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Barbaroi

 ISSN 0104-6578

Barbaroi  no.39 Santa Cruz do Sul dez. 2013

 

ARTIGOS

 

Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade: um olhar voltado para a escola

 

Attention deficit hyperactivity disorder: a look to the school issues

 

Los transtornos de deficiencia en atención e hiperactividad

 

 

Leane DominguesI; Sabrina ZancanellaII; Denice Bortolin BaseggioIII

IFaculdade Meridional Passo Fundo (IMED) - Rio Grande do Sul - Brasil
IIFaculdade Meridional Passo Fundo (IMED) - Rio Grande do Sul - Brasil
IIIFaculdade Meridional Passo Fundo (IMED) - Rio Grande do Sul - Brasil

 

 


RESUMO

O Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) tem grande importância nos dias atuais, em decorrência do grande número de casos diagnosticados e medicados. Do mesmo modo, isso apresenta-se nas escolas com o agravante da socialização, que, muitas vezes, não atende às expectativas dessa fase do desenvolvimento. Neste momento, a socialização passa do núcleo familiar para um ambiente mais amplo - o escolar, com professores e colegas. O presente artigo tem por objetivo compreender o conhecimento que a escola tem sobre o TDAH, evidenciando qual o seu papel frente ao transtorno, bem como abordar de modo consistente a necessidade de distinguir o normal do patológico. O levantamento de dados referentes aos objetivos corrobora com a metodologia descritiva que se deu através da pesquisa bibliográfica. O estudo mostrou a importância de os professores estarem capacitados para enfrentar a subjetividade, visando considerar emoções, sentimentos e comportamentos inerentes a cada indivíduo e também acentuar a relevância dos consultores inseridos no âmbito escolar.

Palavras-chave: TDAH. Subjetividade. Escola.


ABSTRACT

The Attention Deficit Disorder/Hyperactivity Disorder (ADHD) has great relevance today due to the large number of cases diagnosed and treated in the same way, it presents itself in schools with the aggravation of socialization that often does not meet expectations this phase of development, for at this moment is the socialization of the family to the wider environment - the school, with teachers and classmates. This article aims to understand the knowledge that the school has about ADHD, suggesting that its role against the disorder, as well as consistently addressing the need to distinguish normal from pathological. The survey data concerning the objectives corroborate the descriptive methodology that is through literature. The study showed the importance of teachers being trained to deal with subjectivity, in order to consider emotions, feelings and behaviors inherent to each individual and also emphasize the value of consultants included in the school.

Keywords: ADHD. Subjectivity. School.


RESUMEN

El trastorno de Déficit de Atención / Hiperactividad (TDAH) es de gran importancia en los días de hoy, por el gran número de casos ya con sus diagnósticos y medicados. Del mismo modo, se presenta en la escuela con el agravante de la socialización porque muchas veces no atiende las expectativas de esa fase del desarrollo. En este momento la socialización pasa del núcleo familiar para un ambiente más amplio , escolar, con maestros y compañeros. Este artículo tiene como objetivo entender el conocimiento que la escuela tiene, sobre el TDAH, mostrando cual es el papel frente al trastorno, bien como abordar de un modo consistente la necesidad de distinguir lo normal de lo patológico. El levantamiento de datos mostrado referente a los objetivos confirma con la metodología descriptiva que se manifiesta a través de la pesquisa bibliográfica. Los estudios mostraron la importancia de que los maestros y profesores tienen que estar aptos para enfrentar la situación,reconociendo emociones, sentimientos e interés para cada individuo y también acentuar la relevancia de los consultores inseridos en el contorno escolar.

Palabras Clave: TDAH. Subjetividad. Escuela.


 

 

Introdução

O Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) fica mais evidente no momento em que a criança ingressa nas atividades escolares, pois começa a apresentar dificuldades no relacionamento com os colegas, professores e pais (ARAUJO; SILVA, 2003). Hoje, o TDAH não é novidade no contexto escolar. Historicamente os indícios sobre o transtorno aparecem na literatura médica por volta do século XVIII com as primeiras referências à hiperatividade (MESQUITA, 2009).

A partir desse período muitas nomenclaturas foram utilizadas, mas somente em 1994, com o quarto volume do Manual Estatístico e Diagnóstico de Doenças Mentais (DSM-IV), que o TDAH foi reconhecido e publicado (CALIMAN, 2008). Posteriormente foi catalogado no CID 10 sob o código F90. Desde então, o tema tem repercutido nas escolas, e as dificuldades de aprendizagem, como, por exemplo, baixo rendimento, falta de atenção e concentração emergem de uma série de fatores relacionados à escola, pelas condições pedagógicas, estruturais e organizacionais inadequadas; corpo docente despreparado para atender à demanda; família desorganizada em sua dinâmica relacional; e a própria criança que pode apresentar dificuldades motoras, problemas físicos, psicológicos e neurológicos (ROTTA, 2006).

A escola, em virtude da própria natureza dos sintomas, é um dos locais em que a criança passa a gerar um desconforto a ela mesma, aos familiares, professores e, muitas vezes, aos próprios colegas. Todo aluno, ao ingressar no ambiente escolar, possui seu mundo interior marcado por seus valores, aptidões, angústias e identificações, os quais precisam ser considerados não só pelos professores, mas também pela família e sociedade, que, por meio de um "olhar" atento, devem estar preparados para lidar com os casos apontados como patológicos (BASSOLS et al., 2004). Quanto aos educadores, é importante salientar que o seu despreparo para compreender e manejar os conflitos que surgem em sala de aula, muitas vezes, é responsável para que o diagnóstico de TDAH se configure (REIS; CAMARGO, 2008).

Frente a isso, a escola vem apresentando uma tendência de responsabilizar o TDAH pelo baixo desempenho de alguns alunos, sem uma avaliação apurada de todo o contexto escolar e, por isso, apontam para a necessidade de ampla avaliação psicopedagógica para tal determinação (MOOJEM, DORNELES E COSTA, 2003). É fundamental realizar uma avaliação criteriosa, especialmente quando o diagnóstico de TDAH surge na escola, onde, normalmente, ocorre a popularização de informações por parte do educador, o que ocasiona divergências, uma vez que as crianças podem ser rotuladas equivocadamente ou, até mesmo, passarem despercebidas e ficarem sem tratamento (GRAEFF E VAZ, 2008).

Com base nisso, o presente artigo tem como objetivo discutir teoricamente aspectos relacionados ao Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, com enfoque no conhecimento e na percepção que os educadores têm do transtorno, propondo a consultoria como forma de amparar os profissionais da educação, instrumentalizando-os para o atendimento da demanda escolar.

 

Metodologia

As considerações apresentadas são embasadas por um estudo de revisão da literatura no período de março a julho de 2012 nas bases de dados Scielo, Lilacs e livros de referência no tema estudado, definindo o que é TDAH, quais os tipos e os sintomas presentes nesse diagnóstico. Evidenciam também a importância do educador frente ao transtorno, apontando uma proposta de consultoria como um método eficaz para a escola lidar com a problemática.

 

Revisão de Literatura

Conceituando o TDAH

O surgimento do TDAH ocorre antes dos sete anos de idade e se evidencia por três grupos de sintomas: a Desatenção, a Hiperatividade e a Impulsividade. Na desatenção, a criança frequentemente não presta atenção a detalhes ou comete erros por omissão em atividades escolares, apresenta dificuldade para manter a atenção em atividades lúdicas, parece não ouvir quando lhe dirigem a palavra, com frequência, não segue as instruções e não termina seus deveres, tem dificuldade para organizar tarefas e atividades, evita tarefas que exijam esforço mental constante, costuma perder livros, lápis, brinquedos ou outros materiais, distrai-se facilmente por estímulos alheios à tarefa e, muitas vezes, se esquece das atividades diárias (DSM-IV -ASSOCIAÇÃO PSIQUIÁTRICA AMERICANA,2002).

No grupo evidenciado pela hiperatividade, frequentemente agitam as mãos ou pés ou se mexem na cadeira, abandonam sua cadeira na sala de aula ou em outras situações nas quais se espera que fiquem sentadas, correm ou escalam em demasia, apresentam dificuldades para brincar ou se envolver silenciosamente em atividades de lazer, estão frequentemente "a todo vapor", falam em demasia. A impulsividade é mais uma característica, assim, geralmente, a criança dá respostas precipitadas antes que as perguntas tenham sido completamente formuladas, tem dificuldade em aguardar a sua vez, interrompe ou se intromete em assuntos alheios (DSM-IV - ASSOCIAÇÃO PSIQUIÁTRICA AMERICANA, 2002).

Pode-se classificar o TDAH em três subtipos: Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade Tipo Combinado: em que a criança apresenta tanto sintomas de desatenção quanto de hiperatividade; Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade Tipo Predominantemente Desatento: a criança apresenta sintomas apenas de desatenção; Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade Tipo Predominantemente Hiperativo-Impulsivo: a criança apresenta sintomas de hiperatividade e impulsividade (DSM-IV - ASSOCIAÇÃO PSIQUIÁTRICA AMERICANA, 2002).

Para classificar a criança em uma categoria diagnóstica, além da avaliação clínica, deve haver uma coleta de informações sobre a vida da criança realizada junto às pessoas de convivência, como pais e professores. O diagnóstico diferencial também é importante, eis que pode descartar outras patologias orgânicas ou problemas psicológicos. Já os testes de inteligência são utilizados para descartar a probabilidade de a desatenção ser consequência de um problema cognitivo o qual influenciaria na compreensão e no tratamento do TDAH (LEGNANI; ALMEIDA, 2008).

Quanto à prevalência, pesquisas apontam que o TDAH acomete mais meninos do que meninas, numa proporção de 2:1 em amostras populacionais e 9:1 em amostras clínicas (ROHDE E HALPERN, 2004). Isso pode se explicado pelo fato de que meninas geralmente são do tipo desatento e sem comorbidades com outros transtornos, como o Transtorno de Conduta, o que faz ser mais tolerável perante a sociedade, causando menos problemas na escola e na família (FOLQUITTO, 2009).

Apesar de as razões para a prevalência em meninas não serem claras, o maior número de encaminhamentos em meninos talvez ocorra pela atribuição de hiperatividade ao comportamento típico dos meninos (BIEDERMAN et al. apud PEIXOTO; RODRIGUES, 2008). "Os estudos mostram que os meninos, em situação de recreação livre, preferem as brincadeiras e jogos de atividade física, mantendo um padrão de atividade motora mais agitada que o das meninas de mesma série escolar e faixa etária" (MACCOBY, 2000; SOUZA; RODRIGUES apud PEIXOTO; RODRIGUES, 2008, p. 92).

Ao considerar as etapas do desenvolvimento e contextualizar com os sintomas inerentes à faixa etária, destaca-se que:

Crianças com TDAH demonstram um padrão de agitação psicomotora que as impede de focar a atenção em estímulos importantes; em decorrência disso, as trocas com o meio, que possibilitam a construção das capacidades cognitivas essenciais para a compreensão do mundo, ficam prejudicadas, acarretando um atraso no desenvolvimento, nas habilidades reflexivas, e na apreensão de noções abstraídas das relações dos objetos do mundo físico (FOLQUITTO, 2009, p. 69).

Ademais, o TDAH se legitima normalmente aos diagnósticos médicos e psiquiátricos, porém, é um produto de circunstâncias históricas e sociais, internas e externas ao campo médico, que ocupa um espaço configurado pelo traço biológico, cerebral, epidemiológico, mas também moral, social e existencial. Para esta autora, o diagnóstico do TDAH não é tarefa simples de elucidar, pois o mesmo não deve ser reduzido apenas à existência biológica e medicamentosa e, sim, associado como um todo aos seus aspectos individuais, econômicos, morais e, acima de tudo, saber reconhecer e diferenciar o normal do patológico (CALIMAN, 2010).

 

A importância do educador no reconhecimento do TDAH

A criança "percebe" o professor como um substituto de suas figuras parentais (Bassols et al., 2003) por meio do conceito de transferência (LAPLANCHE; PONTALIS, 2001). A adaptação à realidade reside no fato de o professor não se comportar como uma mãe ou pai; porém, o professor capacita o aluno a encontrar novas satisfações, como a oportunidade de aprender e criar, mas, para que isso ocorra, ele precisa incorporar um papel de facilitador e de promotor dessas mudanças. Assim, o professor promove os aspectos primordiais para a aprendizagem do aluno na escola, como a mãe promove e impulsiona o filho para a aprendizagem da vida.

Quando os pais não são capazes de dar o que é necessário, os professores ou a própria escola podem, frequentemente, fazer bastante para cobrir essa deficiência, mas pelo exemplo, pela integridade e honestidade pessoais, pela dedicação e pela presença direta para responder a perguntas (WINNICOTT, 1985, p. 247).

Relacionando com a problemática do TDAH, deve-se considerar o olhar atento necessário ao profissional de educação que é indispensável para auxiliar seus educandos em suas dificuldades e, para tanto, precisa compreender também o contexto de vida da criança.

A professora assume o papel de uma amiga calorosa e simpática, que será não só o principal esteio da vida da criança fora de casa, mas também uma pessoa resoluta e coerente em seu comportamento para com ela, discernindo suas alegrias e mágoas pessoais, tolerante com suas incoerências e apta a ajudá-la no momento de necessidades especiais. Suas oportunidades situam-se em suas relações pessoais com a criança, com a mãe e com todas as crianças como um grupo. Em contraste com a mãe, a professora possui conhecimentos técnicos resultantes de seu treino e de uma atitude de objetividade em relação às crianças sob seus cuidados (WINNICOTT, 1985, p. 221).

Quanto ao ambiente escolar, este deve complementar o ambiente familiar do educando, ser agradável e gerador de afeto. Os pais e a escola devem ter princípios muito próximos, buscando o benefício do filho/aluno com dificuldade, visto que são os pais, através de suas atitudes, que influenciarão diretamente na educação dos filhos (TIBA, 1996). Ainda sobre o ambiente escolar, recorre-se ao conceito atribuído pela teoria de Winnicott, a qual diz que ambiente facilitador refere-se à maneira como os adultos organizam o ambiente com o propósito de facilitar o processo de aprendizagem da criança em desenvolvimento; da mesma forma, o professor/escola deve proporcionar um ambiente que estimule e, ao mesmo tempo, acolha a criança no seu tempo de aprender (WINNICOTT, 2006).

Sem retirar as responsabilidades dos pais, mas considerando a escola como fundamental no processo de evolução humana, é importante considerar que:

A escola, que é um apoio, mas não uma alternativa para o lar da criança, pode fornecer oportunidade para uma profunda relação pessoal com outras pessoas que não os pais. Essas oportunidades, apresentam-se na pessoa das professoras e das outras crianças e no estabelecimento de uma tolerante, mas sólida, estrutura em que as experiências podem ser realizadas (WINNICOTT, 1985, p. 217).

Gardner em sua teoria de inteligências múltiplas, defende que escola e comunidade também devem ser aliadas no processo educativo, e que o propósito fundamental da escola deveria ser o de desenvolver as inteligências, com a intenção de auxiliar as pessoas a atingirem objetivos de ocupação e passatempo adequados ao seu espectro particular de inteligências. Isto despertaria o sentimento de maior engajamento e competência e, por isso, se tornariam mais inclinadas a servirem à sociedade de uma maneira construtiva (GARDNER, 1995).

Nos casos em que ocorressem dificuldades de aprendizagem, este autor destaca que seria importante desenvolver a figura do "agente da escola-comunidade", que adequaria os alunos a oportunidades de aprendizagem na comunidade mais ampla. A tarefa deste profissional seria a de encontrar na comunidade opções não disponíveis na escola, para crianças que apresentem perfis cognitivos incomuns (GARDNER, 1995).

A proposta desse autor é de integrar os alunos com dificuldades na educação formal em diversos espaços e organizações para que, ao se desenvolverem enquanto sujeitos, percebam suas potencialidades, habilidades e desenvolvam essa sensibilidade em relação a diferentes papéis profissionais e de passatempo na sociedade. Ele afirma ainda que sua preocupação não está voltada para as crianças que são brilhantes em tudo, porque estas se sairão muito bem em diversos espaços, mas para aquelas que não brilham em testes padronizados e que serão consideradas como não tendo nenhum tipo de talento. Partindo deste contexto, o agente da escola-comunidade estaria apto a identificar estas crianças e encontrar situações que lhes permitissem brilhar, auxiliando em seu processo de construção como sujeito ativo e transformador de si mesmo e de sua sociedade (GARDNER, 1995).

Ao tratar da constituição do sujeito, é importante ressaltar que:

O comportamento humano, portanto, é, em parte, influenciado por seus valores, crenças e atitudes, e é determinado em época precoce da vida. Os indivíduos não nascem com um conjunto preexistente de atitudes. Elas são adquiridas através da experiência e das interações diretas e indiretas, ou seja, é a partir do momento em que se inicia a interação com o mundo que os sistemas que fazem parte do comportamento começam a sua formação. Diz-se por isso que o homem será, pois, aquilo que aos poucos, se for fazendo [...] (BENEDETTI; URT, 2008, p. 142).

Nesse sentido, é fundamental para a construção do saber a interação social, a referência do outro, por meio do qual se pode conhecer os diferentes significados dados aos objetos de conhecimento, e é por viver em meio social que ocorrem os processos de desenvolvimento e aprendizagem (VYGOTSKY, 1993).

É importante que o educador incentive o educando a acreditar em suas potencialidades, superando suas dificuldades e medos, construindo e traçando objetivos para sua vida. Assim, é indispensável o olhar atento e acolhedor aos educandos, pois, através do comportamento, os alunos buscam interlocutores que efetivamente olhem para eles e os escutem, que estejam disponíveis ao diálogo. Todavia, na maioria das vezes, isto não ocorre, já que as falas destes quase sempre se perdem ou são esquecidas (FREIRE, 1999).

O conceito de interação apresenta a importância do(s) outro(s) para o processo de aprendizagem e proporciona que o aluno participe da vida intelectual das pessoas que o cercam construindo suas concepções e experiências. Dessa forma, concluí-se que:

[...] o aprendizado não é desenvolvimento; entretanto, o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer. Assim, o aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas (VYGOTSKY, 1989, p. 101).

O conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) corrobora para a importância do outro, através da cooperação no processo de evolução e desenvolvimento do sujeito.

A ZDP [...] é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (VYGOTSKY, 1989, p. 97).

Nesse contexto da necessidade do outro para o processo de desenvolvimento, o conceito de "andaime" é muito relevante, pois funciona como um termo metafórico, que se refere à assistência visível ou audível que um membro mais experiente de uma cultura presta a um aprendiz, em qualquer ambiente social, ainda que o termo seja mais empregado no âmbito do discurso de sala de aula. Na medida em que o aprendiz internaliza os novos conhecimentos, o andaime não precisa mais ser utilizado, mas a escola e seus profissionais devem sempre conduzir o desenvolvimento intelectual, através de oportunidades que lhe desafiem a avançar (RICARDO, 1983).

Ao considerar o TDAH, isso reforça as pesquisas que evidenciam o quanto os professores demonstram não saber de fato que seu aluno apresenta o transtorno, nem mesmo sabem lidar e indicar um tratamento adequado. Perante a educação, professor e estudante devem ter um papel fundamentado pela interação no contexto escolar, ou seja, a escola deve ser um espaço capacitado a proporcionar a socialização e a desenvolver autonomia e crescimento ao educando (AQUINO, 1996; FRISON; SCHWARTZ, 2002 apud JOU et al., 2010).

Em um estudo realizado em 17 escolas na cidade de Porto Alegre (7 públicas e 10 privadas), totalizando 136 professores e 8.681 alunos de 1ª a 8ª série, procurou-se estimar a prevalência de TDAH; a atitude tomada pelos professores mediante suspeita de TDAH; e a visão desses frente ao transtorno. Através de um questionário, os autores evidenciaram que 281 alunos (3,24 %), com idade média de 10 anos, tinham apresentado o diagnóstico de TDAH; desses, 227 (80,8%) eram meninos e 54 (19,2%) eram meninas. No entanto, foi considerado que, apesar da média de prevalência, houve uma discrepância entre as escolas. A discrepância de todas as escolas foi de 3,2% e a média de prevalência, sem os casos extremos, foi de 2,8%. Um exemplo de caso extremo foi uma escola que registrou 51% de alunos com TDAH e outra escola com 0,2%. Além disso, observou-se que é comum a escola tentar resolver juntamente com a família o problema e só depois encaminhar para um profissional. Na pesquisa, também evidenciou-se a necessidade de o professor estar capacitado para perceber de fato o que está acontecendo com seu aluno e as medidas que devem ser tomadas para solucionar o problema; os dados revelam que 85% dos professores definem o TDAH de forma estereotipada ("não prestam atenção", "são briguentos", "inquietos" etc.) e 15% têm um conhecimento mais formal a respeito (JOU et al., 2010).

Sendo assim, observa-se o quanto é importante o cuidado com o olhar destinado a essas crianças e a capacitação dos profissionais da educação para que as marcas deixadas nos seus alunos sejam construtivas e não destrutivas. Neste sentido, tudo está em permanente transformação e interação e, por isso, o ser humano deve ser entendido como "histórico e inacabado" e, consequentemente, sempre pronto a aprender (FREIRE, 1983).

No caso particular dos professores, isto se reflete na necessidade de formação rigorosa e permanente para compreender o educando em toda sua extensão dinâmica. Para isso, as experiências pessoais dos educandos não podem ser subestimadas, cabendo ao educador mediar esses conhecimentos e servir como um elo de ligação entre esse aluno e seu conhecimento, pois "a educação se faz através da própria experiência do aluno, a qual é inteiramente determinada pelo meio e, nesse processo, o papel do mestre consiste em organizar e regular o meio". O professor seria uma das ferramentas mediadoras da construção do saber (VYGOTSKY, 2004, p. 67).

Nessa mediação da construção do conhecimento, podemos compreender que o ser humano inacabado é aberto; um ser de desejo; um ser social e político que se constrói nas relações com os outros seres humanos; um ser singular que cria sua peculiar maneira de ser, embora faça parte com os outros da mesma espécie humana; um ser que tem uma história, se constrói na história e constrói história; um ser que interpreta o mundo; um ser que se empenha em atribuir sentido às experiências que vive; que age no mundo; que precisa aprender para construir a sua maneira de ser. E é esse aprendizado que o acompanhará por toda sua vida, e que se insere num "permanente processo de esperançosa busca" (FREIRE, 2000, p. 114).

No estudo realizado com 52 educadores da Rede Municipal de Ensino de um município do interior de São Paulo, pesquisou-se o conhecimento desses acerca do TDAH. Para tanto, foi aplicado um questionário, cujas perguntas foram criadas considerando a relevância desse conhecimento para a atuação profissional. Observou-se que, apesar de o professor não ter conhecimento suficiente sobre o tema, sua prática escolar permite levantar hipóteses, adaptar sua metodologia de ensino e possibilitar que o aluno possa ser respeitado e inserido no ensino regular (SENO, 2010).

Já em outra pesquisa, reafirma-se a necessidade de amparo profissional aos educadores, uma vez que esses apresentam pouco conhecimento sobre a sintomatologia do TDAH. Tendo em vista a importância do relato desses profissionais para melhor investigação de sintomas da patologia, deve-se levar em conta a possibilidade de oferecer treinamentos informativos, visto que este tipo de intervenção teve bons resultados quando aplicado em outros países, onde professores puderam aprimorar a capacidade de identificar crianças com possível TDAH (COUTINHO et al., 2009).

Partindo dos referenciais teóricos já expostos e da clara necessidade de amparo aos profissionais da educação quanto ao reconhecimento e manejo do TDAH, a consultoria pode ser uma ferramenta a ser utilizada no enfrentamento desta problemática, como apresentado a seguir.

 

Contexto escolar e consultoria

A consultoria, como processo estratégico que visa à prevenção de diagnósticos errôneos e à melhoria da qualidade de vida, tem por objetivo alertar sobre a necessidade de todas as crianças e jovens serem observadas, compreendidas e respeitadas para que possam desenvolver uma educação plena. A consultoria é importante para auxiliar pais e educadores a entender as manifestações e os sentimentos dos filhos/educandos, e isso faz com que seu relacionamento com os mesmos sejam mais saudáveis, posto que podem observar se precisam de uma atenção diferenciada (BASSOLS et al., 2003).

Mas, afinal, o que é de fato a consultoria? Ela pode ser definida como um conjunto de atividades desenvolvidas por um consultor, seja ele um psicólogo, um psicopedagogo ou um psiquiatra, que ajuda o indivíduo a perceber, entender e agir perante os fatos inter-relacionados no ambiente (SCHEIN, 1972). Frente a isso, em um estudo na cidade de São Paulo, com professores e alunos de uma escola do ensino fundamental, onde implementaram e avaliaram um programa de intervenção voltado para prevenir problemas de comportamento, constataram,n através da consultoria, que a mesma é eficaz no âmbito escolar, pois visa atender à diversidade de alunos e capacitar os professores a lidar satisfatoriamente com os problemas comportamentais (SILVA; MENDES, 2012).-

Nesta abordagem, a relação que se estabelece entre consultores escolares e as instituições clientes consiste na tentativa de facilitar a elucidação das situações obstrutivas, ajudando para que os insights se desenvolvam, permitindo a liberação de pensamentos criativos necessários às modificações de condutas. Além disso, a consultoria é eclética e permite que o consultor se desloque até o ambiente escolar, trabalhando com a direção da escola, supervisores, orientadores e com o grupo de professores e alunos, objetivando a instrumentalização para lidar com os problemas que advêm do relacionamento interpessoal (BASSOLS et al., 2003).

É fundamental também a formação do vínculo entre os envolvidos no desenvolvimento da consultoria, já que, no início, como em qualquer relação humana, é despertada uma variedade de emoções como expectativas, dúvidas, idealizações, esperanças e rejeições de ambos os lados, as quais precisam ser trabalhadas. Sendo assim, o consultor precisa ter uma atitude amistosa e interessada, para que, ao entrar em contato com a vida emocional do grupo, consiga conhecer progressivamente a escola e seu funcionamento, sem necessitar ser demasiadamente invasivo ou apressado em formular compreensões (BASSOLS et al., 2003).

 

Considerações finais

A partir dos dados bibliográficos demonstrados no presente estudo, foi possível perceber que os educadores estão com dificuldade para atender a alunos com suspeita de TDAH, o qual é compreendido como um transtorno de conotação negativa por causa da gravidade de seus sintomas. Nesse aspecto, deve-se considerar que, para educar, é preciso preocupar-se com a forma que o aluno está se constituindo enquanto ser humano, o que não permite a desumanização e a generalização de diagnósticos, que podem ocorrer frequentemente por falta de conhecimento, resultando em uma contradição na função escolar, que deve ser de potencializar as capacidades do aluno e não restringi-las. É importante lembrar que tanto a escola quanto a família deixam marcas importantíssimas na formação do sujeito. Desse modo, ambas devem ser aliadas para que, juntas, possam ajudar na superação de conflitos internos e favorecer o processo de socialização.

Quanto ao professor, este tem papel fundamental para auxiliar no diagnóstico tendo em vista que passa por um período longo de tempo com a criança e, por isso, a observa, a compreende bem e, muitas vezes, se torna mais atento que os seus próprios pais. Verifica-se que o maior número de sintomas e/ou casos diagnosticados com TDAH ocorre na entrada do ensino fundamental, em que as crianças precisam, pela primeira vez fora do âmbito familiar, apresentar um desempenho satisfatório e, em consequência disso, terão que concentrar-se para aprender. De tal modo, o professor deve ter consciência ao diferenciar uma criança sem limites de uma criança com o transtorno. No caso da presença deste diagnóstico, o trabalho com a criança deve ser com atuação profissional multidisciplinar, ou seja, com pais, professores, psicólogos, médicos e, se necessário, medicamentos.

Por fim, conclui-se que, para que o educador possua uma práxis pedagógica consistente e dinâmica em relação ao (aluno com) TDAH, é indispensável instrumentalizá-lo, devendo também toda a equipe escolar conhecer com propriedade o transtorno, assim como o histórico familiar e a vida de seu aluno, a fim de compreender o comportamento e distinguir o normal do patológico.

 

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Data de recebimento: 12/09/2012
Data de aceite: 06/12/2013

 

 

Sobre as autoras:
Leane Domingues é Acadêmica do Curso de Psicologia da Faculdade Meridional, Passo Fundo, Rio Grande do Sul. Endereço Eletrônico: leanedomingues@hotmail.com.
Sabrina Zancanella é Acadêmica do Curso de Psicologia da Faculdade Meridional, Passo Fundo, Rio Grande do Sul. Endereço Eletrônico: sabrinazancanella@msn.com.
Denice Bortolin Baseggio é Psicóloga. Especialista em Psicologia Clínica e Mestre em Educação pela Universidade de Passo Fundo, Rio Grande do Sul. Docente e Coordenadora Geral de Estágios do Curso de Psicologia da Faculdade Meridional, Rio Grande do Sul. Endereço Eletrônico: denice.baseggio@imed.edu.br.