Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Acta Comportamentalia
versão impressa ISSN 0188-8145
Acta comport. vol.20 no.4 Guadalajara 2012
ARTIGOS
Dimensões culturais do pensar: resposta ao comentário de Pérez-Almonacid1
Cultural dimensions of thinking: Reply to Pérez-Almonacid's commentary
Emmanuel Zagury Tourinho
Universidade Federal do Pará (Brasil)
Pérez-Almonacid (2012b) oferece uma leitura cuidadosa do meu texto original (Tourinho, 2012) e argumenta que o pensar pode ter dimensões culturais, porém as categorias de que dispomos para analisar tais dimensões nos informam sobre o conteúdo dessa atividade humana, não sobre os processos que estão na sua origem. Como tal, a análise cultural do pensar não contribui para o entendimento do comportamento humano mais complexo. Em que pese concordar com a relevância da discussão elaborada pelo autor, penso que pode ser relevante olhar para a questão sob ponto de vista diferente.
Segundo Pérez-Almonacid (2012b), os processos sociais e culturais "atualizam-se nos episódios psicológicos sob a forma de funções de estímulo convencionais ... que habilitam o desenvolvimento de realizações abstratas e de estabelecimento de relações linguísticas de grande flexibilidade extensão, que regulam e definem [em relação a] o que nos comportamos e como nos comportamos com isso" (p 115). Desse ponto de vista, ficamos sempre com as unidades de análise do comportamento individual; o social ou o cultural apenas tornam diferenciados eventos/objetos de nosso ambiente, imprimindo-lhes certas funções de estímulo para o responder de um indivíduo, a partir de processos (operantes) mais ou menos complexos. Essa abordagem pode ser correta, mas representa um nível restrito de abordagem de um fenômeno cujas dimensões relevantes não estão suficientemente compreendidas; se a aplicamos à análise da cognição humana continuamos olhando para o fenômeno como comportamental/individual, ainda que com um enfoque relacional. Mas a questão que pretendi colocar em discussão é se essa é uma análise suficiente da atividade humana de elaborar e validar juízos sobre a realidade – isto é, suficiente para uma Ciência do Comportamento.
A indagação vem a propósito de uma dimensão do problema melhor elaborada na sociologia (e.g., Elias, 1996, 2001) do que na ciência do comportamento: antes do advento de uma cultura individualista faria pouco sentido abordar a cognição humana, ou melhor, a atividade de elaborar e validar juízos sobre a realidade, como fenômeno pessoal/individual. Em sociedades não individualizadas, é no domínio dos fenômenos grupais/culturais que essa capacidade se realiza. E o que se altera quando uma cultura evolui para um padrão altamente individualizado de vida não é que suas realizações tornam-se mais pessoais/individuais, mas, sim, o fato de que as relações de interdependência tornam-se muito mais complexas e menos visíveis (daí o caráter persuasivo da noção de autonomia).
Reconstituir as relações de interdependência entre os membros de uma cultura para explicar os juízos que ganham o assentimento de seus membros e conseguir fazer isso sob o mesmo enfoque selecionista com o qual nos voltamos para o comportamento individual mais simples constituem contribuições potenciais da análise da cultura, para a qual o trabalho de Glenn (e.g., 2004) tem sido de relevância fundamental. Explorar essa alternativa na discussão da cognição é, por ora, apenas uma possibilidade. Caso seja levada a cabo, ela não substituirá, mas acrescentará informações ao corpo de conhecimento que a Análise do Comportamento vem acumulando em seu esforço investigativo da cognição, sobretudo acerca do comportamento verbal (Skinner, 1957/1992) e do responder relacional derivado (Hayes, Barnes-Holmes, & Roche, 2001; Sidman, 1994).
Não será possível desenvolver neste espaço a questão da evolução dos laços de interdependência e dos padrões de comportamento social que acompanham o processo de individualização nas sociedades modernas, abordados por Elias (e.g., 1996, 2001), mas fica aqui a sugestão de que uma análise dessa evolução contribui para lançar luz sobre dois questionamentos de Pérez-Almonacid (2012b): a relevância da referência a respostas inaparentes e a possibilidade de, com a análise da cultura, acessar a complexidade do comportamento humano.
Por último, a tese desenvolvida por Pérez-Almonacid (2012a) neste número também propõe transcender as unidades de análise atualmente disponíveis na ciência do comportamento, a fim de abordar com eficiência o comportamento humano complexo. Nisso estamos de acordo; não temos divergência quanto ao fato de que é preciso ir além das relações operantes para dar conta de fenômenos complexos como a atividade humana de elaborar e validar juízos sobre a realidade. Pérez-Almonacid entende que esse esforço consiste de buscar em recortes molares a base convencional da linguagem, o que pode ser de fato muito heurístico e informativo. Sem prejuízo dessa alternativa, o que sugiro é simplesmente que reconstituir as relações de interdependência entre os membros de um grupo/cultura que produz as condições de elaboração e validação de juízos pode ser também relevante, e talvez indispensável, para alargar nosso horizonte de compreensão da cognição humana.
REFERÊNCIAS
Elias, N. (1996) The individualizing process (E. Jephcott, Trans.). Oxford UK/Cambridge USA: Blackwell. (Original work published 1939). [ Links ]
Elias, N. (2001). The society of individuals (E. Jephcott, Trans.). New York/London: Continuum. (Original work published 1987). [ Links ]
Hayes, S. C. Barnes-Holmes, D. & Roche, B. (2001). Relational frame theory: A post-Skinnerian account of human language and cognition. New York: Kluver Academic / Plenum Publishers. [ Links ]
Perez-Almonacid, R. (2012a). El análisis conductista del pensamiento humano. Acta Comportamentalia, 20 (MONO), 47-67. [ Links ]
Pérez-Almonacid, R. (2012b). La intersección entre la cultura y el a análisis del pensar como comportamiento: Comentario al artículo de Tourinho, O Pensar: Comportamento Social e Práticas Culturais. Acta Comportamentalia, 20 (MONO), 110-116. [ Links ]
Sidman, M. (1994). Equivalence relations and behavior: A recent history. Boston: Authors Cooperative. [ Links ]
Skinner, B. F. (1992). Verbal behavior. Acton, Massachusetts: Copley. Publicado originalmente em 1957. [ Links ]
Tourinho, E. Z. (2012). O pensar: Comportamento social e práticas culturais. Acta Comportamentalia, 20 (MONO) 95-109. [ Links ]
(Invited article)
1 A elaboração deste artigo foi parcialmente financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq, Brasil. E-mail: eztourinho@gmail.com