Temas em Psicologia
ISSN 1413-389X
Temas psicol. vol.18 no.2 Ribeirão Preto 2010
Apresentação do dossiê: psicologia e dor
A idéia da preparação de um número especial para o periódico "Temas em Psicologia" abordando "Dor e Psicologia" surgiu no âmbito do Conselho da SBP dado o reconhecimento das atuais contribuições científicas de pesquisadores nacionais e internacionais sobre esta temática. É notória a necessidade de agregar e valorizar pesquisas e intervenções que lidam com a dor. Este número especial orgulha-se por apresentar trabalhos teóricos, empíricos, clínicos e, porque não, históricos; como também, por ter conseguido compor uma diversidade de estudos realizados com as mais diversas faixas etárias e com diferentes doenças.
A Psicologia e Dor representam uma interface que tem interessado clínicos e pesquisadores de muitas áreas das ciências humanas e biológicas. A dor é um fenômeno complexo multideterminado por variáveis biológicas, psicológicas e sociais sendo entendida em diversos níveis da interação do sujeito com o seu ambiente. Este fenômeno normalmente ocorre diante de uma lesão tecidual, porém esta mesma pode não ocasionar necessariamente a dor, como por exemplo, quando técnicas anestésicas ou comportamentais são utilizadas. Os estudos apontam que a dor não é simplesmente uma função da quantidade de dano corporal, mas é uma experiência desagradável que afeta o indivíduo como um todo desde um mero desconforto até uma limitação total de suas atividades ( Melzack,1961).
O presente número agrega 14 textos sendo uma tradução de um texto histórico sobre o tema e um comentário deste, três textos teóricos, quatro textos sobre aspectos gerais sobre as intervenções e cinco textos sobre intervenções específicas. Destes, dois trabalhos representam contribuição de autores estrangeiros. O prof. Howard Rachlin da "State University of New York" e a profª Maria Luiza Torres Queiroz de Barros da Universidade de Lisboa apresentam aspectos fundamentais da dor que permitem ao leitor compreender a extensão e a importância dos estudos deste fenômeno para a Psicologia.
Rachlin comenta em seu artigo "Pain and behavior after 25 years" o seu texto original "Pain and Behavior", publicado em 1985 em Behavioral and Brain Sciences, que representou uma visão comportamental inovadora para a época sobre o assunto, e, tem importância ainda atual para a compreensão da dor segundo uma perspectiva analítico - comportamental.
Luiza Barros em seu texto "A dor pediátrica associada a procedimentos médicos: contributos da psicologia pediátrica" sustenta que a dor associada a procedimentos é uma experiência de sofrimento freqüente na infância, que tem sido tradicionalmente sub-avaliada e sub-tratada. A não utilização de estratégias cognitivo-comportamentais eficazes para controle da dor durante os procedimentos invasivos expõe a criança a sofrimentos desnecessários e riscos para seu desenvolvimento.
José Antônio Damásio Abib, em seu artigo "Sensibilidade, Felicidade e Cultura", reflete a questão da sensibilidade como: Suscetibilidade, Sentimento e Projeto de desenvolvimento humano. Para o autor as relações entre a sensibilidade e o comportamento produzem conseqüências no mundo, que, por sua vez, as fortalecem, as enfraquecem ou as modificam. Um projeto de educação da sensibilidade pressupõe uma nova sensibilidade educada para conseqüências distantes no tempo, para a qual o processo psicológico básico é a imaginação. Assim parece crucial imaginar situações que nos levem a querer acariciar as pessoas e dizer-lhes coisas boas ao invés de querer matá-las? Com também aprender a suportar dores inevitáveis e rejeitar prazeres imediatos artificialmente criados por uma sociedade de consumo.
Fátima Cristina de Souza Conte em seu artigo "Reflexões sobre o Sofrimento Humano e a Análise Clínica Comportamental" baseia-se nas contribuições da Análise do Comportamento sobre a relevância do comportamento verbal e da linguagem, que permitem aos clínicos procederem a análises das especificidades do sofrimento. Assumindo a premissa de que o sofrimento humano é um fenômeno complexo, essencialmente verbal e, portanto, específico para a espécie humana, o artigo apresenta um aporte teórico original que tem sido referido como a terceira onda em Analise Clínica do Comportamento.
Maria Helena Leite Hunziker em "Comportamento de dor: análise funcional e alguns dados experimentais" desenvolve seu texto a partir de uma perspectiva comportamental, que compreende dor/sofrimento como diferentes classes de respostas. A autora assume como ponto de partida a concepção de que a dor é comportamento e que este não é sempre diretamente acessível a outros indivíduos (o que isto dificulta, mas não impede seu estudo). Coerente a uma postura skinneriana reafirma que os comportamentos encobertos obedecem às mesmas leis que regem os comportamentos públicos. Assim, a dor pode ser analisada como parte de diferentes processos comportamentais que interagem continuamente. Nesta análise a dor é parte de uma cadeia comportamental onde cada elo pode ter funções múltiplas. Assim, a dor pode ser uma resposta que é controlada pelo antecedente e pelo conseqüente e pode também exercer funções de estímulo antecedente e conseqüente para outras respostas, bem como ser uma operação estabelecedora para reforçamento.
Maria Beatriz Linhares e Fernanda Doca no artigo "Dor em neonatos e crianças: avaliação e intervenções não-farmacológicas" elaboraram um texto extensivo no qual mostram a dor como uma experiência subjetiva, que pode ser mensurada por meio de auto relato , observação e sinais objetivos de alteração fisiológica e comportamental. Diversas intervenções não-farmacológicas tem se mostrado eficazes para o alívio da dor, como por exemplo: soluções adocicadas (sacarose e glicose) e contato pele-a-pele, para neonatos, e intervenções cognitivas e comportamentais (distração e relaxamento), para crianças. Entretanto, os autores salientam que o conhecimento empírico produzido ainda não se dissemina de modo generalizado a avaliação e manejo de dor em situações clínicas.
Fabrício Fernandes Almeida, Áderson Luiz Costa Júnior, Fernanda do Nascimento Pereira Doca e Virgínia Turra em "Experiência de Dor e Variáveis Psicossociais" buscam mapear os estudos psicológicos brasileiros sobre dor, através de metodologia padronizada, realizando a análise de 14 artigos, provenientes de 32 periódicos QUALIS A, conforme classificação da CAPES, bem como artigos publicados na Revista Dor. Os autores indicam que a Psicologia brasileira não tem ocupado seu espaço nesse campo e que, em discordância com a necessidade apontada pela literatura da área, os artigos identificados analisam um pequeno número de variáveis psicossociais relevantes para o estudo da dor.
Karen Mendes Graner, Aderson Costa Jr e Gustavo Sattolo Rolim em "Terapias complementares e alternativas da dor em Oncologia" discutem a dor associada a neoplasias. Em oncologia a dor constitui uma das queixas mais freqüentes dos pacientes e uma variável peculiar que requer tratamento adequado. Os autores apresentam algumas técnicas complementares e alternativas que podem ser utilizadas por profissionais de saúde como relaxamento, visualização, distração dirigida, biofeedback, respiração profunda, grupos educativos, modelação, sistemas de recompensas (reforço positivo) e ensaio de comportamentos
Daiane Soares Silva, Eliana Porto Rocha e Luc Vandenberghe em "Tratamento psicológico em grupo para dor crônica" descrevem em um trabalho com grupos algumas dimensões de conteúdo verbal que são importantes numa terapia para dor crônica. A analise dos dados indica quatro categorias: convivência com a dor; problemas do cotidiano; interação com terapeutas e processos de interação ao vivo entre participantes. Parece que a terapia em grupo não só ensina o individuo a lidar com a dor, mas aborda uma variedade de aspectos pessoais e sociais que influenciam a dor crônica.
Lincoln da Silva Gimenes e Carlos Henrique Bohm em "Análise funcional da dor na síndrome do intestino irritável" exploram a dor ou desconforto abdominal como sintomas recorrentes na Síndrome do Intestino Irritável. O texto descreve a síndrome destacando aspectos relacionados com o sintoma da dor e apresenta algumas formas de intervenção utilizadas para o seu controle. A dor, apesar de ser utilizada topograficamente como critério sintomático, requer uma análise funcional cuidadosa para sua compreensão e, conseqüentemente, não deve ser tratada com intervenções tópicas, mas com intervenções sistêmicas.
Maria de Jesus Dutra dos Reis e Laura Zamot Rabelo em "Fibromialgia e Estresse: Explorando relações" investigam possíveis correlações entre estresse, transtornos físicos e/ou mentais e diferentes formas de vitimização em pacientes com fibromialgia. Categorias de vitimização na infância foram positivamente relacionadas à ansiedade e/ou depressão. A vitimização na infância e o trabalho infantil foram correlacionados a um maior número de doenças na vida adulta, enquanto o abuso físico foi positivamente associado à doenças músculo-esqueléticas.
Regina Christina Wielenska e Roberto Alves Banaco em "Síndrome da fadiga crônica: a perspectiva analítico-comportamental de um caso clínico" indicam que a literatura acerca do tratamento da síndrome da fadiga crônica recomenda uma abordagem psico- educacional de pacientes e suas famílias como poderoso recurso para combater a discriminação dos clientes e a piora dos sintomas como dor e fadiga. Terapias nas abordagens cognitiva e comportamental visam promover a atividade física regular e moderada, identificar e intervir sobre estressores psicológicos e a aceitação da SFC como uma condição médica que pode propiciar oportunidades para uma vida significativa e satisfatória.
Claudia L. E. Charry e José A. Silva em "Mensuração da Dor Rememorada em Crianças de Escola: Diferenças Segundo a Idade e o Gênero" examinam as diferenças na mensuração da dor rememorada em crianças em idade escolar, considerando como variáveis o gênero e a idade. As análises realizadas mostraram pequenas diferenças entre meninas e meninos. As comparações entre o grupo de crianças de 6 a 7 anos e o grupo de 8 a 10 anos não revelaram diferenças significativas.
Parece evidente a partir dos textos aqui apresentados que a dor é um desafio para o pesquisador, para o profissional da saúde e para o individuo que a sofre. Ao mesmo tempo é uma experiência tão comum que o senso comum raramente se preocupa em defini-la. No entanto, para os pesquisadores a definição da dor é uma tarefa que gera grandes controvérsias. Já se chegou a dizer que dor é aquilo que o individuo sente e relata que sente. Mas o que é "sentir dor" e qual a relação entre "sentir" e as variáveis fisiológicas, psicológicas e culturais? Mais do que isso sentir e relatar são eventos da mesma natureza? Os trabalhos apresentados neste volume percorrem algumas destas indagações.
Antonio Bento Alves Moraes
Editor Convidado
Dezembro de 2010