Acta Comportamentalia
ISSN 0188-8145
Acta comport. vol.20 no.4 Guadalajara 2012
ARTIGOS
Analogias, metáforas e cognições – comentários a partir do artigo de Ruiz e Luciano
Analogies, metaphors and cognitions - comments from Ruiz and Luciano's article
Emmanuel Zagury Tourinho
Universidade Federal do Pará (Brasil)
RESUMO
Discute-se brevemente quatro pontos identificados no artigo de Ruiz e Luciano sobre analogias, metáforas e cognições: (a) o avanço propiciado pela pesquisa sobre o responder relacional derivado à compreensão da cognição humana, (b) a relevância desse programa de pesquisas para o futuro da análise do comportamento humano complexo, (c) a centralidade de analogias e metáforas para uma compreensão comportamental da cognição e (d) a Teoria dos Quadros Relacionais (RFT – Relational Frame Theory) como modelo para a investigação e interpretação da cognição na Análise do Comportamento. Argumenta-se que os dois primeiros pontos sintetizam importantes contribuições do artigo e independem das alegações que caracterizam os dois últimos, consideradas controversas e limitadoras da pesquisa comportamental da cognição.
Palavras-chave: Cognição, Análise do Comportamento, metáforas, Teoria dos Quadros Relacionais.
ABSTRACT
Four topics discussed by Ruiz and Luciano, in their paper on analogies, metaphors and cognitions, are briefly commented on here: the progress represented by research on derived relational responding, to an understanding of human cognition; (b) the relevance of such a program to the future of behavior analysis of complex human behavior; (c) the central role of analogies and metaphors to a behavioral understanding of cognition; and (d) the Relational Frame Theory (RFT) as a model for research and interpretation of cognition in Behavior Analysis. It is argued that topics 1 and 2 summarize the paper's important contributions, and do not depend on the statements found in topics 3 and 4, which are taken as controversial and restrictive of behavioral research on cognition.
Keywords: Cognition, Behavior Analysis, metaphors, Relational Frame Theory.
Analogias e metáforas são discutidas no artigo de Ruiz e Luciano (2012) como instâncias de processos que definem centralmente a cognição humana. Analogias são descritas como "a conexão de duas situações com base na existência de um padrão de relações comuns entre seus elementos constitutivos" (p. 5) e revelam um caráter bidirecional (a relação A e a relação B são análogas uma à outra). Metáforas constituem "um tipo especial de analogia" (p. 5), em que a relação é unidirecional (a relação B é análoga à A, mas a relação A não é necessariamente análoga à B).
O texto revisa ampla literatura da Análise do Comportamento, sobretudo da área de relações entre estímulos. Também cita a Psicologia Cognitiva, mas nesse caso apenas para afirmar as limitações de suas diversas (e irreconciliáveis) teorias. O foco mesmo do texto reside na possibilidade de interpretarmos analogias e metáforas com conceitos que derivam da pesquisa do responder relacional derivado, à luz da Teoria dos Quadros Relacionais (RFT – Relational Frame Theory, cf. Hayes, Barnes-Holmes & Roche, 2001).
A revisão da literatura experimental baseada na RFT é abrangente e atualizada, provendo ao leitor elementos para uma compreensão do alcance do conhecimento produzido nesse domínio. As extensões ao tema de analogias e metáforas, sinalizando, inclusive, com respeito às últimas, avanços em relação às contribuições iniciais de Skinner, revelam um refinamento metodológico que tem possibilitado avanços de um programa de pesquisas relevante.
O artigo deixa poucas dúvidas sobre o mérito da produção inspirada na pesquisa de equivalência de estímulos (Sidman, 1994) e na RFT (Hayes, Barnes-Holmes & Roche, 2001). Da introdução à conclusão, deixa claro que o estudo de analogias e metáforas nesse contexto ainda está no início, sendo sua principal contribuição a sinalização de um programa de investigações que pode ser promissor. O que oferece como suporte é não apenas uma referência conceitual para essa abordagem, mas, principalmente, dados que começam a ser produzidos por experimentos planejados com o fim de entender a emergência de relações entre relações no controle do comportamento dito cognitivo.
Nos parágrafos seguintes ofereço não uma análise dos experimentos descritos, visto que teria pouco a discutir sobre os pormenores da pesquisa na área de relações entre estímulos, mas alguns comentários sobre o alcance das contribuições que representam.
Penso que há quatro pontos a considerar a partir do texto. Os dois primeiros serão aqui tratados como mais circunscritos aos dados relatados e ao programa de pesquisas empíricas do qual se originam. Os dois últimos serão referidos como pertinentes à RFT como modelo investigativo e explicativo da cognição humana.
Os dois pontos relativos aos dados experimentais sintetizam, a meu ver, as contribuições do artigo. Se contrastarmos os estudos descritos por Ruiz e Luciano (2012) com os esforços anteriores de investigação da cognição na Análise do Comportamento, podemos concordar com duas posições que estão colocadas no artigo: a investigação do responder relacional derivado estendeu a nossa compreensão sobre fenômenos antes insatisfatoriamente abordados; e o programa de pesquisas empíricas nesse domínio constitui uma inovação relevante para o futuro da pesquisa do comportamento humano complexo, na Análise do Comportamento. O texto de Ruiz e Luciano, desse ponto de vista, reflete do melhor modo o trabalho original de pesquisa experimental sobre relações entre estímulos, liderado por Sidman (e.g., 1994), e seu desdobramento mais recente inspirado nas pesquisas lideradas por Hayes (e.g., Hayes, Barnes-Holmes & Roche, 2001).
Os estudos descritos informam sobre como processos seletivos possibilitam a emergência de repertórios complexos, dos quais participam relações não treinadas diretamente, mas estabelecidas pela transferência de funções de estímulos que participam de redes mais ou menos extensas de relações. Instâncias de comportamento que não poderiam ser explicadas por aprendizagem direta encontram aqui um explicação que permanece no domínio da referência a processos seletivos, portanto, compatíveis com o modelo causal da Análise do Comportamento, contrastando com explicações alternativas mentalistas.
O programa de pesquisas também cumpre uma função importante de contribuir para que a Análise do Comportamento sobreviva enquanto sistema cultural, inserido no ambiente mais amplo (institucional, acadêmico, profissional, etc.) com os quais interagem as Psicologias, na medida em que possibilita um tratamento mais avançado de questões que representam demandas consideráveis nesse ambiente.
Para ser mais preciso, pelo menos a partir da década de 1980 e principalmente na década de 1990, o sucesso do cognitivismo no ambiente universitário da Psicologia e no sistema de financiamento da pesquisa em Psicologia afetou consideravelmente o prestígio acadêmico da Análise do Comportamento, inclusive reduzindo sua presença nos departamentos de algumas das melhores instituições norte-americanas (ainda que antes disso nunca tenha sido colocada na posição de liderança intelectual nessas unidades). A cognição, não o comportamento (essa separação já significava bastante), tornou-se um tema chave, a requerer a atenção de qualquer projeto de Psicologia. Não seria possível à Análise do Comportamento, nesse ambiente, continuar concentrando esforços no estudo do comportamento não humano e dispor da mesma estrutura de financiamento e espaço na formação profissional. Um programa vigoroso de investigação da cognição humana era necessário - mesmo que entendida como relações comportamentais (nesse caso, era necessário descrever o que as tornava relações diferenciadas). A pesquisa em equivalência de estímulos representou essa inovação investigativa (mais do que a pesquisa do comportamento governado por regras havia representado, antes dela) e cumpriu uma função importante de preservar espaços (profissionais, de formação e de interlocução) aos analistas do comportamento.
Apontar esse papel (social) da pesquisa em equivalência de estímulos não significa de modo algum que tenha sido menor sua importância no alargamento do corpo do conhecimento científico dos fenômenos comportamentais. Significa apenas constatar que seu desenvolvimento ilustra também um processo que tem sido reiteradamente discutido por analistas do comportamento: exposto a pressões ambientais novas, um sistema tem maiores chances de sucesso e sobrevivência se houver variabilidade comportamental. O desenvolvimento de novos programas de pesquisa tem representado essa variabilidade e tem sido fundamental para a sobrevivência da Análise do Comportamento como sistema cultural. A pesquisa atual do responder relacional derivado constitui um bem sucedido exemplo desse processo, revisado com eficiência no texto de Ruiz e Luciano (2012).
O mérito do texto de Ruiz e Luciano (2012) não depende de duas outras posições ali também veiculadas, a meu ver controversas: a ideia de que analogias e metáforas são fenômenos centrais para uma abordagem comportamental da cognição e de que a RFT provê o modelo adequado para a sua investigação e interpretação.
O artigo inicia afirmando que o "raciocínio analógico é considerado unanimemente como um dos aspectos mais importantes da cognição humana" (p. 5) e que "a maior parte dos autores entendem que a metáfora é um tipo especial de analogia" (p. 5). No entanto, qual o fundamento para postular que analogias e metáforas constituem fenômenos centrais para uma explicação analítico-comportamental da cognição?
Sem esclarecer esse ponto, Ruiz e Luciano (2012) concordam com a afirmação (Pepper, 1942) de que "toda compreensão geral do mundo se baseia na aplicação de uma determinada metáfora raiz" (p. 7) e sugerem que "as metáforas parecem estruturar a nossa compreensão do mundo" (p. 7). No entanto, os processos discutidos focalizam apenas a aquisição de respostas metafóricas, processos que informam sobre a origem de certas relações verbais, mas não sobre sua manutenção, ou validação e compartilhamento por uma comunidade de falantes.
Isto é, reconstruir (empiricamente, ou inferencialmente, como muitas vezes acontece na literatura da RFT) a rede de relações que está na origem, por exemplo, de uma asserção como "gatos são ditadores" não nos informa suficientemente sobre a manutenção dessa resposta e seu estabelecimento, para uma comunidade verbal, como descrição válida acerca de gatos (ou ditadores). Note-se que não se trata de ignorar a relevância da reconstituição da rede de relações que está na origem de uma resposta verbal, mas apenas de argumentar que essa é parte de uma história maior, se nosso interesse é a cognição humana.
Onde entram, na análise das analogias e metáforas, as práticas da comunidade verbal que, como parte do "raciocínio" perscrutam a consistência "lógica" de uma asserção e a sua compatibilidade com dados de realidade (em um e outro caso, relacionados ao valor instrumental da própria asserção e de outras asserções implicadas no mesmo processo)? Talvez o problema que estou levantando se aproxime das questões relativas à convencionalidade da linguagem e à necessidade de recortes mais amplos do fenômeno cognitivo, trazidas à discussão por Perez-Almonacid (2012), porém, diferente daquele autor, aqui, o enfoque remete à centralidade de uma rede de relações sociais na definição de toda cognição humana e da necessidade de contemplá-la em um tratamento analítico-comportamental da questão.
Perez-Almonacid (2012) salienta que "uma coisa é as pessoas relacionarem estímulos de acordo com uma relação de oposição em um contexto; outra é abstraírem a oposição enquanto tal, como um conceito, e operarem com ela" (p. 34). Sugiro que essa abstração do conceito de oposição e seu emprego em asserções sobre a realidade diz respeito a práticas sociais/culturais, que não são reconstituídas pelo tipo de pesquisa ilustrado no trabalho de Ruiz e Luciano (2012), mas requerem unidades de análise culturais para a sua compreensão.
Passando ao segundo ponto que considero controverso e dispensável para afirmar o valor dos trabalhos descritos por Ruiz e Luciano (2012), supondo que tenhamos acordo com respeito à centralidade e relevância de analogias e metáforas para a compreensão da cognição humana, será que a RFT é parte do esforço conceitual necessário à instauração e investigação dessa ordem de fenômenos? A pergunta é de difícil resposta, por duas razões: primeiro, a RFT pode ser tomada simplesmente como uma extensão das leis da aprendizagem "à analise de fenômenos humanos complexos, como a linguagem e a cognição" (Ruiz & Luciano, p. 14), ou pode ser levada a cabo como um projeto que impõe "repensar toda a psicologia comportamental, no que ela se aplica a organismos verbais" (Hayes, Barnes-Holmes & Roche, 2001, p. 153). Podemos concordar com a relevância das relações que são investigadas sob a RFT, mas será a referência a RFT necessária para tal programa de investigações?
A segunda razão pela qual é difícil afirmar a necessidade do arcabouço conceitual da RFT é o fato de que os dados apresentados por Ruiz e Luciano (2012) não dependem dos pressupostos da RFT para mostrarse inteligíveis. Segundo os autores, os estudos experimentais de analogias e metáforas têm empregado um paradigma baseado na equivalência de estímulos, mas têm se desenvolvido em grande parte sob a referência teórica da RFT. Os autores acrescentam, porém: "Não obstante, convém deixar claro que esse paradigma experimental pode ser utilizado a partir de outra posições teóricas, sem necessidade de assumir os pressupostos da RFT" (p. 13).
Dentre os pressupostos da RFT, Ruiz e Luciano (2012) apontam que a teoria "sustenta que relacionar estímulos sob controle contextual arbitrário ... é uma conduta operante generalizada, que se aprende através de um treinamentos com múltiplos exemplos" (p. 14). Os próprios autores, porém, admitem que "até o momento não existem ainda provas de que derivar analogias seja um operante generalizado que se forma através de um treinamento em múltiplos exemplos, em que o indivíduo aprende a relacionar relações" (p. 40), embora entendam que há fortes indicações nessa direção.
O crédito atribuído por Ruiz e Luciano (2012) à RFT possivelmente significa que a proposta tem sido relevante para estimular a pesquisa relatada sobre analogias e metáforas (e, de resto, da cognição humana), mas talvez o trabalho experimental, mais do que a teorização encontrada em Hayes, Barnes-Holmes e Roche (2001) mereça esse crédito.
Essa última observação é também relevante se considerarmos que a RFT tem sido difundida como fundamento teórico de modelos de intervenção úteis à profissionais que assumem orientações teóricas diversas em Psicologia (cf. Hayes, Strosahl, & Wilson, 1999) e cuja conexão com princípios analítico-comportamentais não chega a ser óbvia (ou simplesmente inexiste).
Conclusão
Algumas das principais incursões de Skinner no tema da cognição foram tipicamente interpretativas (e.g., 1953/1965, 1957/1992, 1963/1969, 1974/1993), seguindo sua proposição (e.g., 1945) acerca da validade da interpretação como método em uma ciência do comportamento. No campo da pesquisa experimental, até a década de 1980, e um pouco também na década de 1990, o que se encontrava na literatura da Análise do Comportamento sobre cognição incluía predominantemente pesquisa na área de comportamento governado por regras (e.g., Catania, Shimoff, & Matthews, 1989; Zettle, 1990). Um e outro conjunto de produções configuravam um cenário de insuficiência na investigação do assunto. De outro lado, esses dois conjuntos de trabalhos traziam de modo muito evidente um forte contraste com a abordagem tradicional da cognição na Psicologia, na medida em que afirmavam categoricamente uma visão funcional e selecionista do comportamento.
Ruiz e Luciano (2012) oferecem um panorama da pesquisa da cognição que vai além da interpretação de aprendizagens diretas em relações de tríplice contingência e da investigação experimental do controle do comportamento por (auto)descrições de contingências. Nesse sentido, informam sobre um programa de pesquisas que estende o alcance de um tratamento analítico-comportamental para a cognição, compatível com uma concepção funcional e selecionista do responder humano, ainda que não cubra todas as dimensões desse fenômeno que demandam o esforço investigativo da disciplina. Até onde vai a contribuição dos estudos relatados e o mérito de sua apresentação por Ruiz e Luciano, não está claro que a teorização encontrada na RFT tenha um papel fundamental.
Em uma revisão do livro de apresentação da RFT (Hayes, Barnes-Holmes & Roche, 2001), Palmer (2004) argumenta que a investigação do responder relacional derivado não substitui a análise operante do comportamento verbal, mas a complementa. Tal complementaridade hoje encontra largo reconhecimento na Análise do Comportamento. Outros programas serão ainda necessários à disciplina, agora para complementar o que também já se consegue explicar com a referência ao responder relacional derivado. E esse é um ponto de vista com o qual o texto de Ruiz e Luciano (2012) não conflita; ao contrário, estimula.
REFERÊNCIAS
Catania, A. C., Shimoff, E., & Matthews, B. A. (1989). An experimental analysis of rulegoverned behavior. In S. C. Hayes (Ed.), Rule-governed behavior: Cognition, contingencies, and instructional control (pp. 119-150). New York: Plenum Press. [ Links ]
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Palmer, D. C. (2004). Data in search of a principle: A review of Relational Frame Theory: A pos-Skinnerian account of human language and cognition. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 81, 189-204. [ Links ]
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(Invited article)