Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Interações
versão impressa ISSN 1413-2907
Interações v.7 n.14 São Paulo dez. 2002
ARTIGOS
Episódios de atenção conjunta em um contexto de brincadeira livre1
Episodes of joint attention in a free play situation
Fabíola de Sousa BrazI; Nádia Maria Ribeiro SalomãoII
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
RESUMO
O objetivo deste estudo foi verificar a freqüência de episódios de atenção conjunta em um contexto de brinquedo livre, em função do gênero da criança, observando as verbalizações utilizadas pelas mães para manter ou redirecionar a atenção da criança para um dado evento do contexto. Características individuais infantis, como o gênero, foram apontadas como um dos responsáveis por variações na duração de atenção conjunta durante contextos de troca lingüística. Participaram desse estudo 16 díades mãecriança, distribuídas igualmente quanto ao gênero. As díades foram filmadas em ambiente natural, durante vinte minutos, em uma situação de brincadeira livre. As freqüências de episódios de atenção conjunta foram separadas e quantificada/s por meio do contador de tempo do próprio videotape. Os resultados indicaram que não houve diferença significativa nas freqüências dos episódios de atenção conjunta das díades mãesmeninos e mãesmeninas. Esses resultados foram discutidos, considerando os contextos nos quais as interações ocorreram.
Palavraschave: Interação mãecriança, Atenção conjunta, Estilos lingüísticos, Gênero, Redirecionamento de atenção.
ABSTRACT
The objective of this study has been to verify the frequency of the episodes of Joint Attention in a free play situation, in relation to the gender of the child, looking at the type of verbalizations utilizated by the mothers to mantain or redirect the attention of the child in context. Individual children characteristics such as gender were pointed as responsible for variation in the interaction style. Participated in this study sixteen motherschild dyads equally distribuited in terms of gender. The dyads were recorded in natural environment for 20 minutes, in a free play situation. The frequences of Joint Attention episodies has been separated and quantificated using the VCR’s own counter. Moreover, it was verified that there isn’t significant difference in the episodies of the Joint Attention between dyads mothersboys and mothersgirls. These results were discussed considering the context in wich the interaction occurred.
Keywords: Motherchild interaction, Joint attention, Styles linguistics, Gender, Redirectionament of attention.
Introdução
No período em que a criança começa a produzir e usar a linguagem, ela já tem com os adultos uma variedade de rotinas sóciocomunicativas que a possibilita tornar sua linguagem e a de sua mãe imediatamente significativas. Tais rotinas foram apontadas por Bruner (1980) como fundamentais para que a criança estabeleça uma maior compreensão de seu ambiente, já que favorecem um paralelo entre os objetos que permeiam seu contexto e seu referente lingüístico.
A importância dessas rotinas foi relatada em estudos que demonstraram uma relação entre esse tipo de estrutura e a produção de muitas das primeiras palavras das crianças (Barret, 1997; Harris, Brookes e Jones, 1986). Além disso, observouse que esse contexto interativo pode auxiliar a díade na interpretação de eventos, dos dados lingüísticos e das ações que compõem uma interação (Akhtar, Dunham e Dunham, 1991; Tomasello e Farrar, 1986).
A participação do adulto nesses contextos é apontada como essencial por promover, periodicamente, uma estrutura interativa que auxilia a criança a determinar o foco de atenção do adulto, e assim seu referente na linguagem. Para Vygotsky (2000), deve ser enfatizada a relevância das interações compartilhadas adultocriança como um aspecto fundamental para o sucesso ou não de qualquer atividade, reforçando a importância de se estudar contextos de atenção conjunta.
De acordo com Tomasello e Todd (1983), os períodos da interação social em que mãe e criança focalizam conjuntamente sua atenção para um mesmo objeto, ou evento de um dado contexto, são denominados episódios de atenção conjunta.
Conforme Morales e cols. (2000), nas últimas duas décadas pesquisas e teorias têm ressaltado a importância do papel da atenção conjunta na aquisição da linguagem de crianças pequenas. Esses mesmos autores também relatam que os episódios de atenção conjunta podem promover a aquisição da linguagem infantil porque esses tipos de interações sociais ajudam a criança a identificar um objeto e seu referente lingüístico.
A relevância dos episódios de atenção conjunta na interação social foi assinalada também por Snow (1989), que considera os eventos nesses períodos como um dos principais aspectos potencialmente facilitadores da linguagem. Para essa autora, a atenção conjunta é considerada um aspecto relevante, por favorecer o estabelecimento de momentos em que uma atividade é compartilhada mutuamente pela díade; nesses episódios, tanto o adulto quanto a criança podem dirigir a atenção um do outro, e essa flexibilidade habilita a criança a tomar iniciativas nas interações sociais desde uma idade muito precoce.
Durante os contextos de atenção conjunta podem ser observados enunciados que auxiliam a mãe a manter e a direcionar a atenção da criança. Esses enunciados possuem um caráter eminentemente diretivo e são utilizados para manter a criança envolvida em uma atividade ou diálogo. Estudos demonstraram que a direção do olhar das crianças e alguns estilos diretivos nãoverbais, como o gesto de apontar, têm sido utilizados pelas mães como ferramentas, no sentido de chamar a atenção das crianças para aspectos relevantes do contexto (Akhtar e cols, 1991; Bock e Hornsby, 1981; Murphy e Messer, 1980).
O papel da diretividade materna em contextos de atenção conjunta tem suscitado discussões. Alguns autores (Tomasello e Todd, 1983; Harris, Jones e Brookes, 1986) verificaram uma relação negativa entre as formas de diretividade materna e algumas medidas no avanço lingüístico infantil. Em contrapartida, outras pesquisas (Barnes, Gutfreund, Satterly e Wells, 1983; Furrow, Nelson e Benedict, 1979) relatam que a diretividade nos contextos de atenção conjunta pode ser benéfica nos primeiros estágios do desenvolvimento da linguagem infantil.
Considerase que um dos fatores que tem fomentado a controvérsia sobre o papel dos diretivos no desenvolvimento lingüístico é justamente a questão da faixa etária da criança. Em uma perspectiva bidirecional, as requisições colocadas pela criança, que se modificam com a idade, vão influenciar na freqüência e no tipo de diretivo apresentado pelo adulto.
Morales e cols. (2000) relataram, a partir de uma revisão da literatura nessa área, que crianças de pais que iniciam um episódio de atenção conjunta, redirecionando o foco de atenção de suas crianças, possuem menor vocabulário do que crianças de pais que os iniciam seguindo o foco de atenção de seus filhos. Esses mesmos autores afirmaram que a capacidade de responder à atenção conjunta se desenvolve completamente no segundo ano de vida da criança, com o aumento de sua capacidade de fixar o alvo indicado por outra pessoa.
Um estudo realizado por Akhtar e cols. (1991) examinou a relação entre diretividade materna e desenvolvimento do vocabulário em duas ocasiões: quando as crianças estavam com 1 ano e, posteriormente, quando estavam com 1 ano e 10 meses. Esses autores observaram em seus resultados uma relação positiva entre o uso materno de prescritivos (diretivos) que seguiram o foco de atenção da criança e o crescimento de seu vocabulário. Segundo esses pesquisadores, quando a mãe segue o foco de atenção da criança, ela pode facilitar a tarefa desta em relacionar os objetos a seu rótulo lingüístico.
Para Akhtar e cols. (1991), o uso do artifício da atenção conjunta e a densidade da fala materna são fatores que favorecem o desenvolvimento da linguagem. O fato da mãe pedir à criança que faça algo com que ela já esteja envolvida, tanto favorece a compreensão das palavras usadas quanto permite que a criança responda apropriadamente.
A presença de episódios de atenção conjunta durante as interações lingüísticas mãecriança foi também estudada por Tomasello e Farrar (1986). Observações em video tape foram utilizadas para codificar os episódios de atenção conjunta e, em seguida, analisar a relação entre esses episódios e a referência materna a objetos. Alguns dos principais resultados encontrados revelaram que as díades falavam mais e se engajavam em conversas mais longas durante os episódios de atenção conjunta; observouse que todas as medidas de linguagem tanto da mãe quanto da criança foram mais altas nos episódios de atenção conjunta, e foram produzidos proporcionalmente (p <.05) mais diretivos maternos quando não ocorreu atenção conjunta.
Além disso, estes autores verificaram uma correlação significativa (r= 0,55 p<.05) entre a freqüência de períodos de atenção conjunta e o nível do vocabulário da criança, e que, com o aumento da idade da criança, aumentavam os períodos de atenção conjunta. Esses resultados levaram os autores a afirmar que períodos de atenção conjunta de alguma maneira funcionam como um andaime para as primeiras interações lingüísticas mãecriança.
Desta forma, percebese a relevância dos contextos de atenção conjunta no processo de troca entre membros que interatuam com níveis diferenciados de competência cognitiva e lingüística, bem como a influência desses episódios no desenvolvimento lingüístico infantil.
O modo pelo qual os enunciados surgem nos períodos de atenção conjunta pode variar em função de características infantis, tais como o nível de desenvolvimento cognitivo e lingüístico da criança, sua faixa etária e as diferenças entre elas no que se refere aos estilos ou estratégias utilizadas para se inserirem no sistema lingüístico (Hampson e Nelson, 1993).
Esses aspectos podem influenciar tanto o padrão de interação estabelecida entre a díade, como também a linguagem apresentada à criança. No entanto, o gênero outra característica individual infantil tem sido apontado como uma variável possivelmente responsável por mudanças no contexto interativo e no estilo de fala materna (Dore, 1974; Ely e Gleason, 1997; Fagot e Hagan, 1991; Fiamenghi, 1999).
Em um estudo realizado por Huttenlocher e cols. (1991), observouse que algumas das primeiras diferenças entre os gêneros, no que se refere ao crescimento do vocabulário, demonstram variações maturacionais na capacidade lingüística de meninos e meninas. Ademais, em análises de interações face a face, Tronick e Cohn (1989) observaram variações no estabelecimento de sincronia ou responsividade durante as interações mãecriança, em função do gênero. Os resultados desse estudo demonstraram que as mães de meninos estabeleceram um maior período de sincronia ou responsividade que as mães de meninas, quando as crianças estavam na idade entre 6 e 9 meses.
Objetivo
O presente estudo teve como objetivo verificar a freqüência de períodos de atenção conjunta em um contexto de brincadeira livre, em função do gênero da criança, observando ainda os tipos de verbalizações utilizadas pelas mães para redirecionar a atenção da criança para um dado evento da interação.
Método
Participantes: Participaram desse estudo 16 díades mãecriança, pertencentes a famílias de classe social média da cidade de João Pessoa/ PB. As crianças estavam na faixa etária entre 2430 meses de idade, distribuídas igualmente quanto ao gênero. Foram utilizados como parâmetro para a variável classe social: o nível de instrução da mãe (a partir do 2º grau completo) e a renda familiar (de 15 a 20 salários mínimos). As mães possuem idade superior a 20 anos, são casadas, trabalham apenas um período do dia, e têm no máximo dois filhos, além da criança que participou do estudo.
Instrumentos: Para registrar os períodos de atenção conjunta foram realizadas, com o auxílio de uma câmera, gravações em video tape da interação mãecriança em um contexto de brincadeira livre.
Situação: Os dados foram obtidos a partir da observação da situação de brincadeira. Essa atividade constitui um exemplo de um contexto de troca que ocorre comumente entre mãe/criança, e permite que a mãe tenha mais liberdade para escolher quando realizar uma tarefa e tentar adaptála ao nível de compreensão da criança.
Procedimentos para a coleta dos dados: as observações foram realizadas em ambiente natural, no horário de preferência das mães. O primeiro contato com as mães, feito por telefone, teve como propósito explicar o objetivo da pesquisa, certificarse da participação da díade no estudo e marcar uma visita em sua casa. Na primeira visita foi realizada uma entrevista com a mãe e marcada uma segunda visita, para que fosse realizada a filmagem da atividade de brincadeira livre. Antes de iniciar o registro, davase tempo para que a mãe e a criança se familiarizassem com a presença da pesquisadora e da filmadora, somente sendo iniciada a gravação com o consentimento da mãe. Na sessão de observação, a única instrução dada pela pesquisadora, antes da filmagem, era a de que “a mãe brincasse com seu(a) filho(a) da maneira que costuma brincar habitualmente”. Durante as gravações, apenas estiveram presentes a mãe, a criança e a pesquisadora.
Após realizados todos os registros da situação de brincadeira livre, foi iniciado o processo de transcrição das sessões de observação. Essas sessões tiveram, em média, vinte minutos, sendo transcritos e analisados os dez minutos finais de cada uma, conservandose a forma exata das emissões verbais e nãoverbais da mãe e da criança. Foram escolhidos os 10 últimos minutos por considerálos os mais representativos de uma interação espontânea, a partir do pressuposto de que a díade estaria menos atenta ao fato de estar sendo filmada.
Procedimento para codificação e análise dos períodos de atividade conjunta: após concluído o processo de codificação e análise das verbalizações maternas e infantis, foi iniciada a codificação dos períodos de atividade conjunta estabelecidos entre as díades. As ocorrências desses episódios foram quantificadas tendo por base a definição proposta por Tomasello e Todd (1983): esses períodos (1) começam com um dos membros da díade iniciando a interação com o outro; (2) ambos os membros devem estar visualmente focalizados em um único objeto ou atividade por, no mínimo, 3 segundos; (3) em algum momento, durante o foco de atenção (possivelmente no início), a criança dirige algum comportamento evidente para a mãe (especialmente um olhar para sua face), como evidência de que ela estava atenta à sua interação, excluindo assim a possibilidade de um olhar casual.
Os dados referentes às frequências dos episódios de atividade conjunta de cada díade foram quantificados por meio do contador do próprio videocassete, sendo separados, durante a codificação, os períodos de atividades conjuntas daqueles que não constituíam esses episódios. Para a contagem de frequência dos episódios que constituíam atenção conjunta, foi considerado um tempo mínimo de 3 segundos, durante os quais mãe e criança estavam atentas à mesma atividade. O término era contado a partir do momento em que um dos membros da díade direcionasse sua atenção para um novo evento ou atividade que não fosse compartilhada por ambos.
Após quantificados pelo codificador original, 20% dos protocolos foram analisados por um segundo pesquisador, para obter o índice de concordância dos episódios de atenção conjunta observados durante os dez minutos de interação transcritos. O índice de fidedignidade das freqüências foi calculado por meio da fórmula IF= (S A/S (A+D). 100)2. A partir das comparações entre essa última análise e a do codificador original, foi obtido o índice de concordância de 82%, considerado aceitável nas análises que envolvem protocolos de conversação.
A seguir, a duração em minutos e segundos dos períodos de atenção conjunta e nãoatenção conjunta foi somada nos dois grupos e convertida em segundos. Para verificar se havia diferença significativa nos dois períodos entre as díades mãesmeninos e mãesmeninas, foi aplicado o teste de MannWhitney (U).
Procedimento para a contagem e análise dos enunciados que redirecionaram a atenção das crianças: além dos dados relativos aos períodos de atividade compartilhada estabelecidos entre as díades, foram descritos os enunciados que redirecionaram a atenção da criança para um novo episódio de atividade conjunta. Os enunciados maternos e da criança são apresentados e descritos no anexo 1.
Como mencionado anteriormente, os protocolos de observação dos dez minutos de interação das díades foram separados em episódios de atividade conjunta e nãoatividade conjunta. Esse procedimento serviu de base para que fossem verificados quais aqueles enunciados que funcionaram como artifício para redirecionar a atenção de um dos membros da díade quando um destes não estava partilhando uma atividade ou diálogo com o outro.
Verificouse que as crianças participaram desses contextos, redirecionando a atenção de suas mães e iniciando, ou dando continuidade, a uma atividade ou diálogo interrompidos. Neste sentido, foram também contados os enunciados infantis que serviram para redirecionar e manter períodos de atividade conjunta.
Para demarcar quais os enunciados que redirecionavam a atenção da criança ou da mãe para um novo período de atividade conjunta, foi contado o primeiro das mães ou das crianças ocorrido após um episódio de nãoatenção conjunta e que serviu, naquele momento da interação, para redirecionar a atenção de um dos membros da díade para um novo período de atividade conjunta. Caso essa atenção fosse restabelecida por no mínimo 3 segundos, esse enunciado seria contado como aquele que serviu para redirecionar a atenção de um dos membros. Foram identificados, após a contagem, quais os enunciados que serviram para reiniciar um novo período de atividade conjunta em cada díade.
Resultados
Os resultados das freqüências de períodos de atenção conjunta compartilhadas pelas díades durante o contexto de brinquedo livre serão apresentados abaixo.
Tabela 1. Duração em minutos e segundos dos Períodos de Atividade Conjunta (PAC) e NãoAtividade Conjunta (NAC) das díades mãemenino.
(N=08)
Em todas as díades foram observados períodos de atividade conjunta, sendo a média de duração desses episódios igual a 5min66s. Esses períodos tiveram, em geral, maior duração que os períodos de nãoatividade conjunta.
Tabela II. Duração em minutos e segundos dos Períodos de Atividade Conjunta (PAC) e NãoAtividade Conjunta (NAC) das díades mãesmeninas.
(N=08)
Verificase que, em todas as díades, ocorreram períodos de atividade conjunta, sendo a média desses episódios, para esse grupo, de 6min88s. Assim como nas díades mãemenino, esses períodos tiveram, em geral, maior duração que os períodos de nãoatividade conjunta.
Para verificar se havia diferença significativa na duração dos períodos de atenção conjunta e nãoatenção conjunta entre as díades, foi aplicado o teste de MannWhitney. Os resultados obtidos a partir da aplicação desse teste revelaram que não houve diferença significativa em relação aos períodos de atenção conjunta entre os dois grupos (p<.05).
Com o propósito de demonstrar como esses episódios se distribuíram durante os dez minutos de situação de brinquedo livre, serão apresentadas abaixo as porcentagens de ocorrências de períodos de atenção conjunta e nãoatenção conjunta nas díades mãemenino e mãemenina.
Houve uma maior ocorrência de períodos de atenção conjunta do que de nãoatenção conjunta nas díades mãesmeninos, embora, como já mencionado, não tenha sido encontrada uma diferença significativa entre os dois grupos nesses dois tipos de eventos.
Como pode ser observado, houve maior ocorrência de período de atenção conjunta do que períodos de nãoatenção conjunta também nessas díades. Contudo, não foi encontrada diferença significativa, em relação às ocorrências desses dois tipos de episódios, nas díades mãesmeninos e mãesmeninas.
Enunciados maternos utilizados para restabelecera atenção conjunta durante as interações
Buscouse, nessa análise, observar também que tipos de estratégias lingüísticas foram utilizadas pelas mães para redirecionar a atenção da criança, quando esta não estava atenta ou compartilhando uma atividade com sua mãe durante a situação de brinquedo livre.
Por meio de uma análise mais detalhada dos protocolos de observação, verificouse que durante os períodos de atenção conjunta a ocorrência de enunciados maternos e verbalizações das crianças em ambos os grupos foi maior que nos períodos de nãoatenção conjunta.
A análise dos protolocos de observação indicou que tanto as mães de meninos quanto as de meninas utilizaram, como estratégia para redirecionar a atenção de seus filhos, o uso de diretivos, solicitações e informações. A ocorrência e utilização desses enunciados variou nos dois grupos, sendo que as mães de meninos utilizaram mais diretivos que as de meninas; enquanto que as mães de meninas utilizaram mais solicitações e informações para redirecionar a atenção destas. Contudo, foi observada a utilização desses três tipos de enunciados nas mães tanto de meninos quanto de meninas.
No que se refere aos comportamentos comunicativos infantis, foi verificado em ambos os grupos que as falas espontâneas demarcaram a participação das crianças, no sentido de redirecionar e até mesmo dar início a um novo tópico de diálogo com suas mães. A fala espontânea foi mais utilizada pelos meninos do que pelas meninas para chamar a atenção das mães, naqueles momentos em que estas não estavam atentas ou envolvidas em uma atividade conjunta com os filhos durante a sessão de brinquedo livre.
Discussão
Os contextos de atenção conjunta ou estrutura sóciocomunicativa já foram apontados como fundamentais para o desenvolvimento do vocabulário infantil, compondo o cenário de trocas lingüísticas desde um período muito precoce da vida da criança. São nesses contextos que as diversas intenções comunicativas e ações verbais se aprimoram, dando oportunidade à criança de estabelecer gradativamente um paralelismo entre os objetos, ações e seus referentes lingüísticos.
O presente estudo se propôs observar a freqüência de episódios de atenção conjunta em função do gênero da criança, e os tipos de verbalizações maternas e infantis utilizadas para redirecionar a atenção de um dos membros da díade, em um contexto de brincadeira livre, situação que também propicia períodos de atenção conjunta.
Não foi observada diferença significativa nos períodos de atenção conjunta entre as díades mãemenino e mãemenina. Entretanto, observouse que tanto nas díades mãesmeninos quanto nas mãesmeninas foram estabelecidos, em média, maiores períodos de atenção conjunta que de nãoatenção conjunta.
Esses resultados confirmam os encontrados por Tomasello e Farrar (1986), que verificaram que dois terços das interações analisadas ocorreram durante os episódios de atenção conjunta, e que mais enunciados maternos foram produzidos durante os episódios de atenção conjunta estabelecidos pelas díades.
Possivelmente a similaridade entre os grupos pode estar relacionada ao nível de desenvolvimento lingüístico e cognitivo das crianças, bem como a sua faixa etária. Nessa fase, a compreensão das formas lingüísticas por parte das crianças pode fazer delas parceiras conversacionais mais envolvidas no contexto interativo, ficando as atividades centradas cada vez mais nas potencialidades cognitivas e lingüísticas infantis já adquiridas. Essa idéia ganha apoio nos resultados do estudo realizado por Morales e cols. (2000), que afirmaram que a capacidade de responder à atenção conjunta se desenvolve completamente no segundo ano de vida da criança, com o aumento de sua capacidade de fixar o alvo indicado por outra pessoa.
Essa questão foi observada ainda por Pan e cols. (1998), que verificaram que quando as crianças já possuem maior sofisticação em seu repertório cognitivo, tornamse participantes mais ativos durante as interações, permitindo que as intenções comunicativas maternas sejam melhor compreendidas e compartilhadas com a criança.
Os diálogos, durante os períodos de atenção conjunta, giraram em torno dos diversos brinquedos que compuseram o cenário interativo; nesses contextos, as atividades foram propostas geralmente pela figura materna.
Verificouse que, durante os dez minutos de interação, foram percebidos longos episódios em que havia o estabelecimento de diálogo entre as díades e negociação mútua das atividades a serem realizadas. Nas díades mãemenino, os episódios de atenção conjunta envolveram jogos de montar, dominós de animais, carrinhos, lápis e papel, bichinhos de pelúcia, motoquinhas, bola e diversos tipos de brinquedos plásticos em miniatura. Nas díades mãemenina foram utilizados, durante os episódios de atenção conjunta, brinquedos como bonecas, bichinhos de pelúcia, papel e lápis, bola, brinquedos plásticos com formas geométricas, joguinhos de chá e cozinha, fantoches, diversos tipos de brinquedos plásticos em miniatura, dentre outros.
Como parte deste estudo, buscouse verificar se as mães utilizaramse de enunciados diretivos para manter e redirecionar os episódios de atenção conjunta com as crianças. Constatouse que as estratégias maternas para reiniciar ou redirecionar a atenção das crianças para episódios de atenção conjunta incluíram o uso materno de diretivos.
Esse resultado confirma aqueles encontrados por Murphy e Messer (1980), Barnes e cols. (1983) e Akhtar e cols. (1991), que os enunciados diretivos foram utilizados pelas mães como artifício para chamar a atenção da criança para aspectos relevantes do contexto, como objetos e atividades. Tomasello e Farrar (1986) observaram também em seu estudo que as mães produziram proporcionalmente mais diretivos nos episódios em que não houve uma atenção conjunta, do que nos momentos em que foram estabelecidos períodos de atenção conjunta.
Contudo, observouse que as mães utilizaram não somente enunciados diretivos, mas também solicitações e informações para redirecionar a atenção das crianças durante os episódios de nãoatenção conjunta. Verificouse também que as solicitações e informações, enunciados que não possuem uma intenção claramente diretiva nas trocas lingüísticas, foram sempre acompanhadas por gestos diretivos como apontar e mostrar, que auxiliaram as mães a reiniciar uma atividade conjunta com as crianças.
A coocorrência gestofala durante as trocas lingüísticas foi verificada também por Schmidt (1996), que observou que as mães de crianças com dois anos de idade utilizaramse de nomeações e descrições de objetos informações combinadas freqüentemente com o gesto de apontar, no intuito de redirecionar a atenção das crianças para determinados eventos do ambiente.
A utilização de solicitações e informações para redirecionar a atenção das crianças para atividades e objetos do contexto foi relatada por Bellinger (1979), que observou que as mães também dirigiam a suas crianças declarativos e interrogativos (informações e solicitações) para manter e redirecionar a atenção da criança durante a interação.
Esses resultados podem indicar que o uso de solicitações e informações maternas, nesses contextos, teve como função primeira redirecionar a atenção da criança quando ela não estava envolvida em uma atividade com sua mãe.
Por outro lado, foi também observada a participação das crianças. As tentativas infantis para redirecionar a atenção das mães caracterizaramse pelo uso de falas espontâneas também em contextos nos quais mãe e criança não estavam partilhando a mesma atividade ou tópico do diálogo. As falas espontâneas ou iniciativas verbais de meninos e meninas em ambos os grupos acentuaram ainda mais a participação das mesmas nesses contextos.
Podese perceber que a criança, vista como uma parceira ativa no diálogo, demarca seu espaço durante as interações, pois as habilidades lingüísticas e cognitivas adquiridas por elas, nesse período do desenvolvimento, podem influenciar não somente a duração e ocorrência de períodos de atenção conjunta, como também os contextos específicos de trocas lingüísticas estabelecidas com suas mães.
A leitura dos resultados obtidos neste estudo foi efetivada partindo da premissa de que os comportamentos e verbalizações de mães e crianças influenciamse reciprocamente, caracterizando um cenário de troca mútua em que a criança é percebida como uma parceira ativa e dinâmica nas interações, e a mãe o elemento da díade responsável pela criação de uma estrutura sóciointerativa favorável para a aprendizagem da linguagem.
Ressaltase a importância de se considerar outras características infantis, além do gênero, na análise de estilos interativos mãecriança. Os dados deste estudo parecem indicar que as variações na fala das mães em relação aos dois grupos mãemenino e mãemenina devem ser analisadas também em função da participação efetiva das crianças e de suas habilidades.
Não se pode negar, contudo, que o gênero influenciou, por exemplo, na escolha dos brinquedos durante as interações, e que tal escolha trazia implícita uma mensagem do que era “de menino ou de menina”, mas essa dimensão não foi a única responsável pelos estilos de fala que as mães dirigiram às crianças. Ademais, as concepções maternas acerca dos padrões de comportamento baseados no gênero vêm sendo modificadas em função dos novos conceitos que orientam os estilos educativos apresentados a meninos e meninas, o que também pode influenciar as trocas interativas adultocriança.
Assim, sugerese que futuras pesquisas investiguem os contextos de trocas estabelecidos entre mães e crianças e as repercussões desses contextos para o desenvolvimento cognitivo e lingüístico infantil, abordando não apenas os atos de fala em si, mas sua relação com a estrutura sóciocomunicativa subjacente às verbalizações maternas.
Referências Bibliográficas
AKHTAR, N.; DUNHAM, F.; DUNHAM, P. (1991). Directive interactions an d early vocabulary development: The role of joint attention focus. Journal of Chil d Language. 18, 41 49. [ Links ]
BARNES, S.; GUTFREUND, M.; SATTERLY, D.; WELLS, G. (1983). Characteristics of adult speech which predict children’s language development. Journal of Child Language. 10, 6584.
BARRET, M. (1997). Desenvolvimento lexical inicial. In: FLETCHER, P.; MACWINNEY, B. (ed.). Compêndio da linguagem da criança. Porto Alegre: Artes Médicas. [ Links ]
BELLINGER, D. (1979). Changes in the explicitness of mothers’ directive s as children age. Journal of Child Language. 6, 443458.
BOCK, K.; HORNSBY, M. E. (1981). The development of directives: how children ask and tell. Journal of Child Language. 8, 151163. [ Links ]
BRUNER, J. S. (1980). Early social interaction and language acquisition. In: SCHAFFER, H. R. (ed.). Studies in motherinfant interaction. New York: Academic Press Inc. [ Links ]
DORE, J. (1974). A pragmatic description of early language development. Journa l of Psicholinguistic Research. 3, 343350. [ Links ]
ELY, R.; GLEASON, J. B. (1997). Socialização em diferentes contextos. In:: FLETCHER, P.; MACWINNEY, B. (ed.). Compêndio da linguagem da criança. Porto Alegre: Artes Médicas. [ Links ]
FAGOT, B. I.; HAGAN, R. (1991). Observations of parent reactions t o Sexstereotyped behaviors: Age and sex effects. Child Development. 62, 617628. [ Links ]
FIAMENGHI, G. A. (1999). Conversas dos bebês. São Paulo: Editora Hucitec. [ Links ]
FURROW, D., NELSON, K.; BENEDICT, H. (1979). Mothers’ speech to children and syntactic development: some simple relationships. Journal of Child Language. 6, 423442.
HAMPSON, J.; NELSON, K. (1993). The relation of maternal language to variation in rate and style of language acquisition. Journal of Child Language. 20, 313342. [ Links ]
HARRIS, M., JONES, D.; BROOKES, S. (1986). Maternal speech and early language. In: CRAWLEY, R.; STEVENSON, R.; TALLERMAN, M. (orgs.). Proceeding of the child language seminar. University of Durham. [ Links ]
HUTTENLOCHER, J., HAIGHT, W., BRYK, A., SELTZER, M.; LYONS, T. (1991). Early vocabulary growth: Relation to language input and gender. Development Psychology. 27, (2): 236248. [ Links ]
MORALES, M., MUNDY, P., DELGADO, C. E. F, YALE, M., MESSINGER, D., NEAL, R.; SCHWARTZ, H. K. (2000). Responding to joint attention across the 6through 24month age period and early language acquisition. Journal of Applied Development Psychology. 21 (3): 283298. [ Links ]
MURPHY, C. M.; MESSER, D. F. (1980). Mothers, infants and pointing: A study of a gesture. In: Schaffer, H. R. (ed.). Studies in motherinfant interaction. New York: Academic Press Inc. [ Links ]
PAN, B. A.; IMBENSBAILEY, A.; WINNER, K.; SNOW, C. (1998). Communicative intents expressed by parents in interaction with young children. Harvard University Graduate School of Education. [ Links ]
SALOMÃO, N. M. R.; CONTIRAMSDEN, G. (1994). Maternal speech to their offspring: SLI children and their younger siblings. Scandinavian Journal of Logopedics and Phonology. 19, 1117. [ Links ]
SCHMIDT, C. L. (1996). Scrutinizing reference: How gesture and speech are coordinated in motherchild interaction. Journal of Child Language. 23, 279305. [ Links ]
SNOW, C. E. (1989). Understanding social interaction and language acquisition: sentences are not enough. In: BORNSTEIN, M. H; BRUNER, J. S. (ed.). Interaction in Human Development. Hillsdale, New Jersey: Lawrence Erlbaum Associate Inc., Publishers. [ Links ]
TOMASELLO, M.; TODD, J. (1983). Joint attention and lexical acquisition style. First Language. 4, 197212. [ Links ]
TOMASELLO, M.; FARRAR, M. J. (1986). Joint attention and early language. Child Development. 57, 14541463. [ Links ]
TRONICK, E. Z.; COHN, J. F. (1989). Infantmother facetoface interaction: age and gender differences in coordination and ocurrence of miscoordination. Child Development. 60, 8592. [ Links ]
VYGOTSKY, L. S. (2000). A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes. [ Links ]
Endereço para correspondência
Fabíola de Sousa Braz
Nádia Maria Ribeiro Salomão
UFPB Deptº de Psicologia/Mestrado em Psicologia Social 58059900 João Pessoa/PB.
E-mail: nmrs@uol.com.br
Recebido em 25/06/02
Aprovado em 06/03/03
Notas
IMestre em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba; Professora da Universidade Estadual da Paraíba e do Centro Universitário de João Pessoa Unipê.
IIProfessora Doutora do Departamento de Psicologia da UFPB.
1Agradecimento à CAPES pelo financiamento da presente pesquisa.
2IF = índice de fidedignidade; S= somatório; A= acordos; D= desacordos.
Anexo 1
Estilos de Fala Materna
1. Diretivos: podem ser interpretados como um comando ou ordem possuindo um componente imperativo interpretável que dirige o comportamento ou verbalizações da criança (Akhtar, Dunham e Dunham, 1991).
2. Solicitação: “(...) a mãe faz um pergunta ou pedido à criança, solicitando uma resposta verbal ou não verbal, relativa à atividade em que elas estão envolvidas (Salomão e ContiRamsden, 1994).
3. Informação: a mãe nomeia um objeto e suas características; descreve uma ação na tentativa de promover informações à criança (Salomão e ContiRamsden, 1994).
Comportamentos comunicativos da criança
1. Fala espontânea: qualquer comportamento verbal da criança que não é precedido por uma pergunta, não é uma imitação ou repetição de um enunciado prévio da mãe (Salomão e ContiRamsden, 1994).