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Barbaroi

 ISSN 0104-6578

Barbaroi  no.35 Santa Cruz do Sul dez. 2011

 

ARTIGOS

 

Lupus eritematoso sistêmico juvenil: diagnóstico de doença crônica e dinâmica familiar

 

Juvenile systemic lupus erythematosus: diagnosis of chronic illness and family dynamics

 

 

Vanessa Peter BernardesI; Lecila Duarte Barbosa OliveiraII; Claudete MarconIII

IUniversidade Federal de Santa Catarina - SC - Brasil
IIUniversidade Federal de Santa Catarina - SC - Brasil
IIIUniversidade Federal de Santa Catarina - SC - Brasil

 

 


RESUMO

Este artigo traz o relato de uma intervenção psicológica na Enfermaria Pediátrica de um hospital-escola, referente à recém comunicação de diagnóstico e início de tratamento de uma doença crônica denominada Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil. Esta doença tem caráter autoimune e sua etiologia, evolução e consequências ainda são pouco esclarecidas. Este artigo busca descrever a relação entre a compreensão da doença e a dinâmica familiar, bem como contribuir com informações sobre a doença, enriquecendo as práticas dos profissionais da saúde relacionadas às doenças crônicas. Foram atendidos um menino de oito anos e sua família. O apoio psicológico foi, inicialmente, no sentido de amenizar o impacto do diagnóstico, esclarecer as dúvidas quanto à nova rotina e aos cuidados necessários. Após esse momento, visou-se auxiliar a família na reorganização e reestruturação de sua dinâmica, especialmente nas relações marital e parental. Discute-se a pertinência da intervenção psicológica em situação de doença crônica e também a importância do acompanhamento multiprofissional do doente crônico e sua família.

Palavras-chave: Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil. Diagnóstico. Doenças crônicas. Relações familiares. Hospitais.


ABSTRACT

This article presents the report of psychological intervention in the pediatric ward of a school hospital, referring to the recent statement of diagnosis and early treatment of a chronic disease called Juvenile Systemic Lupus Erythematosus. This disease is autoimmune and its etiology, evolution and consequences are still unclear. This article aims to describe the relationship between understanding the illness and family dynamics and contribute information about the disease and enhance the practices of health professionals with chronic diseases. A boy of eight years and his family were attended. Psychological support was, initially, to soften the impact of the diagnosis, clarify doubts regarding the new routine and care. After this moment, the family were assisted in the reorganization and restructuring of his dynamics, especially in marital and parental relationships. It discusses the relevance of psychological intervention in situations of chronic disease and the importance of multidisciplinary monitoring of chronically ill and their families.

Keywords: Juvenile Systemic Lupus Erythematosus. Chronic Diseases. Family Relations. Hospitals.


 

 

Introdução

Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença crônica, reumática, inflamatória, de caráter autoimune, em que o organismo desenvolve anticorpos contra as próprias células normais. Dentre suas formas de manifestação existe uma grande variação quanto à etiologia, a evolução e as consequências em relação à saúde do indivíduo. A evolução do Lúpus alterna períodos de atividade da doença e períodos de remissão dos sintomas, que podem ser desencadeados por fatores genéticos, infecciosos, hormonais, ambientais e psicológicos. Tal doença é comumente chamada de "grande imitador" por suas manifestações variadas que, por vezes, confunde-se com outros quadros clínicos. Os critérios para diagnóstico de LES levam em consideração os aspectos: a) de pele; b) sistêmicos; e alguns verificáveis através de exames - c) laboratoriais (ANDREWS et al., 2009; BITTENCOURT, BESERRA, NÓBREGA, 2008; COSTA et al., 1999; MATTJE, TURATO, 2006; SCHATTNER, SHAHAR, ABU-SHAKRA, 2008; TAIEB et al., 2010).

Em torno de 75% das pessoas com Lúpus apresentam um comprometimento no sistema nervoso, dado constatado pela ocorrência de convulsões, perda de sensibilidade, disfunção de habilidades motoras, depressão, psicose e síndrome orgânica do cérebro (ARAÚJO; TRAVERSO-YÉPEZ, 2007). É uma doença pouco frequente, que atinge em sua maioria mulheres com idade entre 20 e 45 anos (BITTENCOURT et al., 2008). Estudos indicam que as dimensões da doença devem ser tratadas conjuntamente e, principalmente, os aspectos psicológicos devem ser considerados durante o tratamento, pois, dependendo do momento e das manifestações sintomáticas, o Lúpus Eritematoso Sistêmico tem causado impacto emocional relacionado a sentimentos como tristeza, choro, sofrimento, preocupação e medo. Considera-se tanto a possibilidade de fatores psicológicos desencadearem sintomas da doença, quanto esses sentimentos poderem ser agravantes do quadro clínico (ANDREWS et al., 2009; ARAÚJO, TRAVERSO-YÉPEZ, 2007; COSTA et al., 1999; SCHATTNER et al., 2008; TAIEB et al., 2010).

Acerca do tratamento de LES, não existe uma predeterminação tendo em vista a variedade de manifestações da doença. Assim, cada paciente terá um tratamento diferenciado, de acordo com as necessidades do seu organismo. Atualmente, o tratamento mais efetivo é feito com o uso de corticóides. Porém, tal medicação, em uso prolongado, provoca efeitos colaterais como enfraquecimento dos ossos, diabetes, inchaço do rosto e do corpo, entre outros. Além disto, a falta de previsibilidade do curso do LES influi negativamente na adesão ao tratamento e adequado enfrentamento da situação de doença crônica. Uma estratégia indicada aos pacientes é atentar para o aparecimento dos sintomas da crise e prevenção dos mesmos, desenvolvendo uma boa comunicação com o médico e autopercepção do estado de saúde, importantes para um controle mínimo sobre a doença (ANDREWS et al., 2009; ARAÚJO; TRAVERSO-YÉPEZ, 2007; BITTENCOURT et al., 2008; COSTA et al., 1999; SCHATTNER et al., 2008; TAIEB et al., 2010).

O Lúpus Eritematoso Sistêmico é uma doença que exige um cuidado multiprofissional, envolvendo médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais no sentido de indicar tratamento, informar e orientar, buscar recursos sociais, promover cuidados necessários, oferecer apoio psicológico para entendimento da doença e manejo das angústias e sentimentos, promovendo melhor enfrentamento (MATTJE; TURATO, 2006; SEABRA et al., 2009). As características específicas da doença, seus estudos ainda iniciais e o desconhecimento da população acerca da mesma reforçam a necessidade das intervenções conjuntas pelos profissionais de saúde.

Quando a LES ocorre em crianças e jovens, sua denominação é acrescida do termo Juvenil e apesar de não ser comum em idades precoces, quando ocorre impõe limitações no desenvolvimento da criança, pois, durante as crises, o infante pode ficar impedido de se movimentar, sofrendo com fortes dores. Os sintomas, especialmente dores no corpo e cansaço.

Pensando nas implicações que a doença crônica traz para a criança e a família, Castro e Piccinini (2004) citam: mudanças de rotina (frequentes visitas médicas, medicamentos, hospitalizações), incerteza quanto ao futuro da criança e alterações na dinâmica familiar, podendo prejudicar o desenvolvimento psicológico da criança doente. Faz-se necessária uma intervenção multiprofissional que vise a fortalecer o vínculo da família com a equipe de saúde, aumentar o bem-estar e que facilite a percepção da real gravidade e limitação da criança. Os mesmos autores pontuam a importância do psicólogo trabalhar com a equipe de saúde no contexto hospitalar, instrumentalizando-a para a realização de grupos com as famílias em um direcionamento psicoeducativo. Nessa proposta, seriam repassadas informações relacionadas à doença, possíveis dificuldades no manejo com a criança e promoção de formas de enfrentamento na situação de doença crônica.

Ainda sobre a atuação do profissional de psicologia, as intervenções visam também amenizar o sofrimento dos pais, reduzindo ansiedades e preocupações e aumentando a disposição emocional para o cuidado com a criança (CASTRO; PICCININI, 2004; MATTJE; TURATO, 2006; MENEZES; MORÉ; BARROS, 2008). De forma geral, as intervenções psicológicas em casos de doença crônica têm como objetivos, segundo Barros (2003), aceitação e adaptação à doença e suas limitações e adesão ao tratamento.

Existem intervenções que podem ajudar tanto as crianças quanto suas famílias a lidarem com as consequências psicológicas e sociais associadas às doenças crônicas. Estas podem trazer contribuições tanto para melhorar a qualidade da interação dos infantes com a família, a escola e a equipe médica, assim como favorecer o tratamento, através de respostas mais positivas da criança e da família às exigências e demandas clínicas da doença (CASTRO; PICCININI, 2002; MENEZES et al., 2008). As possibilidades de intervenções com crianças doentes crônicas são no sentido de minimizar ou reverter os problemas emocionais, por meio de programas com crianças e suas famílias, inclusive no ambiente hospitalar. Algumas das propostas das autoras Menezes et al. (2008) consistem em ajudar as famílias a desenvolverem atitudes educativas e preventivas adequadas aos problemas de saúde física e mental da criança, favorecer a adaptação do infante, da família e da escola em situação de doença crônica em termos de desenvolvimento e promover adesão ao tratamento. Tais estratégias mostram-se essenciais nos momentos do diagnóstico da doença e hospitalizações.

As atividades propostas por Menezes et al. (2008), p. 231) ressaltam também como papel do profissional de psicologia "contribuir para a formação psicológica dos profissionais da saúde que atuam com crianças e suas famílias, buscando conjuntamente a forma mais adequada de prestar o atendimento com qualidade". Com isso, destacam-se a necessidade de relatos de intervenção e de pesquisas desenvolvidas pelos psicólogos que contribuam na direção do aprimoramento das práticas de outros profissionais, assim como dos colegas de profissão.

Considerando a importância do atendimento psicológico em doenças crônicas e esclarecidas as particularidades do Lúpus, este artigo relata um estudo de caso envolvendo o diagnóstico de Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil (LESJ) e a relação entre a compreensão deste e a dinâmica familiar. Espera-se, assim, contribuir com informações sobre a doença e enriquecer as práticas dos profissionais da saúde relacionadas ao LESJ e às doenças crônicas em geral.

 

Caso Clínico - Intervenção Psicológica e Discussão

Claúdioi era um menino de oito anos de idade, filho único de Amélia, professora, e Paulo, vigilante. A criança ficou hospitalizada por 10 dias na Enfermaria de Pediatria de um Hospital Universitário da região sul do Brasil, para início do tratamento de LESJ. A família foi atendida por uma estagiária de psicologia - esta orientada por duas psicólogas. Cláudio permaneceu acompanhado pela mãe e a avó paterna. O pai pernoitava no hospital, em noites intercaladas, para acompanhar o filho. Os atendimentos relatados referem-se à primeira internação, sendo que, posteriormente, o menino reinternou periodicamente para continuidade do tratamento, na mesma Unidade.

Cláudio manifestava praticamente todas as características descritas na literatura sobre LESJ representando, assim, um quadro clássico da doença. Seus sintomas mais evidentes eram manchas vermelhas no rosto há dois meses, queda de cabelo, mudança na cor das extremidades dos dedos, dores de cabeça constantes, alterações renais e episódio convulsivo. Desde os primeiros sinais, a família procurou médicos de diferentes especialidades para cada manifestação da doença, até consultar com a médica reumatologista que diagnosticou LESJ. Rabuske (2004) aponta que o surgimento dos sintomas traz o início de uma trajetória da família nos serviços de saúde à procura de resposta, buscando amenizar a dor e o sofrimento desencadeados pela situação da doença crônica.

A doença crônica pode ser identificada em três etapas, sendo elas: 1) fase de crise: período sintomático que antecede o diagnóstico; 2) fase crônica: de curta ou longa duração, que implica o decurso do tratamento e situa-se entre a fase de crise e a terminal; 3) fase terminal: quando a morte é inevitável e os cuidados são paliativos (RABUSKE, 2004). Nesta primeira internação, o menino encontrava-se na passagem da primeira para a segunda fase do ciclo da sua doença, marcada pela confirmação do diagnóstico e início do tratamento, após um período de, aproximadamente, três meses de surgimento e investigação dos sintomas. O paciente em questão iniciou tratamento com corticóides - hormônios sintéticos que atuam contra inflamação e que possuem efeitos colaterais tais como aumento de peso e inchaço.

Em conversa com Amélia, obtiveram-se informações significativas a respeito da dinâmica familiar. Cláudio era excessivamente apegado à mãe, mas esta negava exagerada proteção sobre o menino. Referiu que cobrava dele iniciativa e autonomia quando este estava sadio, admitindo que, após o início dos sintomas, passou a ser mais condescendente com seus pedidos (às vezes dava comida na boca, pegava no colo, dava banho...). Isso também foi observado no hospital, além de outros comportamentos infantilizados do menino. Os pais de Cláudio traziam de casa recursos de distração que o menino solicitava, como brinquedos e videogame, recebia presentes de quem o visitava no hospital, além do fato de sua avó vir de cidade distante para permanecer junto ao neto.

Toda essa preocupação dos familiares é adequada e até esperada diante do diagnóstico de doença crônica. Contudo, é importante ressaltar que a infantilização de Cláudio, assim como outros comportamentos exacerbados que ele apresentava (teimosia, birra, irritação, manha), eram desproporcional às situações vividas pela criança em decorrência do LESJ e consequente hospitalização. Neste caso, apesar dos comportamentos disfuncionais e inadequados, o menino recebia ainda mais atenção e agrados da família que mantinha uma atitude protetora. Esses ganhos secundários são relatados na literatura, que aponta a postura adotada pela família (superprotetora) e as possíveis consequências desta para o desenvolvimento da criança (CASTRO; PICCININI, 2002; CASTRO; PICCININI, 2004; IOBST et al.,2007).

Amélia justificava sua permanência constante no hospital e excesso de cuidados com o filho em razão da indisponibilidade e irresponsabilidade do pai em assumir os cuidados com Cláudio (afastamento afetivo, descompromisso financeiro com as despesas da família...). Ela culpabilizava o marido também nas situações de doença, pois este não a acompanhava em médicos e serviços de saúde, sendo, inclusive, descrente da severidade da doença do menino. Paulo tinha dificuldades de relacionamento com sua família de origem, foi usuário de drogas desde a adolescência; recuperou-se, mas passou a fazer uso regular de álcool, embora não reconhecesse seu vício. Quanto ao filho, a mãe relatou que este não sabia do uso anterior de drogas do pai, mas vivenciava o hábito atual, uma vez que o pai bebia em casa, inclusive pedindo a Cláudio que comprasse sua bebida.

A mãe da criança relatou que, apesar da aparente despreocupação com a gravidade do LESJ, o pai estava bastante angustiado frente à doença do filho, questionando se o seu uso de drogas por tantos anos não teria alguma relação com o diagnóstico atual da criança. Tal pensamento revela a culpa pelo seu comportamento passado ao associá-lo à causa, especialmente por tratar-se de uma doença de origem não identificável. Não raro, surge nos pais um sentimento de culpabilização quando, na necessidade de encontrar explicação para a ocorrência da doença, atribuem a si próprios a causa ou origem da mesma (BARROS, 2003). Esses sentimentos podem implicar em relações de superproteção, onde imperam o medo com o futuro do infante e a sensação de culpa dos pais (CASTRO; PICCININI, 2002).

O caso foi encaminhado para o Serviço de Psicologia pela médica reumatologista em decorrência do diagnóstico recente de LESJ. Uma vez que esta é uma doença crônica, e, como tal, tem importantes implicações na rotina da criança, esse acontecimento torna-se uma situação de risco para o desenvolvimento e adaptação do infante (BARROS, 2003; CASTRO; PICCININI, 2002; CASTRO; PICCININI, 2004). Aponta-se o diagnóstico de uma doença crônica como um estresse significativo para a família, em que todos os membros são afetados, implicando em modificações nos padrões de funcionamento, na evolução da doença e no desenvolvimento da criança de maneira geral (ANDREWS et al., 2009; IOBST et al., 2007). Nesse sentido, e percebendo o impacto do recebimento do diagnóstico na criança "mãe, eu sou o menino mais doente do mundo" - (sic) e na família, a médica especialista indicou o caso para acompanhamento psicológico, durante a internação hospitalar.

A confirmação do diagnóstico de doença crônica, segundo Rabuske (2004), estabelece um novo contexto comunicacional na família, no qual a informação pode ou não ser transmitida abertamente. A autora aponta que os tabus familiares, dentre eles a doença, evidenciam-se na dificuldade encontrada pela família em falar abertamente sobre a condição da criança.

Foram feitos (10) atendimentos psicológicos no total, incluindo atendimentos individuais com a mãe (3), com o pai (01), com a avó (01) e com a criança (03), bem como atendimentos conjuntos da mãe com a criança (02). Além das situações de atendimento, vários outros contatos e observações da criança e família aconteceram em situações de convívio na unidade de internação (por exemplo: na brinquedoteca e em atividades lúdicas com outras crianças).

Estes atendimentos seguiram o protocolo de atendimento desse serviço no hospital, assim como as possibilidades e características do espaço hospitalar: apresentação do serviço, oferecimento do seguimento psicológico e clareamento dos objetivos; identificação da dinâmica da família e das características relacionais dos membros; identificação do nível de informação acerca da doença, tratamento e prognóstico; avaliação das condições emocionais e estratégias de enfrentamento, identificação da rede de apoio, entre outros temas.

O primeiro atendimento com a mãe e criança foi feito no mesmo dia em que a família de Cláudio recebeu o diagnóstico de doença crônica. Após as apresentações iniciais, o seguimento psicológico foi oferecido à mãe e explicitados seus objetivos, sendo que este ocorreria como forma de integrar a assistência prestada à criança. Amélia se mostrava quieta, com os olhos marejados, contendo as lágrimas frente ao filho, e falando baixo, para que a criança não a escutasse.

No mesmo dia foi possível atender o pai, individualmente, sendo realizados os mesmos esclarecimentos acerca dos objetivos e proposta da intervenção. Paulo se referiu aos momentos de assimilação das informações e enfrentamento de seus sentimentos como sendo solitários, geralmente chorando sozinho, durante o banho. Frente ao menino e à esposa, mostrava-se forte, sem manifestações de desespero ou preocupação, argumentando que alguém precisava manter a calma e que a preocupação exagerada era prejudicial à própria criança. Manteve-se pouco disponível para abordar e/ou aprofundar a temática da doença. Os pais têm medo de expressar a emoção no momento do diagnóstico na frente dos filhos tentando preservar a posição de protetores, de controle e de fonte de esperança (RABUSKE, 2004). Assim, necessitam de um momento próprio para se recompor do choque sofrido.

A confirmação do diagnóstico é uma experiência traumática, um momento de fragilização e sofrimento. As famílias experienciam, no diagnóstico da doença crônica, um luto antecipatório, uma prévia da perda que gera, dentre outras reações emocionais, solidão existencial, tristeza, desapontamento, raiva, ressentimento (RABUSKE, 2004). Frente a tais sentimentos, Amélia buscava apoio na sogra e em sua família de origem, pela ausência de companheirismo do esposo. Sobre a relação com a família extensa em situações de doença crônica, ressalta-se a importância dos avós, apontados como importantes figuras de apoio (CASTRO; PICCININI, 2002; COSTA et al., 1999).

Uma sequência comum de estágios emocionais e atitudinais na doença crônica, desencadeados nos pais e em crianças maiores, a partir do conhecimento do diagnóstico é: o choque, seguido pornegação, depressão, adaptaçãoereorganização (BARROS, 2003). Dessa maneira, o momento do diagnóstico é acompanhado primordialmente por reações de choque, como também por sentimento de ambivalência que confronta a esperança presente na fase de crise e a certeza da confirmação diagnóstica. Tais reações e sentimentos costumam culminar num impacto emocional, no momento do diagnóstico, trazendo dificuldades no processamento das informações recebidas sobre a doença. Assim, a primeira intervenção possível do psicólogo diz respeito à comunicação aberta e honesta entre a criança e a família, adotando-se uma postura de escuta e valorização acerca das percepções, interpretações e sentimentos gerados, mediando a partir destes a solução de problemas. Como técnicas para tal intervenção, podem ser utilizadas escuta empática, pergunta aberta, paráfrase, entre outras. Concomitantes a esta etapa, verificam-se também os recursos, facilitadores e dificultadores, da criança e da família para a adaptação, a partir dos quais serão realizadas posteriores intervenções (BARROS, 2003).

Durante o atendimento realizado com o pai, Paulo mencionou a relação da esposa com o filho como problemática, sendo, neste caso, um dos aspectos mais preocupantes no que diz respeito à doença crônica e suas implicações. Ele acompanhou um único atendimento médico e, apesar de ter informações acerca do diagnóstico, não queria encará-lo como uma doença que determinaria o futuro de seu filho, provocando mudanças. Desenvolveu uma representação para minimizar sua gravidade, verbalizando que "pra mim o Lúpus é uma gripe e o corticóide é vitamina C" (sic), evidenciando os sentimentos ambíguos e angustiantes desencadeados pela confirmação do diagnóstico e sua fragilidade para lidar com eles.

Quanto à negação, como um dos sentimentos possíveis e prováveis frente ao diagnóstico, a fala do pai é marcante e denuncia suas dificuldades, embora num momento imediatamente anterior falasse de seu desespero e choros solitários ao chuveiro. Esta reação emocional desencadeada pelo diagnóstico, citada por Rabuske (2004), trata de um mecanismo que pode indicar falta de preparo para o adequado enfrentamento da situação de doença, apontando que a assimilação ocorrerá gradualmente. Nesse sentido, Barros (2003) afirma que, conforme as necessidades surgirem, ao longo do processo contínuo e dinâmico de adaptação à doença crônica, deve-se facilitar o uso dos recursos de enfrentamento disponíveis. Quanto ao Paulo, suas falas e comportamentos de evitação, além do histórico de problemas de dependência e dificuldades relacionais, levaram a pensar que ele apresentava maior dificuldade para desenvolver recursos de enfrentamento adequados e funcionais necessitando, assim, de um seguimento de atenção psicossocial.

Cláudio dava pistas de também estar com dificuldades em lidar emocionalmente com sua nova condição, recusando-se a interagir durante os atendimentos individuais, nos quais a estagiária apresentava a temática do Lúpus, mesmo quando a proposta envolvia jogos, desenhos e outras brincadeiras. O menino não realizava as atividades estruturadas, sugerindo outras para desviar o foco da doença. Mudava seu tom de voz evidenciando dificuldade de entrar em contato com seus sentimentos e limitação no entendimento acerca de sua condição de saúde. A intervenção do psicólogo com a criança, apontada na literatura, também se destina a facilitar a expressão dos significados que o doente crônico atribui à sua doença quando se nota alguma perturbação emocional ou dificuldade de adaptação. É preciso que a criança sinta-se à vontade para falar sobre suas questões e queixas sem que seja julgada ou que o psicólogo atribua suas próprias significações (BARROS, 2003).

Para manter esta relação com o doente crônico aberta, sem que se torne intrusiva ou reservada, algumas técnicas são apontadas, tais como relação empática e linguagem acessível à criança, perguntas abertas, uso de diário, desenho ou jogo simbólico, uso de material pouco estruturado (complemento de frases, gravuras temáticas...), todas no sentido de facilitar a comunicação e expressão emocional da criança (BARROS, 2003; MENEZES et al., 2008). Baseado nisso e respeitando-se as condições e desejos de Cláudio, foram disponibilizados, durante os atendimentos, recursos para que desenhasse a si próprio, à família e à sua condição no hospital, atividades às quais se recusou. Foram sugeridas também atividades projetivas com figuras e recortes, sendo que ele participou falando de si como uma criança alegre que gosta de brincar, não se reportando, em nenhum momento à sua condição de doente. A estratégia de evitação mostrou-se presente nas reações estudadas, dificultando que outras estratégias de manejo emocional necessárias fossem adotadas no decorrer do processo de enfrentamento da doença crônica.

Outra intervenção psicológica indicada por Barros (2003) a ser realizada com os pais tem como foco os problemas educacionais da criança, econômicos, profissionais, incluindo também os conjugais, que são causados ou agravados pelo adoecimento. O trabalho do psicólogo, nesses casos, é feito a partir das potencialidades e dificuldades apresentadas frente à situação atual, com o objetivo de instrumentalizar os pais para lidarem com as dificuldades. Quanto a esse tipo de intervenção, no caso relatado destacou-se a relação conjugal já abalada e o estreitamento da relação entre mãe e filho, como relação compensatória, gerando superproteção anterior ao adoecimento. Aqui a superproteção é entendida como limitante, logo, negativa para a criança, pois impede o desenvolvimento da autonomia necessária para lidar com os eventos estressores tanto da doença como do ciclo de vida. Amélia apresentava dificuldades em pensar sua relação com Cláudio que exercia para ela o papel de companheiro, que o pai há muito não assumia. As conversas individuais com a mãe orientaram-se para que ela compreendesse a relação problemática com o filho anterior à doença e como esta deveria ser modificada diante dos novos acontecimentos. Assim, a intervenção psicológica foi no sentido de colaborar com a reorganização e reestruturação das relações familiares.

Ainda sobre a relação dos pais com o filho, foram explicitadas aos genitores e à avó algumas características comportamentais esperadas em infantes com doença crônica. De forma sutil, a estagiária apontou alguns ganhos secundários que as crianças costumam ter e como os pais podem lidar com essas atitudes. Acima de tudo, foi esclarecido que, apesar da fragilidade que Cláudio apresentava e de seus comportamentos regredidos, a educação parental deve ser constante e adequada para promover o amadurecimento durante o ciclo de vida da criança.

Outro foco de trabalho do Serviço de Psicologia no caso de Cláudio foi a investigação das informações repassadas ao menino sobre seu estado de saúde e sua condição de hospitalização. Como propõe Barros (2003), referindo-se à disponibilização de informações sobre a doença crônica, evolução, tratamentos, etc. O esclarecimento quanto a estas questões possibilita maior autonomia e ação por parte da criança e da família, influenciando positivamente na adaptação e adesão ao tratamento. Cabe ao psicólogo acompanhar o repasse e assimilação das informações, verificando a compreensão e as dúvidas que surgirem, além de intervir em conjunto com os outros profissionais em ocasiões em que perceber dificuldades significativas de enfrentamento.

O que se observou nos pais de Cláudio não se referiu à dificuldade de falar abertamente sobre o Lúpus, suas implicações e tratamento, ao menos neste estágio da doença. Mas este novo tema esbarrou em dificuldades comunicacionais e relacionais preexistentes, que se intensificaram e pareciam não poderem mais ser negados. A situação de doença crônica pode trazer ou exacerbar conflitos conjugais que já existiam, assim como modificar a dinâmica familiar em geral, sendo a comunicação aberta um facilitador na resolução dos conflitos (CASTRO; PICCININI, 2002; IOBST et al., 2007).

No momento da alta, nesta primeira internação, Cláudio pareceu absorver informações gerais sobre sua doença, discutindo com a médica como ele e a mãe poderiam organizar a dieta. O menino estava atento ao que foi repassado e orientado e, principalmente, demonstrou capacidade cognitiva para participar das decisões e orientações como um membro ativo de seu tratamento. Amélia referiu preocupações relacionadas às questões práticas após a alta, ainda sob impacto do diagnóstico da doença do filho. O pai de Cláudio apresentou dificuldades em pensar as questões familiares de modo mais abrangente, inclusive sua participação na relação de intensa proximidade da mãe com o filho, mostrando-se inicialmente pouco disponível para mudanças. Barros (2003) salienta a importância de dar tempo e espaço para que a criança e a família encontrem sua própria forma de enfrentamento da situação de doença crônica, respeitando o ritmo de adaptação destes à doença.

Nesse primeiro momento que o caso fora encaminhado ao Serviço de Psicologia e que a família de Cláudio ainda estava sob impacto da comunicação do diagnóstico, não foi possível aprofundar questões referentes à compreensão e representação do Lúpus, considerando que se trata de um longo processo de adaptação à doença crônica recém descoberta. Araújo e Traverso-Yépez (2007) afirmam que as reações às mudanças decorrentes do diagnóstico de Lúpus dependem, além do contexto econômico e social, também do tempo de convivência com a doença. Assim, espera-se que, na vivência cotidiana, essa família desenvolva estratégias adequadas de enfrentamento frente à doença crônica, de acordo com suas próprias potencialidades.

Apesar de não ser o foco deste artigo, é importante ressaltar algumas mudanças percebidas na família durante as reinternações que se seguiram. Cláudio demonstrou muito domínio sobre seu tratamento, repassando informações precisas sobre a doença e falando mais sobre esta com o Serviço de Psicologia, durante conversas e atividades lúdicas. Além disso, o pai passou a acompanhar mais a criança nas hospitalizações, tornando-se seu acompanhante mais constante e participativo.

 

Considerações Finais

O foco da intervenção psicológica, neste caso relatado sobre comunicação de diagnóstico de Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil, inicialmente foi investigar as reações emocionais da família e do paciente, o grau de compreensão das informações recebidas, a percepção da dinâmica familiar, as representações da doença no momento de sua descoberta e o apoio para reorganização após a alta, justificado frente às novas rotinas e necessidades terapêuticas. Outras questões também precisaram ser trabalhadas, como as dificuldades conjugais preexistentes que se exacerbaram, bem como características da dinâmica relacional da família que dificultavam a adaptação da criança à doença. Cláudio, apesar de inicialmente apresentar dificuldades em confrontar-se com sua doença, logo desenvolveu seus próprios recursos de enfrentamento para sua condição de saúde, mediado pela intervenção psicológica. Diferentemente da criança, o resto da família manteve-se envolvida com outras problemáticas, especialmente a conjugal, dificultando a assimilação do diagnóstico, bem como reflexões necessárias a mudanças estruturais familiares.

Nessa perspectiva, pode-se pensar o adoecimento de Cláudio como uma oportunidade para os pais repensarem a situação conjugal, tema trabalhado pela estagiária com os envolvidos, bem como as práticas educativas relacionadas à autonomia do menino. Para exemplificar essas práticas, pode-se citar a responsabilização do menino, conjuntamente com os pais, pela identificação do remédio e o compromisso da sua administração, bem como relação de alimentos que poderiam ser incluídos em sua dieta. Além disso, a família foi orientada a explicar melhor a Cláudio o que é sua doença, reiteradamente, frente às suas dúvidas. Todas essas ações contribuíram para incentivar a autonomia de Claúdio.

O atendimento à criança e à família ficou restrito ao que se referia à condição de doença crônica, característica do atendimento breve e focal em ambientes hospitalares. A família foi sensibilizada para dar seguimento ao atendimento psicológico, especialmente do casal, para discutir e repensar a dinâmica conjugal e o papel do filho na vida de cada um e na relação. Também indicou-se atendimento psicológico de suporte para Cláudio, para auxiliar na elaboração das mudanças físicas e da rotina inerentes à doença e na compreensão da sua atual condição. Esse acompanhamento mostra-se essencial, pois as doenças crônicas trazem restrições e uma criança sente de forma abrupta as diferenças desenvolvimentais pós-diagnóstico (SEABRA et al., 2009; TAIEB et al., 2010). Assim, a continuidade do atendimento é necessária para que a adaptação desse menino ao novo cotidiano seja gradual e adequada ao seu amadurecimento para as próximas fases do ciclo de vida.

Ficam expostas, neste artigo, a pertinência e a influência das intervenções psicológicas em situações de diagnóstico de doenças crônicas, sendo que cada caso deve ser trabalhado de acordo com as características da criança em particular e de sua família, respeitando o ritmo que é próprio de cada um. É importante ter em vista também que o adoecimento crônico é um processo e, como tal, apresenta estágios com características específicas.

Dentre as limitações deste estudo, a dificuldade em realizar uma intervenção mais aprofundada na dinâmica familiar foi estabelecida devido ao curto período da internação, sendo que o foco se manteve no impacto do diagnóstico e compreensão da doença. Além disso, por se tratar de um estudo de caso, as generalizações diante da compreensão da relação do Lúpus com o funcionamento familiar ficam prejudicadas, pois somente uma pesquisa com um número significativo de pacientes poderia informar uma relação estatística entre as dimensões aqui apontadas. Para o futuro, sugere-se, então, uma pesquisa quantitativa, buscando compreender o fenômeno do adoecimento do LESJ de outra perspectiva, já que estudos qualitativos já podem ser encontrados nacionalmente (BITTENCOURT et al., 2008; MATTJE; TURATO, 2006; SEABRA et al., 2009).

Apesar destas limitações, é importante ressaltar que, dentre os diversos desafios que a psicologia pediátrica enfrenta, a relação entre a criança doente e sua família mostra-se relevante. Relatos de experiência que proporcionem melhor instrumentalização e apurem as práticas profissionais em saúde da criança são essenciais para a superação desses obstáculos. No caso deste artigo, buscou-se mostrar quais as intervenções possíveis do psicólogo, neste contexto, e contribuir com o olhar dessa ciência sobre a vida de Cláudio e sua família.

Vale ressaltar, também, o caráter multiprofissional do Lupus Eritematoso Sistêmico Juvenil e outras doenças crônicas. Suas características peculiares, além do baixo conhecimento popular sobre essa doença, indicam a necessidade de um esclarecimento completo e cuidadoso à família (ARAÚJO; TRAVERSO-YÉPEZ, 2007; SEABRA et al., 2009), além de uma assistência integral a ela. A integralidade da saúde somente ocorrerá quando houver o compartilhamento do atendimento entre várias áreas do conhecimento, sendo oferecido à criança e sua família um acompanhamento mais completo, considerando sua situação de doente crônico, suas limitações, especificidades e necessidades, promovendo formas de adaptação à doença e evitando recaídas, com custos desnecessários e mais sofrimento aos usuários.

 

Referências

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Recebido em: 18/08/2010
Aceito em: 15/10/2011

 

 

Sobre os autores:
Claudete Marcon, Psicóloga da Pediatria do Hospital Universitário HU/UFSC. E-mail: marcon_claudete@hotmail.com
Lecila Duarte Barbosa, é Prof. Dra. do Departamento de Psicologia da UFSC e Supervisora do Estágio Curricular na Pediatria do Hospital Universitário - HU/UFSC. E-mail: lecila@cfh.ufsc.br
Vanessa Peter Bernardes, é Psicóloga e ex-estagiária da Pediatria do Hospital Universitário - HU/UFSC. E-mail: nessinhapeter@gmail.com

 

 

i Todos os nomes foram modificados para preservar a identidade dos participantes.

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