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Barbaroi

 ISSN 0104-6578

Barbaroi  no.39 Santa Cruz do Sul dez. 2013

 

RELATOS DE EXPERIÊNCIA

 

Psicologia e educação infantil: possibilidades de intervenção do psicólogo escolar

 

Psychology and preschool education: possibilities of intervention of school psychologist

 

Educación preescolar y psicología: oportunidades para la intervención del psicólogo escolar

 

 

Alessandra Ballestero Fukoshima ZendronI; Helena KravchychynII; Eloísa Helena Teixeira FortkampIII; Mauro Luís VieiraIV

IUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC) - Santa Catarina - Brasil
IIUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC) - Santa Catarina - Brasil
IIIUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC) - Santa Catarina - Brasil
IVUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC) - Santa Catarina - Brasil

 

 


RESUMO

Um dos aspectos da atuação do psicólogo escolar contemporâneo é o de auxiliar no desenvolvimento psicossocial das crianças no contexto educacional, incluindo a pré-escola. Nesse sentido, o presente artigo visa relatar a experiência de uma intervenção realizada por estagiárias do curso de psicologia no contexto de uma instituição de Educação Infantil. A metodologia utilizada durante o estágio de intervenção compreendeu a observação participante realizada no cotidiano escolar e a participação nas reuniões com a equipe de profissionais da instituição, articulando uma postura do psicólogo como mediador. A partir do levantamento das demandas da instituição, foram traçadas metas e estratégias para a realização da intervenção, tais como: ambientação das estagiárias à instituição e aproximação com a equipe pedagógica e com o cotidiano escolar; atendimento das famílias das crianças; acompanhamento da adaptação dos bebês à creche; articulação e preparação das crianças para a transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental; estimulação da fala para crianças que apresentaram dificuldades na linguagem; e intervenções individuais com as crianças. As atividades realizadas e avaliadas pela equipe institucional foram bastante positivas e articuladas com a proposta pedagógica desenvolvida na instituição. Conclui-se que a prática cotidiana da atuação no espaço da Educação Infantil destacou-se, especialmente, pela escuta atenta das estagiárias, pela acolhida e espaço de diálogo respeitoso com toda a equipe docente e técnica da creche. Além disso, caracterizou-se pela relação próxima e cuidadosa com as crianças e também na relação mediadora e articulada com os familiares.

Palavras-Chave: Psicologia escolar. Educação infantil. Contexto de desenvolvimento infantil.


ABSTRACT

One of the aspects of the contemporary role of a school psychologist is to assist in the psychosocial development of children in educational settings, including preschools. In this context, the purpose of present article is to describe the experience of an intervention performed by undergraduate psychology trainees in a daycare. The methodology used during the intervention involved the participant observation conducted in the daily routine of the school, as well as attending meetings with the staff of the institution, providing a mediator role to the psychologist. Following a survey to identify the needs of the institution, a set of goals and strategies where outlined in order to implement the intervention, such as: the adjustment of the trainees to the institution and it's daily routine and their bonding with the teaching staff; attend to the families of the children; monitoring the adaptation of the children to the nursery; articulating and preparing children for the transition from kindergarten to elementary school; providing language stimulation for children presenting speech disorders; individual interventions, according to their individual needs. The activities were evaluated by the institutional staff and articulated with the pedagogical proposal of the institution. We concluded that some of the main highlights of the daily practice of a psychologist actuating in the reality of a daycare are the attentive listening, the reception to as well as the respectful dialogue with the teaching and technical staff of the nursery. Furthermore, the intervention was characterized by a close and careful relationship with the children and by mediation coordinated with their family members.

Keywords: Educational psychology. Preschool education. Child development context.


RESUMEN

Uno de los aspectos de la función contemporánea del psicólogo escolar tiene el objetivo de ayudar en el desarrollo psicosocial de los niños en el contexto educacional, incluyendo el preescolar. En este sentido, el presente trabajo tiene como objetivo relatar la experiencia de una intervención realizada por los alumnos del curso de Psicología en el contexto de una institución de Jardín Infantil. La metodología utilizada durante la práctica de intervención se consistió en la observación participante realizada en la escuela todos los días y la participación en las reuniones con el equipo profesional de la institución, la articulación de una postura del psicólogo como mediador. A partir de la verificación de las demandas de la institución, fueron definidas metas y estrategias para la implementación de la intervención, tales como: ambientación de los alumnos en práctica a la institución, así como la aproximación con el equipo pedagógico y con la rutina escolar; atendimiento de las familias de los niños; acompañamiento de la adaptación de los bebes a la sala cuna; preparación de los niños para la transición desde el Preescolar a la Enseñanza Básica; estimulación del habla de los niños con dificultades de lenguaje y; intervenciones individuales con los niños. Las actividades evaluadas por el personal de la institución fueron muy positivas y articuladas con la propuesta pedagógica desarrollada en la institución. Se concluye que la práctica diaria de la actuación en el espacio del Jardín Infantil se destacó, sobre todo, por la escucha atenta de las alumnas en práctica, por la acogida y el espacio de diálogo respetuoso con todo el equipo docente y técnico de la institución. Además, se caracterizó por una relación próxima y cuidadosa con los niños/niñas y también una relación mediadora y articulada con los familiares.

Palabras Clave: Psicología de la Educación. Educación preescolar. Contexto del desarrollo del niño.


 

 

Introdução

No Brasil, a educação das crianças, até o final do século XIX, era de responsabilidade exclusiva do sistema familiar, especialmente das mães. A partir do crescimento da industrialização e urbanização no país, e a consequente entrada das mulheres no mercado de trabalho, surgiram instituições destinadas a zelar pelos cuidados das crianças pequenas. Essas instituições, a que hoje chamamos de creches, tinham caráter eminentemente assistencialista e eram voltadas principalmente para os cuidados básicos e para a segurança das crianças provenientes de comunidades empobrecidas (VIEIRA, HANSEN, VIEIRA, 2009).

Observa-se hoje uma mudança na qualidade de atendimento das creches, acompanhando as mudanças nas concepções sociais de criança, família e do papel da mulher na sociedade. Assim, nessa nova perspectiva, os aspectos psicopedagógicos são enfatizados ao se pensar nas atividades do cotidiano das creches. A Educação Infantil se propõe hoje, portanto, não mais a apenas cuidar, mas levar em consideração toda a complexidade do desenvolvimento infantil ao educar e cuidar das crianças, exercendo junto com as famílias um papel complementar na formação dos indivíduos (VOKOY, PEDROZA, 2005).

Desde a Constituição Brasileira de 1988 os cuidados e a educação de crianças de zero a seis anos passaram a ser considerados direito de todos e dever da família e do Estado, através da criação e manutenção de creches (BRASIL, 1988). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9493/1996) estipula a Educação Infantil como sendo a primeira etapa da Educação Básica, considerando as crianças como sujeitos de direitos e tendo na Educação Infantil o objetivo de desenvolvê-las integralmente, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social. Nesse modelo contemporâneo de educação, a creche1 é valorizada por sua função formadora de crianças que são concebidas como sujeitos históricos e culturais. Isso significa, portanto, que o bebê e a criança pequena necessitam do adulto e do meio para interagir com o mundo e construir sua identidade pessoal e coletiva.

A partir da década de 1990 o Ministério da Educação (MEC), por meio da Coordenadoria de Educação Infantil (COEDI), elaborou documentos que em muito contribuíram para a valorização da Educação Infantil. Dentre os documentos, destaca-se o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI/1998). De acordo com o volume 2 do referido documento, o objetivo pedagógico primordial da proposta curricular é desenvolver tanto a identidade quanto a autonomia da criança. Sendo assim, para a realização dessas premissas no cotidiano escolar, cabe ao profissional que atua nesse âmbito criar condições, situações e organizar ambientes e materiais que oportunizem a capacidade e potencialidade de escolha das crianças. Dentre os profissionais que se relacionam com as crianças direta ou indiretamente nas creches, e que podem favorecer o desenvolvimento da autonomia infantil, podem-se citar professores, auxiliares, coordenadores pedagógicos e psicólogos.

Autores como Filho, Silva e Figueiredo (2006) apontam que o movimento das crianças ao brincar e jogar pode propiciar a autonomia e a construção da sua identidade. Para tanto, debatem o RCNEI e criticam propostas curriculares tradicionais das escolas que dão ênfase ao cerceamento como forma de obter ordem e harmonia, preconizando limitação motora das crianças para não desconcentrá-las. Além disso, propõem sequências de atividades em que a criança deva se movimentar segundo orientações, impedindo sua expressividade mais vigorosa.

As atividades lúdicas, dessa forma, são práticas pedagógicas que, além de propiciar a estimulação psicomotora, proporcionam o desenvolvimento da autonomia, atenção, memória, imaginação, interações entre iguais, experimentação de regras e papéis sociais pelas crianças, bem como a expressão de sentimentos. Nesse sentido, as atividades lúdicas planejadas como propostas interventivas no contexto escolar não podem ser negligenciadas, a fim de que se proporcione e potencialize o desenvolvimento infantil.

Segundo Vygotsky (2007), o brincar não é o aspecto predominante da infância, mas é um fator muito importante do desenvolvimento, pois permite avanços fundamentais para o crescimento pessoal do sujeito, como, por exemplo, a dimensão cognitiva e afetiva. O pensamento origina-se no contexto da motivação, que inclui afeto, emoção, interesses, inclinações, impulsos e necessidades (VYGOTSKY, 2001). Dessa forma, um entendimento do pensamento humano só é possível ao se compreender sua base afetivo-volitiva. Contudo, apesar de o tema relacionado à afetividade não ter sido aprofundado por Vygotsky, este propôs a unificação e expôs a importância entre as dimensões cognitivas e afetivas.

Para Wallon, que compartilha a mesma matriz epistemológica de Vygotsky - o materialismo histórico-dialético - e desenvolveu em seus estudos a complexa dinâmica do desenvolvimento infantil, a dimensão afetiva ocupa lugar de destaque tanto na constituição do indivíduo quanto do conhecimento (GALVÃO, 1995). O processo de desenvolvimento infantil ocorre nas interações que vão além da satisfação das necessidades básicas, para visar à construção de novas relações sociais, sendo a emoção a mola propulsora das atividades. Para Wallon, tanto a emoção quanto a inteligência são importantes para o desenvolvimento da criança. Dessa forma, o adulto (seja ele professor ou não) deve aprender a lidar com os estados emocionais da criança para melhor poder estimular e potencializar seu crescimento individual. Assim, o desenvolvimento do intelecto estará conectado nos vínculos mediados pelos afetos. Consequentemente, o desenvolvimento infantil é permeado pela dinâmica e por trocas afetivas com os agentes sociais, sejam eles seus familiares ou professores.

As instituições de Educação Infantil na contemporaneidade são contextos de desenvolvimento que compartilham com a família o cuidado e a educação das crianças pequenas. A escola comumente é o primeiro agente socializador externo ao ambiente familiar. Dessa forma, é necessário que este local seja vivenciado pela criança como seguro e protegido, sendo um espaço saudável de aprendizado. Sendo assim, segundo Vale (2012), a criança ao iniciar suas atividades no contexto da educação infantil deve ser bem recebida, pois nesta ocasião ocorre sua saída da unidade familiar para começar uma nova experiência, o que representa um importante passo em direção ao desenvolvimento da identidade e autonomia.

Na idade pré-escolar os sentimentos afloram e imperam em todos os aspectos da vida da criança. De acordo com Mukhina (1995), as crianças comumente têm dificuldade de dominar seus sentimentos e desejos, assim elas acabam sendo muito mais sinceras, impetuosas e involuntárias do que os adultos. Segundo o autor citado, o bem-estar emocional proporciona o desenvolvimento da personalidade da criança, assim como a formação de qualidades que a tornam benevolentes com as demais pessoas. Portanto, cabe ao educador a mediação da continência destas emoções da criança, oferecendo o suporte necessário para que ela opere melhor consigo e na relação com outras pessoas, auxiliando em sua aprendizagem e desenvolvimento.

No que se refere à instrumentalização do ensino, Saltini (1997) ressalta que é preciso encorajar as crianças a fazerem descobertas e potencializarem suas capacidades inventivas, sem, entretanto, ensinar ou fornecer conceitos acabados, a não ser em situações onde o questionamento da criança se refere a um ato social arbitrário. Dessa forma, cabe ao mediador adulto atentar às descobertas que as crianças vão realizando, estimulando ao máximo suas potencialidades, encorajando-as na construção da sua subjetividade e no seu autoconhecimento. Para tanto, o adulto deve incentivar mais questionamentos do que respostas e oportunizar a coordenação e sistematização dos novos conhecimentos.

Nesse contexto, uma das possíveis atuações para o psicólogo escolar consiste na mediação das relações existentes entre as pessoas que fazem parte dos ambientes da criança, principalmente a família e a creche. Alguns dos aspectos dessa mediação têm como base, por exemplo, a elaboração de estratégias de indicação e criação de espaços envolvendo a discussão de temas como práticas de cuidado, concepção de infância, desenvolvimento infantil, sexualidade, limites, entre outras. A atuação deve incidir não apenas diante das dificuldades e dos problemas que surgem, mas também na prevenção dos mesmos, potencializando, dessa maneira, os fatores de proteção do desenvolvimento infantil (MACARINI, MARTINS, VIEIRA, 2009).

No entanto, é importante enfatizar que o psicólogo escolar deve levar em consideração em seu trabalho não apenas o aluno de quem a escola traz a queixa, mas deve estar atento para o contexto e a dinâmica de relações que permeiam o cotidiano escolar. Oliveira e Marinho-Araújo (2009) acrescentam que a Psicologia Escolar deve valorizar as relações e o contexto histórico no qual as dificuldades estão inseridas. Além disso, enfatizam que a atuação profissional possa envolver a prevenção e as relações que valorizam a participação do professor e o cuidado com sua saúde psíquica. Nesse sentido, é bastante pertinente a argumentação de que o modelo de atuação do psicólogo deve ser fundamentado no paradigma da interdisciplinaridade, levando em consideração o contexto, e ter como base a avaliação crítica das situações que precisam ser resolvidas (VOKOY, PEDROZA, 2005).

Em termos de produção de conhecimento sobre Psicologia Escolar no Brasil, houve um crescimento da produção na última década (GUZZO, MEZZALIRA, MOREIRA, TIZZEI, SILVA NETO, 2010). Contudo, em termos de atuação profissional ainda não temos uma prática amplamente disseminada e consistente (GUZZO, MEZZALIRA, MOREIRA, 2012). Conforme apontam esses autores, espera-se que no futuro próximo "os profissionais que escolham se envolver com o desenvolvimento de crianças e adolescentes em espaços educativos vejam nessa direção uma proposta concreta de trabalho e de mudança da realidade" (pg. 336).

Mais especificamente sobre a produção de conhecimento e atuação do psicólogo na Educação Infantil, existem muitas lacunas. As atuações e reflexões nessa área são pouco socializadas, divulgadas e discutidas nos meios acadêmicos. Em vista disso, o objetivo deste artigo é relatar diferentes possibilidades de atuação do psicólogo escolar no Ensino Infantil, visando exemplificar algumas práticas cotidianas na promoção do desenvolvimento integral das crianças e na saúde psicossocial dos profissionais que atuam nesses espaços.

 

Método

O presente relato trata da descrição e análise crítica de intervenções que foram realizadas em uma creche filantrópica mantida por uma instituição religiosa e por doações da comunidade onde está inserida, além de contar atualmente com convênio com a prefeitura local. Atende aproximadamente a 132 crianças, entre zero a seis anos, provenientes de uma população em condição de vulnerabilidade social. As crianças são divididas por faixas etárias em seis turmas, cada uma possuindo de duas a três professoras. Nesse contexto não há um Serviço de Psicologia próprio: as estagiárias de Psicologia são supervisionadas por um professor da Universidade próxima, que é conveniada à creche, a partir do vínculo com esse professor.

 

Intervenções realizadas

1. Ambientação das estagiárias na instituição e aproximação com a equipe pedagógica e com o cotidiano escolar

Antes de iniciar as intervenções, as estagiárias buscaram, em um primeiro momento, ambientar-se à instituição, visando aprofundar o conhecimento em relação às suas propostas e a seus projetos e vincular-se a sua equipe. Para tanto, antes do começo do ano letivo participaram do período de preparação organizado pela equipe pedagógica com o objetivo de preparar a instituição para o acolhimento das crianças. Por exemplo, auxiliaram na organização das salas, conversaram com professoras e demais funcionários. Além disso, participaram das discussões sobre a formulação do Projeto Político Pedagógico (PPP) com as docentes e a coordenação da creche. A participação nas atividades proporcionou uma aproximação com a equipe docente e técnica. Essa estratégia de trabalho possibilitou aprofundar o conhecimento e a socialização de informações entre Psicologia e Pedagogia, reconhecendo o papel de cada área no cotidiano escolar a partir de uma perspectiva interdisciplinar. Nesse momento inicial, as estagiárias procuraram captar dúvidas em relação à Psicologia Escolar, bem como aprender sobre o cotidiano das professoras, das crianças e dos demais funcionários da escola, favorecendo um clima de acolhimento e troca de experiências.

Também visando à aproximação com a equipe pedagógica, foram realizadas reuniões periódicas das estagiárias de Psicologia com a Coordenadora Pedagógica ao longo de todo o período letivo. Nessas reuniões, buscou-se acolher a queixa escolar ao mesmo tempo em que, incentivando a reflexão e o diálogo sobre a mesma, auxiliava a profissional a elaborar suas propostas de intervenção. Com isso também se buscou criar um espaço de comunicação e cooperação entre as áreas da Psicologia e Pedagogia.

As estagiárias também participaram de algumas "paradas pedagógicas"2, que permitiram apresentar propostas do trabalho das estagiárias da Psicologia e também foram mediadoras da participação de uma psicóloga em um dos encontros para falar de uma temática específica previamente escolhida pelas professoras. Além disso, em alguns momentos as estagiárias atenderam a demandas específicas das professoras em situações que, de alguma forma, causavam às docentes preocupação e angústia e, consequentemente, interferia no trabalho com as crianças. Com isso, pôde-se atuar de maneira indireta no bem-estar das crianças, já que as professoras exercem um papel central em sala de aula.

2. Atendimento às famílias das crianças

Uma atividade realizada frequentemente foi o atendimento aos familiares das crianças, no qual as estagiárias colocavam-se à disposição de mães e pais e/ou responsáveis para conversar sobre situações relativas aos pequenos visando à promoção do desenvolvimento destes. Essa atividade envolveu todas as turmas na creche e, por vezes, em alguns casos particulares, as estagiárias foram as autoras do convite para que algum familiar fosse à instituição para conversar sobre alguns aspectos do desenvolvimento de determinada criança. Ao longo do estágio foram atendidas algumas mães que, em geral, se mostraram bastante engajadas e preocupadas com o bem-estar psicológico e desenvolvimento dos seus filhos. Os atendimentos permitiram uma maior aproximação das estagiárias junto à comunidade, tomando conhecimento da realidade social na qual as crianças estão inseridas e, dessa maneira, pôde-se pensar nas intervenções de forma contextualizada em uma perspectiva biopsicossocial.

Os encaminhamentos mais frequentes da creche para atendimento familiar pela Psicologia foram: crianças com atraso na fala, dificuldades com os limites, apego excessivo com professoras, uso de fraldas e chupetas além da faixa etária esperada, recusa alimentar, entre outros. Os atendimentos foram focais, não consistindo em psicoterapia, o que foi deixado claro à família e à escola, uma vez que a proposta da Psicologia Escolar é acompanhar o desenvolvimento da criança e atender às demandas específicas do cotidiano escolar. No entanto, quando verificado demandas para atendimento psicoterápico com algum familiar ou com a família como um todo, foi realizada uma sensibilização dos mesmos para acompanhamento em clínicas sociais e/ou Postos de Saúde externos à instituição de ensino, oferecendo-lhes os telefones para contato.

Após os encontros com as famílias, foi apresentado um 'feedback' às professoras e à coordenação pedagógica sobre as impressões acerca do atendimento, compartilhando apenas informações necessárias à promoção do desenvolvimento da criança, atentando, assim, para o sigilo profissional. Nessa devolutiva para a instituição, buscou-se refletir, junto com a equipe pedagógica, sobre as possíveis intervenções da creche, na relação com a família, para que as demandas identificadas fossem trabalhadas no contexto escolar, independente de encaminhamentos externos.

Dessa forma, as estagiárias procuraram deslocar o foco da queixa escolar de apenas uma ou outra parte envolvida, implicando pais e comunidade escolar nas dificuldades envolvendo as crianças e ampliando as possibilidades de intervenção para dentro e fora do cotidiano da instituição de Educação Infantil.

3. Adaptação/inserção dos bebês na creche

Outra intervenção realizada pelas estagiárias de Psicologia foi o auxílio na adaptação/inserção3 dos bebês recém-chegados à creche, no início do ano letivo, processo que constou de várias atividades. Inicialmente, as estagiárias auxiliaram as professoras nos primeiros dias permanecendo em sala de aula para dar suporte às mesmas, observando as dificuldades iniciais comuns, em especial o choro excessivo das crianças. As estagiárias permaneceram em sala de aula por alguns períodos curtos, ajudando nas situações cotidianas com os bebês. Nesses momentos, aproveitou-se para conversar com as professoras objetivando conhecer a conduta pedagógica das mesmas e da instituição sobre a adaptação/inserção.

Dessa maneira, num segundo momento, foi possível esclarecer algumas dúvidas dos pais em entrevistas realizadas pelas estagiárias da Psicologia. Nesse momento, evitou-se entrar em conflito com valores da instituição, bem como foi possível conhecer um pouco da dinâmica familiar e sua influência no processo de adaptação/inserção. Nos atendimentos aos pais, foi disponibilizado um espaço de escuta e acolhida das angústias em relação à separação dos filhos, incentivando-os a procurar as professoras, a coordenação ou até mesmo a equipe de Psicologia, em caso de dúvidas ou outros sentimentos que surgissem nesse processo.

No segundo semestre do ano letivo, as estagiárias acompanharam de perto algumas crianças do berçário que apresentavam alguns problemas relacionados à adaptação, especialmente dificuldades com horários de sono e alimentares, bem como apego excessivo a professoras (demandando atenção e colo nos momentos em que se encontravam despertos). Esses momentos em sala de aula junto às professoras e crianças propiciaram conhecer melhor a rotina dos grupos por meio da observação participativa, bem como interagir com as professoras para conhecer o histórico comportamental das crianças. Esse processo auxiliou o trabalho docente demandando reflexões sobre possibilidades diferentes de atuação das professoras.

4. Transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental - "Projeto Penal"

A aproximação com as crianças de quatro e cinco anos foi possibilitada pelo projeto de intervenção denominado de "Projeto Penal". O grupo de crianças da creche de quatro e cinco anos apresentava uma peculiaridade que era transição do espaço de Educação Infantil e a aproximação com a escola de Ensino Fundamental. Nesse sentido, o projeto teve como objetivo preparar psicológica e cognitivamente as crianças para essa transição. Para tanto, a proposta foi estruturada em quatro etapas, que ocorreram em quatro dias diferentes. Essa atividade teve como objetivo, a partir do conhecimento e da imaginação de cada criança, elaborar e construir gradualmente um conhecimento coletivo/compartilhado do que seria uma escola de Ensino Fundamental. A meta desse procedimento foi minimizar a ansiedade e medos que poderiam estar implicados na mudança de escola.

A primeira etapa consistiu em um levantamento, por meio de propostas lúdicas (retirar da caixa surpresa objetos escolares ou não escolares, nomeando-os e colocando-os quando fosse escolar na mochila e, quando não fosse, fora da mochila; a confecção de um desenho de como elas imaginava que seria a escola que elas iriam no próximo ano). Essas propostas tinham como objetivo elucidar as primeiras dúvidas e levantar hipóteses sobre os conhecimentos que as crianças tinham sobre a escola, para, em seguida, construir coletivamente uma imagem mais concreta desse novo ambiente escolar. Percebeu-se em algumas crianças uma dificuldade em imaginar um espaço que elas nunca haviam ido/estado. O posicionamento das estagiárias de Psicologia foi intervir no sentido de acolher as dificuldades das crianças e diminuir sua ansiedade.

A segunda etapa consistiu em uma visita a uma escola de Ensino Fundamental, localizada nas proximidades da instituição de Educação Infantil. Foi realizado contato prévio com a coordenadora pedagógica da escola, assim como uma visita anterior das estagiárias para viabilizar a ida das crianças da creche, organizando a visitação. Para a visita à escola foi solicitada autorização por escrito dos pais/responsáveis de cada criança. Visando potencializar a autonomia das crianças, no dia da visita, elas puderam escolher a cor da fita dos seus crachás, bem como adereços (adesivos com motivos escolares) nos quais foram escritos seus nomes. Participaram da atividade o grupo de crianças de quatro e cinco anos, sua professora e auxiliar, bem como as estagiárias, a professora de Educação Física, a coordenadora pedagógica da creche e uma doutoranda de psicologia que realiza pesquisa na instituição.

A terceira etapa do projeto teve como objetivo construir junto com as crianças, no espaço da sala de aula, um penal (estojo). Para tanto, foram costurados penais em tecido onde o fechamento seria por um dispositivo mecânico em forma de botão. Na data desta atividade, com os penais já previamente costurados e montados, a turma foi dividida em dois grupos, o primeiro com treze crianças e o segundo grupo com quatorze alunos, que trabalhou separadamente na decoração do penal. Foram disponibilizadas canetas para desenhar no tecido e botões com motivos infantis para que as crianças pudessem construir cada qual seu penal desenhando sobre ele aquilo que quisessem, e escolhessem o botão, customizando da forma que desejassem.

A quarta etapa teve como objetivo criar condições lúdicas para que as crianças pudessem se apropriar e utilizar seus penais. Para isso, foi feita uma brincadeira de "caça ao tesouro" no pátio da creche, visando encontrar a caixa que continha os penais. Ao encontrar a caixa, o grupo retornou para a sala de aula e em forma de brincadeira, uma a uma, as crianças retiravam, sem ver, de dentro da caixa, os penais, entregando-os para seus respectivos donos. Após todas as crianças estarem de posse dos seus penais, foi combinado com elas que o penal era um símbolo da autonomia e responsabilidade que elas teriam, a partir do próximo ano, com seus materiais escolares. O material que antes era utilizado pela creche de forma coletiva passou a ser de responsabilidade individual. Na sequência foi proposto que as crianças utilizassem o lápis e a borracha contidos nos seus penais para confeccionar um desenho sobre a visita na escola (desenhar o que eles mais gostaram ou, no caso daqueles que não realizaram a visita, a proposta era imaginar uma escola). Finalizando o "Projeto Penal", realizou-se uma atividade envolvendo a literatura infantil com a leitura de um livro de Ruth Rocha - "O menino que aprendeu a ver" - que tinha como enfoque principal uma criança no processo de aprender a reconhecer as palavras e se inserir no mundo da escrita.

Resumindo, na primeira etapa do "Projeto", a atividade teve como objetivo verificar as crenças, mitos e o imaginário que as crianças tinham sobre a escola, e o que acreditavam que poderiam encontrar naquele ambiente. A segunda atividade, que consistiu na visita à escola, objetivou desmitificar qualquer receio que elas poderiam ter em relação à escola. A terceira proposta teve como objetivo construir concretamente a passagem da Educação Infantil para o Ensino Fundamental. No encerramento do projeto, a última atividade teve como objetivo entregar os penais às crianças, bem como acompanhar no momento da atividade do desenho. Nesse caso as estagiárias estavam atentas para esclarecer alguma dúvida sobre a escola ou observar qualquer angústia sobre a ida ao novo espaço educativo. Como conclusão da atividade, foram apresentadas informações sobre como seria o primeiro ano do Ensino Fundamental, envolvendo principalmente o processo de aprendizado da leitura e escrita.

5. Atuação com crianças que apresentaram dificuldades na fala - "Projeto de estimulação da fala"

Outra atividade de intervenção realizada foi o 'Projeto de estimulação da fala', que consistiu na elaboração de uma cartilha com dicas de estimulação da fala a ser entregue para as famílias de algumas crianças com atraso significativo na linguagem. A ideia do projeto surgiu a partir de uma demanda identificada pelas estagiárias e pelas profissionais da creche em que uma das turmas apresentava várias crianças com dificuldades acentuadas para se comunicar, considerando o desenvolvimento infantil e as defasagens em relação a sua idade. As estagiárias conversaram com as professoras e a coordenação pedagógica, identificando em conjunto a necessidade de estimular essas crianças em sala de aula e fazer algum tipo de sensibilização dos pais para estimularem também em casa. A hipótese era de que possivelmente havia aspectos da relação familiar que pudessem estar ligados ao atraso na linguagem dessas crianças. Por isso, as mães das crianças foram atendidas pelas estagiárias de Psicologia, para conhecer e identificar alguns desses aspectos da dinâmica relacional de pais e filhos.

A partir de então, na mesma entrevista, as estagiárias buscaram enfatizar a relevância da fala no desenvolvimento infantil e a importância do papel dos pais e familiares para a estimulação da linguagem. Foi realizado um levantamento das dúvidas e dos anseios das mães, valorizando os aspectos positivos da sua relação com o filho e, ao final, leu-se juntamente com os pais o Projeto de Estimulação, tirando dúvidas e trazendo exemplos.

6. Intervenções individuais

A proposta de atuação de acompanhamento individual e observação de crianças com déficits na fala e desenvolvimento abaixo do esperado para sua idade, ou outras questões comportamentais significativas, foram também uma demanda relevante destacada pelas professoras da creche. Nesse sentido, as estagiárias de Psicologia acompanharam, em diferentes momentos do cotidiano4, as turmas para observar a interação das referidas crianças. Nos casos acompanhados, houve esforços coordenados das estagiárias de Psicologia, das professoras, da coordenadora pedagógica, bem como de alguns pais, o que se pode verificar positivamente seja na melhora gradual na fala, bem como na retomada do desenvolvimento dessas crianças. Esta proposta de trabalho ocorreu ao longo do ano letivo. Em todos os casos as crianças foram acompanhadas em seu ambiente.

No decorrer de todo o período do estágio houve acompanhamento próximo do supervisor acadêmico do estágio5, e de uma doutoranda6, que contribuiu de modo significativo na construção e na execução de alguns projetos. Nos momentos de encontros quinzenais para supervisão foram discutidas e avaliadas as práticas das estagiárias, assim como sugeridas e refletidas novas formas de atuação.

 

Resultados e discussão

A perspectiva atual da Psicologia Escolar é a de que o psicólogo deve buscar promover reflexão e mudanças na realidade escolar. Para tanto, deve levar em conta na análise da queixa escolar as relações estabelecidas no cotidiano da escola, as características físicas do ambiente e o contexto familiar e social dos alunos. No caso da Educação Infantil, a relevância desses aspectos é ainda maior, visto que a criança pequena constitui-se como sujeito a partir do ambiente e das relações que estabelece dentro e fora da família (COSTA, GUZZO, 2006; VOKOY, PEDROZA, 2005).

Seguindo essa perspectiva, as estagiárias de Psicologia procuraram, desde o início do estágio, ambientar-se à creche. Essa estratégia teve como objetivo conhecer a equipe constituída de crianças, professoras, famílias, equipe técnica e entender quais eram as concepções de infância, de desenvolvimento infantil e de educação infantil que permeavam as ações do cotidiano da creche. Nesse sentido, objetivou-se estabelecer vínculos positivos com a equipe pedagógica e identificar demandas para atuação da Psicologia.

O psicólogo escolar, segundo perspectiva de Souza (1997), deve ter convivência com as crianças e a escola, podendo fazer uso de observação participante, entrevistas abertas, participação em espaços lúdicos e visitas domiciliares, visando estabelecer vínculos, criando espaços de escuta e oportunidades de dar voz aos professores, às crianças e às famílias. As intervenções realizadas tiveram as características mencionadas anteriormente. Ou seja, inicialmente buscou-se acolher e ouvir a queixa escolar, procurando desde o início fazer questionamentos que pudessem levar a uma reflexão sobre aquilo que era tido como problema, ouvindo mais de uma pessoa e realizando observações das crianças em sala e da dinâmica do cotidiano.

Percebeu-se ao longo do ano que a equipe pedagógica manteve um bom relacionamento com as estagiárias. As conversas foram sempre muito respeitosas e a visão das estagiárias acerca das questões debatidas foi acolhida e levada em consideração. Várias falas de professores e da coordenadora pedagógica deixaram transparecer um reconhecimento do trabalho da Psicologia na creche, por exemplo, quando a participação da Psicologia foi mencionada espontaneamente pelas professoras em reuniões de pais.

O trabalho junto às famílias teve como um dos objetivos entender melhor o contexto e a realidade social onde as crianças estavam inseridas. Quando uma queixa era apresentada às estagiárias pela equipe pedagógica, procurava-se questionar à equipe como elas viam a relação da família com a criança e com o problema em questão. Muitas vezes essas informações já eram passadas antes de solicitadas e também se observou muitos casos em que houve iniciativa da própria equipe em pedir para as estagiárias falarem com a família da criança.

Preliminarmente, antes de conversar com a família, foram feitas observações em relação ao comportamento da criança e também conversas com outros membros da equipe pedagógica. Esse procedimento foi embasado na proposta já indicada por vários autores (MACARINI, MARTINS, VIEIRA, 2009; VIEIRA, HANSEN, VIEIRA, 2009; VOKOY, PEDROZA, 2005), destacando que o psicólogo deve procurar obter informações sobre a criança a partir de diferentes fontes no sistema de relações desta, dentro e fora da creche. Nesse sentido, ao invés de considerar o aluno como o problema, a atuação das estagiárias de Psicologia, no tocante à intervenção diante de queixas sobre alunos e famílias, estava sustentada em princípios epistemológicos e éticos que envolvem uma visão mais ampla e que demanda ações variadas. Esse processo incluiu o atendimento das famílias, as observações e as conversas com vários membros da equipe pedagógica, conforme mencionado anteriormente.

Mais especificamente sobre a atividade de adaptação dos bebês, como a creche as vezes representa o primeiro agente socializador externo ao âmbito familiar, conforme aponta Holz (2012), a criança quando começa a frequentar esse espaço vive o duplo desafio de se inserir em uma nova rotina de horários, alimentação e atividades. Além disso, necessita estabelecer vínculos afetivos com pessoas que antes não faziam parte de suas relações sociais. Em função desse contexto, o ingresso deve ser feito da maneira mais acolhedora possível, consistindo em uma experiência estimulante, agradável e reforçadora.

Dessa forma, as conversas iniciais das estagiárias de Psicologia com as famílias e as professoras tiveram como objetivos identificar como estava se dando esse processo de adaptação/inserção, quais eram os medos e as estratégias de enfrentamento das possíveis dificuldades apresentadas pela família e pela criança. As mães entrevistadas puderam fornecer informações de rotina e hábitos dos bebês, tais como possíveis mudanças de comportamento desde a entrada na creche. Foram também acolhidas pelas estagiárias em suas dúvidas e temores acerca da adaptação/inserção.

Importante ressaltar que, além de se fazer essa avaliação, cujos pontos mais importantes foram fornecidos verbalmente às professoras (respeitando o sigilo profissional ético), as mães foram estimuladas e incentivadas, durante as conversas, a fazer perguntas e ter mais contato com as professoras do grupo de seus filhos. Essa estratégia de atuação profissional visava justamente à mediação entre família e creche, importante campo de atuação do Psicólogo na Educação Infantil. Da mesma maneira, nas conversas com as professoras, procurou-se estimulá-las a dialogar mais com as mães para melhor acolher as suas necessidades, diminuindo a ansiedade, que pode prejudicar o processo de adaptação da criança em sala.

Tendo em vista o objetivo pedagógico primordial da proposta do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI), volume 2, que é desenvolver tanto a identidade quanto a autonomia da criança, foi criado o Projeto Penal. Essa atividade teve caráter construtivista, ou seja, partiu-se da concepção de que nada está pronto ou acabado e de que o conhecimento não é algo estanque, mas sim está em constante construção entre adultos e crianças, crianças e crianças, e crianças e meio. Dessa forma, a partir dos conhecimentos e dos processos imaginativos das crianças, vislumbrados nas atividades projetivas dos desenhos, foi sendo construída de forma dialética a identidade do grupo, destacando-se a singularidade e a autonomia de cada criança.

Entendendo a importância da relação entre as dimensões cognitivas e afetivas, todas as atividades elaboradas no Projeto Penal partiram da perspectiva do entrelaçamento dessas duas importantes dimensões. A perspectiva mais utilizada na criação e execução do projeto foi a psicogenética de Henry Wallon, em que a dimensão afetiva encontra-se em um local de destaque, tanto na constituição do indivíduo quanto na construção do conhecimento (GALVÃO, 1995).

O processo de desenvolvimento infantil vai além das interações que visam à satisfação das necessidades básicas, pois o estado emocional da criança, de acordo com Wallon, é a mola propulsora das interações sociais, atividades e aprendizado (GALVÃO, 1995). Dessa forma, cabe ao adulto mediar os estados emocionais de cada criança para auxiliá-la na estimulação e potencialização dos seus recursos internos, visando seu crescimento individual. No decorrer da execução do projeto, as estagiárias encontravam-se sempre atentas às demandas emocionais das crianças em cada atividade realizada. Por vezes, foi necessário atenção dirigida a uma criança específica, no sentido de acolher seus sentimentos em determinado momento, ao mesmo tempo respeitando seus limites e estimulando em sua potencialidade. O fato de se sentirem aceitas, ouvidas e cuidadas oferece às crianças segurança para sua formação pessoal e social.

No caso específico de uma criança mais tímida e pouco interativa, foi necessário atenção dirigida, objetivando o acolhimento de suas necessidades no momento da intervenção. Nesse caso, as estagiárias estabeleceram uma interação dedicada e paciente com a criança, o que resultou em maior interação com outras crianças e com a atividade proposta. Infere-se que o olhar cuidadoso, paciente e dedicado tem papel importante na vinculação com a referida criança; em contrapartida, caso se tenham ações impositivas, desinteressadas e pouco empáticas às dificuldades da criança, possivelmente ela perderia a motivação e interesse em prosseguir com as iniciativas propostas.

As atividades motivadoras do Projeto Penal, sejam elas tirar os objetos da caixa e identificá-los como sendo ou não material escolar; a visita à escola de ensino fundamental; os desenhos de como as crianças imaginavam como seria a escola de ensino fundamental que vão visitar no próximo semestre (antes e depois de visitar a escola); assim como a construção do seu penal; e a brincadeira de caça ao tesouro, foram permeadas pelo clima afetivo das crianças, ora manifestado verbalmente através de perguntas, ora por meio da expressão dos desenhos e na interação carinhosa com as estagiárias. A avaliação de cada atividade proposta foi encaminhada com as crianças objetivando perceber os sentimentos delas em relação aos encaminhamentos e buscando sugestões para novas proposições. Destacam-se na avaliação das crianças aquelas propostas onde as estratégias envolviam a movimentação em espaços mais amplos como a visita à escola de Educação Fundamental e a caça ao tesouro. Essas atividades são potenciais espaços de exercício da autonomia e de construção de identidades.

O Projeto Penal, em cada uma de suas etapas, objetivou transmitir ludicamente informações sobre a transição para uma nova etapa de escolarização vivenciada pelo grupo, assim como potencializou a capacidade autônoma, criativa e de escolha das crianças. Nos processos de intervenção junto às crianças as estagiárias estiveram presentes e disponíveis para responder quaisquer perguntas, incentivando para que questionamentos fossem feitos, buscando continuamente ampliar o repertório vivencial das crianças.

 

Considerações finais

A viabilização das atividades e dos projetos propostos pelas estagiárias de Psicologia foi facilitada pela abertura e pelo respaldo da equipe pedagógica da creche, assim como de todos os funcionários da instituição. Desde o início do estágio estabeleceu-se um canal de comunicação entre os diferentes profissionais em uma perspectiva de trabalho multidisciplinar. O resultado disso foi que as ideias e propostas das estagiárias da Psicologia tiveram boa aceitação pelos diferentes setores da instituição.

Ainda que tenha havido a abertura dos membros da instituição em relação ao estágio de Psicologia, algumas características da creche, em particular, desafiaram e limitaram as intervenções. Em especial algumas questões foram difíceis de ser encaminhadas em função de espaços internos e externos pequenos; elevado número de crianças por sala e práticas assistencialistas predominantes no cotidiano da instituição. Sendo assim, nem sempre foi possível que as intervenções realizadas englobassem todos os aspectos externos à criança. Como exemplo dessa situação, podemos citar a alteração do número de crianças por sala. Nesse caso, esse aspecto poderia ser um fator em potencial a interferir na dificuldade de desenvolvimento da criança em certos casos. Também se aponta como provável limitação às intervenções o fato de não haver um psicólogo escolar efetivado na instituição. Por tratar-se de um estágio, seu caráter temporário pode dificultar o desenvolvimento e a aplicação de projetos em longo prazo que promovam mudanças mais profundas na instituição.

Considera-se que as atividades realizadas contribuíram sobremaneira para a formação das estagiárias, principalmente no tocante à visualização das possibilidades e dos limites de atuação do Psicólogo no cotidiano de uma creche. Com isso, percebeu-se que há a necessidade de promover mais estudos e aporte teórico e prático para orientar a prática do psicólogo na Educação Infantil. Em termos históricos, antigamente o modo de atuação era eminentemente clínico e se restringia à aplicação de testes psicométricos e a ajustamento escolar. No entanto, atualmente a inserção do psicólogo orienta-se no sentido de interagir no cotidiano da instituição e principalmente numa análise das inter-relações, envolvendo as crianças e os diferentes sujeitos - professores, auxiliares, equipe técnica e pais/responsáveis.

Em uma perspectiva mais ampla, devido à escassez de trabalhos sobre essa nova perspectiva de atuação da Psicologia Escolar na Educação Infantil, considera-se necessário que outros profissionais da área, sejam psicólogos formados ou estagiários, divulguem seus estudos e também apresentam relatos de sua prática no cotidiano das creches. Isso permitirá uma maior discussão sobre o tema e também que se evidenciem os aspectos mais importantes para a atuação do psicólogo no referido contexto, promovendo a reflexão crítica e o aprimoramento do trabalho realizado.

 

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Data de recebimento: 15/08/2012
Data de aceite: 25/10/2013

 

 

Sobre os autores:
Alessandra Ballestero Fukoshima Zendron é Psicóloga pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Helena Kravchychyn é Psicóloga pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Eloísa Helena Teixeira Fortkamp é Pedagoga, possui mestrado em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atualmente é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSC. É professora de educação básica do Núcleo de Desenvolvimento Infantil na UFSC. Endereço eletrônico: fortkamp@uol.com.br.
Mauro Luís Vieira é Psicólogo, possui mestrado e doutorado em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado pela Dalhousie University em Halifax (Canadá) e pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Docente do Departamento de Psicologia na Universidade Federal de Santa Catarina. Endereço eletrônico: maurolvieira@gmail.com.

 

 

1 De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96), as creches atendem crianças de zero a três anos e a pré-escola as crianças de quatro a seis anos de idade. No entanto, utilizaremos o termo "creche" para nos referir à educação de crianças de zero a seis anos, sendo dessa forma que a instituição é referida por seus profissionais e pela comunidade.
2 São denominados de "parada pedagógica" os dias em que a instituição interrompe o atendimento às crianças e toda a equipe se dedica a reuniões de estudo, planejamento, avaliações, capacitações, oficinas, entre outras demandas institucionais.
3 Utilizou-se os termos adaptação/inserção uma vez que percebe-se que o termo adaptação, embora muito utilizado quando se fala da etapa inicial da criança nas instituições de educação infantil, vem perdendo espaço para o termo inserção, mais recentemente desenvolvimento pela literatura italiana. Adaptação remete a ajustamento, a um padrão já estabelecido enquanto que inserção sugere o momento em que a criança se integra no grupo, sendo mais adequado, uma vez que entende a criança como um ser ativo e em dinâmica interação com o ambiente à sua volta ( Holz, 2012).