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Nova Perspectiva Sistêmica

 ISSN 0104-7841 ISSN 2594-4363

Nova perspect. sist. vol.30 no.69 São Paulo jan./abr. 2021

https://doi.org/10.38034/nps.v30i69.613 

DOSSIÊ

 

Psicólogas(os) clínicas(os) e as demandas de mães e pais em litígio

 

Clinical psychologists and the demands concerning parental disputes

 

Los psicólogos clínicos y las demandas de la madre y el padre en los litigios

 

 

Analicia Martins de SousaI; Fernanda Hermínia Oliveira SouzaII

IPsicóloga Clínica e Jurídica. Doutora em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com estágio doutoral na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (Portugal). Pós-doutorado em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: analiciams@gmail.com
IIPsicóloga Clínica e Jurídica. Doutora em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pela Université Paul - Sabatier - Toulouse III (França). E-mail: psifernandaherminia@gmail.com

 

 


RESUMO

Psicólogas(os) clínicas(os) são procuradas(os) com frequência por genitores envolvidos em processos judiciais sobre a guarda de filhos, com alegações de alienação parental e/ou abuso sexual infantil. Nessas situações, são comuns pedidos de documentos psicológicos, os quais, invariavelmente, são encaminhados à Justiça. Além de incrementar a lide processual, tais documentos têm resultado em denúncias éticas nos Conselhos de categoria, realizadas por genitores que se veem prejudicados por seu conteúdo. Neste ensaio, objetivamos contribuir do ponto de vista teórico, técnico e ético da Psicologia para discussões acerca da produção de documentos por psicólogas(os) que atuam em consultório privado. Aliada à experiência das autoras como psicólogas jurídicas, é adotada a perspectiva social crítica da Psicologia Jurídica. Constatamos que o reduzido envolvimento daquelas(es) profissionais nos debates sobre família pós-divórcio torna as práticas na área de fácil alcance da judicialização. Apontamos, assim, como urgente e imprescindível o diálogo interdisciplinar.

Palavras-chave: Psicoterapia; Psicologia jurídica; Divórcio; Alienação parental; Abuso sexual.


ABSTRACT

Clinical psychologists are increasingly sought after by parents involved in child custody lawsuits, with allegations of parental alienation and / or child sexual abuse. In these situations, requests for psychological documents are common, which are invariably forwarded to justice. In addition to increasing procedural action, such documents have resulted in ethical complaints in the category councils, made by parents who feel demmage by its content. This essay aims to contribute from the theoretical, technical and ethical point of view of Psychology to discussions about documents produced by psychologists who work as clinical psychologists. Allied to the experience of the authors as forensic psychologists, is adopted the social critical approach. We note that the reduced involvement of those (s) professionals in the debates on post-divorce family makes practices in the area easy to reach of judicialization. Thus, we point out that the interdisciplinary dialogue is urgent and essential.

Keywords: Psychothteraphy; Forensic psychology; Divorce; Parental alienation; Child sexual abuse.


RESUMEN

Psicólogos clínicos a menudo son buscados por padres involucrados en disputas por la custodia de los hijos con alegaciones de alienación parental y / o abuso sexual infantil. Por estas situaciones aumentan peticiones por documentos psicológicos, que invariablemente se remiten a los tribunales. Además de incrementar la acción procesal, dichos documentos han derivado en denuncias éticas en Consejos, realizadas por padres que se ven afectados por su contenido. Este ensayo objetiva contribuir con discusiones teórico, técnico y ético de la Psicología a los temas sobre la producción de documentos por psicólogos que trabajan en una práctica privada. Aliada a la experiencia de los autores como psicólogos jurídicos, se adopta la perspectiva social crítica de la Psicología Jurídica. Observamos que la menor implicación de esos profesionales en los debates sobre la familia post divorcio hace prácticas en el ámbito de fácil judicialización. Así, señalamos el diálogo interdisciplinario como urgente e imprescindible.

Palabras clave: Psicoterapia; Psicología Jurídica; Divorcio; Alienación parental; Abuso sexual.


 

 

INTRODUÇÃO

A psicologia jurídica não é um campo de conhecimento recente. A atuação da Psicologia junto ao Direito remonta ao final do século XIX, atendendo a solicitações do Poder Judiciário para aferição da fidedignidade de testemunhos, por exemplo, assim como para a elaboração de perícias e psicodiagnósticos cujo objetivo era fundamentar as decisões dos magistrados (Brito, 2012).

O caminho da peritagem, do psicodiagnóstico e a utilização de técnicas da clínica, adaptadas para o sistema de justiça, foram pouco a pouco modificados pelo desenvolvimento de estudos próprios no campo da psicologia jurídica (Brito, 2012; Shine, 2005). Reivindica-se até hoje a ampliação da atuação para além da perícia psicológica (Soares, 2017), pois o trabalho do psicólogo não se restringe à peritagem ou à prática clínica dentro da justiça.

Não é por acaso que o Conselho Federal de Psicologia (CFP) utiliza o termo psicologia na interface com a justiça e não psicologia jurídica ou psicologia forense. O uso da expressão denota a ampliação do entendimento sobre este campo de conhecimento, comunicando que não são apenas as(os) psicólogas(os) analistas judiciárias(os) concursadas(os) ou as(os) que trabalham como peritas(os) e assistentes técnicas(os) que atuam em demandas provenientes do Judiciário. O termo passa a incluir, além das(os) profissionais lotadas(os) nos tribunais, as(os) que atendem em seus consultórios privados ou atuam em estabelecimentos do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), Sistema Único de Saúde (SUS), Sistema Penitenciário, Conselhos Tutelares etc. (Brito, 2012).

Mudanças nas configurações familiares e no exercício da parentalidade (Souza, 2018) e a judicialização da vida (Oliveira & Brito, 2013) têm provocado, juntamente com outros fatores, o crescimento do número de processos que tramitam no Judiciário e de demandas endereçadas às(aos) psicólogas(os), especialmente as(os) que atuam na clínica privada. A solicitação inicial comumente é de acompanhamento psicológico que, por vezes, se desdobra em pedido de elaboração de pareceres e laudos utilizados (com ou sem a anuência da(o) profissional) em processos judiciais. Tais documentos psicológicos são produzidos basicamente de acordo com a abordagem clínica adotada por cada profissional, pois grande parte deles não teve contato com o campo de conhecimento da psicologia jurídica durante a graduação. Esses profissionais utilizam conhecimentos da clínica, em suas diferentes perspectivas teóricas, acolhendo uma demanda como se ela fosse estritamente clínica, quando, na verdade, é jurídica. Esta confusão entre demandas clínicas e jurídicas tem sido cada vez mais comum em contextos de atendimento psicológico infanto-juvenil e de avaliação psicológica.

Moreira e Soares (2019), ao analisarem a oferta da disciplina psicologia jurídica nos cursos de graduação em psicologia, constataram que, dentre as 26 universidades federais estudadas, somente em quatro ela constava como obrigatória na grade curricular. Em 11 das instituições de ensino superior investigadas, a disciplina se enquadrava como optativa, complementar, eletiva ou núcleo livre. Tal lacuna na formação nos cursos de graduação em psicologia, somada às novas demandas por documentos psicológicos, provavelmente tem contribuído para o aumento de denúncias éticas contra psicólogas(os) nos Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs) (Amendola, 2014; Brito, 2012; Sousa & Bolognini, 2017).

Diante desta realidade de desconhecimento dos estudos da psicologia jurídica, ausente em grande parte das graduações brasileiras, de reduzido diálogo entre a psicologia clínica e a psicologia jurídica e do aumento no número de denúncias éticas contra psicólogas(os), temos como objetivo nesse ensaio contribuir do ponto de vista teórico, técnico e ético da psicologia para discussões acerca da produção de documentos por psicólogas(os) que atuam na clínica privada.

 

MÃES E PAIS EM DISPUTA E PEDIDOS DE DOCUMENTOS PSICOLÓGICOS

No trabalho como psicólogas jurídicas, na perspectiva social crítica, analisando documentos psicológicos utilizados como provas técnicas em processos judiciais sobre guarda e regulamentação de visitas de filhos, percebemos que grande parte desses documentos é produzida por psicólogas(os) clínicas(os) com atuação em consultório privado. Ou seja, dizem respeito a questões judiciais complexas, confundidas e sobrepostas a demandas clínicas.

Esses documentos geralmente são produzidos a partir de solicitações de avaliação e/ou tratamento psicoterápico infantil, realizadas por mães guardiãs ou pais não residentes que estão envolvidos em litígio1. Percebemos, ainda, que muitos desses documentos psicológicos foram emitidos com base em atendimentos iniciais (pré-psicoterapia), momento no qual as(os) profissionais realizam entrevistas e observações preliminares no intuito de compreender a demanda e, com isso, traçar um plano ou projeto terapêutico para o caso. Outras vezes, em um mesmo processo judicial, identificamos vários documentos emitidos pela(o) mesma(o) profissional que atende a criança no presente ou por outras(os) que já o fizeram em momentos anteriores.

Naquelas situações, são comuns mães guardiãs chegarem aos consultórios privados de psicólogas(os) muito angustiadas, preocupadas com a forte recusa dos filhos às visitações paternas − algumas vezes, elas o fazem orientadas por seus advogados. Particularmente, nos casos em que os filhos são ainda muito pequenos, as mães relatam a ocorrência de choro intenso e outras reações como, por exemplo, vômito, diarreia e sudorese nos momentos que antecedem o encontro com o pai não residente. Há também mães que se queixam de sintomas e/ou lesões físicas percebidas nos filhos após o retorno da casa paterna como, por exemplo, agressividade, regressão na fala, desobediência, manchas roxas, ferimentos em partes do corpo, eritemas das fraldas (as conhecidas assaduras) etc. Tais comportamentos e sintomas exibidos pela criança levam algumas mães a suspeitarem de maus-tratos e/ou da ocorrência de abuso sexual contra a criança durante o período de estadia na residência paterna (Sousa & Amendola, 2012). Diante disso, elas solicitam à(ao) psicóloga(o) clínica(o) uma "avaliação das condições psicológicas da criança", ou uma "avaliação da criança", o que geralmente resulta na confecção de um documento psicológico.

Desperta a atenção nessas situações o fato de que o pai não residente muitas vezes não participa da avaliação e/ou atendimentos da criança, seja porque não foi informado/convidado, seja porque teria se recusado. Percebemos, contudo, que isso não impede que, no documento produzido, as(os) profissionais façam menções, afirmações e até mesmo diagnóstico sobre o genitor e/ou a sua relação com a criança, por vezes baseadas unicamente nos relatos da mãe guardiã.

No que diz respeito à busca de avaliação e/ou atendimento para os filhos, realizada por pais não residentes, há os que levam os pequenos, durante as visitações, para a(o) própria(o) psicoterapeuta(o) ou outra(o) profissional para que sejam avaliados. Nessas situações, alguns genitores comumente relatam que, durante o período de convivência em sua casa, a criança inicialmente se mostra muito retraída ou chorosa, mas depois de algum tempo (longe da mãe) passa a interagir com todos e fica alegre. Nas situações em que há o pernoite na residência paterna, alguns pais dizem que o filho faz "birra" na hora de dormir e pede a presença da mãe. Outras vezes, diz para o pai que não gosta dele e rejeita sua presença. Diante de episódios como esses, comumente associados no campo social e jurídico à ideia de alienação parental (AP) (Sousa & Bolognini, 2017), alguns pais não residentes buscam esclarecimentos sobre possível influência materna no comportamento da criança, assim como aconselhamento sobre como devem conduzir a relação com esta. Outros pais, além disso, solicitam um documento psicológico, orientados por seus advogados − assim como ocorre com muitas mães guardiãs.

De forma semelhante ao que apontamos anteriormente sobre os pais não residentes que não participam dos atendimentos dos filhos, observamos que, quando são eles que buscam atendimento para seus pequenos, as mães guardiãs, por diferentes motivos, não são entrevistadas ou não participam de sessões conjuntas com ex-parceiro e/ou a criança. Apesar disso, com frequência, percebemos no documento emitido pela(o) profissional, a pedido do pai não residente, afirmações taxativas sobre aquela, ou melhor, sobre seus comportamentos e a relação materno-filial, feitas a partir dos relatos daquele.

Todas as situações relacionadas anteriormente, como se pode perceber, têm em comum demandas dirigidas às(aos) psicólogas(os) clínicas(os) que estão interligadas a questões judiciais, as quais dizem respeito a processos litigiosos existentes entre mães e pais. Portanto, nesses casos, as práticas psicológicas no âmbito da clínica estão na interface com a Justiça, conforme Referência Técnica do Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2019a).

Neste cenário, em que questões judiciais aparecem disfarçadas de demandas clínicas, também se tornam frequentes denúncias éticas nos Conselhos Regionais de Psicologia, que têm como objeto a produção de documentos (Amendola, 2014; Shine, 2012). Além disso, temos notícia de processos judiciais contra psicólogas(os) clínicas(os) por denunciação caluniosa e/ou danos morais, igualmente, em razão da emissão de documentos psicológicos utilizados como provas técnicas em processos judiciais envolvendo disputas entre mães e pais.

Apesar disso, observamos no campo da psicologia jurídica que os debates em torno das demandas judiciais e da produção de documentos parecem não atrair psicólogas(os) que atuam especialmente em consultório privado. Talvez isso ocorra devido ao entendimento de que tais debates seriam apenas para as(os) profissionais que trabalham no Judiciário.

Assim, no próximo item, expomos alguns apontamentos, embasados na normativa que rege o exercício da profissão, os quais podem contribuir para reflexões e intervenções das(os) psicólogas(os) diante de demandas judiciais/clínicas.

Destrinchando demandas judiciais confundidas com demandas clínicas

Diante das demandas e queixas dirigidas às(aos) psicólogas(os) clínicas(os) por mães e pais envolvidos em processos judiciais, cabe destacar os parâmetros teóricos, técnicos e éticos que devem ser observados pelas(os) profissionais em suas intervenções. Inicialmente, é fundamental que se defina rigorosamente a demanda e a finalidade do serviço contratado. Nas entrevistas iniciais, é indicado indagar a(o) contratante sobre a existência ou não de processos judiciais envolvendo a criança que é levada para atendimento. A(O) profissional não deve se fixar exclusivamente nos termos em que a demanda é formulada (Brito, 2002), pois é frequente nas situações já mencionadas que a mãe ou pai se utilizem de noções do senso comum sobre atendimento psicológico, bem como de termos próprios ao campo do Direito como guarda e direito à convivência familiar, por exemplo, ou ainda que façam certa confusão entre a ideia de regime de guarda e convivência. Nessas últimas situações, importa assinalarmos que, por vezes, os genitores buscam atendimento para a criança, a pedido de seus advogados, com o objetivo de obter um documento psicológico, ou seja, eles dirigem à(ao) psicóloga(o) uma espécie de demanda por encomenda. Assim, cabe à(ao) profissional compreender a demanda que lhe é endereçada, considerando os seus condicionantes históricos, sociais, econômicos e políticos, bem como a possibilidade de intervir sobre ela (CFP, 2019b).

Tendo sido constatado que uma dada situação requer intervenção no âmbito de uma psicoterapia, a(o) profissional deve formular contrato no qual explicita o serviço que oferecerá, os seus honorários, os procedimentos adotados, dentre outros aspectos que julgar relevantes. Considerando as particularidades do enquadre psicoterapêutico como, por exemplo, o vínculo com a pessoa atendida, o sigilo profissional, e os termos do contrato, a(o) profissional está impedida(o) de atuar, no mesmo caso, como perita(o) ou assistente técnica(o)2. Esse entendimento ampara-se no Art. 2º, alínea k, do Código de Ética Profissional do Psicólogo (CEPP), que impede a(o) psicóloga(o) de "Ser perito, avaliador ou parecerista em situações nas quais seus vínculos pessoais ou profissionais, atuais ou anteriores, possam afetar a qualidade do trabalho a ser realizado ou a fidelidade aos resultados da avaliação" (CFP, 2005, p. 10).

Tal interdição, contudo, parece não ter sido suficiente para sanar impasses ou incompreensões quanto aos limites e alcances das práticas no âmbito da psicoterapia, o que ensejou posteriormente a publicação de uma nova normativa, a Resolução CFP nº 008/2010, a qual diferencia a atuação da(o) psicóloga(o) clínica(o) e da(o) psicóloga(o) jurídica(o). No Art. 10 dessa Resolução é reiterada a proibição anterior e acrescentado:

Art. 10 - Com intuito de preservar o direito à intimidade e equidade de condições, é vedado ao psicólogo que esteja atuando como psicólogo clínico das partes envolvidas em um litígio:

I - Atuar como perito ou assistente técnico de pessoas atendidas por ele [grifo nosso] e/ou de terceiros envolvidos na mesma situação litigiosa; (CFP, 2010).

Apesar de passados mais de dez anos desde a publicação da referida Resolução, avaliamos que ela talvez não tenha surtido o efeito esperado, particularmente entre as(os) profissionais que atuam como psicólogas(os) clínicas(os). Isso porque, segundo dados de pesquisas, a maior parte das denúncias éticas contra psicólogas(os) nos CRs envolve documentos psicológicos provenientes de avaliação psicológica, ou melhor, emitidos por profissionais que atuaram no âmbito da clínica privada (Amendola, 2014; Shine, 2012). Partindo do princípio de que nesse contexto os documentos emitidos não são resultantes de perícia psicológica3, é pertinente indagarmos: aquelas(es) profissionais foram contratadas(os) para conduzir uma avaliação psicológica (investigação) ou um tratamento psicológico (intervenção)? Em outras palavras, qual foi o objeto e o objetivo da demanda? Não raro, no exame de documentos psicológicos, percebemos ambiguidades em torno desses aspectos, o que de fato pode comprometer o rigor técnico e teórico necessário a um documento psicológico e, com isso, levar a(o) profissional a uma possível violação ao CEPP.

Diante de tais indagações e problemáticas, importa traçarmos algumas distinções no que diz respeito à avaliação psicológica − termo polissêmico, que causa confusões − e aos documentos dela resultantes.

 

AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA: ALGUNS (DES)ENTENDIMENTOS

A associação ou equiparação entre avaliação psicológica e psicodiagnóstico é bastante comum. Este último, porém, juntamente com o exame psicológico, o psicotécnico e a perícia, diz respeito a modalidades daquela, conforme cartilha do CFP (2013). Nessa mesma publicação, a avaliação psicológica é descrita como "... um produto do exercício profissional dos psicólogos, que envolve, necessariamente, a elaboração de um informe psicológico [grifo nosso], ou seja, um documento escrito que tem por finalidade comunicar os resultados e conclusões da avaliação realizada acerca de fenômenos psicológicos" (CFP, 2013, p. 34). Definição similar é encontrada no Art. 1º da Resolução CFP nº 009/2018, que diz:

Art. 1º - Avaliação Psicológica é definida como um processo estruturado de investigação de fenômenos psicológicos, composto de métodos, técnicas e instrumentos, com o objetivo de prover informações à tomada de decisão, no âmbito individual, grupal ou institucional, com base em demandas, condições e finalidades específicas (CFP, 2018).

Portanto, nem sempre uma avaliação psicológica redunda na realização de um psicodiagnóstico, o qual possui especificidades. Conforme definição proposta por Krug, Trentini e Bandeira (2016, p. 18):

o psicodiagnóstico é um procedimento científico de investigação e intervenção clínica, limitado no tempo, que emprega técnicas e/ou testes com o propósito de avaliar uma ou mais características psicológicas, visando um diagnóstico psicológico (descritivo e/ou dinâmico) [grifo nosso], construído a luz de uma orientação teórica que subsidia a compreensão da situação avaliada, gerando uma ou mais indicações terapêuticas e encaminhamentos.

Diante das definições expostas anteriormente, alguns podem ainda indagar: a investigação psicológica conduzida pela(o) psicóloga(o) clínica(o) em atendimentos iniciais (pré-psicoterapia), como referido no item anterior, seria um psicodiagnóstico? Como já apontado, a resposta a essa questão deve considerar o objetivo e a finalidade da avaliação (CFP, 2013, 2018). Na prática, percebemos que muitas(os) profissionais têm como finalidade naquela avaliação inicial tão somente realizar observações e/ou levantar questões que serão trabalhadas ao longo do tratamento. Isso não se confunde, certamente, com um psicodiagnóstico, o qual, como já exposto, envolve métodos específicos. Porém, entendemos que o processo de investigação psicológica conduzido pela(o) profissional é uma avaliação psicológica − no sentido amplo do termo −, posto que é prática própria da nossa profissão.

Nas situações em que a(o) psicóloga(o) clínica(o) entende haver a necessidade de um psicodiagnóstico prévio, cabe considerar duas hipóteses: na primeira, a(o) profissional não possui o conhecimento técnico e científico para a realização do procedimento. Nesse caso, deve fazer encaminhamento para uma(um) profissional habilitada(o) (CFP, 2005; Krug et al., 2016) e aguardar os resultados e o prognóstico. Na segunda hipótese, estando a(o) psicóloga(o) clínica(o) qualificada(o) para conduzir um psicodiagnóstico, é indicado que elabore um contrato específico, distinto daquele feito para uma psicoterapia. Importa destacar ainda que, tendo sido contratada(o) para efetivar um psicodiagnóstico e indicado, a partir dele, a realização de psicoterapia para a pessoa avaliada, a(o) profissional deve observar, em termos éticos, a relação anterior (avaliador-avaliado), refletindo sobre prováveis impedimentos à sua atuação como psicoterapeuta no caso (CFP, 2005).

Considerando ainda as hipóteses suprarrelacionadas sobre a condução de um psicodiagnóstico, a modalidade de documento dele resultante é o laudo psicológico, o qual é definido pela Resolução CFP nº 006/2019 da seguinte forma:

Art. 13 - O laudo psicológico é o resultado de um processo de avaliação psicológica, com finalidade de subsidiar decisões relacionadas ao contexto em que surgiu a demanda. Apresenta informações técnicas e científicas dos fenômenos psicológicos, considerando os condicionantes históricos e sociais da pessoa, grupo ou instituição atendida.

IV - O laudo psicológico deve apresentar os procedimentos e conclusões gerados pelo processo de avaliação psicológica, limitando-se a fornecer as informações necessárias e relacionadas à demanda e relatar: o encaminhamento, as intervenções, o diagnóstico, o prognóstico, a hipótese diagnóstica, a evolução do caso, orientação e/ou sugestão de projeto terapêutico. [grifo nosso]

Em nossa prática observamos, contudo, que grande parte dos documentos psicológicos apensados a processos judiciais sobre regulamentação de guarda e direito à convivência familiar, os quais muitas vezes envolvem alegações de AP e/ou abuso sexual infantil, como veremos mais a frente, tem origem no contexto psicoterápico e diz respeito não a "laudos psicológicos", como costumam ser intitulados, mas sim a relatórios.

A seguir, destacamos questões frequentes que identificamos nesses documentos, e refletimos sobre os procedimentos que devem ser adotados pela(o) psicóloga(o) em conformidade com a normativa profissional.

 

SOBRE ATENDIMENTOS CLÍNICOS E RELATÓRIOS PSICOLÓGICOS

É indicado que, especialmente nas situações que envolvem litígio conjugal, o genitor não contratante seja comunicado e convidado a participar do processo psicoterápico de seu(sua) filho(a), tendo em vista que, muitas vezes, o sofrimento expresso pela criança está diretamente ligado ao intenso conflito entre os pais (Juras & Costa, 2011).

De acordo com o Art. 8º do CEPP, em atendimento não eventual de crianças, "o psicólogo deverá obter autorização de ao menos um de seus responsáveis" (CFP, 2005, p. 12). No contexto psicoterápico, tal autorização diz respeito a atender a criança, e não à possível participação de outros adultos responsáveis por ela como, por exemplo, o genitor não guardião e/ou avós. Assim, é indicado que a(o) profissional oriente a(o) contratante, com base em aspectos técnicos, teóricos e éticos, sobre a importância de informar e/ou convidar o outro genitor a participar da psicoterapia da criança.

A(O) psicóloga(o) clínica(o) deve fornecer, quando solicitado pela mãe ou pai contratante − independente do número de sessões realizado e sem cobrar valor extra por isso −, um documento psicológico. Há situações, por exemplo, em que uma mãe ou pai não contratante participou de um ou mais atendimentos, a convite da(o) psicoterapeuta, e posteriormente solicita um documento sobre esses atendimentos. Ao entregar tal documento, a(o) profissional estará agindo em conformidade com o Art. 1º, alínea f, do CEPP, que destaca como dever fundamental da(o) profissional "fornecer, a quem de direito, na prestação de serviços psicológicos, informações concernentes ao trabalho a ser realizado e ao seu objetivo profissional" (CFP, 2005, p. 8).

Com frequência, as demandas citadas anteriormente surgem a partir de orientação feita pelo representante legal da(o) contratante, na busca por informações que possam ser utilizadas no processo judicial, como já apontado.

O documento supramencionado se enquadra na modalidade descrita na Resolução CFP n. 006/2019 como Relatório Psicológico, o qual possui natureza e valor técnico-científico, e tem como objetivo "comunicar a atuação profissional da(o) psicóloga(o) em diferentes processos de trabalho já desenvolvidos ou em desenvolvimento [grifo nosso], podendo gerar orientações, recomendações, encaminhamentos e intervenções pertinentes à situação descrita no documento, não tendo como finalidade produzir diagnóstico psicológico" [grifo nosso].

A estrutura do Relatório Psicológico e o que deve constar em cada um de seus itens (identificação, descrição da demanda, procedimento, análise e conclusão) são discriminados na referida Resolução. No que tange à identificação do solicitante de tal documento, é comum observarmos, em nossa prática, a ausência de tal informação. Quanto à descrição da demanda, verificamos, dentre outros aspectos, informações pouco precisas sobre o seu objeto e nenhuma sobre a sua finalidade. Além disso, em alguns documentos, percebemos que é quase totalmente desconsiderado o fato de que a demanda de psicoterapia infantil e/ou produção de documento se inserem em um contexto familiar amplo, marcado por intenso litígio entre a mãe e o pai da criança ou, ainda, entre estes e os avós.

No que tange aos procedimentos adotados pela(o) profissional, percebemos falta de rigor técnico em sua escolha, sendo citados por vezes instrumentos que não possuem reconhecimento no âmbito da psicologia como ciência e profissão. Nesse sentido, identificamos referências à "abordagem com a criança", "abordagens com histórias ilustrativas", "entrevista de caráter lúdico" e testes não validados pelo CFP. Outras vezes, a(o) profissional informa o referencial teórico adotado como, por exemplo, "teóricos da psicanálise", "psicoterapia familiar sistêmico-relacional" e "perspectiva fenomenológica". Porém, nos documentos, é comum não haver relações entre esses referenciais e o conteúdo descrito. Esse dado sugere, dentre outras questões, a falta de propriedade na aplicação da perspectiva teórica e das técnicas que a(o) profissional diz adotar. Outras vezes, não é citado o referencial teórico ao longo de todo o documento, o que pode sinalizar violação ao CEPP que, no Art. 2º, alínea g, veda à(ao) psicóloga(o) "Emitir documentos sem fundamentação e qualidade técnico-científica" (CFP, 2005, p. 10).

Outro aspecto que desperta atenção é que grande parte do conteúdo dos documentos diz respeito à reprodução integral ou síntese de relatos da mãe ou do pai contratante, feitos durante as entrevistas realizadas, sem que haja qualquer problematização ou análise com fundamentação técnico-teórica. Temos a impressão de que, com isso, a(o) profissional intenta se colocar como isenta(o) e assegurar a veracidade do que foi exposto pela pessoa entrevistada, sem considerar, no entanto, que teve acesso a um único ponto de vista sobre a história familiar e a relação do ex-casal (Rapizo & Brito, 2014). Por outro lado, também identificamos documentos em que a(o) profissional parece se alinhar com a(o) genitora(o) contratante, em oposição ao outro responsável, tornando-se ferrenha(o) defensora(or) ou uma espécie de psico-advogada(o) daquela(e) (Sousa, 2020).

É também recorrente nos documentos a reprodução de supostas falas da criança e a descrição detalhada de sessões lúdicas. Entendemos que, nessas situações, há um excesso de exposição da criança, o que pode representar violação ao Art. 1º, alínea g, do CEPP, que aponta como dever fundamental da(o) psicóloga(o) "Informar, a quem de direito, os resultados decorrentes da prestação de serviços psicológicos, transmitindo somente o que for necessário para a tomada de decisões que afetem o usuário ou beneficiário" [grifo nosso] (CFP, 2005, p. 10). No entanto, o cuidado necessário em relação à questão citada parece ficar obscurecido ante preocupações com relação à proteção da criança que, comumente, está expressa nos documentos por meio de enunciados que reproduzem certa moralidade na contemporaneidade quanto às noções de abuso sexual infantil e pedofilia (Oliveira & Russo, 2017; Shine, 2012).

Embora o Relatório Psicológico não tenha como finalidade produzir diagnóstico psicológico, como já referido, percebemos, nos documentos examinados em nossa prática, que, além de emitir diagnósticos sem os critérios metodológicos previstos na Resolução CFP nº 009/2018, por vezes eles são elaborados sem a presença da pessoa "diagnosticada". Para ilustrar, podemos citar o diagnóstico de psicopatia conferido a um pai a partir exclusivamente dos relatos da mãe (contratante) e da avó materna colhidos por uma profissional, o que sugere uma espécie de diagnóstico por procuração. Ou seja, um diagnóstico realizado com base na narrativa de terceiros, que pode ser motivada por interesses de toda ordem, assim como ressentimentos e má-fé, ou ainda originada a partir de certo senso comum psicopatológico. De modo similar, identificamos no conteúdo dos documentos constatações sobre a relação paterno-filial e/ou convivência com a família paterna − avaliadas a pedido da mãe guardiã − sem que o pai tenha participado do tratamento e/ou avaliação do(a) filho(a). Esses diagnósticos por procuração são expressos por meio de enunciados como "o pai parece ser narcísico", "o pai é violento", "o pai não apresenta condições para cuidar de uma criança", dentre outros.

Em que pese a ausência de fundamentação em termos técnicos, teóricos e éticos em documentos como aqueles citados anteriormente, eles podem produzir efeitos de verdade no âmbito do judiciário, conduzindo à tomada de decisões que podem intensificar ainda mais os conflitos familiares, prejudicando, assim, as relações parentais.

As questões expostas anteriormente também envolvem as situações nas quais há alegações de AP e abuso sexual infantil, como veremos no item a seguir.

 

ALEGAÇÕES DE ALIENAÇÃO PARENTAL E ABUSO SEXUAL INFANTIL

As intervenções clínicas têm como base a escuta e o acolhimento do sujeito em suas demandas. Contudo, é preciso considerar, ao mesmo tempo, que o contexto social está em constante mudança, o que frequentemente implica a produção de sintomas e diferentes formas de sofrimento psíquico, ou seja, novos modos de subjetivação.

Nessa esteira, é premente um diálogo entre a psicologia clínica e a psicologia jurídica, em sua perspectiva social crítica, principalmente em situações em que pais e mães recorrem ao Judiciário com o objetivo de limitar ou impedir a convivência da(o) ex-parceira(o) com a prole, utilizando documentos psicológicos, como abordado anteriormente, seja para assegurar o direito parental à convivência familiar, seja para ingressar com ação de modificação de guarda.

No contexto da clínica privada, as situações supramencionadas podem chegar como um pedido de avaliação de AP, expresso por um pai ou mãe que busca a certificação de sua condição de vítima inocente, perpetrada pelo outro genitor, tido como alienador malvado e cruel (Sousa & Bolognini, 2017). Aliado a isso, há também situações nas quais a mãe guardiã busca atendimento psicoterápico para a(o) filha(o), pois suspeita de que esta(e) tenha sido vítima de abuso sexual praticado pelo pai. Em alguns casos, a mãe fez registro de Boletim de Ocorrência e, com isso, a criança é encaminhada para exame de corpo delito. Nem sempre, contudo, o laudo médico, emitido pelo Instituto de Medicina Legal, confirma o abuso sexual. Algumas vezes, são constatadas lesões à integridade corporal ou à saúde da criança, mas sem evidências do alegado abuso sexual. Em outras, o exame realizado não identifica nenhuma lesão na criança.

Assim, nas situações em que não há vestígios físicos do abuso sexual, psicólogas(os) são procuradas(os) no intuito de identificarem um conjecturado trauma ou sintomas de ordem psíquica ou comportamental nas crianças, confirmando, assim, o abuso sexual. Preocupadas com a proteção de seus filhos, muitas mães podem ser levadas, por diversos motivos, a interpretarem sintomas e comportamentos exibidos por estes como indício de estarem sofrendo abuso sexual. Diante disso, fazem a denúncia (Sousa & Amendola, 2012).

Não podemos desconsiderar, contudo, situações em que tal alegação é parte de estratégias empreendidas por uma mãe ou um pai - como ocorre nos casos em que o padrasto e/ou avô materno é acusado − com o objetivo de afastar definitivamente o outro genitor dos filhos. Como exemplo, podemos citar distorções quanto a eventos cotidianos, como dar banho ou fazer higienização íntima na criança ou, ainda, fatos graves envolvendo laceração, queimadura, arranhões na genitália desta, feitas com o objetivo de incriminar o pai, o padrasto, o avô ou outro parente do sexo masculino. Situações como estas últimas são menos comuns nos consultórios privados, ao contrário de outras que, sem vestígios físicos do conjecturado abuso, se baseiam apenas na fala da criança e do adulto contratante do serviço, comumente a mãe guardiã. Nesses casos, frases como a de uma criança avaliada despertam a atenção: "minha mãe disse que fulano (o pai) é mau e que eu tinha que dizer isso pro juiz", ou ainda outras ouvidas em entrevistas com uma mãe: "mas ele não presta", "minha filha disse que ele passou o dedo na florzinha dela".

Diante da complexidade de tais situações envolvendo alegações de abuso sexual, é fundamental considerarmos o contexto de intenso litígio conjugal em que surgem. Muitas vezes, os filhos podem exibir sintomas e comportamentos que são decorrentes do estresse emocional vivido com a separação dos pais, mas que podem ser inadvertidamente confundidos com outros ligados à ocorrência do abuso sexual. No que diz respeito aos pais incriminados, eles alegam, em sua defesa, serem vítimas de AP, atribuindo a acusação a uma vingança ou distúrbio psicológico da ex-parceira (Sousa & Amendola, 2012).

A complexidade de tais demandas é tanta que nos convoca a fazer uma linha do tempo. Normalmente, o início é um processo de divórcio com regulamentação de guarda, visita e alimentos. Um ex-casal em conflito busca o judiciário na tentativa de resolução; segue-se o processo com intenso litígio. E, posteriormente, acusação de alienação parental, denúncia de abuso sexual e a procura por atendimento psicológico.

Não é demais lembrar que, em meio a um momento quase sempre doloroso de quebra de ideais de relação amorosa e de família, o ex-casal deve decidir pela divisão patrimonial, guarda de filhos, moradia, convivência familiar e contribuição financeira de cada genitor para com seus filhos. Diante disso, os conflitos relacionais comuns à grande parte dos divórcios são transformados pela racionalidade jurídica em litígio. Desse modo, como refletem Oliveira e Brito (2013), assistimos à judicialização das questões familiares, hoje resumidas a disputas dentro do Sistema de Justiça.

Diante das questões expostas, as alegações de alienação parental e acusações de abuso sexual infantil, nos processos de disputa de guarda de filhos, têm contribuído para incrementar os enfrentamentos entre ex-parceiros quando empregadas para caracterizar todo tipo de divergência que porventura surja após o rompimento conjugal (Sousa & Amendola, 2012). Assim, cientes de tal possibilidade, e também da judicialização das práticas psicológicas no âmbito da clínica privada, é fundamental que as(os) psicólogas(os) requisitadas(os) para a realização de avaliações sobre o comportamento de crianças envolvidas em disputas judiciais entre seus pais considerem tanto os aspectos do desenvolvimento infantil, da convivência familiar, do contexto social, dos conflitos conjugais e parentais, como os fatores sociais, políticos, históricos e legislativos que, ao longo do tempo, vêm influenciando o modo como pais e mães vivenciam as relações parentais em diferentes momentos históricos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do objetivo proposto no presente ensaio, o de contribuir para discussões acerca da produção de documentos por psicólogas(os) clínicas(os), como resultado do atendimento a crianças, adolescentes e genitores envolvidos em processos judiciais litigiosos, entendemos que é indispensável a construção de um diálogo interdisciplinar entre a psicologia clínica e a psicologia jurídica, em sua perspectiva social crítica.

Diante da reduzida participação, que observamos no campo da psicologia jurídica, de psicólogas(os) que atuam prioritariamente em consultórios privados nos debates sobre famílias no pós-divórcio, denúncias éticas e produção de documentos, judicialização das práticas psicológicas, dentre outros temas, reiteramos como imperiosa a promoção de um encontro entre aqueles campos de atuação e saber. Inspiradas no pensamento de Verani (1992), estimamos que, com isso, se possam criar alianças não para a rotulação, patologização ou penalização das famílias, mas sim para a sua autonomia, seja qual for a configuração familiar.

As discussões propostas neste ensaio destacam a importância das(os) profissionais investirem em sua formação continuada, atualização e capacitação por meio de cursos e de supervisões. Afinal, como previsto em nosso Código de Ética Profissional do Psicólogo (CFP, 2005), é nosso dever oferecermos serviços psicológicos de qualidade.

É de conhecimento que, no contexto da clínica privada, são comuns grupos de estudos e de supervisão. Assim, propomos que essas práticas se estendam também a casos envolvendo demandas judiciais confundidas com demandas clínicas e elaboração de documentos psicológicos. Para isso, consideramos fundamental a orientação de psicólogas(os) jurídicas(os) com experiência e qualificação na área. Os atendimentos psicológicos em âmbito clínico não concorrem com os da psicologia jurídica. Ao contrário, entendemos que eles se complementam e, em muitos casos, são ao mesmo tempo necessários e imprescindíveis.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 01/12/2020
Aprovado em 15/03/2021

 

 

1 A observação das autoras vai ao encontro de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2015), segundo os quais as mães detêm a guarda dos filhos em mais de 80% das situações de divórcio no país. Dados semelhantes também foram observados por outros estudos de relevância sobre a temática (Kostulski & Arpini, 2018; Soares, 2015).
2 O perito é profissional especializado no objeto da perícia, nomeado pelo juízo. Tem atuação prevista na Seção II, Art. 156 a 158, do Código de Processo Civil (CPC). O assistente técnico é profissional de confiança da parte; sua atuação é prevista no Art. 466, § 1º, do CPC (Lei n. 13105/2015).
3 Sobre a Prova Pericial cf. Art. 464 e Art. 465 do CPC (Lei n. 13105/2015) e sobre a realização da perícia cf. Resolução CFP n. 17/2012, que dispõe sobre a atuação do psicólogo como perito nos diversos contextos.

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