Acta Comportamentalia
ISSN 0188-8145
Acta comport. vol.20 no.1 Guadalajara 2012
Artículo
Instâncias da relação terapêutica medidas a partir de um instrumento de categorização1
Instances of the therapeutic relationship measures from a categorization tool
Francielly Peron*; Ana Paola Lopes Lubi**
*Universidade Federal do Paraná (Brasil)
**Faculdade Evangélica do Paraná (Brasil)
Resumo
A relação terapêutica começou a ser evidenciada pela análise do comportamento quando se percebeu que propiciava - facilitava mudanças clínicas relevantes nos clientes, discutindo-se ser uma condição essencial para a adesão e sucesso do tratamento. A literatura da área presenta que o padrão e a qualidade da relação terapêutica se estabelece, principalmente, nas entrevistas iniciais do tratamento. Com a justificativa de auxiliar os terapeutas em formação a se prepararem para o início da prática clínica, a presente pesquisa buscou descrever, em termos de freqüência, quais são os comportamentos verbais vocais do cliente e do terapeuta mais comuns no início da terapia analítico-comportamental. Três sessões iniciais de duas díades terapeuta-cliente (terapeutas iniciantes) foram transcritas e categorizadas por meio das categorias verbais vocais dos terapeutas e dos clientes a partir do sistema multidimensional para a categorização de comportamentos na relação terapêutica. Observou-se que os terapeutas analisados predominantemente facilitaram o relato dos clientes, e o segundo tipo de intervenção mais utilizado foi "solicitar relatos"; já os clientes predominantemente relataram eventos. Alguns aspectos parecem estar relacionados com o início do tratamento, como a 'solicitação de relatos' fazer parte da coleta de dados e a ausência da categoria 'reprovação de ações ou relatos do cliente', ser próprio de uma audiência não punitiva. Alguns aspectos parecem relacionados com a relação terapeuta – cliente, por exemplo, a categoria dos clientes em 'relatar relações entre eventos' parece aumentar de frequência quando o terapeuta aumentou a frequência da categoria 'solicitar reflexão'. Considerando o objetivo descritivo do presente estudo, sugerem-se mais pesquisas sobre o tema para facilitar uma análise maior sobre aspectos referentes à relação terapêutica.
Palavras-chave: Relação terapêutica; categorização de verbalizações; terapia analítico-comportamental.
Abstract
The therapeutic relationship began to be evidenced by behavior analysis when it was realized that it offered - facilitated clinically relevant changes in customers, arguing to be a prerequisite for adherence and treatment success. The literature shows that the standard and quality of the therapeutic relationship is established in the initial interviews of treatment. This study sought to describe in terms of frequency, which are on verbal voice client and therapist more common in early behavior-analytic therapy. Three initial sessions of therapist- client dyads two (therapists) were transcribed and categorized by means of vocal verbal categories of therapists and clients from the multidimensional system for the categorization of behaviors in the therapeutic relationship. It was observed that therapists analyzed predominantly facilitated the account of customers, and the second type of intervention used was "requesting reports" while customers predominantly reported events. Some aspects seem to be related to the initiation of treatment, such as' request reports' part of data collection and the absence of the category of actions or failure reports from client ', is itself an audience not punitive. Some features seem related to the therapist - client, for example, the category of customers' reporting relationships between events' seems to increase the frequency when the therapist increased the frequency of category 'reflection request. " Considering the purpose of this descriptive study suggest further research on the topic to facilitate further analysis aspects related to the therapeutic relationship.
Key words: Therapeutic interaction; categorization of verbalizations; behavior-analysis therapy.
A relação terapêutica começou a ser evidenciada pela análise do comportamento quando se percebeu que esta propiciava - facilitava mudanças clínicas relevantes nos clientes (Rosenfarb, 1992). Assim, estudos voltados para os comportamentos do terapeuta e características pessoais e de interação deste, começaram a ser realizados, uma vez que por definição, a relação terapêutica deve ser vista como uma interação de mútua influência entre terapeuta e cliente. Atualmente, discute-se que esta relação é uma condição essencial para a adesão e sucesso do tratamento, e desta forma, o profissional deve estar capacitado para construir uma relação que seja terapêutica (Rosenfarb, 1992).
Segundo Meyer e Vermes (2001), as principais características do terapeuta, apontadas como facilitadoras para o estabelecimento de uma relação terapêutica positiva são: postura empática e compreensiva; aceitação desprovida de julgamentos; autenticidade; autoconfiança; flexibilidade na aplicação de técnicas. Estas mesmas autoras, em contrapartida, descreveram que há características do terapeuta que dificultam a boa relação terapêutica. Tais características são apresentadas na literatura como sendo: história de vida do terapeuta que resulta em diferença de valores morais, éticos ou religiosos; identificação com o problema do cliente; sentimentos do terapeuta que levem a intervenções inadequadas; opção sexual; nível sócio-cultural; diferença de idade.
Frequentemente as pessoas buscam terapia quando sua história de vida e de reforçamento resultam em comportamentos inadequados, que geram relações conturbadas e conflituosas. Estes comportamentos ocorrem dentro da sessão terapêutica (Kohlenberg & Tsai, 1991), e o profissional de psicologia deveria possuir conhecimento para reagir de forma diferente das outras pessoas que interagem com o cliente em seu ambiente natural (Vandenberghe & Pereira, 2005; Rosenfarb, 1992).
Quando o cliente percebe o ambiente terapêutico como seguro e o terapeuta como alguém que o apóia e o cuida, começa a revelar informações, pois confia no profissional. Assim, o terapeuta é capaz de modelar um novo repertório comportamental em seu cliente, atingindo um dos principais objetivos da terapia, que é promover mudanças no repertório do cliente, diminuindo o sofrimento e aumentando as contingências reforçadoras (Rosenfarb, 1992; Delitti, 2005).
O terapeuta deveria levantar as hipóteses que controlam o comportamento do cliente dentro do setting terapêutico (Braga & Vandenberghe, 2006). O terapeuta que se utiliza destes dados no processo psicoterapêutico de seu cliente e compartilha suas emoções, crenças e sentimentos, proporciona uma relação íntima bidirecional, que facilita o cliente a escolher novos caminhos e novos sentimentos (Vandenberghe & Pereira, 2005).
A relação terapêutica propicia a apresentação de reforço natural, garantindo que as mudanças realizadas dentro da sessão se generalizem para o ambiente natural; ao contrário do reforço arbitrário. Isso acontece porque o reforçamento natural ocorre sem planejamento, ou seja, ocorrem quando o terapeuta está sob controle do comportamento do cliente (Delitti, 2005; Kohlenberg & Tsai, 1991). O cliente também se beneficia mais do tratamento quando o terapeuta está atento a relação porque a mudança ocorre por meio do processo de modelagem por contingências, e não por regras, possibilitando uma maior adaptabilidade, tornando a aprendizagem adquirida na relação com o terapeuta um importante mecanismo de mudança (Meyer & Vermes, 2001).
Braga e Vandenberghe (2006) discutiram trechos de sessões registradas em áudio para exemplificar a função da relação terapêutica. Para os autores esta relação tem função de ser um contexto facilitador de intervenção; de ser uma estratégia de intervenção em si; e de ser uma via de mão dupla, pois o terapeuta também entra em contato com sentimentos e dificuldades próprios.
Silvares e Gongora (1998) ao escreverem um capítulo sobre as entrevistas clínicas iniciais destacaram que estes primeiros contatos visam especialmente o estabelecimento da relação terapêutica. Complementam afirmando que a confiabilidade dos dados obtidos na entrevista clínica estão diretamente relacionados com a qualidade da relação estabelecida. Para estas autoras é neste primeiro contato que o cliente deve se sentir confortável na situação; deve-se expor ao terapeuta; e sentir-se motivado para dar continuidade ao tratamento.
A produção de conhecimento desta relação especial que se estabelece entre cliente e terapeuta diminui e facilita o caminho para a promoção de mudança comportamental clínica do cliente. Pesquisas sobre o tema geram resultados que beneficiam profissionais, terapeutas em treino e consequentemente, clientes (Silveira, 2003).
A formação do terapeuta analítico-comportamental
Diversas são as publicações brasileiras relacionadas com a formação do terapeuta analítico-comportamental. Em 1982, Guilhardi sistematizou algumas preocupações que podem dificultar o aprendizado de ser terapeuta, como a diferença entre os clientes em uma clínica-escola e em uma clínica particular; a forma como é realizado o treino do terapeuta; e a freqüente desvinculação da teoria com a prática. Também sugeriu algumas estratégias para desenvolver e manter o repertório do terapeuta, listando cinco grupos sociais, que exigem comportamentos distintos do profissional.
O primeiro grupo são os próprios clientes, que permitem ao terapeuta ampliar e consolidar os aspectos da teoria a partir dos dados coletados. O segundo grupo é a universidade, que exige comportamentos específicos que o cliente não exige. O terceiro grupo é a comunidade científica, pois ao acumular conhecimento para a Psicologia, o profissional avalia melhor o que faz em seu dia-a-dia. O quarto grupo é a interação com uma equipe, que permite aumentar a discriminação do que ocorre no trabalho. E o quinto, e último grupo, é a própria relação terapêutica, na qual o autor enfatizou a importância do terapeuta submeter-se a um processo psicoterápico, de mesma orientação teórica (Guilhardi, 1982).
Collins, Foster e Berler (1986 como citado por Ireno, 2007, p. 21), descreveram que terapeutas em formação devem ser treinados em habilidades específicas da abordagem e nas habilidades que englobam todos os terapeutas, envolvendo um estabelecimento de uma relação terapêutica positiva. De maneira geral, Meyer e Vermes (2001) descrevem alguns comportamentos emitidos pelos terapeutas para atingir os objetivos da terapia: (1) solicitação de informações; (2) fornecimento de informações; (3) empatia, calor humano, compreensão, concordância; (4) sinalização; (5) aprovação; (6) orientação; (7) interpretação; (8) confrontação; e (9) silêncio.
Ireno (2007) realizou uma vasta revisão de literatura de como a formação de terapeutas é realizada, e dentre outras conclusões, resumiu que os métodos utilizados consistem principalmente em aulas expositivas, supervisões, leituras de textos dos casos atendidos, ensaios comportamentais, treino em situação natural, modelação, discussões, instruções e comentários, listas com categorias, vídeos, utilização de espelhos, dentre outras menos freqüentes. Também destacou a pouca publicação de avaliação da eficácia de programas de treino de terapeutas analítico-comportamentais.
Assim, Ireno (2007) buscou responder em sua dissertação se há melhoras no desempenho de terapeutas iniciantes quando estes são expostos a uma listagem de habilidades necessárias. A autora selecionou nove duplas de terapeutas iniciantes e analisou as 13 primeiras sessões, que eram gravadas e filmadas. Uma lista de verificação de desempenho do terapeuta analítico-comportamental, com 61 itens, foi introduzida nas supervisões destes terapeutas, em diferentes etapas do processo, de acordo com um delineamento de base múltipla, demonstrando se as mudanças de comportamento ocorrem quando a variável é apresentada. A lista para verificação de desempenho do terapeuta analítico-comportamental foi baseada em um instrumento de Starling (2002) e em uma revisão de literatura sobre as habilidades necessárias ao terapeuta. Esta lista foi dividida principalmente em quatro blocos: desempenhos relacionados ao estabelecimento da aliança terapêutica; desempenhos relacionados a postura profissional; desempenhos relacionados a coleta de dados; e estratégias de intervenção do terapeuta.
A pesquisadora confirmou parcialmente sua hipótese, de que a utilização deste instrumento pode auxiliar no desempenho do terapeuta iniciante. Os resultados apresentados sugerem que a intervenção proposta facilitou: (1) uma diminuição nos comportamentos inadequados e (2) parcialmente adequados dos terapeutas. A autora sugere mais pesquisas na área para produzir dados mais consistentes.
Novaki (2003) realizou um levantamento bibliográfico sobre a diferença entre terapeutas experientes e iniciantes e concluiu que geralmente estas focam cinco perguntas de pesquisa: questões relacionadas à formação do vínculo; tipos específicos de clientes; satisfação dos clientes; orientação teórica do terapeuta; e objetivos e tarefas da terapia. Não há resultados consistentes na literatura que apontem diferenças entre os terapeutas quando a satisfação dos clientes, a orientação teórica do terapeuta e os objetivos e tarefas da terapia são pesquisados. Apenas os estudos relacionados com tipos específicos de cliente é que há diferença significativa entre os profissionais, concluindo que os terapeutas mais experientes possuem mais repertório de questionamento, de argumentação e de enfrentamento. E quando o vínculo é colocado como objeto de estudo, conclui-se que este está mais associado às habilidades do psicólogo e não ao nível de experiência.
Parece que o conhecimento das intervenções, ou seja, saber o que e o porquê fazem, torna o terapeuta hábil em prever e controlar o seu próprio comportamento. Assim, é possível direcionar as intervenções em benefício do cliente (Novaki, 2003). As autoras questionam se não seria o conhecimento desta atuação que realmente diferencia os terapeutas iniciantes dos experientes.
Sistemas de categorização
Uma das formas de estudar a interação terapêutica é sistematizar os dados de observação em torno de classes de comportamento do terapeuta e do cliente, cujos critérios seriam descritas em termos de categorias de comportamento. Muitos sistemas de categorias podem ser encontrados na literatura nacional e internacional, diferenciando-se pela natureza da questão a ser investigada e ao pressuposto teórico do autor (Meyer, 2009; Zamignani, 2007).
Um estudo que exemplifica a utilização de um sistema de categorias pode ser encontrado em Meyer (2009), que desenvolveu em sua tese de livre docência uma pesquisa que, dentre outros objetivos e contribuições, criou um banco de dados de sessões de terapia analítico-comportamental a partir da meta-análise de 626 sessões de psicoterapia, divulgadas em 19 estudos brasileiros. Uma das diversas considerações finais do estudo sugere que mais pesquisas sobre o tema devem ser conduzidas, uma vez que a análise de poucas sessões, com poucos participantes produz dados dispersos e poucos conclusivos, sendo o banco de dados uma saída para o delineamento de muitos casos.
Zamignani (2007) propõe em sua tese de doutorado um sistema multidimensional para a categorização de comportamentos na interação terapêutica. O autor salienta que este sistema "parece apropriado para o estudo de episódios que ocorrem em diferentes momentos do processo terapêutico" (p.229) e Guilhardi (1982) lembrou o quanto é importante ver como o terapeuta se relaciona com o cliente, porque a qualidade desta interação influencia a técnica e o próprio procedimento.
Ponderando que nas entrevistas iniciais se estabelece o padrão e a qualidade de interação entre terapeuta e cliente e o questionamento levantado por Novaki e Meyer (2002) sobre a diferença entre os terapeutas iniciantes e experientes ser o conhecimento da própria atuação torna-se imprescindível evidenciar os aspectos contidos no período inicial da terapia. Além disso, Meyer (2009) apontou a necessidade da criação de um banco de dados para a obtenção de dados mais conclusivos e menos dispersos, evidenciando a necessidade da condução de pesquisas sobre o tema.
A presente pesquisa buscou descrever, em termos de freqüência, os comportamentos verbais vocais do cliente e do terapeuta (conforme descritas no Eixo I do instrumento de Zamignani, 2007) no início da terapia analítico-comportamental, analisando três sessões iniciais de terapia analítico-comportamental.
Prevaleceu no presente trabalho a expressão 'verbalizações' em detrimento de 'comportamento verbal'. Foi realizada esta escolha por considerar a dificuldade em estabelecer as variáveis de controle deste tipo peculiar de comportamento operante, ou seja, a dificuldade em constituir os antecedentes e consequentes dos quais o comportamento verbal é função (Skinner, 1992).
Método
Participantes e local de realização
O projeto de realização da presente pesquisa foi aprovado pelo Comitê de ética em pesquisa da Sociedade Evangélica Beneficente de Curitiba, sob o protocolo de número 2212, em 08 de março de 2010. Participaram de forma livre e esclarecida, após assinarem o respectivo termo, duas díades terapeuta-cliente. Após divulgação informal sobre os objetivos da pesquisadora a sua rede social, dois terapeutas analítico-comportamentais iniciantes na prática clínica manifestaram-se interessados em contribuir com os estudos, sendo assim selecionados como participantes. A primeira terapeuta (terapeuta A), sexo feminino, era estudante de 5º ano do curso de Psicologia e atendia o seu segundo caso. O segundo terapeuta (terapeuta B), sexo masculino, era pós-graduando em curso de Psicologia Clínica, de perspectiva comportamental e cognitiva, e trabalhava como psicólogo em um hospital; ambos possuíam menos de cinco anos de experiência na prática clínica.
Com relação aos dois clientes, destaca-se que estes foram selecionados a partir de lista de espera de uma clínica-escola, conforme disponibilidade de sala, horário e interesse no processo de psicoterapia. Os principais dados de identificação são: cliente A, sexo masculino, 27 anos, educador, sem filhos, solteiro, queixava-se de "depressão"; cliente B, sexo feminino, 39 anos, estudante de psicologia, dois filhos, casada pela segunda vez, queixava-se de "fobia de dirigir". No presente estudo utilizou-se da denominação interação/terapeuta/cliente A para a primeira díade e interação/terapeuta/cliente B para a segunda díade, conforme a ordem da coleta de dados.
Instrumentos
Utilizou-se parcialmente o instrumento sistematizado por Zamignani (2007), denominado "Sistema multidimensional de categorização de comportamentos da interação terapêutica". Este instrumento conta com três eixos, cada um representando uma dimensão ou aspecto do comportamento do participante. O primeiro eixo diz respeito ao comportamento verbal do terapeuta e do cliente, com os qualificadores de tom emocional e gestos ilustrativos, o segundo eixo refere-se ao tema da sessão, com os qualificadores de enfoque no tempo e condução do tema, e o terceiro eixo envolve as respostas motoras. Cada categoria possui uma minuciosa descrição (incluindo definição, caracterização geral, critérios de inclusão ou exclusão), um nome simplificado e uma sigla para cada categoria.
No presente trabalho, utilizaram-se apenas as categorias verbais vocais do terapeuta e do cliente, pertencentes ao Eixo I. A Tabela 1 é uma reprodução do resumo de Zamignani (2007) desenvolvido em uma página destacada para consulta, das categorias utilizadas na presente pesquisa referente aos comportamentos verbais vocais do terapeuta dirigidas ao cliente.
A Tabela 2 apresenta as categorias utilizadas na presente pesquisa, referente aos comportamentos verbais vocais do cliente dirigidas ao terapeuta, conforme resumo para consulta de Zamignani (2007).
Além deste instrumento de categorização, utilizou-se o treino sistemático para observadores desenvolvido a partir do software Click®, por Zamignani (2007), para o treinamento individual de cada categorizador. Trata-se de um treino que contém dois pacotes de atividades seqüenciais (433 atividades divididas em 15 séries para treino das categorias referente ao terapeuta e 265 atividades divididas em nove séries para as categorias referentes ao cliente). Disponibilizou-se para cada categorizador uma cópia impressa do instrumento utilizado, para eventuais dúvidas. Apesar da aplicação do treinamento ter sido completo para todas as categorias do eixo I, foi dada ênfase nas categorias verbais vocais, por serem as utilizadas na presente pesquisa.
Procedimento
Cada díade terapeuta-cliente teve o áudio de suas três primeiras sessões de psicoterapia gravado e posteriormente a transcrição destas sessões foi realizada. Ao todo seis sessões foram analisadas. Nenhuma instrução adicional sobre o procedimento de entrevista clínica inicial foi dada aos terapeutas, visto que ambos, na época da realização da pesquisa, realizavam supervisão regular por estarem matriculados em disciplinas que contemplavam esta orientação.
As transcrições das sessões impressas foram disponibilizadas para as categorizadoras, que realizaram manualmente a categorização de cada verbalização contida na interação. Posteriormente, a pesquisadora realizou a contagem manual da freqüência de cada categoria e sistematizou os resultados.
Foi realizado o nível de concordância em cada uma das seis sessões, integralmente categorizadas por duas terapeutas analítico-comportamentais iniciantes, após realizarem a assinatura do termo de responsabilidade, que garantia o sigilo das informações. O cálculo do índice de percentual de concordância foi dado pela fórmula: % concordância = (# eventos concordantes/# eventos concordantes + # eventos discordantes) X 100. Os eventos concordantes e discordantes foram somados em cada uma das seis sessões analisadas.
Resultados
Índice de concordância
O índice de concordância total da presente pesquisa foi de 81,96%, obtido pela soma de todos os eventos concordantes e todos os eventos discordantes. Também foi realizado o índice de concordância de cada sessão e em cada interação. Na primeira sessão o índice para a interação A foi de 85,76% e para a interação B de 87,17%; na segunda sessão o índice para a interação A foi de 85,82% e na interação B de 73,43%; e na terceira sessão o índice foi de 84,16% na interação A e de 76,21% na interação B.
Díade terapeuta-cliente A
Foram categorizadas 162 verbalizações do terapeuta A na primeira sessão; 125 na segunda sessão; e 198 na terceira sessão; totalizando 485 verbalizações categorizadas. Os resultados apontaram que o terapeuta A, predominantemente, facilitou o relato do cliente (FAC) mais do que qualquer outra ação, representando aproximadamente 62% das suas falas nas três sessões analisadas. A Figura 1 mostra os dados obtidos.
Observa-se na Figura 1 que a segunda ação mais realizada pelo Terapeuta A foi a de solicitar relato (SRE), representando aproximadamente 22% das verbalizações nas três sessões analisadas. Quando comparada a primeira sessão com a terceira, observa-se que esta categoria diminuiu de frequência. Com relação às demais categorias observadas resume-se que o terapeuta A: solicitou reflexão (SRF) e forneceu informações (INF) com mais frequência na segunda sessão; recomendou ou solicitou a execução de ações, tarefas ou técnicas (REC) com mais frequência ao longo do tratamento; aprovou ou concordou com ações ou avaliações do cliente (APR) com mais frequência na terceira sessão; demonstrou menos empatia (EMP) e forneceu menos interpretações (INT) na terceira sessão; e a categoria reprovar ou discordar de ações ou avaliações do cliente (REP) não foram apontados como intervenções realizadas nesse início de tratamento.
A análise do cliente A ocorreu a partir de 73 verbalizações categorizadas na primeira sessão, 105 na segunda sessão e 91 na terceira; totalizando 269 falas. A Figura 2 ilustra os resultados obtidos.
A Figura 2 demonstra que o cliente A predominantemente relatou eventos (REL) ao longo das sessões, representando 58% do total, e que a freqüência diminuiu quando comparadas primeira e terceira sessões. O cliente A passou parte das suas verbalizações estabelecendo relações entre eventos (CER), dado que aumenta no decorrer da terapia. Relatou concordância ou confiança (CON) ao que o terapeuta A estava falando, em aproximadamente 24% de todas as suas verbalizações. Já as taxas de solicitação de informações, opiniões, asseguramento, recomendações ou procedimentos (SOL) permaneceram entre 1% e 1,9% ao longo das entrevistas iniciais. As categorias referentes ao relato de melhora ou progresso terapêutico (MEL); formulação de metas (MET); e oposição, recusa ou reprova (OPO) não foram observadas neste período.
Díade terapeuta-cliente B
Foram categorizadas 127 verbalizações do Terapeuta B na primeira sessão, 148 na segunda e 93 na terceira; totalizando 368 falas categorizadas ao longo das sessões. A categoria facilitação de relato do cliente (FAC) foi a mais apontada, representando aproximadamente 43% da amostra. A Figura 3 mostra os resultados obtidos.
A Figura 3 mostra que a segunda ação mais realizada pelo terapeuta B foi a de solicitar relato (SRE), e que a porcentagem aumentou ao longo do tratamento. As outras categorias do Terapeuta B analisadas apresentaram os seguintes resultados: o fornecimento de informações (INF) aumentou comparativamente entre a primeira e a terceira sessão; a demonstração de empatia (EMP) variou entre 10% e 11,5% no decorrer do tempo; o fornecimento de interpretações (INT), a solicitação de reflexão (SRF) e a recomendação ou solicitação de execução de ações, tarefas ou técnicas (REC) ocorreram com mais frequência na segunda sessão; já a categoria terapeuta aprova ou concorda com ações ou avaliações do cliente (APR) diminuiu de freqüência ao longo das três sessões, não sendo observada sua ocorrência na última; e a categoria reprova ou discorda de ações ou avaliações do cliente (REP) não foi observada nesta interação.
O cliente B teve 77 verbalizações categorizadas na primeira sessão, 98 na segunda e 64 na terceira; totalizando 239 falas analisadas. A Figura 4 mostra os dados obtidos.
A Figura 4 traz que o cliente B priorizou os relatos de eventos (REL) nas sessões, sendo representado por 78% de todas as suas verbalizações no período analisado. A segunda maior categoria foi verificada em estabelecendo relações entre eventos (CER). O relato de concordância ou confiança (CON) foi observado em maior freqüência na primeira sessão. As solicitações de informações, opiniões, asseguramento, recomendações ou procedimentos (SOL) foram observadas com mais freqüência na segunda sessão. Já as categorias relatar melhora ou progressos terapêuticos (MEL) e oposição, recusa ou reprova (OPO) não foram apontadas neste período analisado. A categoria formular metas (MET) foi observada apenas na terceira sessão.
Discussão
O presente estudo apresentou o delineamento da pesquisa descritiva, com a questão da composição do fenômeno englobando a pergunta "Quais os componentes existentes em X", conforme classificação apresentada por Campos (2000), citada por Meyer (2004). Onde o X foi substituído pela expressão "relação terapêutica nas três sessões iniciais do processo".
Meyer (2004) listou algumas dificuldades na coleta de dados, como em encontrar terapeutas e clientes que aceitem participar da pesquisa, desistência do cliente e qualidade do som das gravações. Destaca-se que os obstáculos encontrados nesta pesquisa foram outros. Como se tratou de um trabalho de monografia para a conclusão de um curso de pós-graduação da primeira autora, o fator tempo e infra-estrutura influenciaram algumas decisões com relação ao delineamento.
Com relação à infra-estrutura, a utilização de uma filmadora para a análise dos comportamentos verbais não vocais dos participantes enriqueceria os resultados obtidos, pois uma das contribuições do sistema multidimensional para a categorização de comportamentos na interação terapêutica foi a inclusão de categorias no Eixo I referentes ao comportamento verbal não vocal do terapeuta e do cliente. A utilização de softwares, como o Observer, também enriqueceria as análises, uma vez que este permite uma categorização informatizada dos dados e análises da concordância mais precisas, como os trechos selecionados.
Já o fator tempo influenciou a escolha da análise baseada na freqüência dos comportamentos observados. Sabe-se que esta escolha coloca em um mesmo nível de análise a freqüência e a duração de cada evento, podendo superdimensionar algumas categorias que ocorrem em alta freqüência, mas que representam um período muito mais curto da interação terapêutica, como a categoria facilitação de relato (Zamignani, 2007). O autor pondera o custo para a obtenção de aparatos tecnológicos que registram o tempo utilizado na sessão, sugerindo alternativas, como utilizar o número de linhas da transcrição da sessão ocupadas por uma determinada categoria. Uma análise posterior dos resultados, avaliando esta alternativa poderá ser verificada, e até mesmo comparada com os resultados obtidos.
O índice de concordância obtido, de 81, 96% foi considerado satisfatório, uma vez que houve cuidado com vários aspectos referentes às variáveis que influenciam este percentual (Danna & Matos, 2006; Tourinho, Neno, Batista, Garcia, Brandão, Souza, Lima, Barbosa, Endemann & Oliveira-Silva, 2007; Oliveira- Silva & Tourinho, 2006). As categorizadoras foram submetidas a um treinamento; uma das categorizadoras não possuía a informação dos objetivos da pesquisa; as categorizadoras nunca haviam trabalhado juntas; a categorização foi realizada de forma independente, cada uma realizou a categorização em locais e tempo diferentes.
Alguns resultados parecem ser constantes nas intervenções dos terapeutas e nos relatos dos clientes, porém outros resultados, principalmente os relacionados aos clientes, parecem estar ligados à própria interação estabelecida ao longo do processo terapêutico.
Ambos os terapeutas predominantemente facilitaram mais o relato de seus clientes, e os resultados mostram que esta intervenção foi muito superior às demais, atingindo aproximadamente 69% das verbalizações do terapeuta A na terceira sessão. Estes resultados destoam dos dados apresentados por Meyer (2009), nos quais esta categoria foi uma das porcentagens mais baixas observadas, ficando em uma margem entre 5% e 13% nas três primeiras sessões. A autora posteriormente discutiu este dado (Meyer, 2010), afirmando que alguns clientes parecem requerer mais facilitação de relato do que outros, sugerindo que esta é uma intervenção que está mais relacionada com o caso do que com o terapeuta.
Considerando que a intervenção de facilitar o relato tem como função principal indicar atenção e sugerir continuidade ao discurso (Meyer, 2009), algumas características de ambos os clientes participantes da presente pesquisa sugerem demandar mais esta intervenção por parte do terapeuta. O cliente A foi seminarista e já havia feito terapia outras vezes e a cliente B era estudante de psicologia. Infere-se, então, que pode ter ocorrido o processo de modelagem do comportamento de relatar eventos em ambas as experiências, e também modelagem do comportamento de estabelecer relações entre eventos.
A segunda intervenção mais utilizada pelos terapeutas foi a de "solicitar relatos". Estes dados são similares àqueles obtidos por Meyer (2009), que ao analisar a categoria "solicitação de informação" (agrupamento de solicitar relato e solicitar reflexão) percebeu que nas três primeiras sessões obteve resultado igual ou superior a 40%. Esta categoria está intimamente ligada à própria coleta de dados, inerente ao início do processo terapêutico e ao levantamento de informações ao longo do tempo, pois o terapeuta busca dados para a intervenção terapêutica (Silvares & Gongora, 1998).
Hipotetizava-se encontrar altas taxas de relatos de eventos nas verbalizações dos clientes, como a de 84% na segunda sessão do Cliente B. Essa hipótese foi confirmada, e é atribuída ao início do processo terapêutico e pela maioria dos clientes estarem sob controle dos próprios questionamentos feitos pelo terapeuta.
Com relação à interação A, discutiu-se a relação entre o terapeuta A diminuir a freqüência de solicitar relatos de eventos e aumentar a freqüência em solicitar reflexão, com as verbalizações do cliente A diminuir de freqüência em relatar eventos e aumentar a freqüência em estabelecer relações entre eventos. Este dado parece estar também relacionado na interação B, uma vez que o terapeuta B aumentou a solicitação de relatos de eventos e diminuiu a solicitação de reflexão, e o cliente B aumentou a freqüência de relatar eventos e diminuiu o estabelecimento de relações entre eventos. Considerou-se também que as características pessoais de ambos os clientes, já explicitadas, influenciaram o estabelecimento de relações entre eventos neste período.
Apesar dos dois terapeutas participantes terem sido considerados iniciantes (ambos possuíam menos de cinco anos de prática clínica), considerou-se como significativa a experiência do Terapeuta B, que estava em um curso de pós-graduação e já atuava na área, para discutir alguns resultados. De maneira geral, a freqüência das outras categorias referentes aos terapeutas foi menor, em comparação com as categorias de "facilitação" e "solicitação de relatos", porém o Terapeuta B parece ter se arriscado mais em outras intervenções, como em fornecer informações e em recomendar ou solicitar a execução de ações, tarefas ou técnicas.
A categoria de fornecer informações geralmente está associada a intervenções "psicoeducacionais" e ao contrato terapêutico; e recomendar ou solicitar a execução de ações, tarefas ou técnicas está relacionada com os aconselhamentos, orientações, comando e ordem (Zamignani, 2007). Quanto maior a experiência do terapeuta nestas intervenções, mais segurança o profissional tem em utilizá-las. O estudo de Meyer (2009) corrobora estes dados, uma vez que a autora conclui que terapeutas experientes: "informam muito nas primeiras sessões e essa porcentagem vai caindo ao longo do tempo de terapia" (p. 99); "sistematicamente recomendavam mais que os terapeutas com pouca experiência" (p. 101).
Ainda com relação às categorias dos terapeutas verificou-se uma baixa taxa de interpretação, principalmente no terapeuta A, dado que também era esperado, uma vez que essa classe de verbalizações engloba a análise de contingências e o profissional no início do processo possui dados insuficientes sobre o cliente e a historia de vida deste. Meyer (2009) complementa afirmando que esta categoria revela-se com uma alta porcentagem de ocorrência por volta da décima sessão.
Da mesma forma, a baixa taxa observada de aprovação ou concordância com ações ou avaliações do cliente e ausência de reprovação ou discordância de ações ou avaliações do cliente nas sessões iniciais pode estar relacionada com o fato de estas categorias estarem ligadas à seleção e fortalecimento de alguns comportamentos do cliente mais ou menos apropriados. Este tipo de intervenção deve ser planejada após a formulação da análise funcional do caso.
Meyer (2009) discutindo sobre o uso de regras ou o controle por conseqüências imediatas na relação terapêutica, evidenciou que a categoria interpretação seria uma forma de apresentar um controle por regras, uma vez que o terapeuta fornece a análise funcional para o cliente; já as categorias solicitar relato; solicitar reflexão; consequenciar diferencialmente por meio de aprovação ou reprovação, força o cliente a ter uma participação mais ativa no processo, propiciando que o cliente elabore a sua própria analise funcional.
As intervenções de demonstrar empatia podem ser consideradas como intimamente ligadas a audiência não punitiva, que o terapeuta deve exercer no tratamento, pois informa o cliente de que ele é aceito, sem julgamentos e avaliações (Zamignani, 2007). Além disso, a ausência de observação de intervenções de reprovações por parte do terapeuta nas interações analisadas foi considerada promissora, pois inicialmente o terapeuta é apenas mais um membro da sociedade para o cliente, e, portanto, pode ser visto como uma audiência punitiva. Cabe ao terapeuta mostrar-se diferente, mostrar-se como uma audiência não punitiva (Skinner, 2003).
Alves e Isidro-Marinho (2010) explicitam que a presença de audiência punitiva é um fator de risco para a terapia:
No contexto clínico, a audiência punitiva pode representar uma das formas de controle aversivo promovidas, inadequadamente, pelo terapeuta. Tal forma de controle pode dificultar a mudança terapêutica ou prejudicar as relações ao provocar a emissão de comportamentos de fuga e esquiva, subprodutos indesejáveis do controle coercitivo no contexto terapêutico (p.78).
As taxas do cliente em relatar concordância ou confiança parecem próprias da interação, uma vez que esta categoria contempla o resumo e a complementação das falas do terapeuta. Entendendo que o terapeuta em sessões de entrevistas iniciais deve parafrasear, refletir sentimentos e sumariar (Silvares & Gongora, 1998), nesta pesquisa categorizados como "empatia", é esperado que o cliente continue a interação concordando ou discordando do terapeuta.
Vários estudos sobre relação terapêutica têm sido conduzidos atualmente em âmbito nacional e internacional. Publicações nesta área são justificáveis, tanto cientificamente, quanto socialmente, uma vez que terapeutas e, por conseguinte, clientes se beneficiam das discussões. O presente estudo teve como objetivo principal descrever quais foram os comportamentos verbais vocais categorizados em três sessões iniciais de terapia, com duas díades terapeuta-cliente.
Referências
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Received: December, 04, 2010
Accepted: June, 07, 2011
1 Trabalho monográfico do curso de Pós Graduação: Psicologia Clinica: Terapia Comportamental e Cognitiva II, da Faculdade Evangélica do Paraná, da primeira autora, orientado pela segunda autora. Correspondências sobre esse artigo podem ser enviadas para franciellyperon@hotmail.com - Av. Marechal Floriano Peixoto, 228, sala 502, CEP 80010-130, Curitiba - PR