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Temas em Psicologia

 ISSN 1413-389X

Temas psicol. v.15 n.2 Ribeirão Preto dez. 2007

 

ARTIGOS

 

Acuracidade do professor na identificação de alunos com dificuldade de aprendizagem

 

Teachers' accuracy in identifying students with learning problems

 

 

Fabio Biasotto FeitosaI; Zilda A. P. Del PretteII; Sonia Regina LoureiroIII

IUniversidade Federal de Rondônia
IIUniversidade Federal de São Carlos
IIIFaculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo

 

 


RESUMO

Estudos internacionais mostram acuracidade do professor na identificação de crianças com dificuldades de aprendizagem. No Brasil, não se dispõe de dados de pesquisas que explorem essa acuracidade com indicadores diretos do desempenho acadêmico. O presente estudo teve como objetivos: (1) comparar a avaliação de professores sobre a competência acadêmica dos alunos com uma avaliação direta de desempenho acadêmico; (2) sondar a possibilidade de problemas de comportamento interferirem na avaliação dos professores na escala de Competência Acadêmica do Social Skills Rating System (SSRS-BR); e (3) apresentar dados preliminares de validação dessa subescala. Em dois estudos de correlação com 49 crianças de São Paulo (SP) e 22 de Cacoal (RO), os resultados mostraram que os dois indicadores de competência acadêmica foram correlacionados positivamente entre si e negativamente com problemas de comportamento, concluindo-se pela acuracidade do professor. Discutem-se implicações metodológicas para a pesquisa e a triagem das dificuldades de aprendizagem.

Palavras-chave: Dificuldades de aprendizagem, Psicopedagogia, Psicometria, Problemas de comportamento, Avaliação do professor.


ABSTRACT

International studies have pointed out the teachers' accuracy in identifying children with learning problems. In Brazil, however, there are no researches exploring this accuracy with direct indicators of students' academic performance. The present study aimed: (1) compare the teachers' rating with a direct evaluation of children's academic performance; (2) probe the possibility of behavior problems affecting the teachers' accuracy in the Academic Competence scale (AC) of the Social Skills Rating System (SSRS-BR); and (3) present preliminary validation data of this subscale. In two correlation studies with 49 children from Sao Paulo (SP) and 22 from Cacoal (RO), the results showed that the two indicators of academic competence were positively correlated each other and negatively with behavior problems, evidencing the validity for the teachers' accuracy in the AC scale of SSRS-BR. Methodological and practical implications for further studies and for the screening of learning problems are discussed.

Keywords: Learning problems, Psychopedagogy, Psychometrics, Behavior problems, Teacher.


 

 

De forma bem simples e direta, as dificuldades de aprendizagem caracterizam-se por um desempenho acadêmico abaixo do esperado para as condições gerais do aluno, sendo consideradas uma síndrome psicossocial que envolve fatores endógenos e exógenos ao indivíduo e que se manifestam, sobretudo, no ambiente escolar (Del Prette & Del Prette, 2003; Feitosa, Matos & Del Prette, 2006; 2007; Marturano, Linhares & Parreira, 1993). Efetivamente, há muito existe um relativo consenso de que a origem e/ou manutenção do baixo desempenho acadêmico ocorre por fatores múltiplos inter-relacionados, tais como: habilidades cognitivas, perceptivas, motoras, lingüísticas, aspectos emocionais, escolares e/ou familiares (Morais, 1992), que são obstáculos para o desempenho bem sucedido no processo de escolarização (Rebelo, 1993).

Por outro lado, a operacionalização das dificuldades de aprendizagem enquanto diagnóstico ou identificação não tem sido objeto de consenso no que diz respeito à padronização dos parâmetros e recursos de identificação. Dentre os diferentes procedimentos, diretos e indiretos, empregados pelos pesquisadores para a identificação de alunos com e sem dificuldades de aprendizagem, uma análise da literatura mostra que os mais freqüentes têm sido: indicação ou julgamento do professor (Meltzer, Roditi, Houser Jr. & Perlman, 1998); entrada do indivíduo com queixas escolares em instituições de atenção psicossocial, como as clínicas-escolas ou o sistema público de saúde (Marturano et al., 1993); notas oficiais do rendimento escolar do aluno em disciplinas básicas do currículo fundamental (DalVesco, Mattos, Benincá & Tarasconi, 1998; Santos et al., 2002); desempenho em teste padronizado (Medeiros, Loureiro, Linhares & Marturano, 2000) ou não padronizado (Marturano, 1999) de tarefas acadêmicas; avaliação dinâmica, em que o professor acompanha a evolução do rendimento escolar do educando (Fonseca, 2001); e a combinação de alguns desses critérios, como a indicação de professores associada a testes padronizados de desempenho acadêmico (Winne, Woodlands & Wong, 1982). Em nosso meio, é possível verificar ainda como procedimentos de identificação: a entrada em clínica, com queixas escolares associadas tanto a provas de desempenho acadêmico (Marturano, 1999; Medeiros et al., 2000), como ao julgamento dos professores (Marturano, Parreira & Benzoni, 1997; Medeiros et al., 2000).

Na maior parte desses estudos, pode-se verificar que a identificação se baseou em alguma forma de avaliação do professor, por meio de julgamento e identificação de alunos com dificuldades de aprendizagem e/ou tendo por base as avaliações e notas por ele atribuídas a desempenhos específicos. Tal recorrência à avaliação do professor torna bastante pertinente a questão de sua acuracidade de julgamento, conforme tratada a seguir.

 

O julgamento do professor e sua acuracidade

Os professores, por passarem muito tempo com as crianças em sala de aula, talvez possam, com muita propriedade, identificar aquelas que necessitam de recursos especiais de ensino-aprendizagem, como mostram os estudos relatados a seguir, oferecendo suporte a essa afirmação.

No estudo de Marturano et al. (1997), com 75 crianças de nove a 12 anos pertencentes a escolas públicas, constatou-se, a partir de testes de QI, que os alunos encaminhados por professores e pais para atendimento clínico apresentavam desempenho inferior ao desempenho de crianças sem queixas escolares e que não haviam sido encaminhadas para atendimento clínico. A clientela sob atendimento especializado é geralmente levada pelos pais, encaminhada pela escola, ou ainda por meio de triagem por algum profissional da área da saúde. Esse processo envolve, portanto, a avaliação de três agentes sociais: a escola, a família e um profissional da saúde (Marturano & Loureiro, 2003; Souza, 1997), verificando-se considerável consenso no processo de identificação dessas crianças. Há estudos internacionais (MacMillan, Gresham & Bocian, 1998) e nacionais (Massola & Silvares, 1997) que demonstram, inclusive, alto grau de coerência entre o julgamento dos professores e os encaminhamentos para atendimento, apesar da possibilidade de eventualmente existir algum viés ou discordância.

Utilizar a avaliação do professor sobre as dificuldades de aprendizagem de seus alunos é interessante sob vários aspectos. Como lembram MacMillan et al. (1998), os processos de triagem poderiam ser mais econômicos, por exemplo, se fossem mais valorizadas as alternativas de identificação das dificuldades de aprendizagem, com base na avaliação do professor. Em nosso meio, esse aspecto é ainda mais relevante, considerando-se a escassez de serviços especializados nas escolas. Nesse sentido, a identificação de dificuldades de aprendizagem pelo professor é uma estratégia importante também porque ele é o principal agente da superação desses problemas.

 

Questões metodológicas

No Brasil, o grupo de pesquisa RIHS (Relações Interpessoais e Habilidades Sociais, www.rihs.ufscar.br) realizou a validação nacional do Social Skills Rating System (SSRS, de Gresham & Elliott, 2003), em uma amostragem multicêntrica (Bandeira, Del Prette, Del Prette & Magalhães, 2009). Esse instrumento avalia habilidades sociais, comportamentos problemáticos e competência acadêmica de estudantes do ensino fundamental. A competência acadêmica de alunos é avaliada pelo julgamento do professor a partir de uma escala de classificação da posição de cada aluno em relação aos demais colegas do grupo, com base em cinco alternativas de respostas: "Entre os 10% piores" (1); "Entre os 20% piores" (2); "Entre os 40% médios" (3); "Entre os 20% bons" (4); e "Entre os 10% melhores" (5).

No contexto internacional, há muitos estudos que demonstram a validade e fidedignidade da subescala de Competência Acadêmica (CA) do SSRS (Crosby & French, 2002; Demaray & Elliott, 1998; Gresham, MacMillan & Bocian, 1997; Ogden, 2003). Esses estudos demonstraram inclusive a validade convergente da escala CA do SSRS comparando os resultados com os obtidos a partir de outros indicadores de desempenho acadêmico.

Contudo, no Brasil não há registro de trabalhos que verifiquem a validade da escala de CA do SSRS-BR em relação a outros instrumentos ou indicadores diretos de desempenho acadêmico, independentes da avaliação do professor. Em nosso meio, não se pode descartar a hipótese de vieses no julgamento do professor ao avaliar crianças com dificuldades de aprendizagem, pelo menos até que se disponha de dados que dêem validação empírica a tal afirmativa. Destaca-se ainda que esses vieses podem ser mais prováveis em função da associação freqüente entre as dificuldades de aprendizagem e os problemas de comportamento.

Nos estudos sobre dificuldades de aprendizagem de crianças encaminhadas para atendimento clínico, estas geralmente apresentam uma série de problemas de comportamento associados, tais como: a desobediência, a irritabilidade, a impaciência, a agitação, a ansiedade, a oposição, a esquiva, a insegurança, a timidez, a dispersão, o isolamento, a preocupação, as brigas e a destruição de objetos (Marturano et al., 1997; Romaro e Capitão, 2003). A literatura documenta que alunos com dificuldades de aprendizagem são geralmente avaliados como menos populares, menos cooperativos e mais rejeitados pelos seus colegas de classe (Kavale & Forness, 1996; Swanson & Malone, 1992). Além disso, tendem a manifestar com maior freqüência problemas de comportamento (Bernardes-da-Rosa, Garcia, Domingos & Silvares, 2000; Marturano et al., 1997).

É possível supor que o professor julgue mais negativamente o desempenho acadêmico de seus alunos com problemas de comportamento e, por outro lado, que avalie mais negativamente a freqüência de problemas de comportamento de seus alunos com dificuldades de aprendizagem. Pertinente a essa possibilidade, Bennett, Gottesman, Rock e Cerullo (1993) recomendam o uso associado de testes padronizados como forma de controlar um possível viés nas avaliações do professor.

No Brasil, Feitosa (2007) aplicou o SSRS-BR juntamente com o TDE (Stein, 1994) em duas amostras independentes de crianças, a fim de atender aos objetivos de sua tese de doutorado, correlacionando o desempenho acadêmico a outras variáveis não pertinentes ao presente estudo. Dois procedimentos de avaliação do desempenho acadêmico foram adotados nesse trabalho seguindo-se o princípio e os benefícios de uma avaliação multimodal, a partir da qual foi possível organizar o presente estudo. A estratégia de validação convergente (Bunchaft & Cavas, 2002), ou seja, de correlacionar dados de um instrumento em fase de validação, o SSRS-BR, e um teste cuja validade já foi comprovada, no caso o TDE, que avalia diretamente o desempenho acadêmico e possui estudos de validade no sul do país, foi aplicada aos dados de desempenho acadêmico do estudo original (Feitosa, 2007), o que levou aos objetivos do presente estudo: (1) comparar a avaliação de professores sobre a competência acadêmica dos alunos com uma avaliação direta de desempenho acadêmico; (2) sondar a possibilidade de problemas de comportamento interferirem na avaliação dos professores na escala de Competência Acadêmica do Social Skills Rating System (SSRS-BR); e (3) apresentar dados preliminares de validação dessa subescala.

 

Método

Cuidados Éticos

Todas as normas éticas do Conselho Nacional de Saúde (Resolução 196/96) foram cumpridas. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o projeto de pesquisa que originou o presente trabalho foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de São Carlos (CEP/UFSCar) sob o Parecer de No. 134/2005.

 

ESTUDO 1 - São Paulo/SP

Participantes

Os sujeitos foram 49 crianças (idade cronológica média=8,65 anos), incluídas independentemente do seu desempenho acadêmico, reunindo 40 com e 09 sem dificuldades de aprendizagem, sendo 61,2% do sexo masculino e 38,8% do sexo feminino, que pertenciam a uma escola pública da região norte da cidade de São Paulo. Essas crianças estavam na segunda (61,2%) e terceira (38,8%) séries do ensino fundamental1, com nível socioeconômico equivalente às classes D (32,7%), C (32,7%), B2 (22,4%), B1 (6,1%) e A2 (6,1%) pelo Critério Brasil2. Além delas, participaram seus pais, autorizando a coleta dos dados e fornecendo dados socioeconômicos. Três professoras participaram como informantes na avaliação do desempenho acadêmico das crianças.

Instrumentos

Sistema de Avaliação de Habilidades Sociais

Mais conhecido como Social Skills Rating System (SSRS, Gresham & Elliott, 2003), este instrumento, validado para o Brasil por Bandeira et al. (2009), avalia habilidades sociais, comportamentos problemáticos e competência acadêmica de estudantes do ensino fundamental e é apresentado em versão para pais, professores e estudantes. Os itens referentes aos problemas de comportamento são respondidos em relação à freqüência de ocorrência de cada comportamento, com três alternativas de respostas ("nunca"=0, "algumas vezes"=1 e "muito freqüente"=2). No estudo de validação do SSRS para o Brasil (SSRS-BR, Bandeira et al., 2009), com crianças de primeira a quarta séries do ensino fundamental, a análise de consistência interna da escala de Competência Acadêmica apresentou-se bastante satisfatória (Alfa de Cronbach=0,98), com alta estabilidade teste-reteste (média=36,68 com desvio padrão=7,22, no teste; média=35,07 com desvio padrão=7,35, no re-teste; e correlação significativa de 0,73). A análise de consistência interna para a escala global de Problemas de Comportamento, conforme avaliados pelos professores, mostrou um Alfa de Cronbach igual a 0,91. No presente estudo, foram utilizados desse instrumento apenas os itens das subescalas de Competência Acadêmica e de Problemas de Comportamento, a primeira escala presente somente na versão para professores.

Teste de desempenho escolar

O TDE (Stein, 1994) é um instrumento de aplicação individual para a avaliação educacional do desempenho de crianças da 1ª. a 6ª. série do ensino fundamental em escrita, aritmética e leitura, validado por amostra de Porto Alegre-RS. O teste apresenta resultados pela contagem de acertos, em escores brutos (Escore Total Geral) ou Classificação Geral de Inferior (até o percentil 25 dos sujeitos de cada série com os escores mais baixos), Médio (escores entre o percentil 25 e 75) e Superior (acima do percentil 75 com os escores mais altos). Como indicadores de confiabilidade, o coeficiente alfa referido para o TDE na escala total é de 0,99.

Procedimento

Após os contatos iniciais com a escola, a coleta de dados foi realizada com três professoras que preencheram, individualmente e em diferentes momentos, o SSRS-BR referente aos alunos cujos pais autorizaram a participação na pesquisa. As professoras receberam os nomes dos alunos que deveriam avaliar e os instrumentos para essa avaliação, entregando-os de volta ao pesquisador à medida que iam respondendo. Os alunos responderam ao TDE de maneira individual, na presença do pesquisador, em uma sala reservada.

Tratamento dos dados

A amostra foi caracterizada por meio de testes estatísticos descritivos e os dados dos instrumentos foram tratados pela Correlação de Pearson. Foram reunidos os escores da escala Competência Acadêmica do SSRS-BR nos percentis 30, 50, 70 e 100, aproximando-os da distribuição original dessa escala (10% e 20% piores, 40% médios, e 20% e 10% melhores), possibilitando também a aproximação da distribuição com o TDE3. Os testes estatísticos descritivos e de correlação foram aplicados por meio do SPSS for Windows 10.0, seguindo as sugestões de Pereira (2004).

 

ESTUDO 2 - Cacoal/RO

Participantes

Os sujeitos foram 22 crianças (idade cronológica média=8,95 anos), indicadas pelos seus professores por dificuldades de aprendizagem (N=12) ou incluídas independentemente de seu desempenho acadêmico (N=10), sendo 59,1% do sexo masculino e 40,9% do sexo feminino, todas pertencentes a uma escola pública da periferia da cidade de Cacoal, em Rondônia. Essas crianças estavam na segunda (90,9%) e terceira (9,1%) séries do ensino fundamental, com nível socioeconômico equivalente a D (45,5%), C (50,0%) e B2 (4,5%) pelo Critério Brasil. Além delas, participaram seus pais e quatro professores.

Instrumentos e tratamento dos dados

Os instrumentos, os cuidados éticos e o tratamento dos dados foram exatamente os mesmos do Estudo 1.

Procedimento

O procedimento foi semelhante ao Estudo 1. Contudo, no Estudo 1, os professores avaliaram o desempenho acadêmico das crianças sem a preocupação de referenciá-las para atendimento clínico, diferentemente do Estudo 2, onde algumas crianças foram intencionalmente incluídas pela escola devido a queixas de dificuldades de aprendizagem.

 

Resultados e Discussão

A Tabela 1, referente à amostra de São Paulo-SP, apresenta o cruzamento dos dados descritivos entre o desempenho no TDE e na escala CA do SSRS-BR.

Conforme se observa na Tabela 1, as crianças do Grupo Inferior no TDE não ultrapassaram o escore médio de Competência Acadêmica (CA) do SSRS-BR (que é 36,00) no estudo de validação nacional (Bandeira et al., 2009), significando, com isso, que as professoras situaram abaixo da média da classe todas as crianças que realmente tinham dificuldades de aprendizagem. As crianças do Grupo Médio no TDE, no entanto, ficaram em sua maioria acima do ponto médio da escala CA do SSRS-BR, o que mostra que as professoras não subestimaram o desempenho acadêmico da maioria das crianças sem dificuldades de aprendizagem que estavam dentro da média escolar. O mesmo ponto foi superado pela criança com classificação Superior no TDE. De maneira geral (ver Grupo Total), 70% das crianças não atingiram o ponto médio da escala CA do SSRS-BR, o que é coerente com o fato de haver, neste estudo, maior proporção de crianças no Grupo Inferior do TDE, isto é, a maioria das crianças deste estudo tinha dificuldades de aprendizagem e acertadamente as suas professoras tenderam a situá-las abaixo da média escolar.

Na análise inferencial, foi encontrado um índice (N=49; r=0,559, p<0,01) aceitável de correlação entre a escala CA do SSRS-BR e Classificação Geral do TDE. Com esse dado estatístico, verificou-se que a avaliação das professoras sobre o desempenho escolar dos alunos tendeu a ser coerente e confiável. Porém, no Escore Total Geral do TDE, houve redução na correlação com a escala CA do SSRS-BR, apesar de ser ainda significativa (N=49; r=0,377, p<0,01), sugerindo que o julgamento das professoras pareceu ser pautado sobre o desempenho mais geral do aluno, isto é, seu julgamento foi mais categórico e menos quantitativo. Neste caso, as crianças com dificuldades de aprendizagem pareceram ser mais evidentes às suas professoras.

A Tabela 2, referente à amostra de Cacoal-RO, apresenta o cruzamento dos dados descritivos entre o desempenho no TDE e na escala CA do SSRS-BR.

Observa-se que as crianças do Grupo Inferior no TDE também não ultrapassaram o escore médio (36,00) da escala CA do SSRS-BR. Além disso, as crianças tanto do Grupo Médio como do Grupo Superior no TDE ficaram em sua maioria acima do ponto médio da escala CA do SSRS-BR. De maneira geral (ver Grupo Total), 50% das crianças não atingiram o ponto médio da escala CA do SSRS-BR, o que é coerente com o fato de, neste estudo, aproximadamente metade dos sujeitos estarem no Grupo Inferior do TDE. Sendo assim, os professores de Cacoal foram ainda mais precisos nas avaliações sobre o desempenho acadêmico de seus alunos em relação às avaliações das professoras de São Paulo, que já haviam feito uma avaliação adequada.

Prova disso é que, na análise inferencial, foi encontrado um índice (N=22; r=0,786, p<0,01) elevado de correlação entre a escala CA do SSRS-BR e a Classificação Geral do TDE. No Escore Total Geral do TDE houve ainda maior correlação com a escala CA do SSRS-BR (N=22; r=0,837, p<0,01), revelando que os professores foram muito cuidadosos na identificação de crianças com dificuldades de aprendizagem.

Conforme a Tabela 3, na amostra de São Paulo-SP, não foi encontrada correlação entre desempenho acadêmico e problemas de comportamento, nem pelo Escore Total Geral do TDE (N=49; r=0,204, p=0,159), nem pela Classificação Geral do TDE (N=49; r=-0,070, p=0,633). Mas houve correlação negativa entre o julgamento das professoras pela escala CA do SSRS-BR e problemas de comportamento nos alunos (N=49; r=-0,506, p<0,001). Dessa forma, confirma-se a possibilidade do professor avaliar de maneira mais negativa o desempenho acadêmico de alunos com problemas de comportamento e vice-versa, conforme já apontam outros estudos, como o de Bandeira et al. (2009).

Por outro lado, na amostra de Cacoal-RO, houve correlação negativa na Classificação Geral do TDE e problemas de comportamento nos alunos (N=22; r=-0,457, p<0,05), também entre o julgamento do professor pela escala CA do SSRS-BR e problemas de comportamento (N=22; r=-0,511, p<0,05). Contudo, inesperadamente, não houve correlação entre o Escore Total Geral do TDE e problemas de comportamento nos alunos (N=22; r=-0,388, p=0,074), provavelmente devido ao número reduzido de sujeitos. Esse resultado é consoante com outros estudos (Marturano et al., 1997; Romaro & Capitão, 2003), indicando maior freqüência de problemas de comportamento em crianças com menor rendimento acadêmico. Além disso, esse achado reforça o dado de coerência entre a escala CA do SSRS-BR e o desempenho dos alunos no TDE, ou, em outras palavras, confirma que os professores deste estudo, especialmente os de Cacoal, foram bastante precisos em suas avaliações sobre o desempenho acadêmico de seus alunos.

É provável que isso tenha ocorrido porque, no Estudo 1, as professoras avaliaram o desempenho acadêmico das crianças sem a preocupação de referenciá-las para atendimento clínico, diferentemente do Estudo 2, onde algumas crianças foram intencionalmente incluídas pela escola devido a queixas de dificuldades de aprendizagem. A diferença no critério de inclusão está coerente com o fato de que, no Estudo 1, o índice de concordância entre o julgamento do professor e o TDE foi mediano, apesar de significativo, diferentemente do Estudo 2, onde a concordância foi elevada, conforme mostraram as análises de correlação. Assim, é possível inferir que, quando o professor está com a responsabilidade de acertar na triagem de alunos que requisitam serviços educacionais especiais, o seu julgamento é acurado. Por outro lado, quando avalia alunos, isento da responsabilidade de encaminhá-los aos serviços especiais, há maior probabilidade de ocorrer viés. Apesar disso, é pertinente destacar que em ambos os estudos todas as crianças do Grupo Inferior no TDE foram situadas por seus professores abaixo do ponto médio da escala CA do SSRS-BR, indicando acuracidade no julgamento.

Diante disso tudo, é possível chegar a conclusões importantes. No presente estudo, não houve indício de Erro Tipo I (falso positivo) para a identificação das dificuldades de aprendizagem, quando considerado o desempenho acadêmico de maneira geral. Os resultados mostraram que os professores avaliaram corretamente a competência acadêmica de seus alunos com dificuldades de aprendizagem no sentido de situá-los abaixo da média da população. E o julgamento dos professores tornou-se ainda mais acurado quando foram solicitados a indicarem crianças para atendimento clínico, conforme já sugeria o estudo de Marturano et al. (1997).

À semelhança de estudos internacionais (Crosby & French, 2002; Demaray & Elliott, 1998; Gresham et al., 1997; Ogden, 2003) sobre o SSRS, o presente estudo revelou que a escala CA do SSRS-BR acessa o que pretende medir com índices aceitáveis de validade. Os dados do presente estudo mostraram coerência entre os resultados da escala CA do SSRS-BR e do TDE, com índices significativos de correlação entre 0,377 e 0,837. A compatibilidade entre essa subescala e o teste padronizado de desempenho acadêmico empregado mostrou que o julgamento do professor apresenta índices aceitáveis de acuracidade para ser usado na triagem das dificuldades de aprendizagem e na identificação de crianças para a intervenção psicopedagógica.

No entanto, podem existir vieses no julgamento sobre alunos com problemas de comportamento, conforme apontou o dado da amostra de São Paulo-SP. Considerando que a associação detectada entre dificuldades de aprendizagem e problemas de comportamento está presente mesmo em estudos com medidas objetivas de desempenho acadêmico, torna-se difícil discernir se semelhante correlação aqui encontrada seria fruto de viés na percepção do professor quando o mesmo julga o seu aluno em relação a essas duas variáveis. Portanto, no caso de crianças com problemas de comportamento identificados pelo professor, torna-se importante o uso de medidas objetivas para a avaliação do desempenho acadêmico, especialmente quando um estudo exigir melhor controle dessa variável, conforme aconselham Bennett et al. (1993). Tais achados encontrados nessa amostra nacional apresentam implicações metodológicas para a pesquisa e para o diagnóstico das dificuldades de aprendizagem, oferecendo suporte para o que defendem MacMillan et al. (1998).

 

Considerações Finais

Não obstante oferecer base à acuracidade do julgamento do professor sobre o rendimento escolar de seus alunos, os resultados do presente estudo estão limitados a processos diagnósticos das dificuldades de aprendizagem na relação com problemas de comportamento, sem abordar as implicações diretas das dificuldades e os seus processos etiológicos. Em outras palavras, o presente estudo não elimina a possibilidade de que o professor, a partir de vieses - aqui ausentes no julgamento diagnóstico, mas eventualmente presentes na interação com seus alunos - contribua, mesmo que inadvertidamente, para a produção dessas mesmas dificuldades de aprendizagem e problemas de comportamento, conforme tradicionalmente defende Patto (1997).

O reduzido número de crianças das duas amostras, que foram ainda divididas e analisadas em subgrupos em determinado momento, impõe limites a uma generalização mais ampla dos resultados à população geral, embora as amostras tenham sido de regiões díspares do Brasil com resultados muito semelhantes. Assim, os dados aqui obtidos devem ser comparados a outros, em futuras pesquisas, com um maior número de sujeitos. Apesar dessa limitação, a comparação entre o Estudo 1 e o Estudo 2 com os controles estatísticos empregados, cotejada com dados de outras pesquisas da área, já referidas, confere considerável segurança aos resultados do presente estudo. Destaca-se que, dentro destes limites, o presente estudo contribui ao demonstrar por meio da validação empírica a acuracidade do julgamento do professor.

Considerando que, no presente estudo, o desempenho acadêmico foi avaliado de maneira geral, dada à quantidade de sujeitos, sugere-se que futuras pesquisas analisem a acuracidade do julgamento do professor em áreas acadêmicas específicas, o que poderá trazer ainda mais informações relevantes ao diagnóstico e ao planejamento de intervenções psicopedagógicas junto a crianças com dificuldades de aprendizagem.

 

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Enviado em Março de 2008
Revisado em Fevereiro de 2009
Aceite final em Julho de 2009
Publicado em Outubro de 2009

 

 

Nota dos autores:

Fabio Biasotto Feitosa - Professor Adjunto - Departamento de Psicologia. Universidade Federal de Rondônia. Zilda A. P. Del Prette - Professor Titular - Programa de Pós-Graduação em Educação Especial e Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal de São Carlos. Sonia Regina Loureiro - Professora Doutora em Psicologia. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Universidade de São Paulo.
1 A primeira série foi desconsiderada pelo pesquisador para evitar crianças ainda em fase de adaptação no ambiente escolar e a quarta série foi excluída porque um dos instrumentos usados no estudo original estava validado somente para crianças de até nove anos e onze meses.
2 Critério de Classificação Econômica Brasil-CCEB (IBOPE/ABEP, 2003, http://www.abep.org) tem como objetivo medir o poder aquisitivo do consumidor. O percentual da população no ano 2000, em cada classe de poder aquisitivo, é o seguinte (da classe de maior poder aquisitivo para a de menor): A1 (1%), A2 (5%), B1 (9%), B2 (14%), C (36%), D (31%) e E (4%).
3 Lembrando que classificação "Inferior" no TDE equivale ao percentil 25, "Médio" equivale ao percentil 25-75 e "Superior" acima do percentil 75.

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