Acta Comportamentalia
ISSN 0188-8145
Acta comport. vol.18 no.2 Guadalajara 2010
ARTÍCULOS
Efeitos de um jogo de tabuleiro educativo na aquisição de leitura e escrita1
Effects of an educative board game on the acquisition of reading and writing
Silvia Regina de Souza2; Martha Hübner3
RESUMO
O trabalho investigou se o uso de um jogo de tabuleiro que possibilita o ensino das relações entre palavra impressa, conjunto de sílabas, figura, escrita manuscrita e palavra falada produz a leitura e escrita das palavras ensinadas (palavras de ensino) e de novas palavras formadas a partir da recombinação das sílabas destas palavras (palavras de generalização). Participaram nove crianças com idade entre 5 e 6 anos. O trabalho foi realizado em cinco etapas (Pré-Teste, Intervenção, Sonda, Pós-Teste e Follow-up). No Pré-Teste testaram-se as relações entre palavra impressa e palavra falada pela criança, entre palavra falada e conjunto de sílabas, entre palavra falada e escrita manuscrita e entre figura e palavra impressa. Em seguida realizaram-se quinze sessões com o jogo de tabuleiro. Finalmente, as mesmas relações testadas no Pré-Teste foram novamente avaliadas (Sonda e Pós-Teste). Quanto às palavras de ensino, os resultados mostraram que houve aumento no número de palavras corretamente lidas, de sílabas das palavras corretamente selecionadas, de emparelhamentos corretos entre palavras e figura e de sílabas corretamente escritas. Quanto às palavras de generalização, observou-se um aumento no número de sílabas corretamente selecionadas.
Palavras-chave: Jogo, CRMTS, equivalência de estímulos, controle por unidades mínimas, leitura recombinativa.
ABSTRACT
This work investigates whether the use of a board game, which makes possible to teach the relationships between the printed word, a group of syllables, pictures, handwritten and spoken word, leads to the reading and writing of taught words (teaching words) and new words formed by the recombination of syllables from these words (generalization words). Nine children aged 5 and 6 participated in the study. The work was realized in 5 stages (Pre-test, Intervention, Investigation, Post -test, and Follow-up). During the Pre-test, the relationships between the printed word and the word spoken by the child, between the spoken word and the group of syllables, the spoken word and the handwritten word and between the written word and the picture were tested. Next, 15 board game sessions were conducted. Finally, these same relationships were once again evaluated (Investigation and Final Post test). In regards to teaching words, results showed an increase in the number of words read correctly, syllables selected correctly, picture and words matched correctly and syllables written correctly. As for the generalization words, there was an increase in number of syllables selected correctly.
Key words: Game, CRMTS, stimulus equivalence, minimal units control, recombining reading .
Na perspectiva da Análise do Comportamento, ler e escrever são comportamentos operantes, ou seja, são comportamentos que operam no meio gerando consequências que alteraram a probabilidade futura de emissão desse comportamento (Skinner, 1981). Enquanto comportamentos operantes, o ler e o escrever podem ser definidos em termos de relações entre estímulos antecedentes, respostas e estímulos consequentes. Segundo de Rose (2005), os repertórios acadêmicos estão baseados em relações refinadas entre estímulos discriminativos e respostas. A relação entre o estímulo discriminativo e a resposta é denominada de controle de estímulos, ou discriminação. A contingência de três termos é a unidade de análise fundamental do controle de estímulos. Contudo, para alguns autores, a contingência de três termos poderia ser colocada sob controle de estímulos (controle condicional). Embora pesquisas tivessem sido conduzidas nessa área (ex., Cumming & Berryman, 1965), foi a pesquisa desenvolvida por Sidman (1971), e que deu origem ao que posteriormente ficou conhecido como equivalência de estímulos, que contribuiu para o considerável número de investigações indicadoras da relevância do controle condicional em fenômenos relacionados com linguagem e aquisição de habilidades envolvidas na leitura e escrita (Sidman, 1971;1986, Sidman & Tailby, 1982, Matos & Lopes, 1995, Matos, 1999 e Hübner, 2006).
Ler e escrever, portanto, podem ser entendidos como relações entre estímulos e respostas que vão sendo adquiridas e modificadas (selecionadas por suas consequências) à medida que interagimos com pais, professores, livros, revistas, jogos, enfim, com o nosso ambiente (de Rose, 2005).
Se mudanças ocorrem nesses comportamentos devido a interações que vamos estabelecendo com o nosso ambiente, devemos admitir que as crianças não chegam à escola com o mesmo repertório de entrada4; habilidades adquiridas previamente, como, por exemplo, o aprendizado de aspectos relevantes dos estímulos textuais (ex., orientação espacial de figuras/letras, direção da escrita - da esquerda para a direita) entre outros aspectos, poderiam facilitar o aprendizado subsequente do ler e escrever (Tawney, 1972; Gibson, Gibson, Pick & Osser, 1962). É importante assinalar, contudo, que, se habilidades relacionadas à leitura e escrita não foram desenvolvidas por meio de experiências pré-escolares, elas poderão ser adquiridas à medida que o ensino dessas habilidades vai ocorrendo.
No entender de alguns analistas do comportamento (Sidman, 1994; de Rose, 2005; Hübner, 1990 entre outros), ler e escrever envolvem diversas habilidades que se apresentam integradas formando uma rede de relações nas quais nem todas as relações dessa rede precisam ser diretamente ensinadas, ou seja, algumas relações podem emergir a partir de relações já treinadas. Esse modelo de análise é denominado de paradigma de equivalência de estímulos e é entendido como um possível produto de no mínimo duas discriminações condicionais com um elemento em comum (Sidman, 1971, 1986, 2000; Sidman & Tailby, 1982). De acordo com esse modelo, o ensino de algumas relações pode levar à emergência de outras sem ensino explícito das últimas. O procedimento de escolha de acordo com o modelo (matching to sample - MTS) tem sido utilizado para esse ensino. Nesse procedimento, à apresentação de um estímulo-modelo (estímulo condicional) como, por exemplo, a palavra falada BOLA (A1) segue-se a apresentação de, no mínimo, dois estímulos de escolha (estímulos discriminativos) diferentes, as palavras impressas BOLA (B1) e BOLO (B2). Respostas que estejam de acordo com o critério estabelecido pelo pesquisador - nesse exemplo, escolha de B1 - são seguidas por consequências reforçadoras. Segundo Sidman e Tailby (1982) discriminações condicionais bem estabelecidas devem demonstrar não apenas relações condicionais entre os estímulos, mas também relações de equivalência. De acordo com esses autores, para que a equivalência de estímulos seja observada é preciso que os estímulos mostrem, numa relação condicional, as propriedades de reflexividade, simetria e transitividade. Reflexividade é inferida quando o sujeito é capaz de relacionar um conjunto de estímulos com seus idênticos sem treino adicional (selecionar, por exemplo, a palavra impressa BOLA diante do estímulo-modelo impresso BOLA; Simetria é inferida quando o sujeito é capaz de selecionar um conjunto de estímulos B diante de um conjunto de estímulos A (BrA) após ter aprendido, via reforçamento direto, a selecionar um conjunto de estímulos A diante de um conjunto de estímulos B (ArB); e, finalmente, transitividade e transitividade simétrica são inferidas, quando, tendo estabelecido, via treinamento direto, a relação entre os estímulos AB (por exemplo, entre palavra falada BOLA e palavra impressa BOLA - ArB) e AC (por exemplo, entre palavra falada BOLA e figura de uma BOLA - ArC), o sujeito é capaz de relacionar o conjunto de estímulos B com o conjunto de estímulos C (relação entre palavra impressa BOLA e figura da BOLA - BrC) e a relacionar o conjunto de estímulos C com o conjunto de estímulos B (relação entre a figura da BOLA e a palavra impressa BOLA CrB), sem reforço diferencial.
A economia e a eficiência de ensino, já que novas relações emergem a partir do treino de outras, contribuíram para o crescente número de pesquisas utilizando esse modelo de análise para investigar questões relacionadas ao processo de ensino e aprendizagem (Sidman, 1971; Sidman & Cresson 1973; de Rose, Souza, Rossito & de Rose, 1989; Melchiori, Souza, de Rose & Furlan, 1992; Medeiros, Monteiro e Zaccaron, 1997; Goyos & Freire, 2000; Haydu & Tini, 2003, entre outros). Apesar das pesquisas nessa área apontarem a efetividade desse modelo no ensino de habilidades envolvidas com leitura e escrita, com diferentes populações, uma pessoa pode aprender a ler e escrever as palavras LATA e BOCA e ainda assim não ser capaz de ler e escrever as palavras BOLA, TALA, CABO e BOTA, formadas pela recombinação das sílabas dessas palavras. Nesse sentido, estudos inspirados no trabalho de Sidman (1971) sobre equivalência de estímulos e no de Skinner (1957) relacionado à análise de unidades mínimas do comportamento verbal vêm sendo conduzidos (Hübner, Gomes & MacIlvane, 2009). Muitos dos estudos conduzidos nessa direção empregam o procedimento de construção de anagramas ou CRMTS - do inglês constructed response matching to sample - (Mackay & Sidman, 1984; Dube, McDonald, McIlvane & Mackay, 1991; Stromer, Mackay & Stoddard, 1992; Matos, Hübner-D'Oliveira,1992; de Rose, de Souza & Hanna, 1996; Souza, Goyos, Silvares & Saunders, 2007, entre outros). O CRMTS consiste na apresentação de uma palavra impressa ou uma palavra falada ou, ainda, de uma figura como estímulo-modelo e de letras ou de sílabas das palavras como estímulos de escolha. As letras e sílabas devem ser selecionadas na ordem correta, para formar a palavra ou o nome da figura apresentada como estímulo-modelo. O procedimento de CRMTS tem-se mostrado bastante útil para o ensino, pois ele requer um comportamento específi co com relação a cada letra da palavra a ser montada.
Segundo Matos, Hübner, Serra, Basaglia e Avanzi (2002), a fragmentação de palavras em unidades menores e sua recombinação em novas palavras podem gerar leitura recombinativa. Esse aspecto é muito importante porque palavras novas passam a ser lidas ou escritas, por meio da recombinação das unidades menores que compõem as palavras.
Estudos que utilizam o paradigma de equivalência e o procedimento de CRMTS apontam a possibilidade do uso de jogos e brincadeiras para ensinar as relações entre palavras impressas, faladas, figuras e conjunto de letras ou sílabas.
Em vista do caráter motivacional dos jogos e sua popularidade com as crianças, bem como do fato de que as relações envolvidas em leitura e escrita podem ser ensinadas por meio deles (de Rose, 2005), estudos que investigam o efeito do uso de jogos sobre o ensino de leitura e escrita mostram-se necessários. Dentre os poucos estudos na área de equivalência de estímulos, que fazem uso de recursos lúdicos para o ensino e teste das relações envolvidas no comportamento de ler e de escrever, destacam-se aqui o de Dutra (1998) e o de Sudo, Soares, Souza e Haydu (2008).
Dutra (1998) realizou um estudo cujo objetivo era investigar se procedimentos derivados da Análise do Comportamento, conduzidos por meio de jogos, seriam eficazes no ensino de leitura e de escrita a crianças com dificuldades de aprendizagem. Participaram seis alunos do ciclo básico com história de fracasso escolar, com idade entre 8 e 9 anos. O programa de ensino era composto por 12 passos divididos em três unidades de ensino. Cada unidade de ensino foi dividida em três passos nos quais se ensinaram às crianças três palavras. No início e no final de cada unidade de ensino, oito palavras de generalização, palavras formadas pela recombinação das sílabas das palavras ensinadas, eram avaliadas. Ao todo foram trabalhadas 36 palavras de ensino e 24 de generalização. Em cada unidade de ensino realizou-se uma avaliação inicial (Pré-Teste), o ensino propriamente dito (programa de ensino) e a avaliação final (Pós-Teste). A avaliação inicial foi realizada por meio de um jogo de bingo. Nesse jogo, solicitou-se que as crianças lessem e escrevessem as palavras, as sílabas e as vogais da respectiva unidade. O programa de ensino foi conduzido por meio de jogos de memória, cartelas e bingo. Com o jogo de memória ensinou-se a relação entre palavra falada e figura e nomeação de figuras. As cartelas foram usadas para ensinar a relação entre palavra falada e palavra impressa. Cartelas com as palavras do respectivo passo eram entregues às crianças. Cada cartela continha duas palavras impressas, sendo uma de ensino (palavra nova) e a outra que a criança já conhecia (palavra de linha de base). A pesquisadora ditava a palavra nova e, por exclusão, a criança deveria apontá-la. Acertos eram seguidos pelas sílabas que, juntas, compunham a palavra de ensino e a criança deveria construí-la, seguindo o modelo impresso, apresentado no cartão. Caso ela construísse corretamente a palavra de ensino, o pesquisador nomeava as sílabas e pedia à criança que também as nomeasse. Em seguida, as sílabas eram reagrupadas indagando-se à criança qual era a palavra. Quando acertavam, as crianças recebiam uma bolinha de gude. Posteriormente, o jogo de bingo com sílabas era realizado. Durante esse jogo, a pesquisadora ditava as sílabas e a criança deveria marcar a sílaba ditada (relação entre sílaba falada e sílaba impressa). Finalmente, as mesmas relações avaliadas no Pré-Teste (avaliação inicial) eram novamente avaliadas (Pós-Teste). Os resultados obtidos indicaram que todas as crianças leram as palavras ensinadas e que elas apresentaram altos índices de leitura das palavras de generalização e de escrita correta de palavras ensinadas e de palavras de generalização.
O estudo conduzido por Dutra (1998) aponta a possibilidade de os jogos serem usados para ensinar as relações envolvidas em leitura e escrita. Conquanto Dutra (1998) tenha usado jogos para testar algumas relações, observa-se que, para o ensino da relação entre palavra falada e palavra impressa, o procedimento empregado foi muito semelhante ao que foi utilizado em outros estudos de ensino de leitura e escrita por meio do modelo da equivalência de estímulos (como, por exemplo, de Rose, de Souza & Hanna, 1996; Melchiori, de Souza, de Rose & Furlan, 1992; Souza, Goyos, Silvares & Saunders, 2007). Ou seja, as tentativas para o ensino dessa relação foram apresentadas usando-se cartões. Segundo a autora, foi possível observar, ainda, que as crianças preferiram os jogos de bingo e memória ao jogo de cartelas.
Sudo et al. (2008) desenvolveram uma pesquisa cujo objetivo foi investigar se crianças que apresentaram erros de escrita de dissílabos simples aprenderiam a escrevêlos corretamente por meio de jogos, que ensinassem relações entre palavra impressa e CRMTS, entre palavra impressa e figura, entre figura e CRMTS, entre palavra impressa e escrita manuscrita, entre palavra falada e figura e entre palavra impressa e palavra falada. Participaram três crianças com idade entre 6 e 8 anos, alunos da 1ª série do ensino fundamental. Inicialmente, uma folha com 33 figuras foi entregue às crianças e pediu-se que elas as nomeassem. Nomeações incorretas eram corrigidas. Em seguida, os pesquisadores pediram que as crianças escrevessem os nomes das figuras. Dentre as palavras incorretamente escritas pelas crianças foram selecionadas oito (palavras de ensino). Após a seleção das oito palavras de ensino, as sílabas delas foram recombinadas formando 10 novas palavras (palavras de generalização). Em seguida realizou-se um ditado com as palavras de generalização. A intervenção foi realizada empregando-se o jogo de tabuleiro – AbraKedabra: construindo palavras e um jogo de memória. Ao final de cada sessão de intervenção, realizou-se um teste de averiguação de escrita manuscrita, no qual as palavras de ensino e generalização eram ditadas pelo pesquisador e as crianças deveriam escrevê-las em papel fornecido por ele. A cópia no quadro com giz foi introduzida a partir da quinta sessão, uma vez que as crianças, embora fossem capazes de compor as palavras, não eram capazes de escrevê-las corretamente. Os resultados mostraram que houve um aumento no número de palavras e sílabas das palavras de ensino corretamente escritas e, com exceção de uma delas, também nas de generalização. Os resultados de Sudo et al. (2008) mostram a possibilidade do emprego de jogos combinados ao paradigma de equivalência de estímulos e sua efetividade para o ensino de leitura e escrita. Apesar dos resultados obtidos por Sudo et al., verifica-se a necessidade de mais investigações devido, principalmente, a problemas metodológicos apresentados no estudo, o que impede afirmar que foi o treino realizado e não outros fatores que contribuíram para as mudanças observadas. Dentre os problemas metodológicos apresentados destaca-se o fato da leitura não ter sido avaliada de maneira sistemática, ou seja, não foram feitos registros sistemáticos do comportamento de ler dos participantes (relação entre palavra impressa e palavra falada), além disso os participantes estavam frequentando a primeira série do ensino fundamental, e não houve um grupo-controle o que sugere a necessidade de novas investigações que tenham como participantes crianças pré-alfabetizadas, bem como um controle experimental mais rigoroso. Além do jogo de tabuleiro para o ensino das relações entre palavra impressa, falada, figura e escrita manuscrita, empregou-se também o jogo de memória e a escrita manuscrita no quadro com giz. O emprego desses outros jogos impede avaliar o efeito do uso do jogo de tabuleiro no ensino de relações envolvidas na leitura e escrita. Finalmente, o pequeno número de sessões com cada participante nos leva a questionar se um número maior de sessões permitiria ampliar o repertório de leitura e escrita das palavras ensinadas e de palavras formadas pela recombinação das sílabas das palavras ensinadas (palavras de generalização).
Sendo assim, o presente trabalho segue a linha de investigação proposta pela pesquisa realizada por Sudo et al. e tem por finalidade ampliar os resultados obtidos naquele estudo. Para isso, apenas o jogo de tabuleiro empregado naquele estudo foi usado neste para o ensino das relações entre palavra falada, figura, palavra impressa e escrita manuscrita. Os participantes foram crianças da educação infantil, ou seja, crianças não alfabetizadas e que não recebiam ensino formal de leitura e escrita no momento em que o estudo foi realizado. Além disso, um delineamento de linha de base múltipla entre sujeitos foi usado com o objetivo de melhorar o controle experimental. Finalmente, as relações envolvidas em leitura (relações entre palavra impressa e palavra falada) foram registradas de maneira sistemática ampliando-se o número de palavras de ensino e de generalização e, consequentemente, o número de sessões com todos os participantes.
MÉTODO
Participantes
Participaram do estudo nove crianças da educação infantil de uma escola da rede municipal. Para a seleção dos participantes, solicitou-se à direção da escola que conversasse com a professora e selecionasse 10 crianças que ainda não sabiam ler ou escrever palavras dissílabas simples. Em seguida, os pais das crianças foram convidados para uma reunião na qual se explicitaram os objetivos do trabalho. Foram selecionadas para o estudo apenas as crianças cujos pais consentiram com sua participação, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A Tabela 1 mostra a idade e sexo das crianças participantes do estudo.
Estímulos Experimentais e Local.
A coleta de dados foi realizada em uma das salas da escola (biblioteca, secretaria ou sala de aula) em horário previamente combinado com a direção e a professora. Em todas as salas havia mesas e cadeiras; na biblioteca havia, ainda, estantes com livros e na sala de aula o alfabeto em letras de imprensa e cursiva preso na parede.
Como estímulos experimentais usaram-se nove palavras de ensino – palavras dissílabas (correspondência entre grafema e fonema) – e nove palavras de generalização formadas pela recombinação das sílabas das palavras de ensino. A Tabela 2 apresenta as palavras de ensino e generalização usadas no estudo.
MATERIAIS E EQUIPAMENTOS
Para a condução das sessões foram usadas uma filmadora, fitas de vídeo, papel e lápis para registro das sessões e um tabuleiro temático – AbraKedabra: construindo palavras5.
O jogo de tabuleiro tem início com a entrega de uma ou mais palavras impressas à criança que deverá lê-la em voz alta com ou sem ajuda. Em seguida, tendo como estímulo- modelo a palavra impressa e, como estímulos de escolha, as casas que compõem o tabuleiro, ela deverá construir a palavra, a partir das sílabas ganhas durante o jogo. O jogo termina quando a palavra impressa for construída (relação entre palavra impressa e conjunto de sílabas) e emparelhada com a figura correspondente (relação entre palavra impressa e figura). Outras tarefas são exigidas no jogo (cópia, ditado, soletração, leitura) como descrito abaixo.
O tabuleiro é composto por 46 casas, sendo:
1. Dezesseis casas com as sílabas de uma determinada família silábica, por exemplo, a família silábica do B (BA, BE, BI, BO, BU). O tabuleiro exclui as sílabas compostas com as letras H, K, W e Y; as três últimas são excluídas por não fazerem parte do vocabulário brasileiro e a primeira por não apresentar correspondência entre grafema e fonema. Além disso, foram excluídas as silabas da família silábica do Q (QUA, QUE, QUI e QUO). Nessas casas, além de escolher a sílaba que compõe a palavra impressa ganha no início do jogo ou novas palavras que poderão ser formadas, pode-se pedir à criança que leia em voz alta (comportamento textual), com ou sem dica ecóica, as sílabas da casa na qual o peão caiu.
2. Seis casas de bônus, nas quais os jogadores podem pegar uma sílaba do monte e com ela construir a palavra impressa ganha no início do jogo ou novas palavras.
3. Dez casas de figuras, nas quais os jogadores devem escolher, entre 45 figuras, aquela que corresponde a uma de suas palavras ou sortear uma nova figura e tentar construir a palavra relacionada àquela figura. A relação entre figura e palavra falada pela criança (nomeação de figura) também pode ser ensinada quando o peão cair nessas casas.
4. Quatro casas de tarefas, nas quais os jogadores podem: a) pegar uma nova palavra do monte de palavras e buscar, durante o jogo, completar esta palavra também ou b) pegar uma figura do monte de figuras e buscar, durante o jogo, construir o nome desta figura por meio de sílabas ganhas. A seleção de uma nova palavra ou de uma figura possibilita estabelecer as relações, caso os jogadores consigam realizar todos os emparelhamentos, entre palavra falada, palavra impressa, figura e conjunto de sílabas.
5. Casa da Biblioteca, na qual o participante deve sortear uma palavra do monte e ler (comportamento textual6). A leitura correta da palavra lhe garante uma estrela, caso contrário, o participante continua o jogo normalmente. Três cartões com a estrela permitem que o jogador escolha uma sílaba do monte.
6. Duas casas da Bruxa que não Sabe Soletrar, três casas da Bruxa que não Sabe Ler e duas casas da Bruxa que não Sabe Escrever. Nestas casas o jogador deve ler (comportamento textual) e escrever (cópia ou ditado) corretamente uma palavra sorteada, ou soletrá-la de forma correta. Se conseguir, livra-se de perder uma rodada. Caso não consiga, perde uma rodada.
7. Casa de transporte escolar. Se o peão do jogador cair nesta casa ele deverá levar seu peão à Casa da Biblioteca e terá de ler a palavra do monte como descrito na Casa da Biblioteca. Novamente procura-se nesta casa trabalhar o comportamento textual.
8. Casa Iniciar, da qual partem os peões de todos os jogadores no início do jogo. Todas as vezes que o jogador passa pela Casa Iniciar ele recebe um cartão estrela.
O tabuleiro possibilita, ainda, que sejam ensinadas as relações entre palavra falada pelo pesquisador e palavra impressa (leitura auditiva-receptiva7); entre figura e conjunto de sílabas (construção de anagramas); entre figura e palavra impressa (leitura8) e entre palavra falada e figura (reconhecimento de figuras).
Também fizeram parte do jogo quatro peões, um dado, três conjuntos de cartões com sílabas impressas de todas as famílias selecionadas para o jogo, um conjunto de cartões de 45 palavras impressas, um conjunto de cartões com as figuras correspondentes às palavras impressas e cartões com estrelas impressas.
Em vista da idade das crianças, algumas regras do jogo foram alteradas. Na casa das bruxas que não sabem soletrar e escrever as crianças eram auxiliadas uma vez pela pesquisadora e depois deveriam realizar a atividade específica sozinhas. Cabe lembrar que muitas crianças não conheciam as letras do alfabeto ou não tinham coordenação motora necessária para a escrita das palavras.
PROCEDIMENTO
Inicialmente foram realizadas sessões cujo objetivo era avaliar o conhecimento das crianças em relação às palavras usadas como estímulos experimentais. Em seguida, as crianças foram expostas ao jogo de tabuleiro. A intervenção foi realizada em momentos diferentes com cada grupo de crianças, seguindo-se um delineamento de linha de base múltipla entre grupos. Inicialmente, a intervenção foi aplicada ao Grupo 1, após três sessões ao Grupo 2 e após nove sessões ao Grupo 3. A coleta de dados foi realizada entre os meses de maio e agosto.
Todo o trabalho foi conduzido em cinco etapas descritas mais detalhadamente abaixo.
Etapa 1 (Pré-Teste)
Todas as crianças participaram desta etapa e, exceto a sessão de ditado, todas as outras foram conduzidas individualmente com cada criança. Nesta etapa, foram testadas as relações entre palavra impressa e palavra falada pela criança (comportamento textual), entre palavra falada e conjunto de sílabas (construção de anagramas), entre palavra falada e escrita manuscrita (ditado) e entre figura e palavra impressa (emparelhamento entre figura e palavra impressa). As respostas das crianças eram seguidas pela retirada dos estímulos da mesa e apresentação da próxima palavra ou figura.
Comportamento textual. As palavras usadas no jogo foram apresentadas às crianças e foi pedido que as lessem. A seguinte instrução foi dada: "Você sabe o que está escrito aqui? _ Leia esta palavra para mim."
Construção de anagramas. As sílabas de todas as palavras que compuseram o ditado manuscrito foram colocadas sobre a mesa e pediu-se às crianças que compusessem as palavras com as sílabas apresentadas sobre a mesa. A seguinte instrução foi dada "Você sabe o que é uma sílaba?_ Aqui [apontando para as sílabas], nós temos sílabas formadas por duas letras. Eu vou ditar uma palavra e quero que você monte com essas sílabas as palavras que eu ditar. Caso não saiba, não tem problema. Apenas diga que não sabe e eu ditarei a próxima palavra".
Ditado. Foram ditadas 26 palavras dissílabas e as crianças deveriam escrevê-las em papel fornecido pela pesquisadora. As palavras ditadas foram: BOLA, CAPA, FADA, JATO, GALO, XALE, TATU, VELA, SAPO, MURO, BOCA, PACA, FACA, CADA, GATO, JACA, TULE, BOLO, TAXA, LATA, LEVE, SALA, PAPO, MULA, FARO e RODA. Dentre as palavras incorretamente escritas pelas crianças foram selecionadas as palavras de ensino e, da recombinação das sílabas dessas palavras, as palavras de generalização. As palavras de generalização também foram ditadas. As palavras selecionadas para o ditado eram palavras que faziam parte do jogo (ex., BOLA, CAPA etc.) e palavras compostas pela recombinação das sílabas dessas palavras (ex., BOCA).
Emparelhamento entre figura e palavra impressa. Todas as palavras de ensino eram colocadas sobre a mesa. Em seguida a pesquisadora apresentava de maneira aleatória, uma a uma, as figuras correspondentes às palavras e fazia a seguinte pergunta: "Que figura é esta?" "_ Onde está escrito [repetia o nome da figura]?". As escolhas das crianças eram seguidas pela apresentação da próxima figura.
Etapa 2 (intervenção e jogo)
Após as sessões de Pré-Teste, as crianças do Grupo 1 foram retiradas da sala de aula, em grupos de três, e levadas para outra sala para apresentação do tabuleiro e explicação das regras do jogo. Em seguida, elas foram convidadas a jogar. Durante o jogo, cada criança recebia uma palavra dentre as palavras de ensino selecionadas – três palavras ao todo por jogo. Após a explicação sobre as regras do jogo, uma palavra era entregue a cada criança e, após a pesquisadora lê-las, ela pedia que as crianças repetissem o que havia sido lido [comportamento textual das palavras com dica ecóica]. Em seguida, uma das crianças deveria lançar o dado e mover o peão de acordo com o número apresentado no dado. Quando o peão caía na casa com as famílias silábicas, elas eram instruídas a ler todas as sílabas [comportamento textual] que compõem aquela família e a escolher uma delas [construção de anagramas]. A pesquisadora lia as sílabas e pedia que a criança repetisse cada uma [comportamento textual das sílabas com dica ecóica] e dissesse palavras que iniciavam com aquela sílaba, por exemplo, "BA de ....." se a criança não conseguisse falar, a pesquisadora completava "BA de BALA, de BANANA". Em seguida, a pesquisadora perguntava "Você precisa de alguma destas sílabas?" Ajuda era dada pela pesquisadora, caso a criança não conseguisse identificar a sílaba que precisasse. Nesses casos, a pesquisadora pedia que a criança colocasse a palavra próxima à casa da família silábica e que ela olhasse melhor cada uma das sílabas [emparelhamento de identidade]. Apenas nos casos em que a criança não conseguia realizar a tarefa a pesquisadora dizia "Você não acha que precisa desta?".
Caso o peão caísse em outra casa, a criança era instruída a seguir as instruções daquela casa, como, por exemplo, ler a palavra impressa [comportamento textual], soletrar a palavra impressa, escrever a palavra apresentada ou ditada pela pesquisadora [soletração, cópia e ditado], escolher a figura correspondente a sua palavra de ensino [leitura com compreensão9]. A pesquisadora auxiliava a criança, caso ela apresentasse dificuldade na compreensão da tarefa que precisava executar. De acordo com as regras do jogo, ele terminava quando uma das crianças compusesse a sua palavra emparelhando-a com a figura correspondente.
Na sessão seguinte, as mesmas palavras usadas na sessão anterior eram usadas novamente. Contudo, cada criança recebia uma palavra diferente. Isso possibilitava que cada criança brincasse pelo menos uma vez com as palavras de cada bloco, ou seja, três palavras, bem como pudesse ver outra criança brincando com a palavra com a qual já havia brincado, aumentando o contato da criança com aquela palavra.
Teste de Averiguação de Escrita Manuscrita
No início da segunda e terceira sessão com cada bloco de palavras era feito um ditado com as palavras usadas no jogo da sessão anterior (palavras de ensino). O ditado avaliava se, após brincar com as palavras daquele bloco, as crianças seriam capazes de escrevê-las.
Etapa 3 (Sonda)
A cada três sessões de jogo, empregavam-se os mesmos procedimentos da Etapa 1. Ou seja, ditado das nove palavras de ensino e das nove palavras de generalização, leitura oral das palavras de ensino e generalização, construção das palavras de ensino e teste de emparelhamento entre palavra impressa e figura.
Procedimento Adicional
Caso não se observassem mudanças na escrita manuscrita das crianças após três sessões em que se jogava com um determinado bloco de palavras, o mesmo bloco era novamente usado por mais duas sessões. Em cada uma dessas novas sessões, as palavras eram apresentadas às crianças, antes do início do jogo. Nessa ocasião, as crianças eram solicitadas a ler as palavras (comportamento textual) para a pesquisadora e, em seguida, a copiá-las em papel previamente fornecido. Ajuda poderia ser oferecida pela pesquisadora, quando necessário. Posteriormente, as palavras eram retiradas e as crianças deveriam escrevê-las sem a presença da palavra impressa como modelo. Finalmente, as palavras eram novamente apresentadas às crianças para fins de comparação com a palavra que escreveram e, caso necessário, correções eram feitas. Após esse procedimento, as crianças jogavam com o tabuleiro, repetindo-se o procedimento anteriormente descrito. Após duas sessões com o procedimento adicional, realizava-se um ditado com as palavras de ensino do bloco que estava sendo trabalhado.
Etapa 4 (Pós-Teste)
Esta etapa é semelhante em estrutura às sessões de Sonda; contudo, nesta sessão pediu-se às crianças que, com as sílabas colocadas sobre a mesa, elas construíssem, também, as palavras de generalização.
Etapa 5 (Follow-up)
Para as crianças dos Grupos 1 e 2 realizou-se, após um período de aproximadamente 30, dias uma nova avaliação semelhante, em estrutura, à realizada na sessão de Pós-Teste. Esta etapa tinha por finalidade avaliar o desempenho das crianças nas relações ensinadas e testadas depois de transcorrido um período de tempo. A Figura 1 apresenta um resumo de todas as etapas do estudo.
RESULTADOS
Nenhuma das crianças escreveu as palavras ditadas no Pré-Teste. Elas escreveram apenas sequência de letras, vogais e consoantes, e cinco delas escreveram seus nomes. Uma escreveu apenas a primeira letra de seu nome (P2).
As crianças também não leram as palavras apresentadas no Pré-Teste. Algumas disseram nomes de objetos presentes na sala (ex., cadeira) quando as palavras impressas eram apresentadas. Uma delas (P6) disse, ainda, nome de letras (consoantes e vogais) algumas vezes presentes na palavra.
Finalmente, as crianças também não construíram as palavras a partir do conjunto de sílabas apresentadas como estímulos de escolha. Elas pegavam as sílabas de maneira aleatória na mesa e montavam as palavras (ex., FATUGA na presença da palavra MURO ou TOBO na presença da palavra FACA). Outras, ainda, faziam sequência de sílabas (ex., MUVETALOTULABO na presença da palavra VELA). Algumas vezes, as sílabas eram, inclusive, colocadas de cabeça para baixo. Duas crianças, a P2 e a P9, compuseram corretamente uma palavra. A P2 compôs corretamente a palavra SAPO e a P9 a palavra BOLO. Contudo, a escolha das sílabas parece ter ocorrido em razão da sua proximidade com a criança.
Quanto à relação entre figura e palavra impressa, com exceção das crianças do Grupo 1 e de uma criança do Grupo 3 (P9), nenhuma outra escolheu a palavra impressa correspondente a figura apresentada como modelo. Para as crianças do Grupo 1, por uma falha do procedimento, a avaliação dessa relação foi realizada após as três sessões com o Bloco 1 de palavras. Dessa forma, duas crianças (P2 e P3) emparelharam corretamente todas as palavras de ensino do Bloco 1 com suas respectivas figuras (relação entre figura e palavra impressa). A P1 conseguiu emparelhar corretamente a figura da bola e da fada com sua respectiva palavra impressa e a P9, as figuras da vela, muro e tatu. O Pré-Teste com a P9 foi realizado após o estudo ter início com as demais crianças, devido ao atraso na assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Além disso, ao contrário das demais crianças, a P9 conhecia muitas letras do alfabeto (vogais e consoantes) e, quando as figuras foram apresentadas, disse que as letras iniciais das palavras impressas correspondiam ao nome das figuras, acertando o emparelhamento.
Intervenção e Jogo
Essa fase foi realizada em grupo; cada grupo com três crianças. Ao todo foram realizadas 15 sessões com cada grupo de crianças. Durante as sessões, o dado foi lançado, em média, nove vezes, ou seja, nove jogadas10 por sessão (9 jogadas para P3 e P8, 8.4 para P1, 9.4 para P2 e P4, 9.8 para P6 e P5, 9.6 para P9 e 8.8 para P7). O número de jogadas por sessão variou para cada criança, pois, para algumas delas, foram realizadas sessões individuais. A P1 realizou separadamente as sessões 2, 3, 4 e 5 porque ela terminava o jogo e não esperava pelas demais perdendo o interesse, e tendo comportamentos incompatíveis com a situação de jogo (deitava-se no sofá, reclamava, pegava o peão de outra criança etc.). As sessões com esta criança foram organizadas de maneira a não durarem mais de 30 minutos, no início. Os comportamentos anteriormente citados cessaram e ela voltou a realizar as sessões com as demais crianças de seu grupo. Para a P2, as Sessões 14 e 15 (procedimento adicional) foram realizadas individualmente. Isso foi feito porque ela apresentava mais dificuldade que as demais crianças de seu grupo para escrever as letras, sendo necessário ajuda, na maioria das vezes. As outras crianças escreviam as palavras antes dele e engajavam-se em comportamentos incompatíveis com a tarefa (andar pela sala, tentar escrever para a P2 ou pedir que ela o fizesse mais rápido) o que a fazia demorar ainda mais para completá-la. A P6 e a P5 realizaram sessões individualmente devido ao seu não-comparecimento em algumas sessões. A P6 realizou individualmente a Sessão 11 e a P5 as Sessões 9 e 10 (procedimento adicional). A P9 realizou individualmente as Sessões 5 e 15, ambas de procedimento adicional. A primeiro por não ter comparecido à escola no dia da sessão e a segunda porque na sessão anterior (Sessão 14) apresentou comportamentos incompatíveis com a sessão de jogo. A P9 terminava de escrever as palavras muito antes das crianças de seu grupo e tinha comportamentos que dificultavam às outras crianças concluir a tarefa (ex. chamava a atenção das outras crianças, mexia nas coisas da sala, saía da sala etc.).
Com exceção da P5, que não ganhou em nenhuma rodada quando o conjunto de palavras do Bloco 1 foi usado, todas as outras crianças ganharam pelo menos uma vez em cada rodada com um bloco diferente de palavras. Foram necessárias em média 7,4 jogadas para que uma das crianças montasse a sua palavra (6,8 - 8,7). O número de jogadas para que a criança ganhasse o jogo e o número de vezes em que o dado foi lançado por sessão difere, porquanto, na maioria das vezes, o jogo prosseguia após uma das crianças montar a palavra. Embora a regra do jogo fosse que ele terminava quando uma criança montasse a sua palavra, o jogo continuava para que todas as crianças tivessem a oportunidade de também montar a sua palavra.
A análise dos dados considerou o desempenho das crianças, nas sessões de Pré- Teste e nas sessões de Sonda, para as relações entre palavra impressa e palavra falada pela criança (comportamento textual), palavra falada e conjunto de sílabas (construção de anagramas), emparelhamento entre figura e palavra impressa (leitura com compreensão), nas sessões de Pré-Teste e de Sonda para a relação entre palavra falada e escrita manuscrita (ditado) e nos testes de averiguação de escrita manuscrita.
A Figura 2 mostra o desempenho das crianças dos Grupos 1, 2 e 3, nas sessões de Pré-Teste, Sonda, Pós-Teste e Follow-up nas relações testadas (comportamento textual, construção de anagramas, na relação entre figura e palavra impressa e ditado).
Quanto ao desempenho das crianças na relação entre palavra impressa e palavra falada pela criança (Gráficos A1, A2 e A3), observa-se que houve um aumento no número de palavras corretamente lidas por elas; no Pós-Teste, cinco crianças apresentaram comportamento textual das palavras ensinadas (Figura 2, Gráficos A1, A2 e A3). Com referência à P2 e à P7 (Figura 1, Gráficos A1 e A3), verifica-se desempenho instável ao longo das sessões de sonda, e, quando comparadas aos demais participantes, constatase que eles leram um menor número de palavras. Na primeira sessão de sonda (após o treino com as palavras BOLA, CAPA e FADA) a P2 leu corretamente apenas as palavras BOLA e CAPA. Na sessão de Sonda 2, a P2 leu corretamente as palavras BOLA, FADA e MURO, notando-se que apenas a palavra MURO fazia parte do Bloco 2 de palavras. Na sessão de Sonda 3, a P2 leu corretamente a palavra FADA. Na sessão de Pós-teste, a P2 leu corretamente 5 palavras (BOLA, FADA, MURO, VELA e JATO) e, na sessão de Follow-up, três palavras (FADA, JATO e GALO). A P7 leu corretamente as palavras BOLA, FADA, CAPA após o ensino do primeiro bloco de palavras (Sonda 4). Nesta sessão, ainda, a P7 leu corretamente a palavra TATU, embora esta palavra não tivesse sido ensinada. Após o ensino do Bloco 2 e 3 de palavras, a P7 leu corretamente apenas as palavras BOLA (Sonda 5), FADA (Sonda 6) e BOLA e GALO (Pós-teste).
Observa-se, ainda, que o aumento no número de palavras corretamente lidas está relacionado com o início da intervenção e jogo para todos os grupos. Na sessão de Follow-up, verifica-se que, conquanto o número de palavras de ensino corretamente lidas tenha diminuído para alguns participantes, todos leram algumas palavras. Cabe lembrar que, de acordo com relato da professora, as crianças, durante todo o período do estudo, não tiveram o ensino formal de leitura e escrita destas ou de outras palavras. Em sala de aula, elas estavam trabalhando exercícios relacionados à coordenação motora.
Quanto às palavras de generalização, nenhuma das crianças as leu corretamente. De modo geral, quando as palavras de generalização eram apresentadas, as crianças falavam o nome da palavra de ensino que começava com a mesma sílaba (ex., BOLA para BOCA, MURO para MULA, GALO para GATO, FADA para FARO etc.) ou que apresentava letras em posições semelhantes (ex., FACA para PACA, CADA e LATA e JATO para GATO etc.). Esses resultados sugerem que o procedimento não foi efetivo para que o comportamento da criança ficasse sob controle discriminativo da palavra, mas sim de parte dela (i.e., sílabas iniciais ou vogais que compõem a palavra).
Com relação ao número de sílabas das palavras de ensino corretamente selecionadas no teste da relação entre palavra falada e conjunto de sílabas (Figura 2, Gráficos B1, B2 e B3)11 verifica-se que, com exceção da P4 (Grupo 2, Gráfico B2) e das crianças do Grupo 3 (P7, P8 e P9 – Gráfico B3), apenas após o início da intervenção, elas selecionaram corretamente as sílabas que compõem as palavras de ensino. No Pré-Teste e antes do início da intervenção, as crianças selecionavam várias sílabas para compor uma palavra (ex., TUCAJALALO para BOLA) ou apenas uma sílaba (ex., CA para BOLA). Após o início da intervenção, constata-se um aumento no número de sílabas corretamente selecionadas pelas crianças; em algumas sessões, algumas crianças compuseram corretamente as palavras ensinadas (a P1 compôs MURO, na sessão de Sonda 3, e MURO e TATU, no Pós-Teste; a P3 compôs MURO, na sessão de Sonda 2, e VELA e MURO, na sessão de Sonda 3, e MURO e CAPA, no Pós-Teste; a P4 compôs CAPA, na sessão de Sonda 4, e TATU, no Pós-Teste; a P6 compôs CAPA, na sessão de Sonda 3, e VELA, no Pós-Teste; a P8 compôs corretamente as palavras VELA e BOLA, na sessão de Sonda 5, BOLA, FADA e MURO, na sessão de Sonda 6, e BOLA, CAPA e MURO, no Pós- Teste; e a P9 compôs FADA e CAPA, na sessão de Sonda 5, BOLA, FADA e CAPA, na sessão de Sonda 6, e VELA, MURO e TATU, no Pós-Teste). Novamente, nas sessões de Follow-up observa-se que todas as crianças selecionaram corretamente as sílabas que compõem as palavras ensinadas.
Quanto à relação entre figura e palavra de ensino impressa (Figura 2, Gráficos C1, C2 e C3), observa-se que houve um aumento no número de acertos para todas as crianças, visto que no Pós-Teste sete, das nove crianças, selecionaram corretamente todas as palavras de ensino impressas na presença das figuras correspondentes. A P2 apontou para a palavra impressa GALO, quando a figura da CAPA foi apresentada, e para a palavra BOLA, quando a figura do MURO foi apresentada, e a P7 apontou para a palavra impressa CAPA, quando a figura FADA foi apresentada, e vice-versa, apontou para FACA quando a figura da VELA foi apresentada; para VELA, quando a figura do MURO foi apresentada, para GALO, quando a figura do TATU foi apresentada, para FADA, quando a figura do JATO foi apresentada, e para JATO, quando a figura era a da FACA. É necessário destacar que essa relação foi diretamente ensinada durante as sessões, uma vez que, para ganhar o jogo, as crianças precisavam emparelhar a palavra impressa com a figura correspondente. O mesmo teste não foi conduzido com as palavras de generalização, pois algumas palavras não apresentavam a figura correspondente (ex., CADA). Além disso, como relatado anteriormente, por uma falha de procedimento, esta relação só foi avaliada após o Bloco 1 de palavras ter sido trabalhado com o Grupo 1. Isso impede que se avalie o desempenho das crianças desse grupo no que diz respeito a essa relação antes da intervenção.
A Tabela 3 apresenta o número de sílabas corretamente escritas pelos participantes nos testes de averiguação de escrita manuscrita e no ditado após realização do procedimento adicional de ensino. Devido à dificuldade de algumas crianças com a coordenação motora, foram computadas para essa análise inclusive as sílabas com a letra escrita de forma espelhada ou de cabeça para baixo.
Os resultados nos testes de averiguação mostram que, após brincarem com as palavras, apenas algumas crianças escreveram corretamente algumas sílabas (P1, P3, P7, P8 e P9). Esses dados sugerem que jogar com as palavras parece não garantir a escrita manuscrita correta das mesmas. Cabe ressaltar que as crianças brincavam com cada uma das palavras do bloco apenas uma vez por um período de, no máximo, quarenta minutos, tempo máximo de duração da sessão. Os resultados após a realização do procedimento adicional de ensino sugerem, ainda, que o procedimento mostrou-se efi ciente para aumentar o número de sílabas corretamente escritas pelas crianças. A situação de cópia com e sem a presença do modelo foi seguida pela sessão com o jogo de tabuleiro, o que pode ter contribuído para que as crianças atentassem mais para aspectos das palavras e com isso obtivessem um melhor desempenho no ditado. Nas sessões com o procedimento adicional observou-se que as crianças apresentavam dificuldades para escrever algumas letras (G, J, L, U, V, F, A), pois algumas destas eram escritas de forma espelhada ou de cabeça para baixo. Nas sessões com o procedimento adicional, a pesquisadora auxiliava as crianças que apresentavam este tipo de dificuldade.
Quando se analisam os resultados do ditado (Figura 2, Gráficos D1, D2 e D3) das sessões de Sonda, verifica-se que houve aumento no número de sílabas corretamente escritas apenas após o início da intervenção para cada grupo. Novamente, o desempenho das crianças, no que diz respeito à escrita manuscrita, sugere que o uso do procedimento adicional de ensino pode ter contribuído para o aumento no número de sílabas corretamente escritas, uma vez que apenas após a introdução desse procedimento verifica-se mudança na escrita manuscrita das palavras.
Constata-se, ainda, que, com exceção da P2, houve um aumento no número de sílabas corretamente escritas ao longo dos ditados das sessões de Sonda. A P2 apresentava bastante dificuldade na escrita manuscrita das palavras em vista de dificuldades com a coordenação motora para a escrita (dificuldades para segurar o lápis, inversão de letras como V, A e U e o T e L etc.). Cabe acrescentar, ainda, que nas sessões de ditado do Pré-Teste e nas primeiras sessões de ditado das sessões de Sonda, quando a palavra era ditada, a P2 fazia apenas um risco sobre cada uma das linhas. Nas sessões finais de Sonda, embora ela não escrevesse corretamente nenhuma palavra ou sílaba, em vez de fazer um risco sobre as linhas, ela escrevia algumas letras, na maioria das vezes a letra E, primeira letra do seu nome, e algo parecido com um M.
Outro aspecto a ser considerado é que a mudança na escrita manuscrita ocorreu apenas após a introdução da intervenção para todos os grupos. Quanto às palavras de generalização, verifica-se que nenhuma criança as escreveu corretamente. Todavia, constata-se que, em algumas sessões de ditado das sessões de Sonda e Pós-Teste, a P3, a P6, a P7 e a P8 escreveram algumas sílabas das palavras de generalização corretamente. No ditado da sessão de Sonda 1, a P3 escreveu a sílaba FA da palavra de generalização FARO e no ditado do Pós-Teste escreveu as sílabas FA (FARO) e JA (JACA). A P6 escreveu FA quando a palavra FARO foi ditada na sessão de Sonda 3 e JA de JACA na sessão de ditado do Pós-Teste. A P7 escreveu corretamente as sílabas RO de RODA na sessão de Sonda 6, a P8 escreveu corretamente as sílabas BO de BOCA e LA de MULA na sessão de ditado do Pós-Teste – embora a letra L tenha sido escrita invertida e a letra A de cabeça para baixo – e a P9 escreveu corretamente a sílaba CA da palavra CADA (Sessão de Pré-Teste).
Nas sessões de Follow-up verifica-se que as participantes 1, 4 e 6 escreveram corretamente um menor número de sílabas, quando se compara o desempenho das crianças nessa sessão com o desempenho na sessão de Pós-Teste. A P5 não apresentou mudança no número de sílabas corretamente escritas e a P3 teve este número aumentado. Apesar do menor número de sílabas corretamente escritas por algumas crianças na sessão de Follow-up, elas continuaram a escrever algumas sílabas corretamente após aproximadamente 30 dias.
Finalmente, quanto ao desempenho das crianças na relação entre palavra falada e conjunto de sílabas para as palavras de generalização (Figura 3), verifica-se que nenhuma delas compôs corretamente as palavras de generalização ditadas. Contudo, algumas crianças (P2, P4, P7 e P9), no Pré-Teste, selecionaram corretamente algumas sílabas que compõem as palavras de generalização, se bem que as tenham organizado incorretamente na formação da palavra. Na sessão de Pós-Teste verifica-se que, com exceção da P2 e da P7, todas as outras mostraram um aumento no número de sílabas corretamente selecionadas em relação ao Pré-Teste. É importante ressaltar, no entanto, que o número de sílabas corretamente selecionadas foi pequeno para todas as crianças, apesar do aumento observado.
DISCUSSÃO
Os resultados obtidos sugerem a possibilidade do uso do jogo de tabuleiro empregado neste estudo, para o ensino de relações de leitura e escrita. Como relatado anteriormente, o jogo possibilita trabalhar a construção de anagrama, o comportamento textual de sílabas e palavras, a leitura com compreensão, a cópia, o reconhecimento e nomeação de figuras, e a leitura auditivo-receptiva. Além disso, a maneira como o jogo foi realizado permitiu que as crianças repetissem o nome das sílabas e palavras empregadas no estudo (comportamento ecóico). Ou seja, o jogo permitiu ao pesquisador trabalhar as mais diversas relações envolvidas no comportamento de ler e escrever, o que pode ter contribuído para os resultados satisfatórios observados, no tocante às palavras de ensino. Resultados semelhantes, ou seja, que possibilitaram o ensino de relações envolvidas no ler e escrever, foram obtidos em outros estudos na área de equivalência de estímulos quando as sessões de ensino foram realizadas empregando-se cartões ou o computador (Hübner, Gomes & MacIlvane, 2009, Souza, Goyos, Silvares & Saunders, 2007).
Apesar dos resultados obtidos com as palavras de ensino, os testes de leitura e escrita das palavras de generalização não mostraram mudanças expressivas. Segundo Matos, Hübner, Serra, Basaglia e Avanzzi (2002), procedimentos como os de nomeação oral, cópia ou anagrama são eficazes para gerar leitura com compreensão, porém, quando se trata de leitura recombinativa, os procedimentos de oralização fluente e, principalmente, o procedimento de anagrama silábico com oralização escandida demonstraram ser os mais eficazes. Durante o jogo, as crianças repetiram o nome da palavra de ensino, construíram a palavra a partir de sílabas apresentadas como modelo e, muitas vezes, a pesquisadora apresentou as sílabas que compõem a palavra e as nomeou de maneira escandida para a criança (ex., BO.....LA). Apesar disso, nenhuma delas foi capaz de ler, escrever ou compor as palavras de generalização corretamente. É importante destacar que cada criança brincou com uma mesma palavra por, no máximo, duas vezes e que cada sessão de intervenção/jogo teve duração aproximada de 40 minutos. Estudos anteriores mostram que a maior exposição à condição de treinamento é uma variável a ser considerada quando se trata da emergência de leitura recombinativa (Hübner - D'Oliveira e Matos, 1993). Segundo essas autoras, ainda, para o melhor controle discriminativo das unidades mínimas é necessário que tanto as sílabas ocupem posições sistematicamente variadas nas palavras quanto seja realizada uma recombinação de letras. A seleção das palavras de ensino para este estudo não considerou estes dados, ou seja, com exceção das sílabas FA, CA e LA que apareciam nas palavras FADA, FACA, CAPA, BOLA e VELA, as demais palavras não apresentavam repetição das sílabas; além disso, quando houve repetição de sílabas, com exceção da sílaba CA nas palavras FACA e CAPA, as posições das sílabas nas palavras não variavam. O fato de as sílabas não variarem de posição e a não-repetição das sílabas nas palavras pode ter contribuído para que as crianças não apresentassem leitura ou escrita recombinativa. A escolha de algumas palavras como palavras de generalização pode ter contribuído para a dificuldade das crianças em apresentar leitura e escrita recombinativa. Por exemplo, no Bloco 2 de palavras houve o ensino das palavras VELA, MURO e TATU, e as palavras de generalização selecionadas para esse bloco eram MULA, LATA e RODA. Na palavra MURO, ensinada, o fonema existente é o r-brando enquanto que na palavra RODA (palavra de generalização) o fonema é o r-forte. Ou seja, o ensino da palavra MURO não garante que a criança leia ou escreva a palavra RODA, devido à diferença apresentada pelos fonemas. Outra questão a ser levantada quanto às palavras empregadas no estudo é a de que as combinações das sílabas das palavras de ensino geraram palavras cujo signifi cado pode não ser claro para as crianças (ex., FARO, JACA), tornando a tarefa de ler e escrever essas palavras ainda mais complexa. Considerando-se, contudo, a pouca exposição das crianças às palavras ensinadas e as horas de ensino/jogo (10 horas aproximadamente), os resultados obtidos apontam a necessidade de novas investigações nas quais as palavras de ensino empregadas sejam mais criteriosamente selecionadas.
Quanto ao ditado, verifica-se que, conquanto a maioria das crianças tenha escrito corretamente um número maior de sílabas das palavras de ensino (sete das nove crianças participantes do estudo), esse aumento ocorreu principalmente após o emprego do procedimento adicional. A relação entre palavra falada e escrita manuscrita (ditado) era trabalhada, no jogo, apenas quando a criança caía na Casa da Bruxa que não Sabe Escrever. Havia apenas duas dessas casas no jogo de tabuleiro, ou seja, a probabilidade de a criança cair nessa casa durante o jogo era de 0,04. Não obstante todas as crianças terem caído nessa casa durante as 15 sessões que compuseram este estudo, elas não tiveram de escrever todas as palavras. Isso explicaria o desempenho delas nos testes de averiguação de escrita manuscrita. O procedimento adicional de ensino, por sua vez, pode ter colocado as crianças sob controle das letras que compõem as palavras e melhorado seu desempenho nas sessões de ditado. Além disso, algumas crianças apresentavam problemas de coordenação motora para a escrita, o que difi cultava seu desempenho no ditado. Nas sessões com o procedimento adicional essas crianças tiveram auxílio e orientação sobre como "desenhar" as letras e isso pode tê-las ajudado nas sessões de ditado que se seguiram às de procedimento adicional de ensino.
Quanto às palavras de generalização, ainda que algumas crianças tenham escrito algumas sílabas corretamente, verifica-se que nenhuma delas foi capaz de escrever corretamente toda a palavra, mesmo após o procedimento adicional. Na sessão de procedimento adicional, após a criança ter lido, oralmente, a palavra apresentada pelo pesquisador, ela deveria escrevê-la na presença e, posteriormente, na ausência da palavra. Tal como expõem Matos et al. (1997, pg. 61), "práticas educacionais de ver-ouvir-repertir ou ver-ouvir-copiar não seriam as mais indicadas para gerar leitura recombinativa generalizada".
Ressalta-se, ainda, o caráter motivacional dos jogos. Durante todo o estudo não houve desistência por parte das crianças ou recusa em participar das sessões. Na verdade, observações informais mostraram que todas as crianças queriam participar das sessões e pediam; algumas delas verbalizaram terem "adorado" o jogo. Os estudos na área de equivalência de estímulos envolvem um grande número de tentativas de uma mesma relação, com uma mesma palavra, o que pode cansar as crianças participantes, especialmente as mais jovens. Neste estudo não se constatou esta dificuldade em razão das sessões de ensino serem conduzidas, usando-se o jogo de tabuleiro. No jogo não havia repetição de tentativas, já que a criança sempre era exposta a uma nova tarefa.
Segundo Kamii e Devries apud Bomtempo (1997), o brincar em grupo faculta que crianças pequenas aprendam mais por meio do jogo do que com lições ou exercícios; contudo, para que isso ocorra, o jogo deve atender a alguns critérios, entre os quais, citase: ser interessante e desafiador, permitir a participação de todos os jogadores do início ao fim e permitir autoavaliação. O jogo de tabuleiro, enquanto jogo de regras, atendia a esses critérios, e isso pode ter contribuído para o interesse das crianças pelas sessões.
De acordo com Bomtempo (1997), os brinquedos e brincadeiras podem facilitar o processo de ensino e aprendizagem, especialmente de crianças da educação infantil, mas necessitam da intervenção adequada do professor. O jogo de tabuleiro usado neste estudo permitiu que as crianças interagissem não apenas entre si, mas também com o pesquisador que as assessorou em todas as sessões. Esta é uma característica interessante do jogo porque permite que as crianças troquem informações e umas auxiliem as outras, cabendo ao adulto responsável apenas orientá-las, quando se lhes deparam dificuldades. Não obstante o jogo ter permitido às crianças a troca de informações entre si, o fato de haver, no mesmo grupo, crianças com diferentes repertórios de entrada levou algumas delas (P1 e P9) a terem comportamentos incompatíveis com a sessão de jogo (levantar, andar pela sala, envolver-se em outras atividades etc.). Novas investigações devem levar em consideração os benefícios ou não dessas trocas.
Finalmente, questiona-se se as crianças apresentariam melhor desempenho no que diz respeito às palavras de generalização, caso elas conhecessem as sílabas antes do início do estudo (ver Serejo, Hanna, de Souza, de Rose, 2007; Souza, 2008). Para avaliar esse aspecto, antes do início das sessões com o jogo de tabuleiro, dever-se-á ensinar às crianças as sílabas constituintes das palavras de ensino e comparar o desempenho delas com o de outras que não tivessem recebido esse treino.
Enfi m, os resultados obtidos neste estudo sugerem a necessidade de novas investigações nesta direção, especialmente daquelas que investiguem novas tecnologias para o ensino de relações envolvidas em leitura e escrita.
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Received: August 12, 2000
Accepted: March 24, 2010
1 Trabalho de pós-doutorado realizado pela primeira autora na Universidade de São Paulo sob orientação da segunda autora.
2 Docente do Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento da UEL e do mestrado em Análise do Comportamento. Doutora em Psicologia Clínica pela USP
3 Docente do Departamento de Psicologia Experimental da USP, Coordenadora do Programa de Pós Graduação em Psicologia Experimental da USP. Doutora em Psicologia Experimental pela USP.
4 A expressão repertório de entrada refere-se às possibilidades de comportamento das crianças relacionadas ao ler e escrever, em razão de sua história, no momento do seu ingresso na escola.
5 O tabuleiro foi criado e desenvolvido por Souza (2007).
6 A relação entre palavra impressa e palavra falada pela criança é chamada de comportamento textual por Skinner (1957) e de leitura oral por Sidman (1971).Neste artigo será empregado a expressão comportamento textual para defi nir essa relação.
7 Denominação empregada por Sidman (1971).
8 Após o ensino da relação entre palavra falada (A) e figura (B) e da relação entre palavra falada (A) e palavra impressa (C), testes devem ser conduzidos a fim de verificar se os estímulos mostram, numa relação condicional, as propriedades de reflexividade, simetria e transitividade. Segundo Sidman (1971) e Sidman e Tailby (1982), se após o treino das relações AB e AC a relação AA/BB/CC, BA/CA e AC/CA emergir é possível afirmar que o indivíduo é capaz de ler com compreensão. Skinner (1957) denomina uma relação entre palavra impressa e figura, por exemplo, de leitura, em que uma resposta funcional diante de uma palavra é emitida.
9 Ver Sidman (1971)
10 Uma jogada se inicia com o lançamento do dado e termina após o jogador completar a tarefa exigida pela casa na qual o peão caiu.
11 Considerou-se como sílaba corretamente selecionada a escolha da sílaba que compunha a palavra ditada independente de sua posição na palavra (ex., LAVE em vez de VELA), embora em algumas sessões as crianças tenham escrito corretamente a palavra (posição correta da sílaba como apontado no corpo do texto).