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Temas em Psicologia

 ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.11 no.1 Ribeirão Preto jun. 2003

 

 

O processo de coping em crianças e adolescentes: adaptação e desenvolvimentoI

 

The coping process in children and adolescents: adaptation and development

 

 

Débora Dalbosco Dell'Aglio

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta uma revisão teórica sobre o processo de coping em crianças e adolescentes, enfatizando sua função adaptativa ao longo do desenvolvimento. É discutida a necessidade de uma teoria de stress-coping específica para a criança, que considere as características do contexto social de inserção e as próprias características do sujeito em desenvolvimento. São apresentados os principais modelos teóricos e as principais estratégias de coping utilizadas por crianças e adolescentes, observando diferenças relacionadas a gênero e idade no desenvolvimento das estratégias, assim como ao tipo de interação entre os participantes do evento estressor. Discute-se a necessidade de novas pesquisas que possam consolidar as evidências acerca do papel adaptativo das estratégias utilizadas em situações adversas, contribuindo na busca de um modelo explicativo para o processo de coping em crianças e adolescentes.

Palavras-chave: Coping, Adaptação, Desenvolvimento.


ABSTRACT

This article presents a theoretical revision about coping process in children and adolescents, emphasizing its adaptative function during their development. The need for a child specific stress-coping theory is discussed, taking into account both, the characteristics of the social context, and of the developing person. The main theoretical models and the children’s and adolescent’s coping strategies are presented, focusing on gender and age differences in the development of strategies, and on participants interactions in case of stressor events. The need for new research that could consolidate the evidences about the adaptive role of strategies used in adverse situations is discussed, contributing to the search of an explanatory model to the coping process in children and adolescents.

Keywords: Coping, Adaptation, Development.


 

 

O processo de coping: aspectos conceituais

O interesse pelas diferentes formas de adaptação dos indivíduos a circunstâncias adversas, assim como pelos seus esforços para lidar com situações estressantes, tem-se constituído em objeto de estudo da psicologia através do construto denominado coping1 (Suls, David e Harvey, 1996). Coping tem sido definido como um conjunto de esforços, cognitivos e comportamentais, utilizado pelos indivíduos com o objetivo de lidar com demandas específicas, internas ou externas, que surgem em situações de stress e são avaliadas como sobrecarregando ou excedendo seus recursos pessoais (Lazarus e Folkman, 1984). Estudos de coping têm demonstrado que estes esforços, bem como tentativas de regular as emoções negativas associadas às circunstâncias estressantes, são importantes para reduzir os efeitos negativos destes eventos, incluindo problemas emocionais e de comportamento (Boekaerts, 1996; Compas, Malcarne e Fondacaro, 1988). Há, no entanto, diferenças individuais no nível de problemas associados a experiências estressantes, que se devem, em parte, a diferenças na disponibilidade de recursos e métodos utilizados para lidar com eventos adversos, assim como a características de personalidade (Beresford, 1994; Compas, Banez, Malcarne e Worsham, 1991; Folkman, 1984; Rossman, 1992).

A maioria dos trabalhos sobre processos de coping tem se baseado na teoria de estresse de Lazarus e Folkman (1984), que descreve um processo recíproco de avaliação cognitiva de recursos de coping e de estressores. Especificamente em crianças e adolescentes, o processo de coping precisa ser entendido a partir das características do contexto social em que ocorre, e das próprias características do sujeito em desenvolvimento. Compas (1987) apontou a necessidade de alterações para aplicar as noções de estresse e coping às ações de crianças e adolescentes, pois para entender os recursos, estilos e esforços de coping na infância é necessário compreender seu contexto social, tendo em vista a dependência da criança em relação ao adulto para sua sobrevivência. Além disso, os esforços de coping da criança são delimitados por sua preparação biológica e psicológica para responder ao estresse. Por outro lado, as características básicas do desenvolvimento cognitivo e social tendem a afetar o que as crianças experimentam como estresse e como elas lidam com estas situações. Estão incluídas nessas características as crenças sobre a autopercepção e auto-eficácia, mecanismos inibitórios e de autocontrole, atribuição de causalidade, relacionamento com pais e amigos, entre outras (Compas, 1987).

A necessidade de uma teoria de stress-coping, específica para a criança, também é defendida por Ryan-Wenger (1992) e Peterson (1989). Ryan-Wenger considera os estressores da criança diferentes dos estressores dos adultos. Os estressores da criança se referem a situações com os pais, outros membros da família, professores, ou a condições sócio-econômicas que estão fora de seu controle direto e, geralmente, são mais difíceis de serem modificados pela própria criança do que pelos adultos. Peterson considera que o nível de desenvolvimento cognitivo também influencia a utilização de determinadas estratégias na medida em que a criança necessita realizar uma avaliação do estressor. Essa avaliação envolve vários processos simultâneos: a criança precisa relacionar o evento estressante com a lembrança de eventos semelhantes enfrentados em outros momentos, necessita definir os parâmetros do evento estressante, tais como a intensidade potencial e a duração e, ainda, avaliar a probabilidade de nova ocorrência do evento (Peterson, 1989).

Atualmente, há um intenso debate na literatura contemporânea decorrente das controvérsias geradas pelas múltiplas propostas de modelos de coping que variam na sua estrutura e produzem diferentes implicações evolutivas (Antoniazzi, Dell’Aglio e Bandeira, 1998). Conseqüentemente, diversos modelos têm sido utilizados para direcionar as pesquisas sobre as formas com que crianças e adolescentes lidam com situações de estresse. Entre eles, destacam-se o modelo de avaliação cognitiva (Lazarus e Folkman, 1984), o modelo de duas dimensões de controle primário e secundário (Band e Weisz, 1988) e o modelo monitoring-blunting (Miller, 1981).

Apesar da aparente diversidade nesta área, todas as abordagens enfatizam uma distinção básica entre os dois tipos fundamentais de coping, baseada na intenção ou na função dos esforços realizados. O primeiro tipo de coping se refere ao esforço para mudar ou administrar alguns aspectos de uma pessoa, de um ambiente ou de uma relação percebida como estressante, sendo, portanto, focalizado no problema, enquanto o segundo tipo de coping envolve esforços para administrar ou regular as emoções negativas associadas ao episódio de estresse, sendo focalizado na emoção.

Ambas as funções de coping, focalizada na emoção ou focalizada no problema, podem efetivar-se através de diferentes estratégias de coping que seriam utilizadas pelo indivíduo em situações estressantes. A literatura aponta uma diversidade muito grande de estratégias, sendo que cada autor descreve um diferente sistema de categorias de coping, escolhendo estratégias de acordo com categorias pré-determinadas, baseadas em pesquisas prévias, ou por análise de conteúdo. Ryan-Wenger (1992) apresenta uma taxonomia, através de uma síntese de trabalhos empíricos sobre estratégias de coping na criança, chegando a similaridades nos resultados destes estudos. Inicialmente, 145 estratégias foram identificadas e agrupadas de acordo com algumas características fundamentais comuns. Isso permitiu reduzir essas estratégias a 15 categorias de coping: atividades agressivas, comportamento de evitação, comportamento de distração, evitação cognitiva, distração cognitiva, solução cognitiva de problemas, reestruturação cognitiva, expressão emocional, resistência, busca de informação, atividades de isolamento, atividades de autocontrole, busca de suporte social, busca de suporte espiritual, e modificação do estressor. Alguns autores também se referem à estratégia de inação (doing nothing), na qual a criança não emite nenhum tipo de comportamento (Kliewer, 1991; Losoya, Eisenberg e Fabes,1998).

Para Boekaerts (1996), as crianças e adolescentes utilizam uma grande diversidade de respostas de coping, podendo ser observadas diferentes respostas para diferentes domínios (escolar, familiar, social) e as respostas de coping podem ser agrupadas em estratégias amplas de coping que apresentam uma relativa estabilidade temporal. De acordo com esta autora, as estratégias mais freqüentes entre crianças e adolescentes são as várias formas de coping ativo (como controle do perigo e busca de apoio social) e várias formas de coping interno (como planejamento de solução do problema e distração passiva e ativa), e as estratégias menos freqüentes envolvem autodestruição, agressão, coping de confronto, afastamento, relaxamento e controle da ansiedade (Boekaerts, 1996).

Estudos de coping com crianças e adolescentes sugerem que tanto estratégias focalizadas no problema como estratégias focalizadas na emoção são importantes para uma adaptação ao estresse (Compas, 1987; Losoya, Eisenberg e Fabes, 1998). As duas funções de coping, focalizado no problema e focalizado na emoção, não são, no entanto, necessariamente complementares. Por exemplo, negar a possibilidade de ocorrência de uma situação desagradável pode aliviar a ansiedade, mas isso não muda nem impede que a situação ocorra. Porém, uma estratégia de coping pode preencher ambas as funções simultaneamente ou em ocasiões diferentes. Um exemplo disso é o uso do suporte social. Numa ocasião, esta estratégia de coping pode ter uma função focalizada no problema e, em outra, pode ter uma função focalizada na emoção. Entretanto, o suporte social pode ser usado para aliviar a tensão e resolver o problema ao mesmo tempo (Beresford, 1994). Além disso, é importante considerar que a efetividade do coping também depende da capacidade de flexibilidade e mudança do indivíduo. Estudos demonstram que uma estratégia que pode ser adaptativa para lidar com um estressor pode também ser considerada mal adaptativa quando usada num outro contexto ou em outro momento em resposta a um mesmo estressor (Compas, 1987).

Além dos diferentes modelos e estratégias propostas, há também uma controvérsia quanto a considerar coping como um processo disposicional ou situacional. Os primeiros trabalhos nessa área procuraram categorizar os indivíduos de acordo com sua tendência a utilizarem certo estilo de coping, conceitualizando coping como um fenômeno psíquico de características relativamente estáveis e duradouras, avaliadas através de entrevistas e testes de personalidade, criados segundo a tradição dos inventários de traço (Stone, Greenberg, Kennedy-Moore e Newman, 1991). Atualmente, o caráter disposicional do coping tem sido mais amplamente investigado em trabalhos que avaliam as possíveis relações entre coping e personalidade, através da utilização do modelo dos Cinco Grandes Fatores, e que apontam para o fato de que as diferenças individuais podem influenciar as respostas de coping a partir da existência de certa estabilidade em suas manifestações, representada por "estilos" ou "disposições" que as pessoas trazem consigo e utilizam quando se confrontam com situações de estresse (O’Brien e DeLongis, 1996; Watson e Hubbard, 1996).

A abordagem situacional de coping tem-se desenvolvido sob grande influência das teorias transacionais de estresse (Lazarus e Folkman, 1984). Coping, segundo a perspectiva situacional, é visto como um processo cognitivo que se modifica em função do tempo e da situação de estresse na qual o indivíduo encontra-se envolvido. As reações ou o tipo de estratégias de coping utilizadas dependem de demandas objetivas, de avaliações subjetivas e da interação entre a pessoa e o ambiente. A eficácia e a adaptabilidade das estratégias de coping não são determinadas a priori, mas de acordo com a pessoa, o tipo de situação, o tempo e os resultados advindos de sua utilização (Beresford, 1994).

Assim, os estilos de coping têm sido relacionados a características de personalidade e fatores disposicionais do indivíduo, enquanto que as estratégias se referem a ações cognitivas ou de comportamento, tomadas no curso de um episódio particular de estresse, e têm sido ligadas a fatores situacionais. Folkman e Lazarus (1980) enfatizam o papel assumido pelas estratégias de coping, apontando que estas estratégias podem mudar de momento para momento, durante os estágios de uma situação estressante. Dada esta variabilidade nas reações individuais, estes autores defendem a impossibilidade de se tentar predizer respostas situacionais a partir do estilo típico de coping de uma pessoa. Para Carver e Scheier (1994), o indivíduo desenvolve formas habituais de lidar com o estresse e estes hábitos ou estilos de coping podem influenciar suas reações em novas situações, sendo que um estilo disposicional de coping pode influenciar o coping situacional em uma fase particular da situação e em outras não, definindo o estilo de coping em termos de tendência a usar uma reação de coping em maior ou menor grau em situações de estresse. Rossman (1992) considera que estas tendências mais gerais no repertório de coping das crianças podem ser modificadas por circunstâncias específicas da situação estressante, mas também podem refletir predisposições ligadas ao temperamento, ou a experiências mais globais, tal como a história de apego da criança.

 

O desenvolvimento do coping em crianças e adolescentes

As primeiras tentativas de estudar estresse em crianças focalizaram a ocorrência de eventos de vida negativos e os sintomas psicológicos que estes eventos causavam, sem considerar os esforços de coping feitos pelas crianças. Boekaerts (1996) mostrou que estes estudos tinham por objetivo medir variáveis que de alguma forma pudessem predizer possíveis desordens, tentando estabelecer relações causais entre estressores e sintomatologia. No entanto, vários pesquisadores verificaram que muitas crianças não apresentam dificuldades significativas frente ao estresse. Os resultados da pesquisa contemporânea sugerem que crianças podem apresentar sintomas ou ser resilientes ao enfrentarem eventos de vida negativos, em função da qualidade de suas estratégias de coping e de características de personalidade (Boekaerts, 1996).

Assim, estudos de coping em crianças e adolescentes têm investigado eventos de vida considerados estressantes, tais como situações envolvendo o divórcio dos pais, situações de hospitalização, consultas médicas e odontológicas e situações relacionadas a resultados escolares (Ayers, Sandler, West e Roosa, 1996; Carson e Bittner, 1994; Compas, Malcarne e Fondacaro, 1988; Kliewer e Sandler, 1993). Nestas pesquisas têm sido descritas diferenças relacionadas a gênero e idade no uso das estratégias de coping. Tem sido verificado que o gênero pode influenciar a escolha das estratégias de coping porque meninos e meninas são socializados de forma diferente. As meninas podem ser socializadas para o uso de estratégias pró-sociais enquanto que os meninos podem ser socializados para serem independentes e utilizar estratégias de coping competitivas (Lopez e Little, 1996). Além disso, os meninos envolvem-se com maior freqüência em conflitos que utilizam força física enquanto as meninas, consideradas geralmente menos agressivas, tendem a manifestar indiretamente a agressão, expressando verbalmente sua hostilidade (Lisboa, Koller, Ribas, Bitencourt, Oliveira, Porciúncula e De Marchi, 2002; Olah, 1995). Também para Myers e Thompson (2000), frente a um grande número de eventos estressores, as meninas tendem a utilizar mais estratégias de coping direcionadas à estabilidade emocional, como relaxar, buscar diversão e investir em relacionamentos próximos, ao invés de agir de forma ativa sobre o estressor.Quanto à idade, Heckhausen e Schulz (1995) sugerem que as habilidades necessárias para usar coping focalizado no problema ou focalizado na emoção emergem em diferentes pontos do desenvolvimento. Para Compas e colaboradores (1991), as habilidades para coping focalizado no problema parecem ser adquiridas mais cedo, nos anos pré-escolares, desenvolvendo-se até aproximadamente 8 a 10 anos de idade. As habilidades de coping focalizado na emoção tendem a aparecer mais tarde na infância e se desenvolvem durante a adolescência, já que as crianças muito pequenas ainda não têm consciência de seus próprios estados emocionais e ainda não conseguem auto-regular suas emoções. Além disto, aprender as habilidades relacionadas ao coping focalizado na emoção, através de processos de modelagem, é mais difícil do que aprender as habilidades de coping focalizadas no problema, mais facilmente observadas pelas crianças no comportamento dos adultos. Os adolescentes utilizam mais coping focalizado na emoção do que as crianças, mas não diferem de jovens adultos, sugerindo que estas mudanças no desenvolvimento de coping ocorrem até o final da adolescência (Compas e cols., 1991).

Com a idade, a criança passa a ter mais acesso a seus próprios pensamentos e estratégias, expandindo seu repertório de respostas a situações estressantes. Altshuler e Ruble (1989) demonstraram, num estudo em que foi realizada uma diferenciação entre distração cognitiva e comportamento de distração, que a estratégia mais utilizada entre crianças de cinco a 12 anos foi o comportamento de distração, sendo que a distração cognitiva se mostra menos presente, já que exige uma capacidade de pensamento mais complexa, só encontrada em crianças a partir dos 11 anos. Losoya e colaboradores (1998) também verificaram que, com a idade, as crianças passam a usar mais freqüentemente estratégias que requerem um processo cognitivo mais sofisticado e se tornam mais independentes, buscando menos o apoio de outras pessoas para lidar com as situações. Dell’Aglio e Hutz (2002) investigaram estratégias de coping de crianças e adolescentes de sete a 15 anos, no sul do Brasil, e também observaram uma evolução da utilização de estratégias mais passivas e dependentes (inação e busca de apoio), entre as crianças, para estratégias mais ativas e independentes (ação agressiva e ação direta), entre os adolescentes, demonstrando a influência da idade no processo de coping. Dessa forma, o entendimento de coping deve compreender os diversos fatores envolvidos, considerando o próprio desenvolvimento da criança e sua percepção quanto às redes de apoio disponíveis, já que a estratégia de busca de apoio social é uma das mais freqüentes durante a infância e o apoio percebido é um recurso pessoal que afeta cada componente do processo (Boekaerts, 1996).

A literatura em estresse e saúde mental sugere que diferenças individuais na adaptação a situações de estresse são resultado de recursos sociais e de coping utilizados frente ao desafio (Compas, 1987; Lazarus e Folkman, 1984; Losoya, Eisenberg e Fabes, 1998). Os esforços de coping funcionam como moderadores dos efeitos dos eventos de vida negativos no bem estar psicológico e certos estilos de coping são relacionados a uma melhor adaptação. Esforços de coping ativos são relacionados a um ajustamento mais positivo, enquanto estratégias evitativas são geralmente relacionadas a uma pobre adaptação (Compas e cols., 1988). No entanto há divergências na literatura quanto à avaliação da adaptabilidade das estratégias de coping. Kliewer (1991) sugere que a adaptabilidade das estratégias de coping pode ser diferente para adultos e crianças. Por exemplo, o comportamento de evitação pode ser a única alternativa razoável para uma criança lidar com uma situação fora de seu controle, enquanto que num adulto, este comportamento pode representar uma falta de habilidade para lidar com a realidade. Kliewer (1991) afirma que evitação e estratégias focalizadas na emoção podem funcionar como adaptativas quando a criança não pode mudar a situação ou quando a situação evoca muita emoção, podendo a estratégia de evitação refletir uma tentativa de manter o controle sobre a situação. Kliewer e Sandler (1993) também encontraram relações entre a avaliação de competência social pelos professores e a utilização de estratégia de evitação, principalmente entre as meninas e entre crianças com mais sintomas depressivos.

Losoya e colaboradores (1998) apontaram que coping de evitação e não fazer nada se tornam mais comuns com a idade e podem ser consistentemente relacionados com comportamento social apropriado, enquanto que coping agressivo e expressão emocional diminuem com a idade e são negativamente relacionados com a função social positiva. Dessa forma, a estratégia de evitação pode se constituir numa forma construtiva de lidar com a situação de estresse, afastando-se do problema ou engajando-se em outra atividade, prevenindo assim que a situação de conflito se agrave. Assim, torna-se necessário um entendimento do contexto no qual ocorre o processo de coping para se poder avaliar a adequação da estratégia utilizada.

Também há evidências de que o tipo de interação ocorrida entre os participantes do evento estressor tem um importante papel na escolha da estratégia de coping a ser utilizada por crianças e adolescentes. O estudo de Dell’Aglio e Hutz (2002) também investigou o tipo de interação entre os participantes do evento estressor (pares ou figuras de autoridade), tendo sido encontradas relações significativas entre o tipo de interação ocorrida e as estratégias de coping utilizadas. Nos eventos que envolviam conflitos com adultos, as estratégias de aceitação, evitação e expressão emocional foram mais utilizadas, enquanto que nos eventos com pares (irmãos e colegas) as estratégias de ação agressiva e busca de apoio foram mais freqüentes. Este resultado, segundo os autores, indica que os eventos estressantes que ocorrem com adultos podem ser considerados incontroláveis pela criança, já que parece não haver condições de negociação nestas situações. Há substancial evidência na literatura de que eventos incontroláveis geram freqüências maiores de estratégias de evitação (Compas e cols., 1991; Gamble, 1994).

Lisboa e colaboradores (2002) também investigaram estratégias de coping em eventos estressores de crianças com seus colegas e com seus professores. A estratégia de coping mais utilizada pelas crianças, quando enfrentaram problemas com seus colegas, foi a busca do apoio de alguém como, pais, irmãos mais velhos, primos, professores, direção da escola, etc. Já a estratégia de coping que as crianças relataram utilizar com maior freqüência para lidar com problemas com a sua professora foi "não fazer nada". Provavelmente, este resultado, segundo os autores, esteja relacionado ao temor pelas conseqüências negativas de seus atos (castigos, suspensões, baixas notas, etc.), evidenciando o tipo de vínculo estabelecido entre aluno e professor. Esta pode ser a razão pela qual as crianças se percebem sem alternativas para adotar uma estratégia de coping eficaz e optam por não agir quando têm um problema com a professora. Assim, pode-se compreender que o processo de coping frente ao estresse, em crianças e adolescentes, deve ser entendido mais como situacional do que disposicional, dando mais importância às características da situação estressora do que às características pessoais (Dell’Aglio, 2000).

 

Considerações finais

Para chegar-se a um modelo explicativo mais completo e abrangente do processo de coping, seriam necessários estudos que pudessem investigar mais especificamente os tipos de estressores que ocorrem durante a infância e adolescência e os diferentes efeitos destes estressores nos processos de coping utilizados, permitindo um maior entendimento quanto à adaptabilidade das estratégias utilizadas e ao ajustamento da criança e do adolescente às situações de estresse. É importante considerar a complexidade do processo de coping, dando uma atenção especial ao tipo de estressor específico que gera a situação, tendo em vista que crianças e adolescentes respondem de forma diferente a diferentes tipos de eventos e procuram, através de suas estratégias, uma adaptação ao ambiente social. Assim, pode-se entender que não existem respostas adaptativas universais, adequadas para todos os indivíduos, em todas as situações e em todo o tempo.

A questão da adaptabilidade das estratégias de coping é muito importante na pesquisa sobre coping ao longo do desenvolvimento, pois embora existam divergências entre os autores na avaliação das estratégias como adaptativas ou mal adaptativas, precisa-se chegar a um entendimento quanto ao papel desempenhado pelas diferentes estratégias na adequação sócio-emocional das crianças, para que se possa pensar em programas de avaliação e intervenção adequadas às faixas etárias e suas necessidades. Para isso são necessários estudos que investiguem a adaptabilidade e a estabilidade da utilização das diferentes estratégias, relacionando-as a uma avaliação de comportamento social adequado, através de avaliações da competência social e escolar da criança e adolescente, considerando o contexto sócio-econômico e cultural em que vivem. Essas avaliações podem ser realizadas utilizando informações dos pais e professores.

A relação entre as estratégias de coping utilizadas e outros indicadores de adaptação, como, por exemplo bem-estar subjetivo e resiliência, poderia ser investigada para consolidar as evidências acerca do papel adaptativo das estratégias utilizadas em situações estressantes, contribuindo, assim, na busca de um modelo explicativo para o processo de coping na infância e adolescência, e colaborando para desenvolver um maior entendimento da estrutura deste conceito.

 

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Endereço para correspondência
Débora Dalbosco Dell'Aglio
Rua Eng. Edmundo Gardolinski 115/1
Porto Alegre, RS, CEP 90480-130
E-mail: dalbosco@cpovo.net.

Enviado em Novembro/2002
Aceite final Março/2005

 

 

I Trabalho apresentado na Mesa-Redonda A Psicologia Positiva e o seu Papel na Construção de Novas Tendências e Possibilidades de Pesquisa, na XXXII Reunião Anual de Psicologia da Sociedade Brasileira de Psicologia, Florianópolis, SC, outubro de 2002.
Apoio Financeiro: FAPERGS e PROPESQ-UFRGS.

1 Optou-se por não traduzir o termo coping devido à inexistência, em português, de uma palavra capaz de expressar os significados associados ao termo original. Possíveis significados da palavra coping em português encontram-se relacionados à: "lidar com", "enfrentar" ou "adaptar-se a".