçada a enfrentar uma situação que a irrite, amedronte, excite ou mesmo a faça feliz. Qualquer situação que desperte uma emoção forte, boa ou má, e que exija mudança é um estressor, isto é, uma fonte de estresse.
Conforme Lipp e Tanganelli (2002), sabe-se que altos níveis de estresse podem desencadear doenças físicas, gerar um quadro de esgotamento emocional, caracterizado por sentimentos negativos, como pessimismo, atitudes desfavoráveis em relação ao trabalho e aos colegas. Esse desgaste causado pelo estresse pode levar o individuo à Síndrome de Burnout, que descreve uma realidade de estresse crônico, muito frequente em profissionais que desenvolvem atividades que exigem um alto grau de contato com pessoas (FRANÇA; RODRIGUES, 1997; LIPP; TANGANELLI, 2002). Benevides-Pereira (2002) e Codo e Vasques-Menezes (1999) indicam que a principal diferença entre estresse e Burnout é a que aponta o último como uma resposta a um estado prolongado de estresse, que ocorre pela cronificação deste, quando os métodos de enfrentamento falharam ou foram insuficientes. Enquanto o estresse pode apresentar aspectos positivos ou negativos, o Burnout tem necessariamente um caráter negativo que é chamado de distresse. Outro aspecto que acaba por diferenciar o estresse ocupacional do Burnout é a perspectiva relacional presente no último (ARAÚJO, 2001).
Segundo Carlotto e Gobbi (1999), a definição de Burnout mais utilizada e aceita na comunidade científica é a fundamentada na perspectiva sociopsicológica. Nessa perspectiva, a Síndrome de Burnout é entendida como um processo constituído por três dimensões: Exaustão Emocional (EE - caracterizada por falta ou carência de energia, entusiasmo e um sentimento de esgotamento de recursos), Despersonalização (DE - caracterizada pelo tratamento de clientes, colegas e organização como objetos) e Baixa Realização Profissional (BRP - fenômeno comportamental evidenciado por uma tendência do trabalhador de se autoavaliar de forma negativa) (MASLACH; JACKSON, 1981). Assim, os profissionais se sentem infelizes com eles próprios e insatisfeitos com seu desenvolvimento no trabalho.
Analisando mais especificamente cada dimensão, o Desgaste ou Exaustão Emocional é a dimensão que mais se aproxima de uma variável de estresse. Refere-se a um sentimento de sobrecarga emocional, sendo esse um traço fundamental da síndrome, caracterizado pela perda de energia, esgotamento e sentimento de fadiga constante, podendo esses sintomas afetar o indivíduo física ou psiquicamente ou das duas formas. A partir de então, as pessoas acometidas sentem gradativa redução de sua capacidade de produção e vigor no trabalho. A Despersonalização geralmente vem acompanhada de ansiedade, aumento da irritabilidade e perda de motivação. O indivíduo se vê cercado de sentimentos negativos para si mesmo e para com os outros. Ocorre uma redução das metas de trabalho, da responsabilidade com os resultados, alienação e conduta egoísta. O indivíduo passa então a isolar-se dos outros, como forma de proteção, mantendo uma atitude fria em relação às pessoas, não sendo mais capaz de lidar com as suas emoções e as dos outros, e começando a tratá-los de forma desumanizada. Já a Falta de Realização Pessoal aponta que pelo sentimento de incompetência pessoal e profissional ao trabalho, o indivíduo passa a apresentar uma série de respostas negativas para consigo e para o trabalho, como depressão, baixa produtividade, baixa autoestima e redução das relações interpessoais. Aqui, o indivíduo assume uma atividade defensiva com modificações nas suas condutas e atitudes com o objetivo de defender-se dos sentimentos experimentados e tem tendência a avaliar-se negativamente em relação a seu desempenho (MASLACH; JACKSON, 1981).
França (1987) divide os sintomas da Síndrome de Burnout em quatro categorias: físicas, psíquicas, emocionais e distúrbios de comportamento. Nos sintomas físicos a autora destaca a sensação de fadiga constante e progressiva e os distúrbios do sono. Como sintomas psíquicos há uma diminuição da memória evocativa e de fixação, e dificuldade de concentração. Há uma redução da capacidade de tomar decisões. Nos sintomas emocionais, o elemento mais constante é o desânimo. Há uma perda do entusiasmo e da alegria e, com frequência, há ansiedade e depressão, sendo esta de caráter situacional, aparecendo ou diminuindo diante do ambiente e situação estressora. Como últimos sintomas aparecem os distúrbios do comportamento, onde há uma tendência ao isolamento, fazendo com que a pessoa tenha dificuldades em contatar com seus clientes ou colegas, passando a evitar encontros sociais.
Essa síndrome costuma aparecer com maior frequência em profissionais que mantêm uma relação constante e direta com outras pessoas e que estão expostos a uma sobrecarga de trabalho. Isso acontece principalmente quando esta atividade é considerada de ajuda, desenvolvida por profissionais como médicos, enfermeiros, professores (BORGES; CARLOTTO, 2004). As primeiras investigações da Síndrome de Burnout foram realizadas com profissionais que exerciam funções de ajuda, como trabalhadores envolvidos com assistência social, enfermagem e educação (CARLOTTO, 2001) e vários estudos têm demonstrado que o Burnout incide principalmente sobre estes profissionais, que prestam assistência ou são responsáveis pelo desenvolvimento ou cuidado de outros.
Para Gil-Monte e Peiró (1997), as características pessoais não seriam em si mesmo desencadeantes do Burnout, mas facilitadores ou inibidores da ação dos agentes estressores. As análises realizadas pela ótica de gênero, em sua maioria, apontam que não tem havido unanimidade quanto à possibilidade de maior incidência no que diz respeito ao sexo. De modo geral as mulheres têm apresentado pontuações mais elevadas em exaustão emocional e os homens em despersonalização (BENEVIDES-PEREIRA, 2002). Tais diferenças podem ter uma explicação nos papéis socialmente aceitos. O fato de as mulheres expressarem mais livremente suas emoções poderia vir a ser uma fonte de expressão de suas dificuldades e conflitos, aliviando os sentimentos de raiva, hostilidade e indignação, enquanto no sexo masculino, sem esta possibilidade ('homem não chora'), estas emoções acabariam sendo expressas, de forma inadequada, depois de atingir um nível insuportável. A elevação da exaustão emocional no sexo feminino poderia também ocorrer pela dupla jornada de trabalho (a profissional e a do lar) a que a maioria está sujeita (BENEVIDES-PEREIRA, 2002). Outro fator a considerar reside nas questões da relação histórica entre algumas profissões e gênero, uma vez que algumas são predominantemente masculinas, como a de policiais ou bombeiros, e outras femininas, como a docência ou enfermagem (MASLACH; LEITER, 1997).
Algumas pesquisas relatam maior propensão ao Burnout nas pessoas que possuem nível educacional mais elevado. Nesses grupos, as pontuações de Exaustão Emocional e Despersonalização encontram-se mais elevadas que em grupos com menos grau de escolaridade, assim como para a escala de Realização Profissional, em que os com menos escolaridade sentem-se menos realizados. A realização pessoal no trabalho pode estar relacionada ao status e o reconhecimento de que gozam muitas profissões de nível superior (MASLACH; LEITER, 1997).
No aspecto tempo de profissão não se encontra concordância na literatura, pois enquanto alguns autores descrevem o Burnout como um processo de desgaste que se desenvolve com o tempo, outros têm apontado maior incidência nos que ingressam no mercado de trabalho, possivelmente devido à pouca experiência na profissão, por não haver ainda desenvolvido formas de enfrentamento adequadas às situações, ou ainda fatores associados à pouca idade (CODO; VASQUES-MENEZES, 1999). Quanto ao turno de trabalho, segundo Peiró (1999), o trabalho por turnos e o trabalho noturno chegam a afetar cerca de 20% dos trabalhadores, acarretando diversos transtornos, tanto físicos como psicológicos, estando mais propensos os que precisam efetuar mudanças em períodos curtos de tempo. A sobrecarga de trabalho tem sido uma das variáveis mais apontadas como predisponentes ao Burnout, pois diz respeito tanto à quantidade como à qualidade excessiva de demandas, que ultrapassam a capacidade de desempenho, por insuficiência técnica, de tempo ou da infraestrutura organizacional (GIL-MONTE; PEIRÓ, 1997).
Segundo diversos autores, a relação profissional - cliente tem sido uma das variáveis mais referidas, pois quanto mais próxima a relação do trabalhador com a pessoa a que deve atender profissionalmente, ou em sua ocupação, como no caso de cuidadores de pessoas com necessidades especiais, existe uma maior probabilidade de desencadear o processo de Burnout. Entretanto, nem todos os estudos apresentam concordância no que concerne à quantidade de atendimento e sua influência no desenvolvimento da síndrome. Enquanto alguns constatam uma correlação positiva (CARLOTO 2001, BENEVIDES-PEREIRA, 2002), outros como Raquepaw e Miller (1989) não encontraram evidências entre a relação do número de pacientes atendidos e Burnout.
Segundo Carlotto (2001), algumas características relativas ao cliente, ou pessoa receptora do trabalho e dos cuidados do profissional podem favorecer o Burnout. O contato com o sofrimento e a morte, principalmente de crianças, tem sido referido como uma das principais causas do Burnout em profissionais da saúde (MASLACH; LEITER, 1997). Alguns autores enfatizam o tipo de relacionamento entre colegas de trabalho, mantido nos locais de trabalho como passíveis de dar início ao Burnout. Segundo estudos, 60% dos eventos identificados como estressores em um grupo estudado foram atribuídos a essa variável, evidenciando sua importância (BEBEVIDES-PEREIRA, 2002). Quanto à possibilidade de progresso, pessoas que possuem altas discrepâncias entre suas expectativas de desenvolvimento profissional e aspectos reais de trabalho apresentam maiores níveis de Burnout (CARLOTTO, 2001). Segundo Rosa e Carlotto (2005), mesmo que relações causais sejam difíceis de estabelecer, estudos têm identificado associação entre Burnout e Satisfação no Trabalho, uma vez que se encontra como resultado uma forte associação entre os dois temas, ou seja, quanto maior o índice de insatisfação no trabalho, maiores os índices da síndrome (BENEVIDES-PEREIRA, 2002; CARLOTTO, 2001). No entanto, essa relação entre satisfação no trabalho e Burnout ainda é pouco explorada.
Segundo Siqueira (2008), a expressão "satisfação no trabalho" representa a totalização do quanto o indivíduo que trabalha vivencia experiências prazerosas no contexto das organizações. Satisfação no trabalho entra no século XXI como um dos múltiplos conceitos que abordam a afetividade no ambiente de trabalho ou, mais especificamente, como o vínculo afetivo do individuo com seu trabalho. Estudos apontam que existe uma ligação entre satisfação no trabalho e desempenho. Esses estudos apresentam duas explicações diferentes: a primeira seria que funcionário satisfeito produziria mais, ou seja, teria um melhor desempenho; e a segunda seria que um funcionário que tem um bom desempenho tende a se beneficiar e este benefício gera sua própria satisfação (SPECTOR, 2003).
Segundo Carlotto (2001), a satisfação no trabalho se correlaciona ao Burnout influenciando a qualidade da experiência de trabalho ou o desejo de mudar de campo de atuação. Na revisão de literatura feita pela autora acerca do Burnout, a insatisfação no trabalho está positivamente associada às dimensões de exaustão emocional e despersonalização, mas que, contrariamente ao que é esperado, apresenta fraca correlação com o sentimento de desenvolvimento pessoal no trabalho. A existência de um processo de instalação de Burnout em curso pode ser contida pelo sentimento de satisfação intrínseca com o trabalho desenvolvido. Mas não há concordância quanto à insatisfação no trabalho ser causa ou efeito do Burnout (CARLOTTO, 2001).
Segundo Maslach e Leiter (1997), o Burnout foi associado a várias formas de reações negativas ao emprego, incluindo insatisfação com o emprego, baixo comprometimento organizacional, absenteísmo, intenção de sair do emprego e rotatividade. Os funcionários que sofrem de Burnout costumam fazer o mínimo necessário, faltam ao trabalho regularmente, vão embora mais cedo e pedem demissão, e tudo isso ocorre em índices superiores aos funcionários que estão satisfeitos com suas atividades. Em contrapartida, pesquisas têm demonstrado que o Burnout ocorre também em trabalhadores altamente motivados ou satisfeitos, que reagem ao estresse laboral trabalhando ainda mais até que entram em colapso (TAMAYO, 1997).
Em resumo, os estudos sobre a Síndrome de Burnout têm ganhado crescente atenção nos meios acadêmicos de psicologia e já se conhece de forma relativamente consistente suas características. No entanto, ainda são raros os estudos sobre associações entre Burnout e outros aspectos do trabalho, como a satisfação, por exemplo. Nesse sentido, esta pesquisa teve por objetivo identificar as relações entre satisfação no trabalho e síndrome de Burnout em um grupo de trabalhadores da área de enfermagem. Como objetivos específicos, pretendeu-se avaliar se a Síndrome de Burnout e os índices de satisfação no trabalho associam-se a variáveis demográficas como idade, sexo, estado civil e nível de escolaridade dos trabalhadores. Ainda, avaliar se a Síndrome de Burnout e os índices de satisfação no trabalho associam-se a variáveis profissionais como área de atuação, tempo de serviço e turno de trabalho.
Método
Participantes
Participaram deste estudo 86 profissionais de enfermagem, de um hospital particular de uma cidade do interior do RS, subdivididos em setores: 14 funcionários do Atendimento Domiciliar; 15 funcionários do SOS (Urgência e Emergência); 20 funcionários do Bloco Cirúrgico; 18 funcionários da Unidade de Internação; 11 funcionários do Pronto Atendimento; e dois funcionários do Ambulatório de Quimioterapia. Os participantes eram 38 homens (44,2%) e 48 mulheres (55,8%), com idades entre 21 e 50 anos (M = 32,1; DP = 6,97) e que exerciam sua função há pelo menos três meses (ou seja, que já haviam passado pelo período de experiência). No que diz respeito ao tempo de serviço, o mínimo foi de cinco meses e o máximo foi de 204 meses (M = 54,9; DP = 48,71). Ao todo, foram convidados a participar 110 funcionários da instituição, havendo aceite de 91 funcionários, dos quais foi possível considerar válidos 86 questionários (completos e corretamente preenchidos), representando uma taxa de adesão de 78%. A Tabela 1 apresenta as características sociodemográficas e de trabalho da amostra total.
Instrumentos
Para coleta de dados, os instrumentos utilizados foram:
1) Questionário sociodemográfico, com questões sobre características pessoais (sexo, idade, estado civil, naturalidade, escolaridade, número de filhos) e de trabalho (atividade, tempo de serviço, setor, turno) dos participantes.
2) MBI - Maslach Burnout Inventory - (MASLACH; JACKSON, 1986, na versão traduzida e adaptada para o Brasil por TAMAYO, 1997). O inventário de 22 itens é autoaplicado e avalia as três dimensões estabelecidas pelo Modelo Teórico de Maslach: Exaustão Emocional (9 itens), Realização Pessoal no Trabalho (RP) (8 itens) e Despersonalização (5 itens). Neste estudo, talvez pelo número pequeno de sujeitos, o instrumento demonstrou índices de consistência interna (Alpha de Cronbach) apenas razoáveis, de 0,44 para a subescala de Exaustão Emocional, 0,51 para a subescala de Realização Pessoal no Trabalho, e 0,41 para a subescala de Despersonalização. O índice de consistência total da escala foi de 0,58.
3) Escala de Satisfação no Trabalho - EST (SIQUEIRA, 2008). Este instrumento de 25 itens foi construído com o objetivo de avaliar o grau de contentamento do trabalhador frente a cinco dimensões do trabalho: satisfação com os colegas de trabalho (Fator 1, cinco itens); satisfação com o salário (Fator 2, cinco itens); satisfação com a chefia (Fator 3, cinco itens); satisfação com a natureza do trabalho (Fator 4, cinco itens) e satisfação com as promoções (Fator 5, cinco itens). Neste estudo, a escala apresentou bom índice de consistência interna (Alpha de Cronbach), de 0,92 para a escala total, com os índices de cada subescala variando de 0,80 a 0,95.
Delineamento e procedimentos
Este foi um estudo empírico correlacional. Para sua execução, primeiramente foi solicitada autorização da instituição onde seria realizada a pesquisa. A partir disso, após a aprovação do estudo pelo Comitê de Ética da universidade, foi realizado novo contato com a gerência para o recrutamento de voluntários para participar da pesquisa. Foi enviada uma carta para cada voluntário explicando o objetivo da pesquisa, além dos aspectos éticos sobre sigilo e o caráter optativo da participação no estudo. Após o aceite, cada participante assinou um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Num segundo momento, os participantes foram reunidos na própria instituição de trabalho, fora de seu expediente, em pequenos grupos de 10 a 15 pessoas para responder aos instrumentos, de forma coletiva e na presença dos pesquisadores. Após a coleta de dados, os mesmos foram analisados quantitativamente.
Resultados
Os dados foram analisados quantitativamente, através de testes estatísticos, com auxílio do pacote SPSS 13.0. Inicialmente, foram calculados os percentuais de severidade nas três dimensões do Burnout. A avaliação dos protocolos permite identificar níveis de risco baixo, médio ou alto para cada dimensão analisada. Do total de participantes, em relação à dimensão de despersonalização, 53,5% (N=46) estavam com risco baixo, 37,2% (N=32) estavam com risco médio e 9,3% (N=8) estavam com risco alto; em relação à dimensão de realização pessoal, 75,3% (N=64) estavam com risco baixo, 23,5% (N=20) estavam com risco médio e 1,2% (N=1) estavam com risco alto; e em relação à dimensão de exaustão emocional, 70,9% (N=61) estavam com risco baixo, 22,1% (N=19) estavam com risco médio e 7,0 (N=6) com risco alto. É possível verificar que a maioria dos participantes, independente de gênero ou área de atuação, encontra-se com risco baixo para Burnout. No entanto, os índices de risco médio são preocupantes, assim como a existência de alguns funcionários com risco alto em alguma dimensão. Aspectos como sexo, estado civil, turno ou setor de trabalho não apresentaram associação com grau de severidade do Burnout.
Análises posteriores compararam as médias gerais nas dimensões de Burnout ea satisfação no trabalho e os diferentes aspectos pessoais e de trabalho. As médias e desvios-padrão para cada medida, de acordo com sexo, tipo de atividade, setor e turno de trabalho, estão apresentadas nas Tabelas 2 e 3. Em relação ao tipo de formação, não houve diferenças de médias entre técnicos ou enfermeiros em nenhuma das medidas de satisfação ou Burnout avaliadas. Testes t de diferença de médias apontaram que em relação ao Burnout, não houve diferenças de sexo. Já em relação à satisfação, homens e mulheres diferiram significativamente nos níveis de satisfação com o salário (t=3,13; gl=83; p<0,01), satisfação com promoções (t=2,01; gl=84; p<0,05) e satisfação total (t=2,42; gl=84; p<0,05) com o trabalho, mas não nas demais dimensões avaliadas. Nas três medidas em que houve diferenças, os homens apresentaram níveis mais altos de satisfação do que as mulheres.
Análises de variância para setor mostraram que houve diferenças em todas as dimensões de satisfação, mas não nas dimensões de Burnout. Quanto aos colegas, os funcionários do atendimento domiciliar estavam mais satisfeitos do que os demais; quanto ao salário, os funcionários do bloco cirúrgico e do ambulatório de quimioterapia estão menos satisfeitos do que os demais; quanto à chefia, os funcionários do SOS são os menos satisfeitos e os do atendimento domiciliar e do ambulatório de quimioterapia os mais satisfeitos; quanto à tarefa, os funcionários do atendimento domiciliar são os mais satisfeitos e os do ambulatório de quimioterapia os menos satisfeitos do que os demais; quanto às promoções, os funcionários do ambulatório de quimioterapia e do pronto atendimento são os menos satisfeitos; em relação à satisfação total, percebeu-se que os funcionários do atendimento domiciliar são mais satisfeitos que os demais e os do ambulatório de quimioterapia os menos satisfeitos.
Análises de variância para o turno de trabalho mostraram que apenas os níveis de satisfação com a chefia apresentam diferenças significativas entre os turnos; não houve diferenças nos níveis de Burnout. Os funcionários do turno da manhã são mais satisfeitos e os funcionários da noite e da escala os menos satisfeitos neste item.
As correlações entre as medidas avaliadas estão apresentadas na Tabela 4. Pode-se observar que há correlações entre as diferentes dimensões de satisfação e entre estas dimensões e as dimensões de Burnout.
Discussão
Este estudo pretendeu avaliar os níveis de Burnout e de satisfação no trabalho entre funcionários da área de enfermagem em uma instituição de saúde do interior do RS. Os resultados obtidos permitem algumas considerações importantes. Com relação às três dimensões de Burnout em separado, os resultados indicam que nesta amostra não há uma presença significativa de risco alto para a Síndrome, pois essa é indicativa quando na amostra ocorrem médias elevadas em exaustão emocional (EE) em despersonalização (DE) e baixas em realização profissional (RP). Esses resultados são positivos em função de indicarem boas condições gerais dos funcionários para lidar com as demandas do trabalho, sem excessiva sobrecarga emocional, o que é desejável em profissões de cuidado e atendimento a outros, como o contexto de saúde (TAMAYO, 1997; BENEVIDES-PEREIRA, 2002; ROSA; CARLOTTO, 2005). No entanto, percebe-se que há participantes com risco médio e também um número pequeno da amostra com risco alto. Esses resultados intermediários são preocupantes e indicam um contexto de relativa vulnerabilidade de alguns funcionários ao desenvolvimento do esgotamento profissional, salientando a importância de intervenções preventivas neste momento, a fim de evitar o agravamento dos riscos.
A literatura aponta que a despersonalização, a exaustão emocional e a baixa realização profissional geralmente vêm acompanhadas de ansiedade, aumento da irritabilidade, perda de motivação, sentimentos negativos, isolamento, sentimento de incompetência e de inadequação profissional, vulnerabilidade à depressão, entre outros problemas (MASLACH; JACKSON, 1981; FRANÇA, 1987; ARAUJO, 2001; BORGES; CARLOTTO, 2004). Com o agravamento dos sintomas, as pessoas acometidas sentem gradativa redução de sua capacidade de produção e vigor no trabalho, podendo inclusive abandoná-lo por completo (MASLACH; JACKSON, 1981).
Segundo França e Rodrigues (1997), a prevenção da Síndrome de Burnout consistiria em aumentar a variedade de rotinas, para evitar a monotonia, prevenir o excesso de horas extras, dar o melhor suporte social às pessoas e melhorar as condições sociais e físicas de trabalho e investir no aperfeiçoamento profissional e pessoal dos trabalhadores. Em uma perspectiva psicossocial, o Burnout tem sido entendido como o resultado de um contexto laboral desfavorável, de características individuais; dessa forma, as intervenções e os programas preventivos procuram enforcar programas centrados na resposta do individuo, onde consistem basicamente na aprendizagem, por parte do trabalhador, de estratégias de enfrentamento adaptativas frente às situações estressantes. Entre outros fatores, trata-se de modificar as condições ocupacionais, a percepção do trabalhador e a forma de enfrentamento diante de situações de estresse ocupacional (BENEVIDES-PEREIRA, 2002).
Quanto à diferença de gênero, os dados deste estudo não apontaram diferenças quanto aos sintomas de Burnout, o que contraria a literatura que aponta comumente maior vulnerabilidade feminina (SIQUEIRA, 1978; MARTINS, 1985; CARLOTTO, 2001; BENEVIDES-PEREIRA, 2002; MARTINEZ, 2002; GOMES; CABANELAS; MACEDO; PINTO; PINHEIRO, 2008). Em contrapartida, com relação à satisfação, as médias apontaram que homens e mulheres diferem significativamente em satisfação com salário, promoções e satisfação total, com maiores médias masculinas. Mesmo quando as mulheres encontram-se empregadas nas mesmas ocupações que os homens, como é o caso deste estudo, pode-se pensar que as mulheres ainda tenham uma percepção de menor valorização, ou sintam-se pressionadas pela dupla jornada de trabalho, o que pode implicar uma sensação de maior esforço despendido no trabalho (OLIVEIRA, 1996; BRITO; OLIVEIRA, 1998; ROCHA; DEBERT-RIBEIRO, 2001; SANTOS 2008). Dessa forma, percebe-se que seriam importantes novas investigações que ampliem as discussões acerca da relação entre satisfação e gênero, onde fosse possível formular propostas de intervenção com a população feminina da enfermagem que leve em conta as características específicas destes indivíduos.
Na análise de associação entre as dimensões do Burnout e as variáveis do trabalho, como turno, setor e função, os resultados não evidenciaram relação significativa, contrariando alguns achados da literatura, como os que indicavam maior vulnerabilidade em profissionais com maior escolaridade (MASLACH; LEITER, 1997) ou de trabalho por turnos (PEIRÓ, 1999). Isso parece reforçar a ideia de que o conteúdo do trabalho é o aspecto mais relevante para a vulnerabilidade ao Burnout (CODO; VASQUES-MENEZES, 1999; BENEVIDES-PEREIRA, 2002; BORGES; CARLOTTO, 2004). No contexto do estudo, apesar da diferença de setor, formação e horários de trabalho, os funcionários estão envolvidos em um mesmo grupo de tarefas, como o contato com pacientes, em atividades de ajuda, em contato com situações de sofrimento e morte, em ritmo intenso de trabalho. Essas questões parecem afetar a todos de forma uniforme, abrangente. Para observar diferenças, talvez fosse importante pesquisar diferentes grupos dentro de uma mesma instituição, que exerçam funções distintas; por exemplo, neste caso, avaliar também os funcionários administrativos e do atendimento. Como já haviam apontado Gil-Monte e Peiró (1997), as características pessoais (e podemos pensar também nas de trabalho) não seriam desencadeantes do Burnout, mas apenas facilitadores ou inibidores da ação dos agentes estressores; nesse sentido, parece coerente estabelecer o conteúdo do trabalho como um aspecto mais relevante para o desencadeamento do Burnout.
Mas, com relação à associação com satisfação, os dados mostraram que o setor e o turno implicam diferenças em várias dimensões de satisfação. Há diferenças na satisfação com o salário, com as tarefas, com a chefia, com os colegas, com as promoções e com a satisfação total entre os setores. Esses resultados apontam que, para uma percepção global de satisfação, são vários os aspectos importantes a considerar, e que cada alteração que acontece no ambiente organizacional tem repercussão na percepção dos funcionários da organização. No cotidiano prático da enfermagem, a motivação surge como aspecto fundamental na busca de maior eficiência e, consequentemente, de maior qualidade na assistência de enfermagem prestada, aliada à satisfação dos trabalhadores (PEREIRA; FAVERO, 2001). Os fatores motivadores referem-se ao conteúdo do cargo, às tarefas e aos deveres relacionados com o cargo em si, produzindo efeitos duradouros de satisfação e aumento de produtividade em níveis de excelência (CHIAVENATO, 1990). Nesse sentido, os resultados deste estudo indicam a importância de se observar, dentro das organizações, questões como a relação do indivíduo com seu trabalho, a percepção dos funcionários quanto às políticas de RH e a percepção sobre a transparência das informações e das práticas de gestão, pois esses são aspectos diretamente relacionados à satisfação.
Especificamente, em relação ao salário, segundo Codo e Vasques-Menezes (1999), o bom salário seria aquele pago de acordo com o trabalho realizado, e onde o valor do trabalho na empresa fosse compatível com o investimento que ele faz para tornar viável a realização da sua tarefa. Talvez alguns funcionários estejam percebendo maior esforço exigido, em relação às compensações recebidas, uma vez que cada pessoa tem necessidades e expectativas diferentes para seu padrão de vida, de consumo para o futuro, etc. (MASLOW, 1970).
Quanto à satisfação com a tarefa, o único setor que apresentou insatisfação foi o Ambulatório de Quimioterapia, pois, sendo a enfermagem uma profissão que lida permanentemente com situações estressantes, o modo pelo qual responde em seu cotidiano à doença e ao sofrimento e, principalmente à morte de pacientes, influencia diretamente no desenvolvimento e desempenho de seu trabalho. Sabe-se ainda que lidar com a dor e o sofrimento, principalmente com pacientes quimioterápicos, afeta os profissionais diretamente, pois lidar com a perda de pacientes gera impotência e insatisfação (FISHER; SILVA, 2003). Segundo Martins (1985), os aspectos relacionados com a chefia se subdividem em satisfação com o suporte organizacional ou insatisfação com a inadequação da chefia e com a falta de oportunidades. Em relação à satisfação com a chefia percebeu-se que a maioria dos setores está satisfeito com suas chefias, pois, segundo (BENEVIDES-PEREIRA, 2002), em estudos com enfermeiros verificou-se que, quanto maior o comprometimento e a autonomia no desenvolvimento das atividades, maiores são os níveis de realização profissional e de satisfação. Um único setor apresentou um maior grau de insatisfação, que foi o SOS. Esse é um setor de situação de urgência e emergência, onde os atendimentos acontecem em situações de crise. Estudos indicam que as pressões advindas do trabalho repercutem negativamente, propiciando o aparecimento de insatisfação (CARLOTTO, 2001). Ainda, é possível pensar que a chefia esteja um pouco afastada do cotidiano de trabalho desses funcionários, o que repercute negativamente na sua avaliação deste aspecto.
Com relação à satisfação total, os setores que apresentaram maior índice de satisfação foram o Atendimento Domiciliar, a Medicina Preventiva, o SOS e a Unidade de Internação. Locke (1976) define satisfação como um estado emocional agradável ou positivo, que resulta de algum trabalho ou de experiências no trabalho, definição que tem, ainda hoje, o impacto mais importante para o conceito. Martins (1985), baseada na definição de Locke, afirmava que o homem usa de sua bagagem individual de crenças e valores para avaliar seu trabalho e essa avaliação resulta num estado emocional que, se for agradável, produz satisfação, e, se for desagradável, leva à insatisfação. Assim a enfermagem parece estar mais satisfeita com aspectos intrínsecos de seu trabalho, tais como reconhecimento, responsabilidade e autonomia.
Nos setores com maior insatisfação aparecem o Bloco Cirúrgico, Pronto Atendimento, Ambulatório de Quimioterapia. Isso nos leva a pensar que essa insatisfação não estaria ligada ao conteúdo de trabalho, mas a fatores extrínsecos que apareceram como maiores causadores de insatisfação, como o nível salarial, a qualidade da supervisão, o relacionamento com a equipe de trabalho e as condições de trabalho. A instituição hospitalar possui uma estrutura organizacional complexa quanto a profissionais, papeis, estrutura, divisão de trabalho, metas, hierarquia e normas que a regulam, com uma prática organizacional voltada quase que exclusivamente para a eficácia do atendimento ao paciente. Muitas vezes percebe-se uma menor valorização das condições de trabalho essenciais para a saúde do trabalhador, que permanece exposto por um período prolongado a situações que exigem alta demanda emocional (MASLACH; JACKSON, 1981). Nesse sentido, há necessidade de estudos complementares a este assunto, talvez de caráter qualitativo, para avaliar os recursos de enfrentamento que os funcionários utilizam e as percepções acerca das questões que envolvem a satisfação. Acredita-se que um estudo comparativo com outras instituições hospitalares seria pertinente, uma vez que cada instituição tem suas próprias políticas internas e dessa maneira poderia contribuir para ver se estas diferenças se mantêm.
Já as análises para o turno de trabalho mostraram que apenas os níveis de satisfação com a chefia apresentaram diferenças significativas indicando que os turnos de maior insatisfação são o turno da noite e o turno por escalas. Segundo Peiró (1999), o trabalho por turnos e o trabalho noturno chegam a afetar cerca de 20% dos trabalhadores com maior vulnerabilidade para diversos transtornos, tanto físicos quanto psicológicos. Esses profissionais frequentemente têm uma chefia mais ausente, que não acompanha a rotina dos funcionários e não apresenta condições de monitoramento ou resolução de problemas no momento em que eles acontecem. Isso pode repercutir negativamente na satisfação. Aqui, percebe-se a necessidade de que os profissionais que trabalham na instituição precisam, acima de tudo, de melhores condições e organização de trabalho, com maior suporte de seus supervisores.
As análises de correlação apontaram relações entre as dimensões do Burnout e da satisfação, o que vai ao encontro da literatura na área (DEL CURA; RODRIGUES, 1999; MARTINEZ, 2002; ROSA; CARLOTTO, 2005; GOMES et al., 2008). A exaustão emocional correlacionou-se negativamente com a satisfação com salário, com a satisfação com a tarefa e com a satisfação total; a realização profissional correlacionou-se negativamente com a exaustão emocional e positivamente com a satisfação com colegas, com a satisfação com salário, com satisfação com a tarefa, com a satisfação com a promoção e com a satisfação total; apenas a despersonalização não apresentou correlações significativas com as outras variáveis. Verificou-se, ainda, que houve correlação negativa entre tempo de serviço e satisfação com colegas, diferentemente do que nos mostra a literatura (CODO; VASQUES-MENEZES, 1999). Pode-se perceber que quanto maior o tempo de serviço menor o grau de satisfação com colegas, talvez pelo convívio diário, pelo desgaste normal nas relações quando se passa muito tempo junto, especialmente em um contexto de dor e sofrimento.
Por fim, é importante ressaltar que os resultados obtidos neste estudo dizem respeito a uma instituição específica, desse modo não se pretendem generalizáveis a todas as instituições hospitalares ou de saúde. Ainda, uma vez que a amostra teve um número pequeno de participantes, sente-se a necessidade de um aprofundamento, pois a adesão dos participantes pode ter se dado por aqueles que estão mais satisfeitos, sendo para eles mais fácil falar de seus sentimentos externos do que suas possíveis fragilidades. Dessa forma, é possível que os funcionários menos satisfeitos tenham sentido maior constrangimento em responder ao estudo, especialmente em função da pesquisa ser realizada por um membro da Instituição. Salienta-se a necessidade de novos estudos, uma vez que a literatura não tem sido conclusiva sobre as variáveis que afetam o Burnout em profissionais da área da saúde, tendo em vista a complexidade dessa área e os diferentes contextos onde estes profissionais exercem suas atribuições. Novos estudos podem trazer ainda mais subsídios para a compreensão das relações entre saúde e trabalho, tendo como foco o indivíduo como pessoa e como sujeito, e não apenas como profissional da saúde. A Síndrome de Burnout é uma patologia severa, com muitos fatores que facilitam o seu surgimento e com sintomas que muitas vezes os profissionais desconhecem, não percebendo quando a estão desenvolvendo. Desse modo, processos de informação sobre este tema nos ambientes de trabalho também se fazem necessários como estratégias preventivas.
Referências
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Data de recebimento: 10/08/2010.
Data de aceite: 04/11/2010.
Sobre os autores:
Maione Ruviaro é bacharel em Psicologia pela Universidade Luterana do Brasil - Campus Santa Maria (RS). Atualmente, trabalha como psicóloga da Unimed Santa Maria. E-mail: maioneruviaro@gmail.com.
Marucia Bardagi é psicóloga, mestre e doutora em Psicologia pela UFRGS (RS). Professora adjunta do curso de Psicologia da UFSC (SC), desenvolve pesquisa nas áreas de orientação de carreira, avaliação psicológica e psicologia organizacional. E-mail: marucia.bardagi@gmail.com