Temas em Psicologia
ISSN 1413-389X
Temas psicol. vol.18 no.2 Ribeirão Preto 2010
DOSSIÊ "PSICOLOGIA E DOR"
Pain and behavior
Howard Rachlin
State University of New York
RESUMO
Parece que existem dois tipos de dor: a dor "sensorial" fundamental, cuja intensidade é função direta da intensidade de vários estímulos produtores de dor; e a dor "psicológica", cuja intensidade é altamente modificável por fatores como hipnose, placebos e o contexto sociocultural no qual o estímulo ocorre. As teorias da dor - fisiológica, cognitiva e comportamental - têm visões específicas sobre a natureza dos dois tipos de dor. De acordo com as teorias fisiológica e cognitiva, a dor "psicológica" e a dor "sensorial" são processos internos, sendo que a primeira influencia a última da mesma maneira como os processos centrais influenciam os processos periféricos. De acordo com a teoria comportamental, a dor "sensorial" é um reflexo (um respondente), enquanto que a dor "psicológica" é um ato instrumental (um operante). A teoria comportamental postula que nenhum tipo de dor é um processo interno - ambas as dores são comportamentos explícitos. Embora ambas as teorias - fisiológica e cognitiva - concordem com o senso comum de que a dor é interna, elas divergem das percepções do senso comum em outros aspectos. Essas teorias não são melhores do que a teoria comportamental, quanto à explicação da experiência subjetiva de dor. Elas não têm gerado tratamentos para a dor que sejam superiores àqueles gerados pela teoria comportamental. Não existe fundamento para a frequente crítica dos filósofos antibehavioristas e de outros psicólogos de que o behaviorismo, porque não pode explicar a dor, é menos capaz de explicar os fenômenos internos do que a fisiologia ou a cognição.
Palavras-chave: Psicologia comportamental, Psicologia cognitiva, Eventos mentais, Psicologia operante, Dor, Psicologia fisiológica, Psicofísica.
O objetivo deste trabalho é descrever três abordagens teóricas para o estudo da dor - fisiológica, cognitiva e comportamental - e avaliar cada abordagem teórica em termos de sua adequação à observação experimental, à efetividade do tratamento clínico desenvolvido (a partir da experimentação), e sua posição na discussão filosófica atual sobre a dor.
A "Modificabilidade" da dor
Um aspecto da dor que todas as teorias precisam explicar é a sua "modificabilidade" pelos fatores "psicológicos". Isto se tornou claro pelas observações clássicas de Beecher (1956) sobre as respostas de soldados diante dos seus ferimentos durante a 2ª Guerra Mundial em Anzio. Os soldados não estavam sob dor severa, e a maioria deles não pedia os narcóticos que estavam disponíveis. Beecher comparou esse comportamento dos soldados com o de pacientes civis hospitalizados que tinham ferimentos semelhantes. Os pacientes sentiam dores severas e a maior parte deles solicitava narcóticos.
O grau em que um estímulo pode produzir dor pode ser aumentado ou diminuido por uma ampla extensão por fatores como placebos (McGlashen, Evans & Orne, 1969), hipnose (Hilgard & Hilgard, 1975), acupuntura (Melzack 1973a), e fatores socioculturais (Tursky & Sternbach, 1967). Frequentemente, esses fatores são tão fortes que podem sobrepor-se completamente à presença ou à ausência de um estímulo normalmente doloroso: "Pode-se dizer com certeza que os fatores psicológicos frequentemente causam a dor e muitas vezes aumentam a sua severidade. Eles podem também diminuir ou eliminar a dor mesmo na presença de um extenso trauma" (Mersky, 1968). No tratamento de dores severas, o sucesso da hipnose tem sido tão bom ou melhor do que o sucesso da cirurgia (Melzack, 1973b) - e isso parece ser ainda mais evidente quanto ao efeito duradouro do que ao efeito temporário!
Embora seja claro que a dor é altamente modificável por vários fatores "psicológicos", ela não é normalmente eliminada por esses fatores. Os soldados de Beecher, por exemplo, não relataram que sua dor tinha desaparecido. A maior parte dos soldados sentia dor, e atletas feridos relatam frequentemente que jogam apesar da dor, não sem ela. Nessas situações, as pessoas comumente dizem que a dor existe, mas não as pertuba. Por exemplo, Hilgard e Hilgard (1975) descrevem um "observador escondido" dentro de sujeitos hipnotizados para analgesia. Um sujeito dizia que
enquanto o seu eu hipnotizado não tinha sentido dor, uma parte escondida sentia dor de intensidade sensorial aproximadamente igual àquela produzida pela água fria quando não estava hipnotizado (seu braço tinha sido anteriormente colocado em água gelada). Contudo, essa dor encoberta perturbava-o muito menos - nesse nível escondido dentro da analgesia - do que a dor explícita quando ele estava em seu estado normal acordado.
Portanto, parece que existem pelo menos dois componentes da dor: a dor "sensorial", que é uma resposta a um dado estímulo e que é aliviada pela remoção desse estímulo, e a dor "psicológica", que pode ser modificada por eventos contextuais externos como uma guerra ou um esporte intenso. Certos procedimentos, como a hipnose, parecem ser capazes de alterar a dor "psicológica" (a aversividade), mas a dor subjacente (a sensação) não é afetada. Não se sabe com clareza, até o presente momento, se as drogas narcóticas (morfina, por exemplo) afetam um ou outro componente ou ambos.
Alguns relatos sobre o efeito de narcóticos, biofeedback, acupuntura e outros tratamentos sobre a dor seguem esse padrão - a dor existe, é intensa, mas não é aversiva. As estórias de Lawrence da Arabia, G.Gordon Liddy, monges budistas e outras pessoas que se treinam para suportar a dor, parecem enfatizar a separação da dor como uma sensação (que permanece) da dor como uma coisa terrível e aversiva, (que é de alguma maneira dissipada). Turk, Meichenbaum e Genest (1983) citam uma descrição de Freud sobre o câncer que tinha no queixo como "uma pequena ilha de dor que flutua em um mar de indiferença."
A palavra "psicológica" está entre aspas porque é usada frequentemente em oposição à "fisiológica" ou "comportamental", embora não se pretenda neste texto esse tipo de oposição. Cada uma das três teorias da dor que serão abordadas neste texto - fisiológica, cognitiva e comportamental - têm, em sua forma moderna, uma explicação para os dois componentes da dor e cada uma explica tais componentes da dor inteiramente dentro de seus próprios termos. Uma teoria fisiológica da dor contém uma explicação fisiológica tanto da dor "psicológica", como da dor "sensorial"; a teoria cognitiva tem uma explicação cognitiva dos dois componentes da dor e da mesma maneira a teoria comportamental.
Uma outra razão para se colocar a palavra "psicológica" entre aspas é negar sua oposição a "real". A dor "psicológica" (aversiva) não é menos real e pode ser mais importante no tratamento da dor do que a dor "sensorial". É pela sua aversividade e não pela sua qualidade sensorial que a dor causa deficiências e incapacidades, O desenvolvimento de um tratamento, por meio do qual milhões de sofredores de dor crônica possam ver sua dor como uma ilha em um mar de indiferença seria um grande passo do tratamento da dor, um passo que será muito difícil de dar enquanto a dor "psicológica" for vista como uma falsa dor.
A Psicofísica da dor
A separação entre dor aversiva e sensorial é refletida pelas palavras que as pessoas utilizam para descrevê-las. A técnica de avaliação da dor mais comumente usada é o questionário da dor McGill desenvolvido por Melzack e colaboradores (descrito em Melzack, 1983). Um questionário semelhante que usa técnicas de medida um pouco mais sofisticadas (escalas de razão ao invés de escalas de intervalo) foi desenvolvido por Tursky, Jamner e Friedman (1982). Eles demonstraram que após a identificação da qualidade da dor com palavras como "picar" (stinging), "triturar", "ferir com um tiro" (shooting) e "latejar" permanecem ainda dois conjuntos separados de palavras por meio das quais as pessoas descrevem o grau de sua dor. Um conjunto relaciona-se a intensidade da dor como uma sensação. Neste conjunto, existem 14 palavras que variam de "simplesmente percebida" até "suave", "desconfortável", "forte" e "severa" até "torturante" no limite superior da escala. Tursky et al. descobriram que as pessoas são capazes de designar comprimentos de linha e números a essas palavras que são consistentes de pessoa para pessoa e de tempos em tempos. Além da designação de números, comprimentos de linha e a designação das próprias palavras são consistentes de pessoa para pessoa e de tempos em tempos, quando os indivíduos são submetidos a diferentes intensidades de choques elétricos. Dessa maneira, formou-se uma escala de intensidade da dor que varia desde um escore de 8 unidades para a dor simplesmente notável até 227 unidades para uma dor torturante.
Uma segunda escala de dor foi denominada de escala de reação por Tursky et al. As palavras nessa escala variam desde "suportável" até "desconfortável", de "angustiante", "horrível" e "intolerável" até "agonizante" no limite superior da escala. Da mesma maneira utilizada para a escala de intensidade atribuem-se números às palavras da escala de reação. Os números da escala de intensidade variam de 23 unidades para a dor suportável a 153 unidades para a dor agonizante. (Em todas as escalas de razão, as unidades das escalas de intensidade e reação são arbitrárias. A razão dos números é usada para o teste de consistência, ao invés dos seus seus valores absolutos). As medidas obtidas pela escala de intensidade parecem ser constantes para a população de língua inglesa, entretanto, as medidas obtidas pela escala de reação variam. Por exemplo, Blanchard, Andrasik, Arena e Teders (s.n.) encontraram que os sofredores de enxaqueca não diferiram dos não sofredores quanto aos números que atribuiram às palavras da escala de intensidade. Por outro lado, houve diferença nos números atribuídos às palavras da escala de reação, designando-se números proporcionalmente mais altos que o normal para as palavras dos pontos mais altos da escala. De maneira semelhante, Elmore (1979) encontrou que o biofeedback, um tratamento para a dor, alterou as medidas de reação dos pacientes (reduzindo proporcionalmente os números designados para as palavras dos níveis mais altos), enquanto as medidas de intensidade dos mesmos pacientes permaneceram constantes. Tursky et al. (1982) encontraram os mesmos resultados com uma combinação de tratamentos comportamentais e cognitivos de pacientes sofredores de dor crônica. Eles também encontraram que a morfina alterou as medidas de reação enquanto que as medidas de intensidade permaneceram constantes, por outro lado, a aspirina alterou ambas as medidas de reação e intensidade. As escalas de reação e de intensidade são independentes e parecem corresponder aos dois componentes da dor previamente discutidos. A escala de intensidade parece medir o componente sensorial da dor, enquanto a escala de reação mede o componente mais modificável, aversivo, ou seja o componenete "psicológico" da dor. Entretanto, não se pode ter certeza se essa conveniente divisão de palavras poderá ser mantida à luz dos dados da futura pesquisa psicofísica.
Supondo que essa divisão de palavras em escalas de intensidade e reação - elaborada por Tursky et al. (1982) - seja válida, o objetivo do tratamento clínico seria variar o componente reativo da dor naquelas condições nas quais o componente intensidade é difícil ou impossível de variar. Se o componente intensidade for considerado como uma medida do próprio estímulo produtor de dor (a "ilha de dor"), então o tratamento deverá alterar o componente reativo (o "mar de indiferença"). As três diferentes teorias da dor que veremos a seguir - fisiológica, cognitiva e comportamental - apresentam uma perspectiva diferente sobre a natureza do componente reativo.
A teoria e o tratamento fisiológico
A dor não parece ser uma simples sensação. Aristóteles classificou a dor, não entre os cinco sentidos primários, mas classificou-a como uma paixão da alma que decorre da sensação. De acordo com Aristóteles, se um padrão de sensação estiver em desarmonia com a psyche do indivíduo, ocorrerá a dor e, como consequência, o desejo de se evitar a origem da dor. Dessa maneira, Aristóteles enfatizou o componente "psicológico" aversivo da dor. A descoberta, no princípio deste século, de vários tipos de receptores sensoriais na pele levou os estudiosos a considerarem a dor como uma simples sensação. A dor então foi identificada como uma sensação que resulta de estimulação das terminações nervosas livres (Dallenbach, 1939).
Melzack e Wall (1970) apontam um problema nesse ponto de vista:
Denominar um receptor de um receptor de dor... é uma suposição psicológica: isto implica numa ligação direta do receptor ao centro cerebral onde a dor é sentida, de maneira que aquela estimulação do receptor deve sempre eliciar dor e somente a sensação de dor. Os fatos da especialização fisiológica fornecem força a teoria da especificidade [a dor é uma sensação específica] a sua suposição psicológica representa a fragilidade dessa teoria.
Melzack e Wall (1965) propuseram uma alternativa que denominaram de teoria do "portão", segundo a qual a dor é uma percepção mais do que ser uma sensação. Isto é, existe uma sensação identificável de dor, mas ela raramente é puramente sentida. Esta sensação é modificada pelos input de várias outras origens. A Teoria do Portão, assim como outras teorias fisiológicas de dor atuais, consiste essencialmente de um mecanismo hipotético por meio do qual a modificação ocorre. Ela afirma que as fibras cutâneas grandes e pequenas interagem em um estágio inicial no sistema nervoso, ao nível das "células-portão" da medula espinhal, as quais, por sua vez, regulam a transmissão da dor para ambos os sistemas sensoriais e motivacionais. De acordo com essa teoria, essas mesmas células-portão são influenciadas por processos centrais. Não há necessidade de se descrever os detalhes fisiológicos da teoria do controle pelo portão aqui, porque o consenso atual parece indicar que, em seus detalhes fisiológicos, ela é provavelmente incorreta (Kelly, 1981). Apesar disso, a teoria não perde sua importância, porque ela "revolucionou a ênfase histórica da pesquisa sobre a dor como sendo simplesmente uma experiência sensorial aferente". Kelly (1981) acrescenta ainda:
A dor também quebra o fluxo comportamental, exige atenção imediata, e atua como um reforçador negativo primário em diversas situações. A dor suprime comportamentos quando contingente aos mesmos e mantém um grande repertório de respostas de fuga e esquiva. Enfatizar somente as características sensoriais da dor no estudo de suas bases neurais e ignorar suas propriedades afetivas e motivacionais peculiares significa confrontar-se com somente uma parte do problema.
A teoria de Melzack e Wall, através de sua postulação de uma interação de neurônios pequenos e grandes em um nível relativamente periférico, implica que a dor pode ser inibida a esse nÍvel através do toque. A estimulação das fibras de grande diâmetro (pelo toque) pode, de acordo com essa teoria, fechar o portão. Essa característica da teoria do controle do portão tem dado algum suporte fisiológico para a acupuntura como uma técnica clínica e tem também produzido alguns tratamentos nos quais a estimulação elétrica cutânea de locais próximos do ponto da dor tem sido bem sucedida para a inibição da dor. Entretanto, o sucesso da acupuntura em locais distantes do ponto de dor e o da estimulação elétrica em pelo menos uma ocasião em que o paciente esqueceu de desligar (hook up) sua bateria (Kelly, 1981) indicam que a inibição da dor pela estimulação cutânea pode também ocorrer em um nível mais central. Ainda não se sabe, contudo, como os processo centrais atuam.
A teoria fisiológica mais recente centraliza-se sobre a ação dos opiáceos. Os receptores opiáceos foram descobertos sobre os neurônios distribuídos por todo cérebro, inclusive no mesoencéfalo. A estimulação química desses locais com morfina produz analgesia. A pesquisa tem também descoberto que certas substâncias que possuem propriedades farmacológicas semelhantes às propriedades das morfinas são produzidas no sistema nervoso e que tais substâncias produzem a analgesia, e outros efeitos, quando liberadas. Algumas dessas substâncias naturalmente produzidas, chamadas endorfinas, são muito mais potentes do que a própria morfina. Este dado tem produzido a esperança de que a administração de endorfinas a sofredores de dor aliviará a dor sem produzir os problemas associados à morfina. "Infelizmente [de acordo com Kelly] a administração crônica de β endorfina produz progressivamente efeitos analgésicos mais fracos (tolerância) e também origina sinais de desaparecimentos dos efeitos da morfina (dependência)".1
O status da cirurgia no alívio da dor pode ser resumido pelos comentários de Weisenberg (1975):
Independentemente da técnica usada, a porcentagem de fracassos é significativa... A cirurgia precisa envolver uma grande área para produzir um alívio duradouro da dor. Todavia, quanto maior a área cortada, maior será a tendência de que outras funções sejam perdidas como por exemplo o controle urinário e a força necessária para caminhar, tende a ser perdida... A lobotomia frontal ou leucotomia elimina com os sentimentos aversivos associados a dor. Isto é, o paciente sente a dor mas ela não o incomoda. [Mas!] O maior problema com esse tipo de cirurgia é a mudança da personalidade - o paciente pode se tornar um vegetativo emocional.
Em resumo, a teoria fisiológica e os tratamentos nela baseados precisam relacionar-se às fortes influências "psicológicas" ou, falando em termos fisiológicos, a forte influência dos mecanismos neurais "centrais" sobre a dor. A dor "psicológica" pode ocorrer sem absolutamente nenhum estímulo aparente. A promessa da fisiologia é a de que, quando os fatores (do ambiente) que normalmente controlam a dor "psicológica" forem descobertos, pode ser possível desviar-se desses fatores e produzir analgesia diretamente, seletivamente, não adictamente e sem efeitos colaterais.
A Teoria e o tratamento cognitivo
Antes de discutir as teorias cognitivas e os tratamentos da dor dela, é necessário, dado o estado atual do conhecimento da psicologia cognitiva, definir o que é a teoria cognitiva. Consideraremos como teoria cognitiva qualquer teoria que não se comprometa com aspectos fisiológicos e que postule a existência de elementos funcionais dentro do organismo atuando como mediadores entre o ambiente e o comportamento. Por esta definição, o modelo conceitual de dor de Melzack e Wall (1970) é uma teoria cognitiva. O fato de que alguns dos seus elementos sejam atualmente redutíveis a mecanismos fisiológicos e que todos os elementos desse modelo sejam potencialmente redutíveis a mecanismos fisiológicos não é uma característica rara das teorias cognitivas2. Uma outra teoria cognitiva da dor muito mais complicada foi proposta (talvez não seriamente) pelo filósofo Daniel Dennet (1978)3.
De acordo com o modelo de Dennet, o "portão" de Melzack e Wall é somente um elemento interno que interage com outros elementos como o "raciocínio", a "crença", o "desejo", a "formação reticular", a "análise perceptual" e muitos outros. Infelizmente, com excesso da pesquisa fisiológica e do tratamento baseados nos aspectos fisiológicos da teoria de Melzack e Wall, essas teorias cognitivas de dor não foram testadas por experimentos e nenhum tratamento foi planejado baseado nelas.
Tanto a pesquisa, como o tratamento, entretanto, têm sido baseados em modelos cognitivos mais simples e não formulados. Um modelo simples supõe que a dor "psicológica" possa ser mediada por imagens mentais de tal maneira que algumas imagens atenuarão a dor enquanto outras imagens a aumentarão (Turk et al., 1983). Dessa maneira, os sujeitos são solicitados a praticar a criação de imagens, por exemplo, "imaginar que a área afetada do corpo esta se tornando insensível com a Novocaína ou então ver-se como um personagem da televisão, como o Homem de Seis Milhes de Dólares ou a Mulher Biônica, cujos membros mecânicos são insensíveis à dor". De acordo com essa teoria, as imagens podem atuar diretamente sobre a dor, como na técnica da mulher Biônica, ou indiretamente por um mecanismo de atenção, quando se diz ao paciente para imaginar um dia agradável na praia ou numa festa. Em qualquer um dos casos, a terapia da dor baseada em imagens não tem sido bem sucedida como um tratamento em si. Turk et al. (1983), após uma análise cuidadosa dos estudos de laboratório, concluíram:
Os dados... não estabelecem convincentemente a eficácia de qualquer estratégia cognitiva de enfrentamento em relação às estratégias que os sujeitos trazem para o experimento e também não existe evidência suficiente para suportar o uso de qualquer estratégia comparada com qual quer outra.
De acordo com Turk et al., os resultados dos estudos clínicos com imagens mentais têm sido mais positivos do que os resultados de estudos de laboratório. O problema dos estudos clínicos é que, nos tratamentos clínicos baseados em teorias fisiológicas e comportamentais, tais abordagens são frequentemente utilizadas em conjunto com as técnicas cognitivas, de maneira que, quando a dor é reduzida, não fica claro qual foi o tratamento ou a combinação de tratamentos que foram eficientes.
Mesmo quando se demonstra que o tratamento baseado em imagens não é eficiente, a imagem e a dor ainda assim interagem. É possível que certas imagens reduzam a dor, mas que a técnica de treino de imaginação não funcione. Um método frequentemente usado é ensinar primeiro aos sujeitos técnicas de relaxamento e então sugerir as imagens para o sujeito já relaxado. Ainda nesse caso, não existe evidência de que o tratamento por imagens seja eficiente além de uma possível redução da dor resultante do relaxamento em si.
Algumas evidências de que as cognições (imagens ou não) desempenham um papel sobre a tolerância a dor vem dos estudos relatados por Turk et al. (1983), nos quais sujeitos do sexo feminino mergulharam seus braços em água gelada:
Os sujeitos foram naturalmente agrupados em dois grupos distintos de acordo com o seu tempo de tolerância. Em cada amostra... a distribuição tendeu a ser bimodal, com tolerância ou menores do que 100 segundos ou aproximadamente 300 segundos (o teto empregado pelos experimentadores)... Aqueles sujeitos do grupo de alta tolerância pareciam sentir que podiam utilizar estratégias [de imaginação] para afetar tanto a dor como o seu poder de perseverar apesar da dor, enquanto que aqueles sujeitos do grupo de baixa tolerância usavam as estratégias com uma menor convicção de sua utilidade e com um menor sentido (senso) de sua própria habilidade para influenciar a situação em que se encontravam a não ser a habilidade de retirar as suas mãos da água.
Um outro tratamento cognitivo, de uso comum, para a dor é chamado de reestruturação cognitiva. A reestruturação cognitiva focaliza-se sobre as crenças do indivíduo, não a suas imagens. Acredita-se que as crenças atuam como mediadores entre o estímulo doloroso e a resposta. Turk et al. identificam um grande número de sujeitos não tolerantes a dor como "catastrofizadores". Citando os resultados de um estudo no qual pacientes odontológicos descrevem seus sentimentos, eles dizem:
A catastrofização assumiu várias formas, incluindo autoafirmações negativas sobre a sua competência, pensamentos evocadores de ansiedade e imagens extremamente aversivas. Para ilustrar, um paciente afirmava, "Como eu odeio isso. Eu odeio tomar injeções. Eu penso, 'Oh, não. Agora tudo outra vez´. Eu odeio com fervor. Quando vejo a aquela agulha aproximar-se... Acho que perderei o controle. Eu não posso suportar isso".
Por outro lado, um dos sujeitos tolerantes a dor do experimento da água gelada descreveu seus pensamentos da seguinte maneira:
"Eu sentei aqui e pensei: 'Isto não está acontecendo comigo. Eu estou em algum outro lugar. Não é o meu braço, mas somente um braço dentro da água. Eu posso suportar enquanto isso continuar' ... Quando eu estava a ponto de desistir, eu pensava: 'Não, isto não está me matando porque não é o meu braço, mas somente um braço dentro d'água'"
Este relato, como os relatos de sujeitos hipnotizados, descreve uma dissociação entre a pessoa e a dor. Tais sujeitos, pode-se supor, descreveriam sua dor com palavras "altas" da escala de intensidade mas "baixas" da escala de reação. Por exemplo, uma dor severa (132) mas tolerável (23).
A essência da teoria cognitiva é que as imagens e as crenças podem ser mudadas diretamente. Não existem atualmente, métodos cognitivos explícitos para incutir imagens ou crenças, exceto dizer aos sujeitos o que imaginar e no que acreditar. Entretanto, não existem evidências de que dizer às pessoas no que acreditar mudará as suas crenças. É necessário, portanto, que os teóricos cognitivistas desenvolvam métodos segundo os quais as unidades cognitivas possam ser manipuladas. Em outras palavras, uma maior atenção precisa ser dada aos input e output dos mecanismos cognitivos antes que as unidades cognitivas mediadoras possam ser significativas. Existe atualmente um grande espaço (vácuo) entre a teoria cognitiva da dor e a terapia cognitiva da dor.
O estado atual da teoria cognitiva em relação à dor é o de que as imagens e crenças atuam como mediadoras entre o estímulo "doloroso" e a aversividade da dor. O fato de que a tolerância à dor pareçam caminhar junto com certas crenças e imagens representa alguma evidência para tal mediação. Mas não existe nenhuma possibilidade para afirmar se crenças e imagens realmente mediam entre o ambiente e a tolerância à dor, ou se na verdade elas são o resultado, ao invés da causa, da tolerância à dor, ou ainda se elas decorrem de algum outro conjunto de eventos que também, independentemente, causam a tolerância à dor. O que esses outros eventos podem ser é sugerido pela teoria comportamental da dor, a qual vamos abordar a seguir4.
A teoria e o tratamento comportamental
O modelo comportamental atual de dor surgiu da prática clínica da mesma maneira que os modelos cognitivos baseados em crenças e imagens. Wilbert E. Fordyce (1976) desenvolveu um tratamento comportamental para a dor crônica que, de acordo com a análise de Tursky et al. (1982), é pelo menos tão bem sucedido do que qualquer outro tratamento e mais bem sucedido do que a maioria dos outros tratamentos. Em um esforço para explicar e racionalizar o tratamento que ele desenvolveu, Fordyce (1978) apresenta o que essencialmente inicia a teoria comportamental da dor. Essa teoria identifica a dor "sensorial" com o comportamento respondente e a dor "psicológica" com o comportamento operante. Essa teoria traz amplas implicações para a psicologia e para entender essas implicações é necessário:
1. distinguir as teorias comportamentais em geral das teorias cognitivas e fisiológicas;
2. entender a diferença entre comportamento respondente e comportamento operante;
3. entender a relação entre operantes e respondentes.
Vamos responder a essas 3 questões enquanto dizem respeito ao comportamento em geral e à própria dor. A diferença essencial entre as teorias comportamentais modernas e as teorias cognitivas ou fisiológicas é que, de acordo com as teorias comportamentais, quaisquer que sejam as ações de um organismo são ações do organismo como um todo. Por exemplo, a resposta de pressão a barra de um rato é considerada como uma ação do rato inteiro, não de sua pata ou do seu sistema nervoso ou de algum outro mecanismo interno funcionalmente definido. Se não for assim, a teoria comportamental se torna indistinguível da teoria fisiológica ou cognitiva.
É possível, naturalmente, redefinir "o organismo como um todo" como alguma coisa diferente do que os órgãos circundados pela pele. Pode-se considerar um braço mecânico como parte da pessoa, ou um dente doente ou um câncer como um estímulo ao invés de partes do indivíduo. A questão de saber se tais leis comportamentais, como tem sido descobertas, dizem respeito (ou aplicam-se) a uma ou outra redefinição é um problema empírico: o behaviorismo, não obstante, distingue-se das teorias cognitivas e fisiológicas pelo limite que estabelece em teoria e prática ao comportamento explícito do organismo como um todo5.
Alguns críticos recentes do behaviorismo (por exemplo, Savin, 1980) têm afirmado que a limitação ao comportamento explícito do organismo como um todo impede a teoria comportamental de explicar aqueles processos que mais interessam à psicologia, ou seja, a vida mental das pessoas. Nos argumentos filosóficos contra o behaviorismo, a "dor" tem sido frequentemente usada como um exemplo de termo mental, não acessível à análise comportamental. Portanto, a força explícita da teoria de Fordyce e sua utilidade clínica são aspectos importantes para a psicologia.
Em sua discussão sobre o estímulo e a resposta como conceitos genéricos, Skinner (1935) definiu um reflexo em termos comportamentais, opondo-se aos termos fisiológicos, como uma certa relação entre um conjunto de eventos ambientais e um conjunto de eventos comportamentais. Por exemplo, a intensidade ou a frequência do estímulo relaciona-se através de algumas funções intensidade ou frequência da resposta. Cada conjunto de eventos ambientais e comportamentais, relacionados dessa maneira, foi considerado um reflexo único, independentemente das ligações anatômicas. Uma resposta que era parte de um reflexo poderia ser controlada pela manipulação do seu estímulo. O condicionamento clássico de Pavlov (1927) poderia, com maior ou menor dificuldade, descrever a alteração desses reflexos. Entretanto, diferentemente de Pavlov, Skinner (1938), acreditava que nem todos os comportamentos eram reflexos dessa maneira. Ele fazia uma distinção entre esse tipo de reflexo, que ele chamou de respondente de um outro tipo de reflexo, que ele chamou operante. Exatamente como se pode dizer que um dado respondente é definido em termos dos eventos ambientais que o precedem, um dado operante é definido em termos dos eventos ambientais que o seguem. Da mesma forma que a definição de respondente, a definição de operante era genérica, não anatômica, e era comportamental no sentido de que um operante era considerado como um comportamento do organismo como um todo. De acordo com Skinner, os eventos ambientais que definem os respondentes ocorrem antes do comportamento, enquanto que os eventos ambientais que definem os operantes ocorrem após o comportamento. Portanto, para Skinner (1938), a contiguidade temporal era um elemento não somente importante no condicionamento respondente e operante mas também um elemento crucial da definição dos respondentes e dos próprios operantes. A teoria comportamental atual (Baum, 1973; Catania, 1971; Gibbon, Berryman & Thompson, 1974; Herrnstein, 1970; Maier, Seligman & Solomon, 1969; Rachlin, 1976; 1978; Rescorla, 1967; Staddon, 1973, 1980) difere da teoria de Skinner em relação ao papel que a contiguidade temporal desempenha. Mesmo considerando a contiguidade temporal como sendo inquestionavelmente importante no condicionamento operante e respondente, ela não é hoje geralmente considerada como uma parte necessária da definição de uma resposta. O behaviorismo pós-Skinneriano define um respondente ou um operante em termos de uma correlação temporal ao invés de contiguidade temporal entre ambiente e comportamento. Nesse sentido, a teoria comportamental atual é mais molar do que a teoria Skinneriana. (Para uma teoria comportamental molar, os processos fundamentais podem ocorrer somente em um intervalo temporal significante).
Eventos correlacionados podem estar separados no tempo. Em um extremo, os eventos da primeira infância de um indivíduo podem correlacionar-se com ou formar parte de um mesmo padrão comportamental dos eventos da vida adulta do indivíduo. Embora existam, sem dúvida, mecanismos no sistema nervoso que ligam os eventos passados e presentes -mecanismos que podem ser descritos em termos cognitivos ou fisiológicos - o behaviorismo moderno (molar) está interessado somente nas correlações. Essas correlações constituem o cerne das leis comportamentais. O que o behaviorismo moderno espera que por meio da ampliação cada vez maior da busca de relações correlacionais entre eventos ambientais e o comportamento "aberto" cada vez mais afastadas no passado (ao invés de cada vez majs profundas dentro da pessoa) ele possa explicar a vida mental das pessoas. Por exemplo, a diferença entre uma pessoa que tem autocontrole e outra pessoa que não tem autocontrole, vista pela teoria comportamental em termos da extensão temporal das variáveis ambientais que controlam o comportamento e não em termos de operações de mecanismos internos fisiológicos ou cognitivos. A diferença entre uma pessoa gorda que aceita um sanduíche oferecido entre as refeições e outra pessoa gorda que é tentada da mesma maneira, mas que recusa o sanduíche, é entendida pela teoria comportamental como uma diferença entre uma pessoa cujo comportamento era controlado, nessa situação, por uma recompensa imediata e uma pessoa cujo comportamento era controlado por recompensas mais distantes no tempo também nessa mesma situação6.
Fordyce (1978) considera que a dor operante desenvolve-se a partir de uma dor respondente. No princípio, a dor está correlacionada a algum estímulo antecedente (por exemplo, um ferimento). Enquanto essa correlação está em efeito, a dor é um comportamento respondente. Mas depois Fordyce afirma: "se o problema de dor crônica, e a pessoa que a tem, ocorrem em um ambiente que oferece reforçamento contingente à dor, então pode se desenvolver um problema de dor operante". No caso, Fordyce está discutindo como um caso particular de dor crônica pode se originar de um caso particular de dor aguda. Mas essa teoria de evolução da dor pode se estender à dor em geral. O choro de uma criança pode ser no início inteiramente dependente de um estímulo específico. Para uma criança, a teoria da especificidade da dor pode ser inteiramente correta. Mas o choro de uma criança quase sempre tem consequências imediatas, como o cuidado dos pais e a atenção, e existe uma evidência considerável (Etzel & Gewirtz, 1967) de que essas consequências afetam a frequência e a natureza do choro das crianças. De acordo com Teitelbaum (1977), a ação dos níveis cerebrais superiores envolvidos no desenvolvimento (e recuperação quando ocorre dano cerebral) acompanha o desenvolvimento do comportamento operante a partir do comportamento respondente inicial. Mesmo a resposta operante mais prototípica - o bicar o disco de um pombo - tem componentes respondentes, no sentido de que a natureza do bicar o disco depende parcialmente de seus antecedentes e parcialmente de suas consequências. E isso é verdadeiro tanto em relação à topografia de uma resposta quanto ao padrão da resposta de bicar ao longo do tempo (Schwartz & Gamzu, 1977).
De acordo com Fordyce, os exemplos de dor em adultos têm normalmente componentes operantes e respondentes. Mas a dor crônica, para a qual as causas fisiológicas estão aparentemente ausentes, uma dor operante que perdeu seu "ancoradouro", isto é, perdeu seus componentes respondentes. O tratamento da dor crônica na clínica de Fordyce consiste em descobrir, em primeiro lugar, quais são os reforçadores imediatos ou atrasados contingentes à dor. Em segundo lugar, removem-se os reforçadores ou quebra-se sua dependência da dor e finalmente reforçam-se os comportamentos adequados (Well-behaviors) incompatíveis com a dor.
É muito importante enfatizar o raciocínio (racional) comportamental do tratamento de Fordyce: uma pessoa exibe um comportamento relacionado à dor (pain behavior) e não conseguimos encontrar qualquer estímulo (externo ou interno) que causa a dor (Podemos então designar essa dor de dor psicológica). A nossa suposição intuitiva usual nesta situação é a de que existe realmente um estímulo interno - a dor propriamente dita. As definições cognitivas e fisiológicas da dor "psicológica" representam teorias sobre a que tipo de evento interno a dor em si mesma corresponde. A suposição de Fordyce, sugerida pela teoria comportamental que a dor "psicológica" é um comportamento operante e portanto deve ter existido no passado eventos contingentes a esse comportamento que o reforçaram. De acordo com a prática behaviorista moderna, esses eventos ambientais não precisam ter sido contíguos ao comportamento relacionado à dor (pain behavior), mas podem ter ocorrido algumas vezes em ocasiões distantes no tempo de um dado exemplo do comportamento de tal maneira que foram correlacionados a esse comportamento. Quando se altera a perspectiva e começa-se a atentar para o que ocorre fora do organismo, ao invés de olhar para o que ocorre dentro do organismo em busca das causas da dor "psicológica", verifica-se que elas não são difíceis de encontrar. A primeira e a mais óbvia consequência da dor é o acesso à medicação para o alívio da dor, particularmente, os narcóticos. Então, Fordyce elimina a dependência da medicação em relação ao comportamento colocando a medicação em um rígido esquema de tempo e em seguida gradualmente reduz seu poder. Uma outra consequência da dor usualmente é a redução da atividade física e então um programa de exercícios é instituído. Além disso, ocorre o reforçamento da família e dos amigos sobre a forma de atenção e preocupação. Frequentemente, a atenção e a preocupação tornam-se hábitos, de tal forma que demonstrações de dor cada vez maiores são necessárias para mantê-los acontecendo. Desenvolve-se um círculo vicioso dentro da família que o tratamento de Fordyce pretende quebrar. Fordyce procura identificar também se a dependência do sofredor de dor dos outros membros da família é reforçadora para esses indivíduos - isto é, eles de alguma maneira preferem que o indivíduo da família que sente dor permaneça com dor e não se retabeleça. A dor é também uma forma (ainda que extrema) de evitar contato social e obrigações sociais. A dor pode ser também uma forma de se evitar vários tipos de tentação, como a tentação sexual. O tratamento de Fordyce (cujos detalhes estão apresentados em Fordyce, 1976) algumas vezes elimina gradualmente os reforçadores e a medicação narcótica, mas de uma forma mais intensa procura ajudar o paciente a obter reforçadores por métodos diferentes do comportamento relacionado à dor (pain behavior) enquanto simultaneamente mantêm uma contingência de reforçamento crescente sobre os comportamentos adequados (well behaviors). Essas recompensas provavelmente diferem de um paciente para o outro. Portanto, é necessário um certo tipo de análise comportamental para ajustar o tratamento às necessidades dos pacientes. A análise comportamental, essencialmente, é a busca das consequências da dor. Para todos os pacientes ocorre antes um tratamento dos antecedentes da dor, mas a dor ainda permanece em vigor. Em outras palavras, Fordyce não começa a tratar a dor operante antes que a dor respondente já tenha sido tratada.
O tratamento procura também tornar a relação entre a dor e as suas consequências mais intensa, porque os eventos que se correlacionam com o comportamento de dor (pain behavior) estão muitas vezes muito distantes em termos de tempo. Eles podem estar mantendo o comportamento sem que as pessoas percebam que isto está ocorrendo. Uma pessoa usualmente tem consciência do comportamento de dor de um indivíduo, mas não pode perceber sua frequência ou intensidade, como percebido (e reforçado) pelos outros. Então, o tratamento de Fordyce enfatiza a realização de registros, tanto do comportamento de dor em si como das recompensas contingentes a ele.
Como Turk et al. (1983) indicam, esse procedimento parece funcionar. Mas ainda assim pode-se questionar, sobre o que esse tratamento produz, mesmo quando bem sucedido. Pode-se dizer que um paciente com dor crônica, inicialmente incapacitado, e que, depois do tratamento, trabalha regularmente e mantém uma vida social normal, faz tudo isso apesar da dor. É possível também considerar o próprio grau de atividade normal como a melhor medida possível do componente aversivo da dor e este componente aversivo, o componente "psicológico", que o tratamento de Fordyce pretende atingir. Seria muito instrutivo submeter os pacientes de Fordyce a um procedimento de aplicação de uma escala psicofísica, para medir os aspectos "sensoriais" e "psicológicos" da dor antes e depois do tratamento. Infelizmente, isso ainda não foi realizado.
Em resumo, a observação clínica dos dois componentes da dor, "sensorial" e "psicológico", parece ser apreendida pelas escalas psicofisicas da dor - escala de intensidade e escala de reação. Qualquer teoria da dor (fisiológica, cognitiva, ou comportamental) precisa de alguma maneira explicar essa dicotomia. As teorias fisiológicas e cognitivas consideram ambos os componentes da dor como operações de mecanismos internos, nos quais a dor "sensorial" é um processo periférico de nível relativamente mais baixo e a dor "psicológica" é vista como um processo central de nível relativamente mais alto. As diferentes teorias fisiológicas e cognitivas supõem diferentes níveis de interação interna entre os dois níveis da dor. A teoria comportamental considera tanto a dor "sensorial", como a dor "psicológica" como comportamentos explícitos, sendo a dor "sensorial" o comportamento respondente e a dor "psicológica" o comportamento operante. Para o fisiologista e para o cognitivista (assim como para o mentalista), o choro de um bebê é uma mensagem, uma representação, uma indicação, ou um sintoma de dor. Para o behaviorista, o choro (mais os chutes, a expressão facial, e outras atividades explícitas) é a própria dor.
O que está atrás do comportamento de dor?
Fordyce, sabiamente ignora a questão do substrato do comportamento de dor, porque seu principal interesse está no tratamento e não na discussão filosófica; mas vale a pena considerar a questão aqui, porque é exatamente sobre ela que os filósofos têm postulado que o behaviorismo é inválido. A questão foi colocada de modo muito inadequado (e pessoal) por Searle (1980):
Não existem dores subjacentes ao comportamento de dor de Rachlin? No meu caso devo confessar que frequentemente existem dores subjacentes ao meu comportamento de dor, e portanto concluo que tal abordagem do behaviorismo de Rachlin não é em geral verdadeira.
Até Wittgenstein (1958) parece rejeitar a equação de dor e comportamento: "Mas você certamente admitira que há uma diferença entre comportamentos de dor acompanhados por dor e comportamento de dor sem a ocorrência de qualquer dor? Que diferença maior poderia haver?" (p. 102). Eu temo que alguns filósofos poderiam sentir-se tentados a refutar um behaviorista da maneira como Johnson supostamente refutou Berkeley - mas chutando o behaviorista ao invés de chutar a pedra.
Uma interpretação deste argumento antibehaviorista faria dele um argumento antifisiológico e também anticognitivo. De acordo com essa interpretação, as dores são fundamentalmente eventos mentais, puramente subjetivos, "sentimentos crus" pessoais que não podem ser reduzidos a ou explicados por qualquer outra coisa. Vamos chamar isto de argumento "mentalista puro". Notem que uma teoria cognitiva ou fisiológica da dor tem tantos (ou tão poucos) problemas com o argumento mentalista puro quanto uma teoria behaviorista. Searle (1980) acredita que todos os eventos mentais são identificáveis com eventos fisiológicos do cérebro. Para ele, a dor é apenas um evento fisiológico. Um mentalista puro poderia dizer a Searle. "Não existem dores subjacentes aos eventos neurais no córtex de Searle?". No meu caso, eu devo confessar que muitas vezes existem infelizmente dores subjacentes aos meus próprios eventos neurais e, portanto, concluir que a abordagem fisiológica reducionista de Searle não é em geral verdadeira. De maneira semelhante, (como o próprio Dennet antecipa), um mentalista puro poderia dizer, "Não existem dores por trás das operações dos mecanismos do seu computador?"
Não existe, naturalmente, uma forma de responder um argumento que afirma sua verdade como um axioma fundamental exceto para mostrar que um outro axioma poderia conduzir a crenças mais úteis. Assim, a melhor resposta para um mentalista puro é o desenvolvimento continuado das teorias fisiológica, cognitiva e comportamental da dor.
Então, o mentalista puro não pode ser simplesmente ignorado, pois o mentalismo puro, ao menos no que diz respeito à dor, é parte do senso comum dos nossos tempos. Seria difícil, ao que parece, para qualquer teoria psicológica, tentar alterar uma crença comum sem mostrar porque esta crença fundamental é tão comum. Assim, é tarefa do teórico em psicologia, de qualquer pressuposto teórico, não apenas promover uma alternativa mais útil para o mentalismo puro, mas também explicar por que a visão puramente mentalista da dor se tornou uma crença fundamental. Deixamos para teóricos fisiologistas e cognitivistas para fazer isso em termos consistentes com teorias fisiológicas e cognitivistas e somente nos ateremos aqui a explicar brevemente, em termos comportamentais, por que a teoria do mentalismo puro é tão convincente.
Para a teoria comportamental, é suficiente mostrar que uma crença é útil (para explicar porque ela é geralmente mantida) e para mostrar porque outra teoria, se adotada, seria ainda mais útil (para explicar por que a teoria geralmente mantida deveria ser deixada de lado). Neste sentido, então, a visão do puro mentalista sobre dor será uma visão útil?
A dor funciona na sociedade de maneira semelhante aos alarmes de incêndio. Ela requer atenção instantânea. Em um jogo de baseball, um jogador que cai agarra-se a si mesmo e interrompe o jogo. Assim como bombeiro deve responder mesmo quando existe um certo número de alarmes falsos, as pessoas continuam a responder com expressões de dor apesar de poder não ter sido descoberto algum dano tecidual. Nossas expressões assumem formas padronizadas dentro da nossa sociedade de modo a assegurar aquela resposta. Comportamento de dor, e o que mais quer que isto possa ser, é um tipo especial de comunicação - como um alarme de incêndio - que requer uma resposta social primeiro e apenas permite questões a serem perguntadas depois. Se uma pessoa reclama estar com dor, essa pessoa normalmente é considerada correta, mesmo que o dano tecidual nunca seja encontrado. Porque a dor como comunicação funciona melhor e mais rapidamente quando nós não questionamos a dor de cada um, a sociedade dá a cada um de nós o direito de anunciar estar com dor apesar de qualquer evidência do contrário. Assim, a dor é geralmente reconhecida como sendo um fundamentalmente evento mental, puramente subjetiva, uma "sensação crua" pessoal que não pode ser reduzida a ou explicada por nada além dela mesma.7
Do ponto de vista do behaviorista, entretanto, nós não inferimos a privacidade da dor de outra pessoa pelo fato de que nossa própria dor seja privada; aprendemos simultaneamente sobre a privacidade da nossa dor e da dor do outro. Dizer que a dor é privada seria, deste ponto de vista, apenas dizer que cada pessoa na nossa sociedade tem o direito de pedir atenção e ajuda sem ser questionada sobre isso. É útil para a sociedade dar a seus membros este direito, assim como é útil responder a alarmes de incêndio ou sair do caminho de qualquer veículo com uma sirene e uma luz vermelha. Assim como a maioria de nós obedecemos a leis mesmo quando ninguém pode nos pegar desobedecendo-as, então, sentimos dor mesmo quando não há ninguém em volta. Para um behaviorista molar, a dor extrema não é uma sensação imediata (sentida profundamente), mas um padrão de comportamento de longa duração, amplamente desempenhado.
Quanto mais convincente queremos ser (e o objetivo social da dor é que seja convincente), menos conscientes (menos verbais, menos deliberados) devemos estar sobre o que fazemos, e devemos expandir o comportamento de dor no tempo. Para ser o mais convincente possível, temos que introduzir o padrão de dor em todo o nosso comportamento observável, público e privado.
Assim, a visão de dor do mentalista puro é útil. Ela confere um tipo de privilégio sobre estes organismos (humano e outros) que, pela sua expressão de dor, automaticamente convoca nossa ajuda ou, ao menos, nossa simpatia. O problema com esta visão, entretanto, é que o privilégio pode ser um abuso. Crianças abusam dele frequentemente. A história do menino que gritava lobo em suas diversas formas é uma tentativa de instilar o abuso. Mas a tentação de abusar dos privilégios está sempre com todos nós. O que há de errado com isso? Muitos de nós sentimos dor em grande parte do tempo. De acordo com Koenig (1973), o número médio de aspirinas somente (sem contra outra medicação para dor) engolidas a cada ano por cada Americano (homem, mulher e criança) é de 255. Existem atualmente 900 clínicas de dor nos Estados Unidos, e o número está rapidamente crescendo (Turk et al., 1983). Um ponto de vista da dor diferente da visão do senso comum do puro mentalista pode nos ajudar a discriminar melhor dor "sensorial" da dor "psicológica" e a fazer esta discriminação de nossa dor, assim como da dor de outros. Se o melhor ponto de vista para este objetivo é o fisiológico, o cognitivo ou o comportamental permanece uma questão a ser estudada.
Voltamos agora para uma forte objeção ao ponto de vista comportamental - um que se levanta não do senso comum mentalista somente, mas do senso comum do mentalismo em combinação com as visões fisiológicas e cognitivas. A objeção diz que a dor, qualquer que seja, é fundamentalmente interna. O ponto de vista comportamental está sozinho contra os outros sobre onde vê a dor. Para as outras teorias, a dor ocorre dentro do organismo, e o comportamento de dor é somente a expressão daquela dor interna. Para uma teoria estritamente comportamental, a dor ocorre como um comportamento observável, no ponto de interação entre o organismo e o ambiente.
É importante enfatizar novamente que uma teoria comportamental não pode internalizar seus termos e permanecer uma teoria comportamental. No desejo de expandir suas teorias para explicar termos mentais, os três grandes behavioristas Watson, Hull, e Skinner postularam a operação interna de entidades funcionais definidas originalmente como ações do organismo como um todo. Mas funções internas, inclusive operantes internos, são conceitos fisiológicos ou cognitivos, não comportamentais. A questão que perguntamos aqui é se uma teoria puramente comportamental da dor faz sentido.
Uma maneira na qual o behaviorismo pode ser estendido para termos mentais e ainda se manter comportamental é considerar comportamentos observáveis que ocorreram no passado de um organismo como parte de um único padrão de comportamento se estendendo para o presente. Mesmo teorias de comportamento molecular fazem isto, em miniatura, quando eles consideram eventos temporariamente estendidos como taxas de resposta ou intervalos entre respostas como variáveis comportamentais fundamentais. A teoria comportamental molar moderna estende este procedimento para intervalos mais amplos, abrangendo eventos que estão distantes no passado.
Nas teorias fisiológica e cognitiva, em contraste, os eventos que definem a dor ocorrem dentro do organismo. Embora estes eventos sejam ordinariamente causa do comportamento, por meio de "mecanismos motores", a força atribuída aos eventos internos pelas teorias fisiológica e cognitiva tornam possível supor que o comportamento seja secundário. De acordo com estas teorias, uma instância individual da dor nunca será revelada no comportamento. Se a dor interna realmente existe neste sentido, o behaviorismo não pode explicá-la. É no terreno desta restrição que o behaviorismo tem sido mais fortemente atacado - primeiro com respeito à sua falha em explicar dor interna, e, por extensão, com respeito à sua falha em explicar outros processos mentais.
É válido, consequentemente, discutir este tipo de ataque e tentar proporcionar uma resposta comportamental para isso. Se essa tentativa for bem sucedida, o caminho estará limpo para o adicional desenvolvimento de uma teoria comportamental completa da dor.
A essência do argumento anticomportamental é que é possível conceber a ideia de uma pessoa com dor que não exibe comportamento de dor. O argumento foi feito mais vividamente por Putnam (1980), que nos pede para imaginar uma comunidade de superespartanos que são treinados desde o nascimento para inibir todo comportamento de dor exceto aquele que é verbal e, ainda quando forem dizer que estão com dor, dizer com uma voz calma. Usando nossa terminologia prévia, superespartanos, em virtude do treinamento na infância, aprenderam a moldar suas respostas a estímulos dolorosos dentro de um padrão (as palavras "eu tenho uma dor em meu dedão" falada com voz calma) que é útil para funções como dizer a um médico onde dói, mas não útil para funções como parar um jogo de baseball (agarrar e cair), avisar outras pessoas de perigo (gritar alto), ou evitar dano tecidual (puxar a mão de alguém rapidamente do fogo). No mundo dos superespartanos, a dor "psicológica" não seria um problema (como é no nosso mundo), mas eles pagariam um preço em mão queimadas pela falta dela.
Superespartanos calmamente dizem que estão com dor, mas não exibem nenhum outro comportamento de dor. Nós certamente podemos imaginar tais pessoas e imaginamos como elas devem ter sido treinadas. Mas essa primeira ideia necessariamente requer uma segunda concepção bem diferente - de que superespartanos têm dor exatamente quando eles dizem que tem? O argumento de Putnam contra o behaviorismo depende da segunda concepção. Mas existem muitas evidências (revisada por Nisbett & Wilson, 1977) de que o que as pessoas dizem sobre seu estado interno não corresponde ao que as melhores teorias cognitivas disponíveis (teorias que explicam o comportamento em um contexto mais amplo) afirmam que seu estado interno realmente é. (As teorias comportamentais insistem mais forçosamente nesta distintinção. Fordyce (1983) considerou necessário, na avaliação da dor, distinguir pontualmente o que as pessoas dizem sobre sua dor e o que elas fazem.). Como alguém poderia interpretar o que superespartanos dizem? Considere o exemplo a seguir.
Vamos supor que um guerreiro superespartano foi atingido no ombro por uma lança. No momento, ele não emitiu som, nem agiu de modo a expressar dor. No dia seguinte, visitando o médico superespartano, ele diz, com uma voz calma, "eu tenho uma dor excruciante no ombro, e a tenho desde ontem quando fui atingido por uma lança". O médico deve então procurar por dano tecidual. Suponha que um ferimento é encontrado. Estaria então o médico impelido a imaginar que o guerreiro estava carregando dentro dele não somente a ferida, mas algo denominado "dor" e que o depoimento presente do guerreiro era produzido não pela ferida, mas pela dor? Não parece ser logicamente necessário para o médico imaginar isto; nem, e este é o ponto importante, seria inútil considerar o ferimento como uma imagem. O médico (e o psicólogo superespartano) poderia apenas imaginar que o relato do guerreiro é uma resposta ao seu ferimento. Afinal, é a ferida, não a dor, que necessita ser tratada. Mas, vamos supor que nenhuma ferida seja encontrada. O médico pode então punir o soldado por relatar dor não confirmada por dano tecidual, sugerir mudanças no treinamento infantil de superespartanos para evitar tais respostas no futuro, ou apenas dar de ombros e liberar seu paciente. Como o médico é um Superespartano, ele não mostraria nenhuma simpatia ao guerreiro ou daria a ele o dia de folga. O que, para nós, seria cruel, para um superespartano seria um comportamento normal, cruel ou não, com seus compatriotas. Por outro lado, teríamos que imaginar um tipo de treinamento na infância que levou os Superespartanos a inibirem comportamentos de dor ainda que o comportamento de relatar a dor tivesse sido reforçado na sociedade superespartana. Se a sociedade Superespartana impõe a suspensão das leis normais do aprendizado humano, assim como comportamento normal de dor, isso se torna difícil de conceber. Dentro das limitações do treinamento na infância, assim como o conhecemos, não há nada sobre o comportamento de superespartanos que obrigue o abandono do ponto de vista comportamental.
Sentindo isso, talvez, Putnam imagina a evolução de super-espartanos a super-super-espartanos. Os supersuperespartanos nunca ao menos dizem que estão com dor, e não necessitam de nenhum treinamento na infância. Eles agem desta forma desde o nascimento. Existem inúmeros problemas em conceber supersuperespartanos. Primeiramente, não existe uma maneira (dada a evolução Darwininana) para supersuperespartanos se evoluírem. Enquanto é possível conceber (porém improvável) que o comportamento de dor seria tão mal adaptativo que pessoas exibissem o menor traço deste comportamento (vamos chamá-los de "bebês chorões") teriam uma morte precoce, não haveria uma maneira concebível de distinguir os supersuperespartanos que inibem todo comportamento de dor de outras pessoas que são completamente insensíveis à dor (vamos chamá-las de "entorpecidas"). Por hipótese, nem a natureza, nem os professores do jardim de infância superespartano poderiam eliminar matando seletivamente os entorpecidos e ainda permitir que crianças supersuperespartanas sobrevivam. Mas vamos deixar de lado esse enigma e tentar nosso máximo para imaginar supersuperespartanos. (Se eles não puderam evoluir, talvez pudessem ser construídos.) Suponha que um gênio supersuperespartano descubra o substrato neurológico da dor que os supersuperespartanos sempre inibem. (Putnam diz que supersuperespartanos ainda possuem dor fisiológica interna.) Para ser específico, digamos que a teoria cognitiva de Dennet seja essencialmente correta e reduzível à fisiologia, mas que as conexões do mecanismo da dor para o aparato motor atrofiaram em supersuperespartanos. Suponha que o gênio percebe que a grande vantagem, em termos da evitação de dano tecidual, estaria relacionada à comunicação com outros quando o mecanismo da dor (que deste ponto de vista poderia ser unicamente um indicador interno de dano tecidual mais ou menos acurado) estivesse ativo. O gênio então inventa uma luz vermelha que estaria sobre a cabeça das pessoas, a intensidade da luz revelaria a saída (output) deste mecanismo interno. Vamos dizer que todos os supersuperespartanos foram providos desta luz vermelha desde o nascimento. Agora, um jogo de baseball supersuperespartano poderia parar se a luz vermelha de um jogador se acendesse; supersuperespartanos poderiam ser simpáticos e dar muita atenção a outro supersuperespartano que tivesse sua luz vermelha brilhando frequentemente; supersuperespartanos teriam dias de folga do trabalho quando suas luzes vermelhas estivessem acesas; em casos severos, eles receberiam narcóticos e outras drogas que os fizessem sentir bem; e assim por diante. Quanto tempo demoraria, você supõe, até que supersuperespartanos tivessem que estabelecer clínicas para lidar com excesso de luz vermelha brilhando? Coloque a função pública, evidente (overt function) de volta na dor e o mundo supersuperespartano seria o nosso mundo, com esta diferença: que o comportamento que chamamos de dor, seria chamado de brilho da luz vermelha de alguém. Talvez, eventualmente, os supersuperespartanos aprenderiam o brilho da luz vermelha em certas ocasiões, apesar do mecanismo interno estar ativo. Eles poderiam então vir a falar de uma luz vermelha brilhando neles apesar de não haver nenhuma brilhando fora dele. Mas isto seria apenas uma ilusão. Poderiam emergir, em Supersuperesparta, duas maneiras de estudar o acendimento da luz vermelha: (a) os fatores externos - o estímulo, recompensas e punições que a controlam - e (b) o mecanismo fisiológico-cognitivo interno descoberto pelo gênio supersuperespartano acrescido do outro mecanismo (adquirido por superespartanos desde a morte do gênio) que é o resultado do primeiro mecanismo foi inibido ou aumentado de modo a controlar a luz vermelha. (Estes correspondem ao nosso estudo externo do comportamento de dor e estudo interno dos mecanismos da dor). Uma terceira disciplina, iniciada por superespartanos mentalistas, o estudo do acendimento interno da luz vermelha baseado em relatos introspectivos, seria sem sentido. Relatos introspectivos do acendimento da luz vermelha poderiam servir como dado para estudos comportamentais supersuperespartanos (os quais poderiam tentar descobrir os reforçadores de tais relatos) ou para estudos supersuperespartanos fisiológico-cognitivos (os quais poderiam tentar descobrir o mecanismo interno pelo qual tais relatos foram gerados), mas o conteúdo dos relatos introspectivos, seu testemunho no que diz respeito à existência e à natureza da luz vermelha interna, não é uma evidência tanto para a existência, quanto para a natureza de uma luz vermelha interna, que, como já dissemos, seria uma ilusão - não somente de acordo com a teoria comportamental, mas também de acordo com as teorias fisiológicas e cognitivas do brilho da luz vermelha.
Voltando ao nosso mundo, uma pessoa que diz, "eu posso sentir dor sem me comportar" não deve ser ouvida com mais (e nem menos) crédito do que a pessoa que diz "a lua é maior quando está no horizonte do que quando está alta no céu". Somente o mentalista aceitaria a última introspecção como uma sentença correta, e somente ele poderia aceitar, como correto o primeiro relato.
O que é dor?
Os supersuperespartanos não provam que o behaviorismo é errado ou ilógico. Mas a analogia foi um caminho válido, pois elucida o que é em parte uma disputa semântica. O fisiologista e o cognitivista querem falar da dor real (identificada com mecanismos internos de dor), de um lado, e o comportamento de dor, de outro. O behaviorista quer falar de mecanismos internos de dor, de um lado, e da dor real (identificada pelo comportamento), de outro. Se, por exemplo, um animal fosse descoberto em que o comportamento de dor fosse exatamente análogo ao nosso, mas que o mecanismo de dor interno fosse inteiramente diferente (assim como um dado resultado de computador pode ser acionado imediatamente por diferentes programas), o cognitivista fisiológico diria que a dor do animal era diferente da nossa, mas seu comportamento de dor era o mesmo, enquanto o behaviorista diria que sua dor era como a nossa mas seu mecanismo de dor era diferente.
A analogia superespartana de Putnam extende os agurmentos de Geach (1957) e Chisholm (1957) contra o behaviorismo de Ryle (1949). De acordo com Geach e Chisholm, Ryle alega que um estado mental é equivalente a uma disposição para se comportar de determinadas maneiras; ou seja, quando atribuímos um estado mental a uma pessoa, estamos dizendo algo sobre como aquela pessoa se comportaria sob certas circunstâncias. Geach e Chisholm argumentaram que, quando atribuímos estados mentais (especialmente percepções) a pessoas, estamos nos referindo a algo que está ocorrendo naquele momento, não o que aconteceria no futuro. Já que ter uma percepção corresponde a comportamento explícito não observado imediatamente, devemos estar nos referindo, de acordo com Geach e Chisholm, a algo acontecendo onde não podemos observar imediatamente - ou seja, dentro do organismo. Consequentemente, eles argumentam, o behaviorismo é falso. O behaviorismo que venho defendendo aqui, contrariamente à interpretação que Geach, Chisholm e Putnam fazem de Ryle (embora não, talvez, contrária a Ryle) identifica estados mentais com comportamento explícito no passado e no presente, não no futuro (embora o comportamento no futuro possa provar que estamos errados sobre uma identificação particular de um estado mental, como eventos podem nos provocar que estamos errados sobre qualquer identificação particular). Pode-se dizer que um rato na caixa de Skinner está respondendo com uma certa taxa neste momento apesar de o rato não estar pressionando a barra num dado momento particular. A avaliação da taxa de respostas do rato é feita com base nas pressões à barra realizadas no passado (apesar de que futuras pressões à barra possam provar que estamos errados). O behaviorismo molar estende este modo de análise a eventos mentais, tais como dor. (Lacey & Rachlin, 1978) fizeram um apontamento similar sobre eventos mentais em geral.) Este tipo de behaviorismo nunca foi, até onde conheço, reconhecido e nem refutado por filósofos antibehavioristas ou psicólogos.
Compreender que um um rato responde com uma taxa agora (apesar de não estar pressionando a barra exatamente neste momento) seria diferente da compreensão de que uma pessoa pode estar com dor agora (apesar de não estar exibindo comportamento de dor exatamente neste momento)? Geach, Chisholm, Putnam e outros filósofos antibehavioristas poderiam alegar que o significado exato da dor requeira uma distinção entre os dois casos. Se tal distinção é válida, vai depender de se a dor é definida como um mecanismo interno ou como um comportamento explícito. Se a dor é definida como um mecanismo interno, então pessoas com dor agora, mas não exibindo comportamento de dor exatamente neste momento, serão consideradas como inibidoras do resultado (output) daquele mecanismo, enquanto um rato não pressionando a barra em um certo instante não é habitualmente considerado como inibidor das respostas de pressão à barra. Mas se a dor é definida como um comportamento explícito, uma pessoa poderia estar com dor, ainda que não esteja exibindo comportamento de dor no momento, exatamente como o rato está respondendo com uma dada taxa, ainda que não esteja pressionando a barra naquele momento.
O rato possui mecanismos internos que mediam o estímulo doloroso e as pressões à barra, assim como uma pessoa possui mecanismos internos que mediam o estímulo doloroso e o comportamento de dor. Mas as pressões à barra são usualmente definidas em termos comportamentais (como operantes) preferivelmente do que em termos (pobremente entendidos) de mecanismos internos. A concepção de que um rato esteja pressionando a barra a uma dada taxa em um dado momento (ainda que, no mesmo momento, não esteja pressionando a barra) levou a uma busca de correlações desta pressão á barra do rato com o ambiente preferivelmente do que com o interior (mecanismo) do rato. Este raciocínio mostrou-se conveniente àquelas pessoas que, como nós, estão interessadas em controlar e (nos parece) entender as pressões à barra realizadas pelos ratos.
Assim como a definição behaviorista do pressionar a barra (apesar da existência de mecanismos mediadores internos) levou ao controle do pressionar a barra, então uma definição behaviorista da dor (apesar da existência de mecanismos mediadores internos) pode levar ao controle da dor.
É por meio de trabalho empírico, como aquele de Fordyce, e não a formulação dos supersuperespartanos de Putnam, que a definição behaviorista da dor deve permanecer ou cair. Se você previamente define dor em termos de mecanismos internos fisiológicos ou cognitivos, então supersuperespartanos são concebíveis. E você deve acreditar que o behaviorismo está errado (ao menos como aplicado à dor). Se você definiu previamente a dor em termos de comportamento evidente, então supersuperespartanos serão concebíveis para você, e você precisa não acreditar que o behaviorismo é errado. Se você não fez nenhum compromisso prévio com uma definição behaviorista ou fisiológico-cognitiva da dor, então os supersuperespartanos de Putnam são irrelevantes.
O que é ganho ou perdido por um compromisso em uma direção ou em outra? Um ponto aparentemente em favor da definição fisiológico-cognitiva é sua correspondência, como consideração à "internalidade" (internality) da dor, com a visão mentalista descansando sobre a introspecção e "intuição linguística". Mas esta é uma faca de dois gumes, porque, quando usada (como frequentemente é) contra a definição behaviorista da dor, requer argumentos baseados na introspecção e na intuição - os mesmos argumentos rejeitados por fisiologistas e cognitivistas vis-à-vis os mentalistas. Parece inconsistente argumentar, por um lado, que a dor seja um evento interno, porque nossas introspecções nos dizem que sim e, por outro lado, de que a dor é o produto de um mecanismo como o de um computador ou uma série de descargas neurais, mesmo que (e "intuições linguísticas" nessa questão) nos digam que a dor seja um "sentimento cru".
O melhor argumento para a definição fisiológico-cognitiva da dor seria um tratamento fisiológico-cognitivo da dor realmente eficaz. O melhor argumento para uma definição behaviorista da dor seria um tratamento behaviorista da dor realmente eficaz. Neste assunto, infelizmente, ainda não sabemos avaliar.
Referência
Ainslie, G. (1987). Aversion with only one factor. In M. L Commons, T. J. Herrnstein, & H. Rachlin, Qualitative analyses of behavior (Vol. 5). Hillsdate, NJ: Erlbaum. [ Links ]
Baum, W. M. (1973). The correlation-based law of effect. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 20, 137-153. [ Links ]
Beecher, H. K. (1956). Relationship of significance of wound to the pain experienced. Journal of the American Medical Association, 161, 1609-1613. [ Links ]
Blanchard, E. B., Andrasik, F. A., Arena, J. G., & Teders, S. J. (s.n.). The effects of differing chronic pain experience on the psychophysical scaling of pain descriptors. Manuscript. State University of New York at Albany. [ Links ]
Catania, A. C. (1971). Elicitation, reinforcement, and stimulus control. In R. Glaser, The nature of reinforcement (pp. 196-220). New York: Academic Press. [ Links ]
Chisholm, R. M. (1957). Perceiving: A phylosophical study. Cornell University Press. [ Links ]
Dallenbach, K. M. (1939). Pain: History and Present Status. The American Journal of Psychology, 52(3), 331-347. [ Links ]
Dennet, D. (1978). Brainstorms. Bradford Books. [ Links ]
Elmore, A. M. (1979). A comparison of the psychophysical and clinical response to biofeedback for temporal pulse amplitude reduction and biofeedback for increases in hand temperature in the treatment of migraine. Thesis. Psychology department. State University of New York at Stony Brooks. [ Links ]
Etzel, B. C, & Gewirtz, J. L. (1967). Experimental modification of caretaker-maintained high-rate operant crying in a 6- and a 20-week-old infant (lnfans tyrannotearus): Extinction of crying with reinforcement of eye contact and smiling. Journal of Experimental Child Psychology, 5, 303-317. [ Links ]
Fodor, J. A., Garrett, M. F., & Bever, T. G. (1974). The psychology of language. McGraw-Hill. [ Links ]
Fordyce, W. E. (1976). Behavioral Methods for Chronic Pain and Illness. C. V. Mosby. [ Links ]
Fordyce, W. E. (1978). Learning processes in pain. In R. A. Sternbach (Ed.), The psychology of pain. Raven Press. [ Links ]
Fordyce, W. E. (1983). The validity of pain behavior measurement. In R. Melzack (Ed.), Pain measurement and assessment. New York: Raven Press. [ Links ]
Geach, P. (1957). Mental Acts. Humanities Press. [ Links ]
Gibbon, J., Berryman, R., & Thompson, R. L. (1974). Contingency spaces and measures in classical and instrumental conditioning. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 21(3), 585-605. [ Links ]
Herrnstein, R. J. (1970). On the law of effect. Journal of the Experimental Analyses of Behavior, 13, 243-266. [ Links ]
Hilgard, E. R., & Hilgard, J. R. (1975). Hypnosis in the Relief of Pain. Los Angeles: William Kaufmann. [ Links ]
Hull, C. (1943). Principles of Behavior. New York: Appleton-Century-Crofts. [ Links ]
Hull, C. (1952). A behavior system. Yale University Press. [ Links ]
Kelly, D. D. (1981). Somatic sensory system. 4. Central representations of pain and analgesia. In E. R. Kandel, & J. H. Schwartz (Eds.), Principles of neural of neural science. Elsevier. [ Links ]
Koenig, P. (1973) The placebo effect in patent medicine. Psychology Today, 1, 60. [ Links ]
Lacey, H. M., & Rachlin, H. (1978). Behavior, cognition and theories of choice. Behaviorism, 6, 177-202. [ Links ]
Levine, J. D., Gordon, N. C., & Fields, H. L. (1979). The role of endorphins in placebo analgesia. In J. J. Bonica, L. C. Lieheskind, & D. Albe-Fessard (Eds.), Advances in pain research and therapy (Vol. 3). Raven Press. [ Links ]
Maier, S. F., Seligman, M. E. P., & Solomon, R. L. (1969). Pavlovian fear conditioning and learned helplessness. In B. A. Campbell, & R. M. Church (Eds.), Punishment (pp. 299-343). New York: Appleton-Century-Crofts. [ Links ]
McGlashen, T. M., Evans, F. J., & Orne, M. T. (1969). The nature of hypnotic analgesia and placebo response to experimental pain. Psychosomatic Medicine, 31, 227-246. [ Links ]
Melzack, R, & Wall, P. D. (1965). Pain mechanisms: A new theory. Science, 150, 971-979. [ Links ]
Melzack, R. (1973a). How acupunture can block pain. Impact of Science on Society, 23, 1-6. [ Links ]
Melzack, R. (1973b). The puzzle of pain. Penguin. [ Links ]
Melzack, R., & Wall. P. D. (1983). The challenge of pain. New York: Basic Books. [ Links ]
Melzack, R., & Wall, P. D. (1970). Psychophysiology of Pain. International Anesthesiology Clinics, 8(1), 3-34. [ Links ]
Mersky, H. (1968). Psychological aspects of pain. Postgraduate Medical Journal, 44, 297-306. [ Links ]
Nisbett, R., & Wilson, T. (1977). Telling more than we can know: Verbal reports on mental processes. Psychological Review, 84, 231-259. [ Links ]
Pavlov, I. (1927). Conditioned reflexes. Trans G. V. Anrep. Oxford University Press. [ Links ]
Putnam, H. (1980). Brain and behavior. In Reading in phylosophy of psychology (Vol. 1). N. Block. Havard University Press. [ Links ]
Rachlin H. A molar theory of reinforcement schedules. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 30(3), 345-360. [ Links ]
Rachlin, H. (1976). Behavior and learning. W. H. Freeman & Co. [ Links ]
Rescorla, R. A. (1967). Pavlovian conditioning and its proper control procedures. Psychological Review, 74, 71-80. [ Links ]
Ryle, G. (1949). The concept of mind. Hutchinson. [THR. taHR. CPS. [ Links ]]
Savin, H. (1980). Introduction: Behaviorism. In N. Block, Readings in Philosophy of Psychology (Vol. 1). Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press. [ Links ]
Searle, J. R. (1980). Minds, brains, and programs. Behavioral and Brain Sciences, 3(3), 417-457. [ Links ]
Schwartz, B., & Gamzu, E. (1977). Pavlovian control of operant behavior. In W. K. Honing, & J. E. R. Staddon (Orgs.), Handbook of operant behavior (pp. 53-97). Englewood Cliffs: Prentice-Hall. [ Links ]
Siegel, S., Hinson, R. E., & Krank, M. D. (1981). Morphine-induced attenuation of morphine tolerance. Science, 212(4502), 1533-1534. [ Links ]
Skinner, B. F. (1935). Two types of conditioned reflex and a pseudotype. Journal of General Psychology, 12, 66-77. [ Links ]
Skinner, B. F. (1938). The behavior of organisms. New York: Appleton-Century-Crofts. [ Links ]
Staddon, J. E. R. (1973). On the notion of cause, with applications to behaviorism. Behaviorism.1, 25-63. [ Links ]
Staddon, J. E. R. (Org.). (1980). Limits to action: The allocation of individual behavior. New York: Academic Press. [ Links ]
Teitelbaum, P. (1977). Levels of integration of the operant. In W. K. Honig , J. E. R. Staddon (Eds.), Handbook of operant behavior (pp. 7-27). Prentice Hall, Englewood Cliffs, N.J. [ Links ]
Tolman (1948). Cognitive Maps in Rats and men. Psychological Review, 55, 189-208. [ Links ]
Turk, D. C., Meichenbaum, D., & Genest, M. (1983). Pain and behavioral medicine: A cognitive-behavioral perspective. New York: Guilford Press. [ Links ]
Tursky, B., & Sternbach, R. A. (1967). Further psychological correlates of ethnie differences in responses to shock. Psychophysiology, 4, 67-74. [ Links ]
Tursky, B., Jamner, L. D., & Friedman, R. (1982). The Pain Perception Pro file: A psychophysical approach to the assessment of pain report. Behavior Therapy, 13, 376-394. [ Links ]
Tyle, G. (1949). The concept of mind. Hutchinson. [ Links ]
Watson, J. B. (1913). Psychology as the behaviorist views it. Psychological Review, 20, 158-177. [ Links ]
Watson, J. B. (1924/1970). Behaviorism. New York: Norton. [ Links ]
Weisenberg, M. (1975). Psychobiology and human disease. Elsevier. [ Links ]
Wittgenstein, L. (1958) Philosophical Investigations. Oxford: Basil Blackwell. [ Links ]
Zuriff, G. E. (1979). Ten inner causes. Behaviorism, 7, 1-8. [ Links ]
Endereço para correspondência:
abento@fop.unicamp.br
Tradução enviada em Junho de 2010
Tradução aceita em Outubro de 2010
Tradução publicada em Janeiro de 2011
Artigo originalmente publicado em The Behavioral and Brain Sciences (1985), 8,43-83. Tradução de Antonio Bento Alves Moraes, Renata Andrea Salvitti de Sá Rocha e Gustavo Sattolo Rolim (Faculdade de Odontologia de Piracicaba - UNICAMP).
1 Os placebos podem exercer seu efeito através das endorfinas liberadas pelo sistema nervoso central (Levine, Gordon & Fields, 1979). Portanto, ironicamente, o efeito placebo pode ser imitado pelas drogas. Entretanto, existe alguma evidência (Siegel, Hinson & Krank, 1981) de que, da mesma maneira que acontece com as drogas, as pessoas podem desenvolver tolerância e dependência dos placebos.
2 Mas as unidades funcionais de uma teoria cognitiva não precisam necessariamente ser redutíveis a fisiologia. Fodor, Garrett, & Bever (1974) argumentaram que, mesmo em princípio, as unidades cognitivas não precisam ser assim redutíveis.
3 Dennet (1978) mostrava que um determinado mentalista nunca aceitara a ideia de que uma máquina possa estar com a dor. Ele faz do computador uma máquina muito complicada para lidar com as objeções mentalistas. Portanto, o mentalista nunca está satisfeito e Dennet especula que o mentalista nunca estará satisfeito. Do ponto de vista behaviorista, Dennet está modificando o seu computador na direção errada. O que o behaviorista quer é que a função da dor em humanos seja preservada na máquina - que o comportamento da máquina seja um sinal de dano real em relação ao qual o observador precisa fazer alguma coisa. Um behaviorista (e talvez muitas outras pessoas) verá em um vagão cuja roda apresenta um chiado, um exemplo de uma máquina com dor de uma forma muito mais rápida que o computador de Dennet (com toda sua complicada maquinaria interna). O computador, entretanto, pode simular a dor, mas não será julgado como "sentindo dor" (de acordo com o behaviorista) a menos que ele obrigue (eventualmente reforçando-as) a ocorrência de algum tipo de resposta social como faz a dor.
4 Ainslie (1987) apresenta uma teoria cognitiva da dor ainda não testada, mas que é interessante mencionar. Ainslie afirma que a atenção é uma resposta operante interna que positivamente reforçada (também internamente) pelo estímulo produtor de dor. De acordo com Ainslie, tais estímulos fornecem um breve reforçamento, suficientemente forte para reforçar a atenção mas não o suficiente (e também não suficientemente duradouro) para reforçar uma resposta motora. Este reforçamento, Ainslie explica, é seguido por um período relativamente refratário longo durante o qual nenhum reforçamento é possível. O reforçador positivo breve mais o período refratário como um todo valem menos do que a ausência de ambos. Assim, um indivíduo que tem uma bolha dolorida é como um viciado constantemente tentado a prestar atenção à bolha pelo breve reforçamento, mas faltam também constantemente outras formas de reforçamento, normalmente disponíveis. A dor, para Ainslie, é exatamente essa falta.
A teoria de Ainslie é cognitiva e não comportamental, no sentido de que os processos que governam a dor são internos. A implicação comportamental da teoria de Ainslie é a de que a aversividade do estímulo doloroso está em um contínuo com a aversividade do estímulo apetitivo. Em um ponto terminal desse contínuo ciclo da dor, o reforçador breve (muito breve para se tomar consciência) mais o período refratário mais longo, dura somente uma fração de segundo. Em seguida surge a coceira, com um ciclo mais longo para os períodos de reforçamento e refratário. Então aparecem os vícios. Finalmente, na outra ponta terminal do contínuo, estão certas decisões morais que Ainslie chama de "sell-outs", cujos períodos refratários e de reforçamento duram meses ou anos.
5 Na história do behaviorismo, quando as explicações comportamentais começaram a encontrar problemas, elas tenderam a se esconder dentro do organismo que se comporta. Dessa maneira, Watson (1913), que começou com os estímulos que afetavam o organismo inteiro e respostas do organismo como um todo, acabou (Watson, 1924/1970, seguindo Pavlov) postulando a existência de reflexos que ocorriam totalmente no interior do organismo. Hull (1943), que iniciou com um conjunto de axiomas considerando estímulos em direção a, e respostas do organismo inteiro, acabou postulando, em resposta às críticas persistentes e efetivas de Tolman (1948), "respostas alvo antecipatórias e fracionadas" que ocorriam dentro do organismo (Hull, 1952). Skinner, que começou introduzindo o operante como uma das se de atividades explícitas definidas pela sua função, fala mais recentemente de estímulos, respostas e reforçadores encobertos (veja em Zuriff, 1979 uma discusso das "causas internas" do trabalho de Skinner).
6 Não existe inconsistência no fato do behaviorismo molar identificar os estados mentais com eventos no passado e no presente ao invés de no futuro e o fato dos operantes serem definidos em termos de eventos que se seguem. O behaviorismo molar é uma teoria de um observador do comportamento, enquanto que os operantes são atividades do organismo observado. O observador pode observar uma série de atos, talvez distantes no passado, e conseqüências desses atos menos distantes no passado. O comportamento operante atual é visto como uma função do comportamento que ocorreu no passado e suas conseqüências mais recentes.
7 Um bom exemplo do uso social da privacidade essencial da dor é a seguinte passagem de um romance recente de Hilma Wolitzer (1983):
Uma vez Kenny quebrou sua perna em dois lugares, esquiando. Poucas semanas depois, ele e Joy receberam três outros casais para o jantar. Um dos homens disse, admiravelmente, que a perna de Kenny deve ter doído muito, e Joy riu de maneira jocosa. As outras mulheres concordaram com ela, sem que uma palavra fosse dita entre elas. Kenny estava admirado e ultrajado. Ele disse que a dor tivera sido excruciante, e uma das mulheres realmente riu alto. Ela cruzou os braços e disse, "não foi nada como o parto, homem, você pode apostar nisso". Kenny disse que ele não saberia, mas que o osso literalmente furou a pele. Ele era amarelo esbranquiçado, como um grande dente e irrompimento. Um profissional de esqui da temporada desmaiou quando o viu. "'Ha!' A mulher disse. 'Ha ha', as outras mulheres acrescentaram, até Joy, que chorou na ambulância, disse 'querida, querida, querida' até que eles a colocaram em cirurgia" "O mais suave dos homens disse 'nós temos mais ataques cardíacos, mais câncer de pulmão, mais injúrias por esportes, eu digo, estas são estatíticas." 'Minha bolsa estourou com Steven horas antes de eu começar a dilatar. 'Joy disse. 'Foi um parto seco'. Rasgou uma parte áspera de pão e a mastigou. 'Você já recebeu um tiro?' Kenny perguntou a ninguém em particular. "Rapazes no Vietnã já receberam, nas vísceras, na cabeça'. Foi um argumento fraco, ainda que aparentemente convincente, já que ninguém na mesa, inclusive Kenny, recebeu um tiro no Vietnã. Joy levantou o prato pesado de carne com uma mão e saiu da sala.Houve um grande silêncio durante o qual o vinho foi terminado e crostas do pão foram divididas em montes pequenos das migalhas. Então um dos homens disse 'Hemorróidas!'.