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Temas em Psicologia
versão impressa ISSN 1413-389X
Temas psicol. vol.16 no.2 Ribeirão Preto 2008
ARTIGOS
A demanda para políticas públicas adicionais para trabalhadores com filhos pequenos: o caso de professoras
The need for additional public policies for workers with young children: the school teacher situation
Ana Carolina Gravena VanalliI; Elizabeth Joan BarhamII
IUniversidade Federal de São Carlos - SP - Brasil
IIUniversidade Federal de São Carlos - SP - Brasil
RESUMO
A participação feminina no mercado de trabalho aumentou nas últimas décadas, sendo que para a maioria das mulheres brasileiras, as atividades profissionais se somam às tarefas familiares. Na primeira infância dos filhos, o trabalho no lar pode ser intenso, por isso, pode-se esperar que o retorno da licença maternidade seja custoso. Neste estudo, levantaram-se formas de apoio disponíveis no âmbito de trabalho, por meio de entrevistas com 40 professoras, mães de filhos com até 2 anos de idade. A maioria das professoras recebeu pouco auxílio no trabalho. Conseqüentemente, muitas experimentavam dificuldades com tarefas profissionais importantes. As respondentes recomendaram a introdução de políticas públicas mais apoiadoras para reduzir as demandas profissionais num período crítico para a vida familiar.
Palavras-chave: Políticas públicas, Licença maternidade, Professoras.
ABSTRACT
Women's participation in the labor force has increased over the past decades, although, for the majority of Brazilian women, professional activities are added to family and household chores. While children are infants, family demands are intense. Thus, it is predictable that the period following maternity leave will be difficult. In this study, forms of support available in the workplace were investigated, on the basis of interviews with 40 school teachers, mothers of children under 2. The majority of the teachers received little support at work. As a result, many experienced difficulties with important work tasks. The respondents recommended the introduction of supportive public policies, to reduce workplace demands during this critical period of family life.
Keywords: Public policy, Maternity leave, School teachers.
A condição feminina tem se modificado nas últimas décadas, impulsionada pela maior participação da mulher no trabalho, o que transformou os papéis sociais desempenhados por elas (Ramos, 2002; Possatti & Dias, 2002; Wagner, Predebon & Mosmann, 2005). De acordo com esses autores, no Brasil, a participação feminina em empregos remunerados aumentou a partir da década de 70, provocada pelo movimento feminino, que defendeu o direito da mulher a ter uma vida pública e, graças à redução nas demandas no lar obtida com a introdução de métodos anticoncepcionais eficazes, o momento em que o processo de desenvolvimento industrial gerou novos empregos ao alcance das mulheres. Ao mesmo tempo, a queda do poder aquisitivo dos homens exigiu complementação do orçamento familiar, o que pressionou um maior número de mulheres a ingressar em atividades remuneradas fora do lar.
Ramos (2002), Fleck e Wagner (2003), Wagner et al. (2005) e Sarti (1997) comentam que a maior participação feminina nesse campo implicou em mudanças no modo de vida das mulheres. Elas passaram a permanecer mais tempo na escola, adquirindo assim maior qualificação profissional, o que lhes possibilitou competir de forma mais igualitária com os homens por empregos que exigiam escolaridade média ou superior. Além disso, nessa conjuntura, foram iniciadas modificações no funcionamento da família brasileira, já que as mulheres passaram a compartilhar as responsabilidades pela manutenção financeira da família, desencadeando uma redefinição dos padrões de hierarquia familiar.
O crescimento da participação feminina no mercado de trabalho tem sido acompanhado por estatísticas favoráveis, como o aumento da expectativa de vida e do nível educacional, permitindo às mulheres romper uniões indesejadas, além de maior controle da fecundidade, o que reduziu o trabalho no lar (Itaboraí, 2002). Diniz (1999) destaca que, em termos de ganhos psicológicos, trabalhar fora de casa também aumenta a auto-estima e o senso de confiança da mulher, contribuindo positivamente no desempenho dos papéis familiares.
Para autores como Senne (1990), Cooper e Lewis (2000) e Franco (2001), o trabalho remunerado, por um lado, é apontado como libertação feminina, com possibilidade de afirmação pessoal, mas por outro, esbarra no acúmulo de responsabilidades com sobrecarga física e emocional, podendo levar as mulheres a não terem tempo para si. Diniz (1999) comenta que as tradições políticas, culturais e sociais têm dificultado à mulher conciliar responsabilidades familiares e profissionais e atingir paridade com o homem no mercado de trabalho, visto que as mesmas recebem salários menores e têm menos acesso a promoções e a cargos de gerenciamento.
Além das transformações no âmbito profissional, nos últimos anos a rede familiar de apoio também vem se modificando (Dessen & Braz, 2000). Esses autores destacam que a migração de pessoas do campo para as cidades tem levado à redução no número de familiares que convivam em proximidade geográfica, reduzindo a rede de apoio familiar em função do distanciamento físico e psicológico que ocorre entre os membros da família extensa. Além disso, a disponibilidade de apoio familiar também baixou em função do envolvimento das avós no mercado de trabalho, diminuindo a disponibilidade para cuidado dos netos.
Tendo em vista a redução na disponibilidade de apoio da família extensa, torna-se importante considerar as políticas públicas que permitem um afastamento parcial ou integral do trabalho para cuidado de filhos pequenos. No Brasil, a licença paternidade é de cinco dias. Assim, o Estado praticamente não oferece incentivos para o envolvimento mais próximo dos pais com seus filhos. A licença maternidade é de quatro meses (remunerado), o que supera a licença maternidade oferecida nos Estados Unidos (seis semanas, sem remuneração) e em vários outros países. No entanto, as demandas de cuidado com uma criança pequena são tão altas, que outros países adotaram políticas de afastamentos remunerados (parcial ou integralmente) do trabalho profissional, após o nascimento de uma criança, para o período de um ano (por exemplo, Canadá, Suécia) e para dois anos ou mais (por exemplo, França, Finlândia, Itália). Em vários países, permite-se, que tanto as mães, quanto os pais possam usar ou dividir o período de licença (Bradshaw & Finch, 2002). Esses mesmos autores também relatam que na Alemanha e no Japão, os pais podem usar seu afastamento por um período muito extenso, reduzindo sua jornada de trabalho para cuidar de crianças em idade escolar.
Além disso, Bradshaw e Finch (2002) destacam que, apesar de existirem políticas públicas que permitem o envolvimento dos homens nos cuidados com seus filhos pequenos, por motivos culturais (papéis ligados ao gênero) e financeiros (as mulheres ganhando menos do que os homens), em todos os países examinados, a mãe, quase sempre, foi quem tirou licença após o nascimento do seu filho. Como resultado disso, mesmo quando as mães retornam ao trabalho, na maioria das vezes, possuem contatos mais freqüentes e laços emocionais mais íntimos com o bebê (Coltrane, 2000; Franco, 2001).
No Brasil, a licença maternidade constitui-se como um direito social, legalmente previsto, em que ocorre a suspensão temporária das atividades de trabalho da mulher, com interrupção dos serviços prestados, em virtude do nascimento de um filho, cabendo ao empregador remunerar a funcionária afastada por 120 dias a partir do nascimento do seu filho. Se houver necessidade de prorrogação por indicação médica, os períodos de repouso antes e após o parto poderão ser aumentados por mais 14 dias cada um. No período de licença maternidade, não pode haver prejuízo do emprego ou salário, sendo vedada dispensa arbitrária ou sem justa causa da funcionária, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto (Mannrich, 2001).
Após o nascimento de seus filhos, as mulheres precisam decidir se retornarão ao emprego ou se permanecerão em casa cuidando de seu bebê. Estudos Americanos indicam que em torno de 14% das mulheres resolvem não voltar (Friedman, 1990). As que decidem retornar ao trabalho podem enfrentar uma série de preocupações em relação à manutenção dos cuidados com seu filho e da qualidade do seu desempenho profissional.
Faria e Barham (2004) destacam que as pessoas que trabalham fora de casa permitem que as demandas profissionais (horas extras, reuniões, viagens profissionais etc.) interfiram na sua vida familiar com freqüência maior do que permitem que demandas familiares (doença de um filho, reuniões escolares, etc.) interfiram no seu desempenho no trabalho. Assim, o bem estar familiar, bem como os cuidados com o filho, podem estar mais em risco do que a qualidade do desempenho profissional. Isso pode criar sentimentos de culpa entre as mulheres que prosseguem em suas carreiras enquanto seus filhos são pequenos (Cooper & Lewis, 2000). Assim, ao resolver exercer a profissão, a mulher sente-se "dividida", pois tem que optar por trabalhar fora e não por cuidar do filho. Muitas mulheres, ao priorizar o trabalho remunerado, sentem que negligenciam a função materna (Franco, 2001).
Por isso, o retorno ao trabalho costuma ser uma fase de insegurança, estresse e angústia por parte da mãe, já que ela terá que dividir os cuidados com o filho com outras pessoas e a escolha da melhor opção pode gerar incertezas. Também, ao voltar ao trabalho e às responsabilidades anteriores, sua reintegração exige esforço para lidar com as novas realidades encontradas (Cooper & Lewis, 2000).
Uma das primeiras interferências concretas encontradas pelas mulheres em relação à conciliação entre maternidade e trabalho refere-se às dificuldades vivenciadas no período de amamentação e desmame. Muitas vezes, as mulheres reduzem o período de amamentação para não correr o risco de perder o emprego, transformando o desmame em um período penoso física e psicologicamente, com impactos sobre a relação mãe-filho (Schirmer, 1997). Nas áreas urbanas, a volta da mulher ao trabalho é uma das principais razões do desmame precoce, devido à separação diária prolongada da mãe de seu filho, condição que se torna pior nas grandes cidades em função da distância entre a casa e o trabalho (Rea, Venâncio, Batista, Santos & Greiner, 1997).
Além das questões relativas à amamentação, Diniz (1999) destaca que a falta de tempo para a família e as dificuldades em acompanhar o crescimento dos filhos são vistas pelas mulheres como perdas. É comum, também, que estas se ressintam, por não ter tempo para seu cuidado pessoal, lazer e estudos.
No caso das mães professoras, alvo do presente trabalho, somam-se outros fatores de estresse relativos à profissão de magistério, além das dificuldades que as mulheres constantemente encontram no mercado profissional. A literatura da área mostra que os professores das escolas públicas brasileiras freqüentemente estão sujeitos a condições de trabalho estressantes, tais como: baixa remuneração, falta de recursos no local de trabalho para desenvolver suas atividades (superlotação das classes, degradação dos ambientes e poucos instrumentos de trabalho), jornada de trabalho extensa, desvalorização profissional, escassas oportunidades de crescimento (poucas oportunidades de treinamento ou de promoção), entre outras (Basso, 1998; Lapo & Bueno, 2002; Marin, 1998). Outro aspecto desse processo diz respeito à concepção da atividade docente como doação e cuidado, colocando-a como uma profissão naturalmente feminina e que não requer grandes qualificações. Estas condições de trabalho atuam de forma nociva sobre o bem estar dos professores e alunos.
Como resultado, uma porcentagem elevada de docentes apresenta manifestações de sofrimento como: estresse, rouquidão, irritabilidade, reumatismos, doenças vasculares, alergias de pele e das vias respiratórias provocadas principalmente pelo uso constante de giz, calos nas cordas vocais, sobrecarga muscular, tédio e perda do sentido de suas práticas. O adoecimento dos professores é revelado por elevados casos de readaptação (afastamento temporário ou permanente para atividades administrativas) e licenças médicas. A fadiga mental é freqüente entre professores e se dá devido a características encontradas no papel docente como: trabalho que exige atenção com o público, conflitos nas relações pessoais motivados ou acentuados pela múltipla convivência (maior probabilidade de adquirir doenças infecciosas ou parasitárias) e excesso de responsabilidade pelo tempo e recursos que possui (Basso, 1998; Lapo & Bueno, 2002; Marin, 1998). A insatisfação no trabalho, por sua vez, apresenta-se como um fator que pode comprometer o bem estar da mulher e seu desempenho no ambiente familiar (Thompson & Walker, 1989).
Dessa forma, este estudo teve por objetivo investigar as percepções e dificuldades que as professoras experimentaram na sua vida profissional, após seu retorno ao trabalho, durante os primeiros dois anos de vida de seus filhos, e o apoio recebido da instituição empregadora nesse período.
Método
Descrição das participantes
Participaram deste estudo 40 professoras de escolas públicas (educação infantil, ensino básico e médio) de duas cidades de médio porte (cada uma com aproximadamente 200.000 habitantes) da região central do interior do Estado de São Paulo, todas mães de filhos com até dois anos de idade. Para encontrar as professoras, foram visitadas escolas em todos os bairros de cada cidade. As professoras no perfil desejado eram convidadas para participar da pesquisa. Quatro pessoas recusaram o convite, dizendo que estavam com problemas em relação à disponibilidade de tempo. Dessa forma, embora não houve professoras no perfil desejado em todas as escolas, sempre havia pelo menos uma participante de cada região nas duas cidades. Assim, a amostra incluiu a grande maioria das professoras que trabalhavam nas condições de interesse desta pesquisa nos municípios incluídos no estudo. As participantes tinham idade entre 20 e 40 anos, sendo a maioria (95%) casada. Elas tinham tempo médio de profissão de oito anos e seus salários variaram de R$ 300,00 a R$ 2.100,00, (M = 1.029,00). As diferenças salariais existiam em função da variação na escolaridade, carga horária e o nível de ensino lecionado. A carga horária de trabalho das professoras variou de quatro a doze horas diárias, sendo que a maior parte delas trabalhava entre sete e nove horas.
Instrumentos
Os dados foram coletados por meio de uma entrevista que coletou informações sobre: (a) dificuldades que surgiram com relação ao retorno ao trabalho após a licença maternidade e (b) suas percepções sobre o apoio disponível no ambiente profissional para mães de filhos pequenos e a adequação das políticas públicas para auxiliar trabalhadoras nesse período. Os instrumentos encontram-se descritos a seguir:
Dados das participantes: inclui questões sobre: nome, idade, nível de escolaridade, estado civil, tempo de união, número de filhos, profissão, tempo de profissão, carga horária de trabalho, tempo de serviço, horário de trabalho e questões abertas que se referem ao período de licença maternidade e ao retorno ao trabalho.
Carga de trabalho profissional (CARNET, 1995): escala com quatro itens adotados de um instrumento canadense para avaliar equilíbrio entre demandas do trabalho e familiares que verifica o quanto as participantes sentiram-se sobrecarregadas pela quantidade de atividades que precisavam fazer no seu emprego, pontuada com uma escala de concordância variando entre 1, "discordo totalmente" a 10, "concordo totalmente".
Ambiente interpessoal no trabalho (CARNET, 1995): escala com 14 itens que indica o grau de concordância das participantes quanto à adequação do apoio que recebiam no seu ambiente de trabalho com relação às interações com seu supervisor e com os demais colegas de trabalho, pontuado entre 1, 'discordo totalmente' e 10, 'concordo totalmente'.
Satisfação com o trabalho (CARNET, 1995): escala com 14 itens, que avalia a satisfação das participantes com diversos aspectos relacionados ao trabalho profissional, pontuada entre 1, "muito insatisfeita" e 10, "muito satisfeita".
Análise de Dados
A análise dos dados envolveu a organização e interpretação de dados quantitativos (respostas aos itens com formato fechado) e qualitativos (respostas aos itens com formato aberto), que foram obtidos por meio dos instrumentos. Os dados quantitativos foram analisados estatisticamente, segundo medidas descritivas de tendência central e dispersão (média, desvio padrão) e de freqüência relativa.
Para os dados qualitativos, foram realizadas análises de conteúdo, buscando consenso entre dois juízes em relação à escolha de categorias e posterior categorização dos dados, uma abordagem que contribui para a maior fidedignidade dos resultados finais (Anfara, Brown, & Mangione, 2002). Cada elemento diferente nas respostas de cada pessoa foi considerado, separadamente. Assim, o número de respostas pode ser maior do que o número de respondentes. As categorias usadas para organizar os dados foram revistas várias vezes ao longo do processo, com base em discussões entre os juízes e percepções dos temas emergentes e contradições encontradas nos dados (Strauss & Corbin, 1990).
Assim, a versão final das categorias reflete um consenso entre os juízes sobre os temas presentes nas respostas, para cada questão e para conjuntos de questões similares (por exemplo, satisfação com a vida de forma global, com a relação conjugal, com o lazer, com contatos sociais etc.). Procurou-se usar termos iguais ou parecidos para definir as categorias de respostas para itens similares. Com base na categorização dos dados e na observação do número total de respostas diferentes apresentadas, foi possível calcular a freqüência de cada tipo de resposta. Nas tabelas preparadas para apresentar esses dados, incluiem-se também algumas falas típicas dos respondentes, para melhor ilustrar as idéias representadas pelas categorias.
Resultados e discussão
Dificuldades para retornar ao trabalho
A maioria das participantes (65%) retornou ao trabalho em até quatro meses após o nascimento do filho, o que equivale à licença maternidade prevista por lei. Das demais, nove (22,5%) retornaram ao trabalho em até seis meses após o nascimento do filho (utilizando o período de férias escolares ou gozando de licenças) e cinco (12,5%) retornaram ao trabalho mais de sete meses após o nascimento do filho. Das cinco que voltaram mais tardiamente, três ficaram desempregadas, uma vez que não tinham cargos efetivos antes do filho nascer e duas fizeram a opção de retornar ao trabalho quando seus filhos já tivessem mais idade. Das 40 professoras entrevistadas, 37 disseram que não consideravam suficiente o período de licença maternidade disposto pela Consolidação das Leis Trabalhistas, sendo que 70% relatou que o período adequado para a licença maternidade seria de seis meses (o que equivale ao período recomendado pelos órgãos de saúde para o aleitamento materno exclusivo em função dos grandes benefícios para a saúde posterior da criança (Gurmini, 2004). Mais da metade (n= 22) disse que retornar ao trabalho depois de quatro meses interferia negativamente na amamentação, fazendo com que as mães abandonem ou diminuam a freqüência do aleitamento, principalmente pela dificuldade de levar o filho ao trabalho para ser amamentado. Uma respondente comentou: "Eu estava amamentando e o tempo permitido para a amamentação não é suficiente" [P40]. Outra, de forma perspicaz, disse: "Campanhas de amamentação são feitas, mas a licença maternidade é curta" [P28].
Esses dados são coerentes com as afirmações de Schirmer (1997), que também comenta que uma das interferências encontradas pelas mulheres para a conciliação entre maternidade e trabalho refere-se às dificuldades vivenciadas no período de amamentação e desmame. Para esse autor, muitas reduzem o período de amamentação porque precisam cumprir horários fixos de trabalho. Para não correr o risco de perder o emprego, desmamam seu filho precocemente. No mesmo sentido, Rea et al (1997) relatam que, nas áreas urbanas, uma das razões do desmame precoce é a distância entre o local de trabalho da mãe e a localização do bebê, devido ao pouco tempo disponibilizado para amamentação durante o expediente do trabalho - 30 minutos para sair, aleitar e voltar.
Outro motivo que levou as participantes a considerar uma licença maternidade de quatro meses insuficiente foi a preocupação com a dependência emocional do bebê em relação aos cuidados maternos, citado por 19 professoras. Por exemplo, uma mãe disse, "Com quatro meses, o bebê é muito pequenininho, precisa muito da mãe" [P5]. Vários autores como Klaus e Kennel (1992), Devine (1993) e Newcombe (1999) ressaltam a importância do contato próximo e afetivo entre mãe e bebê em seus primeiros meses de vida para seu adequado desenvolvimento. Um terceiro motivo foca a mesma questão, porém, do ponto de vista da mãe em relação ao impacto de reduzir seu tempo com o bebê tão cedo, de forma a afetar o processo de adaptação da mãe ao bebê (n = 8), porque dificulta o estabelecimento de um vínculo afetivo e diminui as oportunidades para descobrir as necessidades específicas do bebê nos primeiros meses de vida, como algumas das professoras responderam: "Muda muita coisa na vida da mulher, e quatro meses é pouco tempo para a adaptação" [P9] e "A licença maternidade é insuficiente, por não ter dado tempo de criar vínculos com a criança" [P10].
Uma quarta preocupação em retornar ao trabalho após quatro meses do nascimento do bebê envolveu a necessidade de deixar o filho sob os cuidados de outras pessoas, uma vez que nem sempre a mãe pode contar com alguém de sua confiança para estar com o bebê enquanto está trabalhando (n = 7). Uma participante comentou: "O tempo não é suficiente, pois a mãe fica muito preocupada em deixar o filho tão pequeno com outras pessoas..." [P1]. Cooper e Lewis (2002) destacam que um dos aspectos mais difíceis do retorno das mulheres ao trabalho após o nascimento de um bebê é deixar o filho pequeno sob os cuidados de outras pessoas, gerando na mãe expectativas, estresse e angústias, sendo que a escolha da melhor opção pode gerar muitas incertezas. Assim, a grande maioria das participantes (92,5%) relatou que se pudesse optar, gostaria de ter retornado ao trabalho mais tardiamente.
Dificuldades para trabalhar durante a primeira infância do filho
Além das preocupações que as respondentes experimentaram para retornar às atividades profissionais, voltar a trabalhar com um filho pequeno também trouxe várias dificuldades para as professoras, apresentadas as seguir.
Das 40 participantes, três relataram que não tiveram problemas no retorno ao trabalho. Os problemas principais citados pelas outras foram falta de tempo e ansiedade. Em relação à falta de tempo, mencionada por 28 respondentes, apareceram dois problemas principais: o tempo insuficiente para realização de atividades cotidianas e as dificuldades em relação à conciliação dos papéis familiar e profissional. O primeiro focou o tempo insuficiente para realização de atividades cotidianas (como preparar aulas ou participar de reuniões, cursos e atividades profissionais extraordinárias). A esse respeito duas das professoras relataram: "Encontrei dificuldades para preparar atividades diferentes e levar atividades para corrigir em casa" [P24] e "Menos tempo disponível para preparar aulas, já que o meu tipo de trabalho exige que eu faça muitas coisas em casa" [P38]. Essas dificuldades estão relacionadas a atividades do trabalho profissional realizadas fora do expediente. Esse problema também foi notado em estudos realizados por Basso (1998), Marin (1998) e Lapo e Bueno (2002), que notaram o quanto é comum que as professoras tenham que levar uma grande carga de trabalho para fazer em casa, já que o tempo incluído no período de trabalho para a preparação de aulas e correção de atividades escolares é insuficiente.
Outro problema relacionado à falta de tempo foi a conciliação entre papéis, uma vez que as professoras, que já desempenhavam os papéis de profissional e esposa passaram a assumir o papel de mãe de uma criança nova, causando modificações em seu ritmo de vida. Uma mãe comentou que sentia "Dificuldade para conciliar casa, marido e filhos" [P21].
O segundo conjunto de dificuldades apresentadas após o retorno ao trabalho envolveu a ansiedade vivenciada pelas mães no que diz respeito a dois aspectos: o bem estar do seu filho durante sua ausência e a adequação do seu desempenho profissional (n = 13, 28,8%). Em relação ao primeiro aspecto, os resultados indicam que, muitas vezes, as mães não se sentiam seguras quanto aos locais onde deixavam seus filhos pequenos enquanto estavam trabalhando. Por exemplo, duas mães expressaram esta preocupação com as seguintes falas: ""Preocupação constante com o bebê, durante o trabalho" [P11] e "Minhas preocupações eram muitas. Dentre elas, com quem deixar, uma vez que não tínhamos dinheiro para pagar uma babá" [P19]. A partir das falas das participantes, percebe-se que a falta de confiança das mães na qualidade dos cuidados oferecidos aos seus filhos durante seu expediente de trabalho estava lhes causando ansiedade.
Nível de satisfação das professoras com seu ambiente profissional
Embora o foco deste estudo envolva a investigação das dificuldades enfrentadas pelas professoras que retornam de uma licença maternidade, é importante destacar que houve, ao mesmo tempo, vários aspectos positivos no ambiente de trabalho que sustentaram seu retorno e permanência neste. Dentre eles, os três aspectos que trouxeram maior satisfação às professoras foram: o relacionamento com outros professores (M = 9; dp = 1,50), oportunidades de usar suas capacidades (M = 8,4; dp =2,28) e bem estar naquilo que faziam (M = 8,1; dp =2,16). Do lado negativo, os três itens que apresentaram menor média foram: oportunidade para ascensão profissional (M = 4,6; dp =2,96), salário (M = 3,8; dp =3) e benefícios (M = 3,6; dp =3,8), refletindo a percepção das participantes a respeito dos problemas que existem nessa profissão (Marin, 1998; Basso, 1998; Lapo & Bueno, 2002). Os problemas de ordem financeira são acentuados entre professoras com filhos, por possuírem despesas familiares maiores.
De acordo com Thompson e Walker (1989), pessoas mais satisfeitas no trabalho percebem as demandas deste ambiente de uma forma mais positiva do que pessoas insatisfeitas, com benefícios para a capacidade de lidar com demandas familiares. No entanto, a conciliação do trabalho profissional e familiar torna-se mais difícil quando as demandas em ambas as esferas são muito altas. Assim, faz-se importante observar a carga profissional para entender as dificuldades das professoras e suas necessidades de apoio no âmbito profissional, nesse momento de suas vidas familiares.
Carga de atividades e o tempo disponível para sua realização
Os resultados indicam que o aspecto de maior desgaste entre as professoras foi a escassez de tempo para realizar suas atividades (M = 7,7; dp = 2,60), sinalizando que as professoras percebiam-se como tendo uma carga de trabalho excessiva. Em relação às modificações no desempenho profissional das participantes, após o nascimento de seus filhos, houve respostas negativas e positivas. Nota-se que aproximadamente a metade (n = 22; 55%) respondeu que houve diminuição no tempo que podiam dedicar ao preparo de suas aulas, com impactos negativos no seu desempenho. Por exemplo, uma professora comentou: "Tenho tempo muito menor para realizar as atividades do trabalho que levo para casa" [P23]. Outra disse: ""Tenho que dividir o tempo disponível entre a profissão e ser mãe. Assim, nem sempre é possível ser boa nas duas coisas" [P38]. Além disso, para dar conta da rotina da sala de aula, muitas não aceitaram projetos extras e não participaram de treinamentos.
Entretanto, seis participantes (15%) responderam que haviam notado melhora em sua atuação profissional, devido ao fato de perceberem mais claramente as necessidades de seus alunos e refletirem sobre a importância de seu trabalho para eles. Por exemplo, uma professora comentou: "Mudou a percepção do meu trabalho. Passei a valorizar mais o desenvolvimento infantil" [P2].
Apoio no ambiente interpessoal de trabalho
O impacto de ser mãe de um filho pequeno sobre o desempenho da professora também depende do apoio recebido dos colegas e do diretor. Quando existe um ambiente interpessoal de apoio, vários problemas podem ser evitados e os que aparecem tendem a ser mais facilmente resolvidos. Nesse sentido, investigou-se a percepção das participantes sobre o apoio da direção e dos outros professores. Elas relataram encontrar apoio e satisfação nas relações com os outros professores, indicado pelas altas médias nos itens: "Há colegas que se importam se você tiver dificuldades" (M = 8,9; dp = 2,02), "Há colegas que a apóiam se você tiver problemas pessoais" (M = 8,8; dp = 2,07) e por fim, "Você pode depender dos colegas de trabalho" (M = 7,6; dp = 3,02). As médias relativamente altas nesses itens indicam que a grande maioria das professoras sentia-se satisfeita com o apoio que recebia de seus colegas de trabalho.
No que diz respeito aos três itens sobre a relação com o diretor, esses apresentaram médias mais baixas (aproximadamente M = 6,0 para os três itens), indicando menor satisfação com o auxílio que estes lhes ofereciam. Assim, percebe-se que as participantes sentiam maior dificuldade em relação às normas institucionais do que às atitudes individuais dos colegas.
A satisfação com o apoio no trabalho pode ser influenciada pela existência de estratégias institucionais específicas para mães de bebês pequenos. Quando perguntado se a escola onde trabalhavam usava algum tipo de estratégia para auxiliar as professoras que fossem mães de filhos pequenos, 29 (72,5%) responderam que sua escola não usava qualquer estratégia. As outras 11 professoras (27,5%) responderam afirmativamente, sendo que sete citaram que a estratégia utilizada foi uma pequena flexibilização no horário, possibilitando que elas adaptassem seus horários de trabalho às demandas familiares. Outras quatro participantes disseram que a escola permitia que as professoras tivessem horário de amamentação, duas disseram que a escola oferecia creche e uma citou o fornecimento de uma cesta básica. Devemos considerar que o auxílio amamentação é previsto por lei e não deveria ser uma estratégia incomum nas escolas.
Quando questionadas se as estratégias utilizadas pela escola eram satisfatórias, 33 participantes (82,5%) relataram que não eram satisfatórias. Todas as participantes foram questionadas a respeito das estratégias que elas acreditavam que pudessem ser implementadas no âmbito escolar para auxiliar professores com filhos pequenos. As estratégias apontadas com maior freqüência pelas professoras foram: o maior apoio da escola em relação aos compromissos familiares, maior flexibilidade de horários para marcar reuniões e atividades extraordinárias, aumento do tempo disponível para a amamentação e criação de um local para deixar o bebê enquanto elas trabalham. No entanto, três disseram que qualquer tipo de auxílio se tornava inviável em função da falta de apoio mais sistêmico, com base na legislação brasileira. Com base em suas respostas, percebe-se que as escolas teriam duas maneiras de lidar com esta questão: flexibilizar as normas para que a professora tenha maior facilidade para cuidar de seu filho ela mesma, ou oferecer recursos para que outra pessoa cuide das atividades relativas à criança (por exemplo, creche próxima ao local de trabalho).
Apesar da falta de políticas nacionais para ajudar professores, percebe-se que algumas escolas encontraram formas de auxílio informal (por exemplo, permitindo maior flexibilidade de horário para reuniões ou atividades extras, bem como, criando a possibilidade de sair mais cedo ou ausentar-se da escola quando necessário), trazendo às professoras algum apoio por meio dessas estratégias.
Discussão final
A desvalorização profissional, sob muitos aspectos, foi o fator que mais desagradou às professoras. Para mães de filhos pequenos, o sentimento de insatisfação em relação ao salário e aos benefícios recebidos, além de afetar sua satisfação, afetou também a possibilidade de contratarem pessoas para auxiliar com o maior volume de tarefas que enfrentavam para cuidar de seu bebê, contribuindo para uma sobrecarga de trabalho profissional e familiar.
Em relação à satisfação com o apoio no local de trabalho, nota-se que as relações com outros professores foram positivas, já que podiam contar com o auxílio destes em momentos de maior dificuldade. A relação com o diretor foi descrita como menos satisfatória, principalmente devido à falta de arranjos institucionais oferecidos, que pudessem favorecer a conciliação de trabalho e família nessa fase.
As maiores dificuldades encontradas na volta ao trabalho, ao término da licença maternidade, foram: precisar interromper a amamentação do seu filho e a forte preocupação com os cuidados que este receberia de outras pessoas, pois, muitas não puderam contar com familiares e pessoas próximas para cuidar dos bebês enquanto trabalhavam. Esse resultado confirma as tendências que Dessen e Braz (2000) descrevem, envolvendo a redução na disponibilidade de apoio da família extensa devido à migração para as grandes cidades e maior distância entre os membros das famílias. Desta forma, o retorno ao trabalho mais tardio poderia ser benéfico para a criança e para a mãe, possibilitando um período maior de amamentação e maior contato entre ambos, ajudando a tornar o momento do retorno ao trabalho um pouco mais adequado. No Brasil, está sendo feito um esforço para mudar a legislação trabalhista a fim de aumentar o período da licença maternidade de quatro para seis meses.
Nota-se que o desejo de ficar um período superior a quatro meses com o bebê não se restringe ao Brasil. Numa revisão internacional das políticas que governam a licença maternidade em diferentes países, Bradshaw e Finch (2002) relatam que, no Canadá, por exemplo, a licença após o nascimento do filho foi aumentada de quatro para 12 meses. Na Itália, a licença é de três anos. Esses países optaram por adotar uma licença maternidade mais longa, baseada na concepção de que o início da vida infantil é um período importante para mãe e filho e que o retorno ao trabalho nesse período pode trazer prejuízos para esse importante relacionamento.
Ainda em relação ao trabalho profissional, nota-se que as participantes enfrentaram uma série de dificuldades na própria realização do trabalho como: falta de tempo para preparar aulas e realizar atividades profissionais em casa, dificuldade para participar de cursos e reuniões fora do expediente de trabalho e dificuldades para conciliar os papéis de profissional, mãe e dona de casa. Para Senne (1990), Cooper e Lewis (2000) e Franco (2001), as dificuldades para a conciliação dos vários papéis desempenhados pelas mulheres podem se acentuar quando não existe uma divisão de tarefas entre os membros da família. Para reduzir a sobrecarga e, de certa forma, preservar a sua saúde física e mental, existem duas opções: reduzir o envolvimento familiar ou reduzir o envolvimento profissional. Para proteger a relação mãe-bebê, tão importante para o desenvolvimento da criança, parece interessante que exista uma política que permita à profissional, mãe de um bebê, trabalhar em condições diferenciadas, sendo uma alternativa uma carga menor de trabalho nesse período.
Percebe-se que as dificuldades encontradas em relação ao trabalho profissional estavam concentradas na falta de políticas institucionais que auxiliassem professoras mães de filhos pequenos, principalmente quanto à flexibilidade de horário e quanto à baixa remuneração recebida que, por vezes, limitou a possibilidade de contratar profissionais para auxiliar no cuidado dos filhos e da casa. De certa forma, esses problemas não eram tão críticos para essa população, uma vez que não sofriam com a possibilidade iminente de perda de emprego, mas podiam acabar gerando um sentimento de mal estar nas suas relações com os outros professores ou com a direção. No entanto, a falta de tempo para preparar suas atividades profissionais é preocupante, pois os alunos poderiam estar sendo, de algum modo, prejudicados. A falta de estratégias institucionais para auxiliar mães de bebês pequenos reflete a falta de preparo das organizações para lidar com alterações significativas nas demandas familiares dos funcionários.
Em relação ao apoio recebido na esfera profissional, a maioria das respondentes (70%) não teve qualquer tipo de apoio adicional. Poucas receberam alguma ajuda da direção da escola que envolvia maior flexibilidade de horário para marcar reuniões ou horas extraordinárias.
No decorrer deste estudo, foram levantadas várias necessidades das professoras. Todas relataram que gostariam que a instituição empregadora oferecesse estratégias de conciliação das responsabilidades profissionais e familiares, como ampliação da licença maternidade, flexibilidade de horário e local para deixar os filhos enquanto trabalhavam. A maioria concordou que, se houvesse um prolongamento da licença maternidade para seis meses, as mães e os bebês seriam beneficiados, principalmente pela possibilidade de amamentar o filho por mais tempo e mais vezes durante o dia.
Em relação à flexibilidade de horário em seus empregos, muitas relataram o desejo de não ter que comparecer às reuniões fora do horário normal de trabalho ou assumir atividades extras, bem como, ter o auxílio de um monitor quando chegassem atrasadas ou tivessem que sair antecipadamente do trabalho, em função de demandas familiares. Assim, as professoras acreditavam que o retorno ao trabalho poderia ter sido mais tranqüilo se tivessem recebido maior apoio do seu empregador. De forma geral, as principais necessidades das professoras estavam ligadas à ampliação do suporte, precisando de maiores recursos institucionais.
Sabe-se que, apesar de desgastante, o período em que o filho é pequeno é passageiro. Entretanto, este é um período importante para a criança, seja para o estabelecimento da relação afetiva com os pais, seja para o desenvolvimento infantil de forma geral. Portanto, faz-se necessário encontrar soluções para viabilizar a permanência da mulher no mercado de trabalho, porém, diminuindo os custos da conciliação entre maternidade e vida profissional (Schirmer, 1997). A busca por políticas mais igualitárias pode requerer ações que ultrapassem a proteção da mãe trabalhadora, abrangendo a redefinição das responsabilidades nos âmbitos profissional e familiar, reconhecendo a importância e impacto de demandas familiares em diferentes fases da vida familiar.
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Endereço para correspondência:
Elizabeth Joan Barham
Programa de Pós-Graduação em Psicologia - Universidade Federal de São Carlos
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Caixa Postal 13.565- 905 São Carlos, SP
E-mails: carolgravena@hotmail.com
Ana Carolina Gravena Vanalli
lisa@power.ufscar.br
Enviado em Julho de 2008
Revisado em Agosto de 2009
Aceite final Dezembro de 2009
Publicado em Maio de 2010