Temas em Psicologia
ISSN 1413-389X
Temas psicol. vol.12 no.2 Ribeirão Preto 2004
A psicologia como instrumento de produção de subjetividades1
Psychology as an instrument o subjectivity production
Arthur Arruda Leal Ferreira; Bruna Brandão Velásquez; Estevão Oliveira de Paula; Felippo Nascimento Mota Lima; Lilian Alfaia Monteiro; Pedro Halbritter; Fernanda Bueri; Iara Baptista
Universidade Federal do Rio de Janeiro - Brasil
RESUMO
Para compreender a existência de tantas orientações psicológicas supõe-se que o campo psicológico é o espaço onde se cruzam um conjunto de experiências oriundas de nossas práticas sociais cotidianas e conceitos das ciências naturais. Estas práticas sociais retornam sobre os sujeitos, impondo-se a eles como verdade científica última. O objetivo deste trabalho é estudar empiricamente esta produção de subjetividades gerada pelo poder de verdade embutido nas práticas psicológicas. Alguns questionários de sondagem foram aplicados em estudantes do segundo grau. Foram realizadas quatro sondagens visando avaliar o poder da palavra do psicólogo, sua imagem, a preferência por enunciados psicológicos e a opção por uma determinada corrente psicológica. Os resultados apontaram para uma clara adesão aos enunciados psicológicos e os proferidos por psicólogos, como uma ligeira preferência pelas alternativas com teor psicanalítico. Cabe destacar, que esta sondagem visa abrir uma nova linha de pesquisa no campo da Psicologia.
Palavras-chave: Psicologia social, Epistemologia da psicologia, Produção de subjetividade.
ABSTRACT
Psychology as a field has its origin in the frontier between social practices and derived models from the natural sciences. The comprehension of the existence of so many psychological projects, needs to take this into account. The social practices feedback to the individuals as a scientific truth. The aim of this research wass to study empirically the subjective production generated by the power of truth presented in these psychological practices. Questionnaires were answered by high school students. Four questionnaires were presented, in order to verify the power of the psychological speech, its imagery, preferences for psychological statements and for a specific psychological orientation. Results showed a clear preference for psychological statements and for those announced by psychologists, with a slightly preference for psychoanalytical statements.
Keywords: Social Psychology, Epistemology of Psychology, Production of subjetivity.
Quem se depara com algumas peculiaridades do saber psicológico não pode deixar de se colocar algumas destas questões: (1) Por que existem tantas psicologias (sistemas, projetos, escolas, teorias, hipóteses, orientações práticas, marcas autorais etc.), não concordando os psicólogos nem quanto à definição da psicologia? (2) Por que não ocorre, como nas ciências naturais (ou duras), o predomínio de um projeto científico sobre os demais, ou mesmo a refutação de uma das tendências presentes no espaço psicológico, em que esta se mostre falsa, ou ao menos ineficaz? (3) Por que neste espaço proposições com condições e conseqüências tão opostas se sustentam, ainda que o apelo à investigação empírica seja tão rigoroso e extenso como nas ciências naturais? (4) Por que as psicologias, mesmo as que buscam uma fidelidade mais estrita aos cânones das ciências naturais (quanto a seus métodos e seus modelos), não são sempre reconhecidas por estas, nem pelas epistemologias que as sancionam? (5) Por que as práticas psicológicas mais diversas, positivadas em investigações empíricas das tendências mais díspares, se sustentam, ainda que apontem para as técnicas e finalidades mais divergentes? (6) Por que todas psicologias conseguem colher provas empíricas, práticas e argumentativas contra as demais e a favor de si? (7) Por que os psicólogos não resolvem estes impasses ao tomar conhecimento de novas epistemologias, modelos e metodologias científicas, sendo que em nenhum outro saber se discute tanto sobre epistemologia, metodologia, ou modelos científicos?E finalmente (8) Por que a psicologia tende a satisfazer seu público, dividir cientistas, filósofos e epistemólogos, e conduzir as suas partes ao conflito?
Nos países de língua francesa, este debate tem sido conduzido desde a década de 1940, com os defensores da unidade da psicologia como Daniel Lagache (1988) e Robert Pagés (1958) se opondo aos denunciantes da sua pluralidade como Georges Canguilhem (1973), Jacques Cagey (1968) e Michel Bernard (1983). Estes autores que afirmam a pluralidade também se caracterizam por tentar explicá-la. É assim que Canguilhem e Cagey delegarão a pluralidade a projetos diferenciados inspirados em outras ciências que habitariam o campo psicológico.
Numa análise mais pormenorizada, Bernard (1983) apontará que esta pluralidade epistemológica não é suficiente para se compreender a dispersão psicológica. Para tal, seria necessário ter em conta um conjunto de psicotécnicas (ou práticas sociais em que a psicologia estaria assentada). Poderíamos destacar aqui práticas confessionais, disciplinares, e de exame, na seleção e triagem de indivíduos normais e aptos. Desta forma, podemos entender a diversidade do campo psicológico como o cruzamento diverso de projetos científicos oriundos de outros saberes com práticas sociais ou psicotécnicas, mas o que sustentaria essa diversidade de orientações psicológicas, com fundamentos, atuações e resultados tão diversos (e mesmo contraditórios)? Bernard (op. cit.) nos mostra que uma das principais marcas da psicologia é a produção de uma cultura psicológica, como efeito de sua difusão. Não poderíamos aferir que as diversas orientações se legitimam por seus efeitos no próprio objeto de estudo, os sujeitos já devidamente psicologizados? Não restaria aos sujeitos outra alternativa senão assentir perante estas práticas sociais "cientificamente respaldadas" pela psicologia?
A partir destas considerações, gostaríamos de propor um modelo simples para explicar a pluralidade do campo psicológico, designado Máquina de Múltiplas Capturas. O funcionamento desta Máquina ocorre em algumas fases. Em um primeiro momento pode-se dizer que todas as psicologias advém de uma série de experiências sociais ou psicotécnicas (nas palavras de Bernard), como por exemplo, a busca de verdades via confissão nos cristianismos, a tentativa de disciplina sobre as condutas individuais nas fábricas, exércitos e escolas, o exame das nossas experiências pessoais visando preveni-las das ilusões, a tentativa de controle da loucura, ou ainda o isolamento e ortopedia da infância. Num segundo momento, estas práticas demandam um lastro de verdades que serão buscados em métodos e conceitos das ciências naturais como a física, fisiologia, biologia e ciências informacionais. Deste cruzamento de um conceito científico de uma dada ciência e práticas sociais, irá surgir uma orientação psicológica. É assim que no gestaltismo o exame da experiência ingênua (visando o controle dos erros) culmina no equilíbrio das formas, enquanto conceito compatível com a física dinâmica; no behaviorismo, a tentativa de disciplina das atividades humanas na educação e no trabalho, conduz à força dos condicionamentos e às adaptações naturais do organismo biológico; na psicanálise, as práticas de confissão e o esforço de desvelar as fontes dos nossos desejos e de nossas mais íntimas verdades, nos leva a uma visão do homem como um ser desejante, marcado pela impossibilidade de equilíbrio energético dentro do ciclo pulsional.
Num terceiro momento essa teoria psicológica vai se reproduzir nos sujeitos, o que implicará na produção de novas subjetivações, através do seu poder de enunciar as nossas verdades. Em seqüência, há uma reordenação das práticas sociais, que levará à produção de um efeito cultural próprio da psicologia.
Estudar o conluio das práticas sociais com os modelos científicos nos levaria a história da psicologia. Mas estudar os processos de subjetivação nos conduziria a um contato com autores que pensam a nossa cultura psicológica. Além de Michel Bernard (op. cit.), outro autor de referência é Sérvulo Figueira (1985; 1991-A, B e C; 1994-A, B e C). Devido a pertinência do trabalho deste autor, a psicanálise será usada para ilustrar o funcionamento da Máquina de Múltiplas Capturas.
Uma das questões motivadoras do trabalho de Figueira é a difusão diferenciada da psicanálise em culturas diferentes. Essa questão surge especialmente a partir da experiência do autor como pós-graduando na Inglaterra, ao constatar a baixa difusão da psicanálise neste país, apesar de grandes autores de referência lá residirem, como Melanie Klein, Anna Freud, e Donald Winnicot. Quadro de resto, sistematicamente inverso ao brasileiro. O que teria proporcionado uma baixa difusão na Inglaterra em contraste com países como Brasil, Argentina, França e EUA? A resposta seria a produção de uma cultura psicanalítica em consonância com as instituições sociais destes países. Figueira (1985) afirma que uma cultura psicanalítica bem implantada poderia ser dividida em três dimensões: o eidos, ou forma de pensar, que se traduziria pela necessidade de procurar sob determinados fenômenos uma "outra coisa" que possa dar a impressão de explicá-los, impondo-se como verdade última; o ethos, ou forma de sentir, que privilegia a expressão da emoção; e por último o dialeto, ou forma de se expressar, que seriam os termos psicanalíticos usados no senso comum.
O que levou a solidificação, pelo lado da psicanálise, destas culturas psicológicas, como a brasileira? Para Figueira (1991-A e B) seriam modos de operar da teoria e da prática psicanalítica, que conduziriam a produção de uma visão de mundo, recusada de resto, pelos próprios psicanalistas. Como por exemplo, o Mito Freud (alimentado pela diversidade temática dos seus escritos), em que seu nome soava como palavra mágica na promessa de compreensão de tudo aquilo que nos escapasse; trata-se do famoso "Freud explica". É deste modo que o pensamento de Freud influenciou diferentes setores da vida cotidiana como nossa relação com os sonhos, a linguagem, o modo como se educam os filhos, a concepção de sexualidade, a arte, etc. É curioso que o próprio Freud supunha a resistência como reação única possível por parte do público leitor. E talvez esta suposição tenha sido o desafio necessário a uma adesão maior possível por parte do público.
A existência desta visão de mundo e cultura psicanalítica traz mudanças no próprio setting analítico, e mais especificamente na clientela analisada, uma vez que o conhecimento que o analisando tem da técnica sobre a organização da resistência, da transferência, e da elaboração secundária dos sonhos, modifica todo o quadro analítico. Mas a difusão desta visão de mundo, tem efeitos em setores mais amplos da cultura. No caso do Brasil, durante a década de 60 houve uma intensificação da difusão da psicanálise, o que Figueira chama de Boom da Psicanálise. Seus principais efeitos seriam a decorrente psicologização de setores da vida social brasileira e a constituição da cultura psicanalítica. Após uma penetração da psicanálise em aspectos significativos da cultura, essa difusão não-estruturada levaria a uma cultura psicanalítica, ou seja, ela se encontraria fortemente presente nos valores e crenças nos setores da sociedade, principalmente na classe média, reestruturando toda a ordem familiar.
Como o estudo de Figueira é de natureza mais descritiva e centrada no efeito da difusão psicanalítica, sentiu-se a necessidade de realização de uma pesquisa empírica mais ampla sobre o assunto, englobando ainda outras orientações psicológicas e seus efeitos de subjetivação. A partir deste modelo foram elaborados uma série de estudos e testes que visam registrar os diversos efeitos de subjetivação gestados pelas diversas psicologias, e buscam medir: (1) o poder de verdade das práticas psicológicas em contraste com as demais práticas não científicas; (2) a imagem do psicólogo, vista no contraste com diversos tipos sociais e profissões; (3) a existência de um senso comum psicológico, dado no contraste da avaliação entre proposições de cunho psicológico e não psicológico, observando com quais cada sujeito entrevistado mais se identifica; (4) a avaliação da psicologia do senso comum a partir da consideração de certos casos, especialmente tomando-a no contraste com as interpretações das principais orientações psicológicas (psicanálise, humanismo, behaviorismo e cognitivismo). Passemos a descrição da montagem destes instrumentos e de sua aplicação.
Método
A montagem dos instrumentos
À luz dos objetivos traçados na introdução foram montados alguns instrumentos de sondagem empírica:
(1) O poder de enunciação da verdade pelo psicólogo: Aqui se pretendia testar a concordância dos sujeitos, em função da posição do enunciador do discurso. No caso, a hipótese proposta era de que a enunciação do discurso variaria através de diferentes atores sociais como religiosos, políticos e psicológicos, supondo que os últimos têm maior probabilidade de ter o seu discurso reconhecido como verdadeiro, enquanto representantes do discurso científico.
Para testar esta hipótese foram apresentadas três frases sobre a agressão, cada uma das quais atribuídas a um ator social diferente. Para diferentes grupos de sujeitos a relação entre as frases e o enunciador variou num total de seis combinações, havendo ainda um grupo de controle em que as frases não possuíam nenhum enunciador. Tal grupo de controle visava distinguir o diferente peso que cada frase isolada possuía. As diversas combinações entre o conteúdo e o enunciador buscavam destacar se haveria a preferência por algum ator social.
As frases escolhidas foram:
I) A agressão é inerente e universal a todos os indivíduos, porque é algo herdado por todos os seres humanos.
II) A agressão é produto de experiências dos indivíduos fornecidas pela família, educação e meios de comunicação ao disporem de maus exemplos.
III) A agressão é gerada pela frustração constante de um indivíduo sem que haja a sua possibilidade de reagir a esta situação.
Os personagens fictícios aos quais foram atribuídas estas frases de forma combinatória foram:
William McGuire (psicólogo)
Jonathan Benson (senador)
Peter Haraway (líder espiritual)
(2) A imagem do psicólogo: Aqui se pretendia determinar a imagem do psicólogo em relação a outros profissionais como médicos, advogados e engenheiros. Para isso, foi pedido (em uma primeira fase) que os sujeitos citassem cinco características de cada uma das profissões acima e da psicologia. Em um segundo momento, seria confeccionada uma lista dos vinte atributos mais citados para serem aplicados posteriormente na forma de múltipla escolha.
(3) O senso comum psicológico: Aqui se tentou detectar a existência de uma espécie de senso comum psicológico, dado no contraste da avaliação entre proposições de cunho psicológico, cientificista (de modo geral) e esotérico, observando com quais os sujeitos mais se identificariam. Para isso, foram propostas algumas sentenças, pedindo aos sujeitos que identificassem, ao modo de uma Escala de Atitudes (com as opções Concordo Plenamente, Concordo, Não Tenho Opinião, Discordo e Discordo Plenamente), o grau de concordância com cada uma delas. A hipótese é de que haveria uma maior preferência para abordagens psicológicas e científicas no trato de certos temas, preterindo-se as explicações esotéricas e religiosas. As proposições diziam respeito a causalidade, diagnóstico e forma de tratar de certos problemas. As sentenças variaram entre o formato psicológico, cientificista e esotérico com relação a 18 temas foram misturadas aleatoriamente, visando um julgamento livre por parte dos sujeitos. Eis alguns exemplos de sentenças:
A personalidade de um indivíduo é determinada pelo meio em que ele vive.
CP C NTO D DP
A ansiedade é curável por calmantes.
CP C NTO D DP
Uma aptidão para certo trabalho pode ser inferida por numerologia.
CP C NTO D DP
(4) O senso comum psicológico identificado às principais orientações psicológicas: Aqui foi esboçada uma avaliação da psicologia do senso comum a partir da consideração de certos casos, especialmente tomando-a no contraste com as interpretações das principais orientações psicológicas (psicanálise, humanismo, behaviorismo e cognitivismo). Para isso, foram propostas algumas sentenças, pedindo aos sujeitos que identificassem, ao modo de uma Escala de Atitudes (com as opções Concordo Plenamente, Concordo, Não Tenho Opinião, Discordo e Discordo Plenamente), o grau de concordância com cada uma delas. As proposições diziam respeito à causalidade, diagnóstico e forma de tratamento de certos problemas. Para validação do instrumento foram consultados psicólogos pertencentes a cada uma das referidas tendências. Todos os psicólogos consultados envolvidos pertenciam à mesma instituição (UFRJ).
As sentenças variaram em seu conteúdo em função das orientações das quatro escolas acima citadas com relação a 14 temas foram misturadas aleatoriamente, visando um julgamento livre por parte dos sujeitos. Eis alguns exemplos de sentenças:
A anorexia (pavor de engordar) pode ser melhorada uma vez que o indivíduo tiver recompensas pela manutenção de um comportamento alimentar regular.
CP C NTO D DP
A traição conjugal ocorre devido à presença de opiniões do sujeito que aprovam este tipo de comportamento.
CP C NTO D DP
A indisciplina de um aluno é uma forma de expressão dos seus conflitos inconscientes.
CP C NTO D DP
A fobia a certas situações (medo) pode ser melhorada através do próprio paciente, ao examinar na sua vida quais são os constrangimentos à sua liberdade que podem estar levando a este comportamento.
CP C NTO D DP
Deve ser destacado que, visando um maior número de provas respondidas, foram juntas as sondagens empíricas 1 e 4 em um mesmo caderno de aplicação, e 2 e 3 em outro. Na primeira página de todos os cadernos foi proposto um perfil do sujeito respondente com questões sobre as suas leituras, programas preferidos na TV e profissão almejada, buscando destacar um viés psicológico mais evidente ou não por parte dos participantes.
A aplicação das provas
O conjunto de instrumentos foi aplicado em quatro colégios no Estado do Rio de Janeiro, totalizando duas aplicações em um colégio federal, uma aplicação em um colégio particular e três aplicações em dois colégios públicos.
Os sujeitos em questão foram os alunos do segundo ano do segundo grau do Colégio Princesa Isabel (particular), do Colégio de Aplicação da UFRJ (público federal), do Colégio Paulo de Frontin (público estadual) e do Colégio Conselheiro Macedo Soares (público estadual); com todas as aplicações realizadas no horário de aulas, e praticamente todas em suas respectivas salas, sendo os questionários apresentados como uma pesquisa de opinião para a UFRJ, com as aplicações das provas empíricas 1, 2, 3 e 4 feitas por um grupo de estagiários que se apresentaram como estudantes do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, dizendo que estavam ali com o objetivo de aplicar-lhes alguns questionários de opinião sobre diversas questões. Finalmente, antes de se iniciar a realização dos questionários, foi dada uma explicação de como cada questionário deveria ser preenchido, com muitas dúvidas tiradas durante a aplicação, mas nenhuma que pudesse contaminar o teste. Ao fim de tudo, os questionários foram recolhidos e foi prometido o envio dos resultados para a direção e coordenação de ensino de cada colégio.
A aplicação no Colégio Princesa Isabel se deu no dia 25 de Agosto de 2003, em três turmas. Cada estagiário ficou responsável por uma turma e havia 96 cadernos de aplicação para 100 alunos, ficando assim quatro alunos de uma mesma turma ociosos durante o processo. Em uma turma a professora presente apresentou o estagiário como um aluno da psicologia, caracterizando um ruído, já que a testagem visava aferir a presença de cultura psicológica entre os participantes. Já nas outras duas turmas, não houve esse ruído, mas houve muita bagunça: os alunos conversaram, debateram algumas questões e circularam pela sala com total desenvoltura e aceitação do professor.
Já a aplicação no Colégio Conselheiro Macedo Soares, localizado no bairro Barreto, em Niterói, ocorreu no turno da noite no dia 25 de setembro de 2003, em 4 turmas com menos de 10 pessoas em cada. Não houve problemas com ruídos: apenas 4 pessoas chegaram atrasadas, o que ocasionou uma pequena interrupção. Além disso, não houve nenhum problema relativo a consulta entre os alunos, mas algumas pessoas não tiveram paciência para responder o questionário 2. O tempo despendido com a aplicação foi considerado razoável.
Na primeira aplicação no Colégio Paulo de Frontin, realizada no dia 25 de Agosto de 2003, o grupo de estagiários foi conduzido pela coordenadora da escola apresentado os estagiários e, em uma das turmas, proferiu que eram alunos de psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, caracterizando assim um ruído para a sondagem empírica. Os estagiários explicaram como deveria ser o preenchimento dos 65 cadernos aplicados. Mas durante o processo, em todas as turmas, os alunos fizeram bastante bagunça, se movimentaram pela sala, e alguns solicitaram a ajuda dos colegas ao lado para realizar as questões. Isto aconteceu mesmo após se ter pedido que fizessem os questionários individualmente. Além disso, muitas dúvidas foram tiradas nas três salas, mas nenhuma que pudesse contaminar o teste.
Já a segunda aplicação no Colégio Paulo de Frontin ocorreu no dia 21 de Outubro de 2003, com os cadernos aplicados em uma só turma de 31 alunos. Os estudantes não apresentaram nenhum questionamento sobre as sondagens, apenas dúvidas em relação a alguns termos ou enunciados, o que foi prontamente esclarecido. Os alunos que chegavam atrasados foram orientados sobre a aplicação e recebiam um caderno para responder mas, apesar da orientação de respondê-lo individualmente, alguns estudantes trocavam informações sobre as sondagens com colegas ao lado. A aplicação durou aproximadamente 45 minutos.
A primeira aplicação no Colégio de Aplicação da UFRJ, ocorreu no dia 28 de Outubro de 2003. Os estagiários foram acompanhados pela professora responsável até as turmas, sendo por ela apresentados como pesquisadores da UFRJ. Foram aplicados 66 questionários em 3 turmas, com algumas dúvidas surgidas durante o processo, mas todas de rápida resolução. A aplicação durou em média 30 minutos, sendo o último caderno entregue após 45 minutos e todo o processo ocorreu sem qualquer ruído ou fator que comprometesse a realização das sondagens.
Finalmente, a segunda aplicação foi realizada no dia 27 de Novembro de 2003 em dois turnos distintos - manhã e tarde sem nenhum imprevisto, totalizando 36 cadernos de aplicação. Contudo, algumas pessoas solicitaram ajuda ao colega mesmo sendo dito que a realização das sondagens deveria ser individual.
Resultados
Sondagem Empírica 1
Foram aplicados ao todo 162 questionários contendo a sondagem empírica 1. Destes, 24 não foram respondidos e dos 138 questionários respondidos, 31 faziam parte do grupo de controle. Neste as frases eram colocadas sem o nome do emissor da mesma.
Verificou-se no grupo de controle (e também no grupo experimental) uma maior preferência pela frase número dois, o que torna necessário a reformulação das mesmas, visto que existe uma maior tendenciosidade por esta. Para a avaliação da significância no Chi Quadrado (x2), decidiu-se aplicar a mesma proporção encontrada no grupo de controle às respostas esperadas para consideração estatística.
No que diz respeito ao emissor da frase (político, religioso e psicólogo) foi verificada uma preferência pelo psicólogo quando este emitia a frase. Considerando a freqüência esperada com base na preferência das frases no grupo de controle podemos dizer que há uma diferença significativa positiva no que tange às frases emitidas pelo psicólogo.
Já na correlação conteúdo/profissão, aplicado o teste do Chi Quadrado (x2) sobre as estimativas estabelecidas a partir do grupo de controle, encontrou-se um valor sumariamente superior ao definido pelo nível de significância 0,01 entre as alternativas e as profissões, com nítida preferência pela frase 2 quando proferida pelo psicólogo. Isso nos leva a rejeitar a hipótese nula de que não haveria preferência da população pelas opções das frases, nem por seus autores.
Sondagem empírica 2
A avaliação dos resultados deveu-se pela incidência de freqüências das características assinaladas para cada profissão pesquisada. Cada aluno pôde atribuir livremente até cinco características a cada profissão, entretanto, características idênticas para a mesma profissão dentro do mesmo formulário foram desconsideradas. Todas as demais foram computadas em uma tabela de freqüência de características levando-se em conta suas escolas de origem. Dessa tabela, construímos famílias, ou Grupos de características com significado muito próximo e a partir desses Grupos, levantamos o número de vezes em que cada grupo era citado, levando-se em conta a freqüência de cada característica contida no grupo. A partir desse levantamento, construímos uma segunda tabela, que continha o total de citações de cada grupo, dividida por profissões
Dessa tabela, retiramos os 10 grupos mais citados para o Psicólogo e as características que continham esses grupos:
Calmo Calmo, paciente, sereno, sossegado, quieto, equilibrado e tranqüilo.
Atencioso Atencioso, bom ouvinte, compreensivo.
Amigo Amigo, companheiro, emotivo.
Inteligente Inteligente, gênio, sábio.
Observador Observador, analisador, visão geral, crítico, pesquisador, avaliador, perceptivo.
Cuidadoso Cuidadoso, cauteloso, prudente, atento, prevenido, sensível, preocupado.
Estudioso Estudioso, intelectual, filósofo, culto, bom leitor, curioso.
Honesto Honesto, caráter, verdadeiro, sincero, confiável, responsável, sério, ético, bom caráter, confiança, íntegro.
Prestativo Prestativo, acolhedor, auxiliador, solidário, generoso, boa vontade, ajuda. Excêntrico Excêntrico, maluco, neurótico, traumatizado, anormal, esquisito.
Considerando o total dos atributos de todas as categorias profissionais, foram escolhidas as cinco que tiveram maior citação para cada profissão, visando a elaboração de uma nova sondagem mais direcionada.
Sondagem empírica 3
Na sondagem empírica 3 foi realizada inicialmente a tabulação dos dados em termos percentuais, visando, em um segundo momento, o tratamento estatístico em termos de Chi Quadrado (x2) a fim de verificar se existiria diferença significativa entre os dados obtidos.
Na correlação entre os tipos de enunciado, aplicado o teste do Chi Quadrado (x2), encontrou-se que a freqüência com que as afirmativas com teor psicológico foram tidas com opinião favorável, foi significativamente maior, em detrimento das outras afirmativas. Marcadamente, a freqüência com que as afirmativas com teor psicológico obtiveram respostas desfavoráveis foi significativamente menor em relação às outras afirmativas. O caso inverso verificou-se com as sentenças de cunho esotérico.
Em função da disparidade dos resultados entre os diferentes tipos de sentença, impôs-se a tarefa de validação da escala construída. Para tal, esta foi aplicada em psicólogos, neurocientistas e pessoas de formação esotérica. Entretanto, foram encontrados problemas quanto à fidedignidade dos itens esotéricos e cientificistas, uma vez que mesmo os neurocientistas e esotéricos mostraram uma ampla predileção pela sentenças psicológicas. A fim de tornar este instrumento mais balanceado, torna-se necessário uma reformulação deste para aplicações futuras.
Sondagem empírica 4
Na sondagem empírica 4 foi realizada inicialmente a tabulação dos dados em termos percentuais, visando, em um segundo momento, o tratamento estatístico em termos de Chi Quadrado (x2), a fim de verificar se existiria diferença significativa entre os dados obtidos.
Na correlação entre os tipos de enunciado, aplicado o teste Chi Quadrado (x2), encontrou-se que as afirmativas com teor psicanalítico obtiveram uma maior aceitação, com freqüência favorável significativamente maior em relação às opções favoráveis (CP e C) e significativamente menor em relação às avaliações desfavoráveis (D e DP). Pode-se observar aqui o que Figueira designou como Cultura Psicanalítica, como uma cultura superior às demais Culturas Psicológicas, mesmo que estas também tenham obtido uma avaliação favorável no balanço entre a concordância e a discordância.
Conclusões
Esta sondagem dos processos de subjetivação gestados pelas psicologias é apenas um primeiro esboço de uma linha de pesquisa que necessita ser aperfeiçoada. Em primeiro lugar, é necessária uma avaliação balanceada dos resultados obtidos em cada escola. Esta iniciativa tornaria nossa análise mais rica. Em segundo lugar, os comentários dos sujeitos participantes da pesquisa ao final dos questionários apontaram para a necessidade de reformulação no sentido de produzir instrumentos mais claros e com menor volume de informações. Deve ser destacado também que a aleatoriedade dos itens nas sondagens 3 e 4 foram percebidas pelos sujeitos, impondo-se igualmente a necessidade de reformulação destas provas. Estas são tarefas para a próxima fase da pesquisa.
Contudo, alguns resultados aqui obtidos parecem-nos indicar algumas pistas. Na sondagem empírica 1, com base no cálculo das estimativas segundo o grupo de controle, pôde se verificar, a partir do teste do Chi Quadrado (x2), uma diferença significativa quanto a preferência das afirmativas quando ela era proferida pelo psicólogo, em especial nas frases 2 e 3. Talvez nos desenvolvimentos futuros desta pesquisa seja necessário adotar um conjunto de sentenças em que haja uma possibilidade de escolha mais equilibrada entre elas (ao contrário da franca vantagem que a sentença número 2 obteve nesta pesquisa). Na sondagem empírica número 2, pudemos destacar alguns atributos positivos e negativos correlacionados aos psicólogos, que podem servir de base para avaliações futuras.
Na sondagem número 3, acreditamos ter destacado a clara preferência pelos enunciados psicológicos em detrimento dos cientificistas e especialmente os esotéricos. A quarta sondagem foi particularmente interessante, pois mostrou de uma forma geral a ampla capacidade de adesão dos sujeitos aos vários tipos de enunciados psicológicos. Ainda que a diferença entre eles tenha sido muito pequena e pouco significativa, houve uma ligeira preferência pelos enunciados de cunho psicanalítico. Talvez demonstrando em termos empíricos e numéricos o que Figueira destacava como uma Cultura Psicanalítica brasileira.
Mesmo que esta predominância psicanalítica tenha sido ligeiramente menor do que se esperava. O que conduz a suposição de uma possível perda de força da difusão psicanalítica frente as outras abordagens no Brasil.
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Endereço para correspondência
R. do Riachuelo 169, apartamento 405-Centro
Rio de Janeiro - RJ
E-mail: arleal@superig.com.br.
Autor para contato
Enviado em Março/2004
Aceite final Dezembro/2005
Pesquisa financiada pela FAPERJ e pela FUJB (UFRJ)
1Pesquisa apresentada na sessão de posters (área de Psicologia Social) na XXXIV Reunião Anual da SBPC.
Agradecimentos pela colaboração aos professores: Ana Lila, André Martins, Bernard Rangé, Cláudio Cavas, Cynthia Clark, Helmuth Krüger, Lúcia Novaes, Maria de Lourdes Passos, Ricardo de Ary Pires, Roberto Novaes, Rogério Buys. Também contribuíram para a pesquisa: Alexandre Grillo de Castro, Arthur Pereira de Oliveira, Daniel Willbert, Marcelo Chahon e Mariama Furtado. Agradecimentos especiais aos professores e coordenadores dos colégios: Aplicação da UFRJ, Paulo de Frontin, Princesa Isabel e Conselheiro Macedo Soares.