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Temas em Psicologia

 ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.3 no.3 Ribeirão Preto dez. 1995

 

Relações de equivalência: um novo princípio?

 

 

Antônio de Freitas Ribeiro

Universidade de Brasília

 

 

Recentemente, e de modo mais explícito, Sidman (1990,1992) tem considerado a questão genérica da origem ou explicação das relações de equivalência. Questiona as possibilidades de que se venha encontrar sua origem ou explicação na decorrência de outros princípios, funções, variáveis ou processos psicológicos mais fundamentais. Descarta várias explicações da equivalência como sendo função da mediação verbal, do comportamento verbal, da governância por regras, ou da formação de classes funcionais de estímulos. Finalmente, Sidman (1992) propõe que teremos de considerar a possibilidade de que a equivalência venha a ser uma função fundamental do estímulo, não derivável de outros processos comportamentais básicos e que:

(...) teremos de considerar a possibilidade de que estímulos se tornam equivalentes pelas mesmas razões que se tornam reforçadores, discriminativos, eliciadores ou emocionais - simplesmente somos feitos desta maneira (1)(p. 23)

Basicamente, a formulação de Sidman começa com uma revisão do conceito de contingência de reforço, diferenciando especialmente a noção de contingência ou relação de três e de quatro termos. A relação de três termos envolve o estímulo discriminativo, resposta e conseqüência, dando origem à relação de discriminação de estímulos e diferenciação de respostas. Por outro lado, a relação de quatro termos, envolvendo o estímulo condicional, estímulo discriminativo, resposta e conseqüência, dá origem à relação discriminativa condicional, determinando qual relação de três termos estaria em efeito, não envolvendo necessariamente respos! a noção de contingência de reforço ou de três termos de Skinner é de interações entre ocasiões, respostas e conseqüências, vistas como relações que definem o operante. O primeiro termo - ocasião - não limita o número, nem as funções de estímulo que possam constituí-lo. Para Sidman, o que há de especial na relação de quatro termos é a adição da "relação estímulo-estímulo" à "relação estímulo-resposta-reforço", contida na relação de três termos. A origem da equivalência estaria, assim, para Sidman (1990), nas relações de quatro termos que dão origem às relações condicionais:

.Assim como a função condicionada do estímulo aparece ao nível da contingência de três termos, as relações de equivalência aparecem no nível das contingências de quatro termos. E assim como as funções reforçadoras, discriminativas, de reforçamento condicionado e de discriminação condicional representam primitivos não analisáveis na descrição do comportamento, equivalência poderia representar ainda outro primitivo. (2)(1990, p. 111)

Sidman (1992) leva ao extremo a noção de equivalência como uma função elementar do estímulo, chegando à seguinte consideração:

(...) sugerir que equivalência é uma função primitiva do estímulo implica que relações de equivalência emergem primeiro, antes que a experiência em diferentes contextos as modifiquem ou destruam. Na verdade, nós poderíamos, por exemplo, comer a palavra "pão", se não aprendêssemos, por experiência ou através de regras, que palavras, ainda que equivalentes a alimentos, não são comestíveis. (3)(p. 22)

Sidman (1992) considera que Piaget (1926)(4), no livro A Representação do Mundo na Criança, teria chegado a conclusões semelhantes, embora por caminhos diferentes, ao afirmar que a criança somente aos 10 ou 11 anos chegaria a distinguir as palavras das coisas designadas por elas, não podendo distinguir uma casa real, por exemplo, do nome da casa.

Naturalmente que o estudo de Piaget, interessantíssimo e rico em detalhes sobre o pensamento da criança, permite leituras diferentes. A confusão entre palavras e coisas, por exemplo, pode ser vista não tanto como levando a criança a tomar a palavra pela coisa, mas a responder ao mundo das coisas quando perguntada sobre o mundo das palavras. Na seção sobre Palavras e Coisas (pp. 47-52) do capítulo intitulado O Realismo Infantil e no capítulo seguinte, intitulado O Realismo Nominal (pp. 53-75), podemos ler uma interessante fenomenologia do tacto. Piaget pergunta a uma criança de 5 anos e 6 meses como se soube que o sol se chamava assim. "- Eu não sei, é porque a gente vê ele." (p. 59); e, quando perguntada quanto à lua, "- E porque a gente via a lua e sabia que ela se chamava lua." (p. 59). As crianças mais novas ao serem questionadas, por exemplo, sobre 0 lugar dos nomes respondem sobre o lugar das coisas. Se perguntadas se as palavras têm força, podem responder que sim. Se solicitadas a dizer uma palavra forte, podem dizer: "- Um cavalo quanto fica bravo", (p. 49). Entretanto, apesar de pouco sofisticada, a criança não corre o risco de comer a palavra "pão", nem precisa aprender pela experiência ou por instruções a não matar a palavra "mosca", ou a não chutar a palavra "bola". Apesar de caírem várias vezes naquelas armadilhas já ilustradas, aqui, crianças certamente não tentariam cavalgar a palavra "cavalo". A criança responde diretamente ao mundo, não tendo ainda uma linguagem secundária, ou um repertório de comportamento verbal sobre o comportamento verbal.

Saunders e Green (1992) mostram várias dificuldades ou limitações, tanto conceituais, quanto empíricas, na posição de Sidman quanto à equivalência. A análise de Saunders e Green mostra que os procedimentos tipicamente utilizados nos experimentos de equivalência podem levar à formação de classes diferentes daquelas previstas pelos experimentadores, que diversos experimentos têm chegado à formação de classe e talvez de classe equivalente através de procedimentos outros que não o matching to sample ou as relações de quatro termos, como treino de seqüências de estímulos, discriminação simples, e treino que relaciona os estímulos antecede cs dificuldades apontadas por Saunders e Green relaciona-se com o teste da propriedade reflexiva da relação de equivalência, que parece fundamentar-se na identidade perceptual dc cada estímulo com ele mesmo, e que é independente das relações treinadas em linha de base, enquanto a noção de relação de equivalência de Sidman fundamenta-se em relações arbitrárias, sem similaridade formal ou perceptual entre os estímulos.

Em vários sentidos, a sugestão de Sidman para considerar equivalência como um novo princípio ou como função fundamental de estímulos parece-nos precipitada. Experimentos recentes como os de Wraikat, Sundberg e Michael (1991) e Sundberg e Sundberg (1990) descrevem relações de equivalência nos termos do Comportamento Verbal, de Skinner (1987), e da diferenciação proposta por Jack Michael entre comportamentos baseados em topografias distintas (discriminações simples) versus comportamentos baseados em seleção de estímulos (discriminações condicionais). Estes experimentadores desenvolveram equivalência de estímulos em adultos com retardo mental, de moderado a profundo, tanto através do treino de discriminações simples, quanto através de discriminações condicionais. Em ambos os casos, as linhas de base constituíram-se de tactos (fazer um sinal manual ou selecionar um símbolo, diante de um objeto) e de intraverbais (fazer o mesmo sinal manual ou selecionar o mesmo símbolo, ao ouvir o nome do mesmo objeto). Equivalência foi testada através de um novo comportamento de ouvinte, ou seja, os sujeitos respondiam aos mandos do experimentador para mostrar os objetos, por exemplo, "Mostre-me o puck". Os comportamentos verbais treinados em 1 inha de base envolvendo discriminações simples mostraram-se mais eficientes para evocar o novo comportamento de ouvinte que os comportamentos verbais baseados em seleção de estímulos.

Hall e Chase (1991) fazem uma análise do conceito de equivalência e estímulos nos termos do Comportamento Verbal de Skinner, reconhecendo as dificuldades desta análise, uma vez que os dois enfoques foram formulados a partir de diferentes termos. Depois de analisarem exemplos particulares de equivalência nos termos de Comportamento Verbal, generalizam as descrições das propriedades definidoras das relações de equivalência como relações entre relações, ou seja: relações conceituais ou abstratas baseadas nos tipos de relações entre os estímulos. Hall e Chase (1991, p. 112) utilizam especialmente a noção de conceito de Engelmann e Carmine:

Se um conjunto de exemplos partilham entre si alguma semelhança ou igualdade observada, esta semelhança ou igualdade constitui um conceito, servindo de base para uma discriminação ou uma generalização.(5)(p. 36).

No caso dos estímulos serem verbais orais, a reflexividade é analisada como envolvendo o conceito de imitação verbal generalizada, ou o conceito de relações ecóicas entre os estímulos. Embora cada estímulo seja formalmente diferente, as relações entre eles são as mesmas: diante de cada novo estímulo, o sujeito produz uma resposta formalmente semelhante. Asimetria envolveria relações entre dois intraverbais nas quais os estímulos e produtos das respostas são revertidos. Após uma história específica de treino verbal, uma nova relação entre intraverbais irá produzir, sem novo treino, a relação reversa, dado um contexto apropriado. Na transitividade estariam envolvidos dois pares de relações entre três intraverbais. O produto da resposta na primeira relação pode ser, por exemplo, o estímulo na segunda relação. Após cada par ser treinado, um terceiro par pode emergir constituindo-se do estímulo do primeiro par com o produto da resposta do segundo. Este padrão sistemático de respostas constituiria o responder abstrato ou conceituai entre as relações intraverbais treinadas. Somente uma comunidade verbal poderia produzir contingências restritas dos tipos descritos acima. Assim, mesmo que os estímulos não sejam verbais, o padrão básico de responder que emerge de tais treinos só ocorre como função do reforço mediado e de uma subcomunidade especialmente treinada para reforçar tais relações. O padrão básico de respostas conceituais ou abstratas pode ser visto como análogo ao comportamento verbal, ou produto de contingências tipicamente verbais, independentemente da forma da resposta.

Análises como as descritas acima podem ser vistas como tentativas de "traduções" do conceito de equivalência de estímulos para os termos da análise do comportamento verbal. O conceito de equivalência de estímulos, entretanto, especialmente como postulado por Sidman, parece freqüentemente invocar um novo (?) princípio ou mecanismo explicativo para a linguagem e a cognição. Skinner (1957) é citado por Sidman (1992) ao afirmar que o significado do comportamento verbal está em suas variáveis de controle. Segundo Sidman, as relações de equivalência seriam estas variáveis de controle. Estaremos falando de equivalência de estímulos quando filiarmos de "significado", "símbolo", "referente", ou de "comportamentos governados por regras versus comportamentos modelados por contingências".

Do nosso ponto de vista, a posição de Sidman está cada vez mais estranha à tradição da análise do comportamento em geral, e da análise do comportamento verbal em particular; isto é, do comportamento verbal em termos de comportamento. Torna-se mais próxima da análise da linguagem vista como referência e como uso de palavras. As palavras se "coisificam", tornam-se equivalentes a coisas, deixando, assim, de serem comportamento, que não é coisa.

 

 

Referências Bibliográficas

Hall, G.A. e Chase, RN. (1991) The relationship between stimulus equivalence and verbal behavior. The Analysis of Verbal Behavior, 9, 107-119.         [ Links ]

Piaget, J. A Representação do Mundo na Criança. (Publicado originalmente em 1926, Paris: PUR). Rio de Janeiro: Record.         [ Links ]

Saunders, R.R. e Green, G. (1992) The nonequivalence of behavioral and mathematical equivalence. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 57, 227-241.         [ Links ]

Sidman, M. (1992) Equivalence relations: Some basic considerations. Em, S.C. Hayes e L.J. Hayes (Orgs.), Understanding Verbal Relations. Reno, NV: Context Press.         [ Links ]

Sidman, M. e Taiby. W.(1982) Conditional discrimination vs. matching to sample: an expansion of the testing paradigm. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 37, 5-22.         [ Links ]

Sidman, M. (1990) Equivalence relations: Where do they come from? Em, D.E. Blackman e H. Lejeune (Orgs.), Behavior Analysis in Theory and Practice: Contributions and Controversies. Hillsdale, NJ: Erlbaum.         [ Links ]

Skinner, B.F. (1957) Verbal Behavior. New York: Appleton-Century-Crofts.         [ Links ]

Sundberg, C.T. e Sundberg, M.L. (1990). Comparing topography-based with stimulus selections - based verbal behavior. The Analysis of Verbal Behavior, 8, 31-41.         [ Links ]

Wraikat, R.; Sundberg, C.T. e Michael, J. (1991) Topography-based and selection-based verbal behavior: A further comparison. The Analysis of Verbal Behavior, 9, 1-17.         [ Links ]

 

 

(1) (...) we will have to consider the possibility that stimuli become equivalent for the same reason they become reinforcing, discriminative, eliciting, or emotional - simply because we are made that way
(2) Just as the conditioned reinforcement function appears at the level of the three-term contingency, equivalence relations appear at the level of the level of the four-term contingency. And, just as the stimulus functions of reinforcement, discrimination, conditioned reinforcement ans conditioned reinforcement and conditional discrimination represent unanalysable primitives in the description of behavior, equivalence may represent yet another primitive
(3) (...) to suggest that equivalence is a primitive stimulus function is to imply that the equivalence relations emerge first, before experience in different context modifies or breaks them down. We really would, for example, eat the word "bread", did we not learn through experience or through rules that words, even when equivalent to foods, are not eatable
(4) A tradução brasileira que utilizei, publicada pela Record, não tem data de publicação
(5) If a set of examples has an observed sameness, that sameness is a concept, the basis for a discrimination or a generalization