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Temas em Psicologia
versão impressa ISSN 1413-389X
Temas psicol. vol.18 no.2 Ribeirão Preto 2010
ARTIGOS
Câncer de mama: consequências da mastectomia na produtividade
Breast cancer: commitment to work mastectomy's consequences
Rita de Cássia Gandini
Universidade Federal de Uberlândia - MG - Brasil
RESUMO
Este estudo verificou, através da Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada - EDAO e sua redefinição EDAO/R, a adequação dos setores da Produtividade - Pr e Pr/R e do Orgânico - Or, identificou os Fatores e Micro-Fatores positivos e negativos dos referidos setores e comparou os resultados intra e intergrupos. Foram selecionadas 30 participantes, que constituíram três grupos conforme o tempo da mastectomia por câncer de mama: três meses, grupo 1 (G1, N = 10), um ano, grupo 2 (G2, N = 11) e dois anos, grupo 3 (G3, N = 9). Os resultados mostraram diferenças significantes na Produtividade - Pr e Pr/R, sendo G3 maior que G1; correlações positivas entre valores da Produtividade e do Orgânico em G1; Fatores da Produtividade, sendo Fator Positivo maior que Fator negativo em G1, G2 e G3; Fatores Orgânicos, sendo Fator negativo maior que Fator positivo em G1, e Micro-Fatores Orgânicos, sendo Micro-Fatores positivo maior que Micro-Fatores negativo em G2.
Palavras-chave: Câncer de mama, Mastectomizadas, EDAO, Trabalho, Produtividade.
ABSTRACT
This research evaluated by the Operationalized Adaptive Diagnostic Scale - EDAO, the adaptive sectors of the Productivity - Pr and Organic - Or, identified the Factors - F and Micro-factors - MF, either positive or negative referred sectors and compared the results intra and intergroup. They were distributed in three groups (N=30) at the time of postsurgery after mastectomy with breast cancer: three months, group 1 (G1, N = 10), one year, group 2 (G2, N = 11) and two years, group 3 (G3, N = 9). The results indicated differences statistically significant at the Productivity - Pr and Pr/R, being G3 more than G1; positive correlation between the scores the Pr and the Or in G1 and Pr Factors, being Factors positive more than Factors negative in G1, G2 and G3; organic Factors, being Factors negative more than Or Factors positive in G1, and organic Micro-factors, being Micro-factors positive more than Micro-factors negative in G2.
Keywords: Breast cancer, Mastectomy, EDAO, Productivity, Work.
O câncer de mama é um problema de saúde pública em grande parte do mundo e, no Brasil, foi identificado como o segundo tipo mais incidente (INCA, 2007a, 2007b).
Os agentes patogênicos do câncer têm merecido atenção especial sob os pontos de vista interno e/ou externo ao indivíduo. Nas diversas fases do desenvolvimento da doença, desde a ausência de manifestações clínicas até o seu diagnóstico, incluindo o período de tratamento, muitas são as repercussões na saúde mental da pessoa afetada e pouco se sabe sobre a relação da pessoa doente com o trabalho, o desempenho das funções laborais.
As questões referentes a isto, tais como as expectativas das pacientes frente à possibilidade de retorno ao trabalho e as dificuldades apresentadas por muitas delas, quando retomam suas atividades após a mastectomia, são uma constante no trabalho desenvolvido com essa população, no Programa de Psico-Oncologia da Mastologia, vinculado ao Instituto de Psicologia e Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia -UFU.
Relativamente raro antes dos 35 anos de idade, nos últimos anos o câncer de mama tem sido diagnosticado em mulheres cada vez mais jovens, em idade produtiva, acima dessa faixa etária as taxas de incidência crescem de forma rápida e progressiva (INCA, 2007b). É uma tendência que tem se confirmado, nesta idade a mulher está em plena atividade e ascensão profissional.
As pesquisas na área da psicologia social e organizacional mostram a importância do trabalho e suas relações com os conceitos do self, da autoestima, de papéis, na satisfação e bem-estar pessoal, entre outros. Esses estudos têm fundamentado a crescente atenção à reabilitação de indivíduos diante da inabilidade ou aposentadoria e, contraditoriamente, têm sido desconsiderados no cuidado de pacientes com doenças crônicas, tais como o câncer (Peteet, 2000).
Contribuíram para a definição dos objetivos deste estudo a reflexão sobre os resultados referentes ao impacto do câncer e tratamentos nas atividades laborais formais e informais e a consistência interna da Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada - EDAO (Simon, 1989), demonstradas estatisticamente por Gandini (1995).
Objetivos
Verificar, através da EDAO e EDAO/R, a adequação dos setores da Produtividade - Pr e Pr/R e do Orgânico - Or, e respectivas variações em mulheres com câncer de mama mastectomizadas há aproximadamente três meses, um ano e dois anos, participantes de atividades no REMA (grupo de Reabilitação de Mastectomizadas).
Identificar os fatores - F e micro-fatores - MF, tanto positivos como negativos, dos setores Pr e Or, nos três momentos de avaliações das mesmas.
Método
Utilizou-se a entrevista clínica preventiva, semi-estruturada baseada na EDAO:
é um instrumento que possibilita, através de dados obtidos em entrevistas psicológicas, determinar a eficácia adaptativa de uma dada pessoa a partir da análise das soluções que ela utiliza para responder às necessidades dos quatro setores adaptativos que compõem a sua totalidade: setor A-R (afetivo-relacional), setor Pr (produtividade) setor Or (orgânico), setor S-C (sócio-cultural). (Simon & Yamamoto, 2008, p. 147).
Foram realizadas duas ou três entrevistas com cada uma das 30 participantes. Estas (N = 30) frequentavam as atividades oferecidas pelo REMA da EERP (Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto) - USP e aceitaram participar deste estudo, constituindo assim três grupos G1 = 10, G2 = 11 e G3 = 9.
A partir dos dados coletados nas entrevistas, foi feita uma avaliação da presença dos fatores (F) e micro-fatores (MF) internos e externos, positivos e negativos segundo Gandini (1995).
Em seguida, procedeu-se à análise dos setores segundo sua adequação (Simon, 1989, 2008), acrescida da proposta de Pellegrino-Rosa (1986), que transformou os símbolos propostos por Simon (1989) em escala ordinal, propiciando a análise estatística.
Com isso, fez-se a transformação da classificação do setor da Pr pela redefinição da EDAO (Simon, 1997). Para discriminar o método e os novos valores utilizados para a EDAO redefinida, acrescentar-se-á uma barra acompanhada da letra erre maiúscula, a ver: EDAO/R, A-R/R e Pr/R.
Diante dos resultados, foi feito o feedback e, quando necessário, foram discutidos com a própria participante os encaminhamentos necessários.
Resultados e Discussão
Muitos autores relataram a escassez de dados, ou seja, o desconhecimento sobre os efeitos do câncer de mama no retorno ao trabalho de mulheres com esse diagnóstico (por exemplo: Kennedy, Haslam, Munir e Price, 2007; Maunsell et al., 2004; Satariano e DeLorenze, 1996).
Nos relatos das pacientes, é possível identificar que as consequências da mastectomia por câncer de mama e seus tratamentos, pré e/ou pós-cirurgia, têm repercussões no desempenho do trabalho, quer formal ou informal. Essas consequências podem ser observadas em dois níveis: o primeiro, relativo à própria pessoa, como: cansaço, fadiga, dores, limitações em relação ao braço homolateral à cirurgia, prejuízo das habilidades motoras, dentre outras dificuldades; o segundo, relativo ao desempenho no trabalho, além das faltas para consultas, exames e tratamentos.
A mudança de status ou perda da identidade ocupacional tem sido apontada como uma das fontes do desequilíbrio de uma pessoa, pois o declínio da qualidade, ou até a impossibilidade de realização do mesmo, as prováveis disfunções e aposentadoria por invalidez, podem impedir o retorno da pessoa ao nível de adaptação anterior à adversidade.
Mudanças no universo laboral, diante da adversidade, são necessárias quer pela emergência de novas possibilidades ou formas de trabalho para a pessoa afetada, quer na qualificação dos profissionais aptos tanto para preparar pacientes quanto capacitar empregadores, no que tange a reintegração desse trabalhador ao seu posto.
Os resultados estatísticos do teste de Kruskal-Wallis (Siegel,1975) mostraram que as participantes dos três grupos apresentaram características semelhantes quanto à idade, idade na época da mastectomia e o grau de escolaridade.
Pôde-se verificar pelo teste de Mann-Whitney (Siegel,1975) que a adequação do setor da Produtividade avaliada pela EDAO e pela EDAO/R do grupo com dois anos da mastectomia foi estatisticamente significante em relação ao de três meses (probabilidade = 0,017; p< 0,05). Das três participantes do G3 que deixaram o emprego, uma continuava em licença médica, uma foi aposentada e uma desistiu voluntariamente de retornar ao trabalho. A alegação era de que não se sentiam bem fisicamente, devido às limitações advindas da mastectomia. Esses dados se assemelham aos encontrados por Gandini (1995) em relação às pacientes com um ano da mastectomia, que se mantinham fora da rotina do trabalho por consequências negativas dos tratamentos para o câncer de mama. Pode-se supor que, para algumas pacientes, limitações decorrentes desse tipo de cirurgia tendem a perseverar ao longo do tempo.
Ainda em relação às participantes do G3, pôde-se verificar que outras três voltaram ao trabalho naturalmente, pois se sentiam fisicamente em condições de desenvolver as atividades laborais, embora duas tenham relatado diminuição na produtividade, por limitantes físicos.
Esses achados confirmam os encontrados por Kennedy et al. (2007) em relação à saúde física de poucos participantes que, quando não se sentiam bem fisicamente, não retornavam ao trabalho, ao passo que aqueles que se sentiam bem retornavam ao trabalho naturalmente e apenas um terço revelou que, inicialmente, havia sido difícil enfrentar o retorno e se concentrar em suas atividades.
Dentre as participantes que trabalhavam, pode-se dizer que, aos três meses da mastectomia, praticamente 60% delas se encontravam afastadas do trabalho. Essa porcentagem poderia ser maior, se duas das participantes já não estivessem aposentadas antes do diagnóstico.
Outro estudo (Satariano & DeLorenze, 1996) realizado no mesmo período, isto é, com três meses após o diagnóstico de câncer de mama, encontrou entre as mulheres que trabalhavam 89% em licença médica, uma porcentagem pouco superior à deste estudo.
Com relação às trabalhadoras que formaram o grupo com dois anos de cirurgia, um terço não havia retornado ao trabalho. Essa porcentagem em relação ao G3 aproxima-se da encontrada por Spelten et al. (2003) no décimo oitavo mês, 64% de retorno ao trabalho de pacientes com diferentes tipos de câncer.
Neste estudo, outro aspecto que confirma os achados de Kennedy et al. (2007) é quanto ao importante suporte que pacientes receberam dos chefes ou empregadores e colegas, enquanto afastadas do trabalho, e como essa ajuda facilitou o retorno ao mesmo. Pode-se citar, por exemplo, o relato de Cleuza (G1), enfermeira com três meses e meio de cirurgia, vivendo longe da família em função do trabalho, que dizia ter-se sentido emocionalmente melhor, tendo retornado ao trabalho ainda durante a QT (quimioterapia), iniciada antes da cirurgia, dado o apoio das colegas e de seu chefe, as quais se mostraram bastante compreensivas, chegando a dispensá-la nos dias em que os efeitos da QT eram mais severos. Dessa forma, apesar de trabalhar menos horas do que o estabelecido no seu contrato inicial, sentia-se acolhida e produtiva.
Marlene - G1, enquanto estava em licença médica, teve suporte da chefia e de algumas colegas. Tempos depois de sua participação neste estudo, perto de completar um ano da cirurgia, em contato com a pesquisadora, relatou que, por alguns meses, alimentou uma expectativa altamente angustiante quanto ao retorno ao trabalho: se desempenharia a mesma função ou se seria realocada? Em que atividades? Demonstrando intenso sofrimento com relação a sua capacidade, uma vez que apresentava fadiga e limites nos movimentos do braço homolateral à cirurgia. Marlene relatou que, ao conversar com a sua chefia, soube que mudaria de setor, porém, como tinha experiência anterior em trabalho de escritório, acreditava que conseguiria desempenhar satisfatoriamente sua nova função, o que naquele momento a deixara mais tranquila. Quando retornou ao trabalho, sentiu acolhimento de sua chefia, que lhe atribuiu funções de confiança, às quais correspondia satisfatoriamente. Ao longo do tempo, passou a cobrir as faltosas, além das férias de outras funcionárias, alterando sua rotina constantemente. Diante dessas constantes alterações, Marlene foi se sentindo discriminada e se angustiava muito com esse rodízio de atividades, a ponto de ser comunicada por outras funcionárias sobre o que deveria fazer. Foi então que procurou a chefia, sob forte emoção e muito choro, fazendo uma avaliação de suas atividades e lhe propondo uma definição, demissão ou função constante.
A discriminação sentida por Marlene no trabalho coincide com o relato de Maunsell et al. (2004), que encontraram pequena evidência de que as mulheres diagnosticadas com câncer de mama experienciavam discriminação no trabalho e de Peteet (2000), ao relatar que essa experiência pode se tornar foco de fortes sentimentos sobre a equidade.
Na comparação intragrupo dos setores da Produtividade e Orgânico pelo Coeficiente de Correlação por Postos de Spearman (Siegel, 1975), a diferença estatisticamente significante foi encontrada no grupo com três meses de mastectomia (probabilidade = 0,035; p<0,05). As correlações foram positivas, isto é, quanto pior o Orgânico, pior a Produtividade e vice-versa. Quanto mais acentuados os efeitos do câncer e tratamentos, maiores são as dificuldades em administrar o trabalho e mais faltas ao mesmo. E, quanto menores as consequências dos tratamentos, aumenta a adequação da Produtividade.
O estudo de Kennedy et al. (2007), com 29 participantes, dos quais 24 com câncer de mama, apontou várias razões que influenciaram suas decisões sobre o trabalho durante ou após os tratamentos para o câncer. Na interpretação dos dados relatados, os autores deixaram claro que os fatores seguem pólos opostos, quando presentes, necessários e suficientes facilitam o processo de retorno ao trabalho e, quando ausentes ou insuficientes, dificultam o retorno das pessoas ao trabalho, a saber: a situação financeira, quando precária, é a primeira razão para o retorno ao trabalho; a sensação de bem-estar físico e a natural decisão de retorno ao trabalho versus aposentadoria para aqueles que não se sentiam bem fisicamente. A responsabilidade, os sentimentos de lealdade ou fidelidade, as habilidades e performance para o trabalho foram fatores proeminentes. Para aqueles que já enfrentavam muito estresse, vivenciavam maior dificuldade após o retorno. Expectativas próprias, dos patrões ou a de colegas também influenciavam no retorno ao trabalho. Alguns viam o trabalho como uma distração de suas doenças ou tratamentos, recuperando o senso de normalidade.
Pode-se citar a sugestão de Schnur et al. (2007) quanto às variáveis: traços de ansiedade, distress e fadiga aguda pré-cirúrgicos, e prévia experiência de fadiga com o mesmo procedimento cirúrgico, podem ser manipulados por intervenções clínicas para beneficiar pacientes em relação à expectativa de dor e fadiga pós-cirúrgica. Supõe-se que as intervenções possam ir além, contribuindo para as pacientes quando do retorno ao trabalho.
Em relação aos resultados do teste de Wilcoxon (Siegel,1975) quando da comparação intragrupo entre fatores (F) e micro-fatores (MF) dos setores Produtividade (Pr) e Orgânico (Or) (Tabela 4), as diferenças estatisticamente significantes entre os valores Pr F+ > Pr F- nos três grupos (probabilidades G1=0,007, G2 e G3=0,017; p<0,05) mostraram-se diferentes daqueles encontrados por Gandini (1995). Foi verificada, por meio dos relatos das pacientes que formaram aquele estudo, a presença estatisticamente significante de Pr F+, na situação de pré-tratamento para o câncer de mama; assim como dos resultados descritos por Kennedy et al. (2007), quando se referiram a habilidades, capacidade e performance para o trabalho de alguns participantes, como eram previamente e por Maunsell et al. (2004), cujos resultados mostraram que não houve deterioração nas condições de trabalho entre as mulheres que continuavam trabalhando, em ambos os grupos, com e sem câncer de mama.
Neste estudo, a maioria das participantes precisou adaptar suas atividades de trabalho, uma vez que suas habilidades e seu desempenho, quando comparados por elas mesmas ao período anterior ao câncer de mama, estavam prejudicados, com exceção de Cacilda e Bárbara, ambas professoras do ensino fundamental, no período final de suas licenças médicas. Ao retornarem ao trabalho, assumiriam novas funções, com ascensão hierárquica em função compatível à capacidade delas, Cacilda, como diretora de uma escola e Bárbara, como coordenadora de sua área de atuação. Linda conseguiu aumento significativo na remuneração por seu negócio. Esses dados diferem dos encontrados por Van Der Vonden et al. (1992), ao referirem um pequeno decréscimo em promoções e perspectivas financeiras de pessoas com o diagnóstico de câncer, muito provavelmente por se tratar de uma situação especial, como funcionárias do estado têm certa estabilidade e plano de carreira garantidos.
Pode-se citar outro fator negativo presente para um terço das participantes deste estudo, a queda da remuneração, quer pela licença médica ou aposentadoria por invalidez, quer pela desistência ou perda do emprego, dado este que confirma os achados por Gandini (1995). A privação econômica de mulheres com câncer de mama, devido às licenças no trabalho, também foi apontada por Bradley, Bednarek e Neumark (2002).
A pressão financeira foi apontada por Kennedy et al. (2007) como a primeira razão para o retorno ao trabalho (N=13), sobretudo para aqueles sem escolha, uma vez que o direito às licenças tinha expirado. Em contraposição, outros cinco sujeitos relataram que se sentiram afortunados, por usufruírem condição econômica melhor.
Crê-se que este dado possa ilustrar a interface desses setores Pr e Or, em função do comprometimento do segundo em decorrência dos efeitos do câncer e tratamentos, como por exemplo, cansaço, linfedema e movimentos limitados do braço homolateral à cirurgia, com fadiga, independente do tipo de cirurgia a que tinham se submetido, sendo mais evidente no G1 (N = 8), cujos números de Or F- foram mais elevados e estatisticamente significantes em relação aos Or F+ (probabilidade pelo teste de Wilcoxon G1=0,008; p<0,05). Alguns destes fatores negativos também foram descritos após um ano da mastectomia no estudo de Gandini (1995), provavelmente porque naquela amostra foi predominante a mastectomia radical, que, por sua extensão, pode acarretar sequelas orgânicas, refletindo diretamente na diminuição da qualidade de vida das pacientes, em confronto com aquelas pacientes que se submeteram às cirurgias conservadoras e/ou menos mutilantes.
Souza et al. (2007) verificaram que a maioria das mulheres mastectomizadas demonstrou dificuldade de relacionar o linfedema com fatores predisponentes. As autoras sugeriram práticas educativas na prevenção e controle do linfedema de braço. Poder-se-ia inferir que, se as mesmas fossem utilizadas em maior escala, o linfedema seria um dos efeitos do tratamento que poderia deixar de interferir negativamente nas pacientes quando estas voltassem ao trabalho.
Além dos fatores negativos relatados, mais da metade das participantes do G1 foi submetida à mastectomia modificada, sete apresentaram perda da potencia sexual e uma apresentou variações abruptas do peso, perdendo 10 kg.
Nos achados de King, Kenny, Shiell, Hall e Boyages (2000), para mulheres mastectomizadas por câncer de mama, com três meses após a cirurgia, alguns sintomas diferiram para o grupo de pacientes submetidas à cirurgia conservadora em relação à cirurgia radical. O benefício da cirurgia conservadora, em relação à imagem corporal, foi muito maior para as casadas, estatisticamente significante, em comparação àquelas submetidas à cirurgia radical. Aos três meses da cirurgia, a fadiga e os sintomas do braço, tais como: inchaço, adormecimento, sensação de peso, aumento de sensibilidade e limite de movimentos estavam mais presentes nas mulheres submetidas à mastectomia radical do que naquelas submetidas à cirurgia conservadora, sendo que, aos doze meses, o segundo sintoma persistia. As mais velhas relataram menos dor e menos sintomas do braço que as mais jovens, estas, no entanto, apresentaram mais medo da recorrência da doença do que aquelas. Dados estes confirmados por esta pesquisa.
Os resultados sobre a fadiga, os sintomas do braço e dor relatados por King et al. (2000) diferem deste estudo, pois esses sintomas foram apresentados pela maioria das pacientes do Grupo 1, independentemente dos tipos de cirurgia e idade.
No estudo de Kennedy et al. (2007), o cansaço e a fadiga foram frequentemente encontrados na diminuição do ritmo e na dificuldade em administrar o trabalho, por parte de muitos participantes; efeitos estes relatados durante muitos meses, até mesmo anos após o término do tratamento. Esses sintomas também foram descritos pela maioria das participantes deste estudo.
Com relação aos fatores positivos do setor Or - G1, quatro participantes foram submetidas à cirurgia conservadora das mamas, conseguindo a recuperação súbita do órgão, apenas uma apresentava movimentos harmoniosos dos braços, sem fadiga e todas que compuseram este grupo estavam suportando todos os tipos de tratamentos propostos, embora os efeitos da náusea e vômito (F-), em consequência da QT pré ou pós-cirurgia, fossem relatados por todas as participantes. Esses efeitos confirmam os achados de King et al.(2000) com a referida população e mesmo tempo da cirurgia.
As limitações orgânicas causadas pela doença levaram três participantes a deixarem o trabalho, o que significa dez porcento do total da amostra. Esse dado assemelha-se aos resultados de Bradley et al. (2002), relatando que a probabilidade de mulheres com câncer de mama trabalharem é dez por cento menor que as mulheres sem doença. Porém, difere dos apresentados por Maunsell et al. (2004), no qual as condições de trabalho nos dois grupos (com e sem câncer de mama) eram semelhantes no início do follow up e, após três anos, seis por cento a mais de mulheres com a doença estavam desempregadas, porém os autores não informaram a época do desemprego, em relação à cirurgia.
Outra realidade bem diferente nos foi apresentada por Van Der Vonden et al. (1992) com relação a sobreviventes de câncer. Apenas 44% daqueles que trabalhavam na época do diagnóstico retornaram ao trabalho, sendo 24% em regime de tempo parcial. Crê-se que estes dados representem condições bastante adversas, em relação ao diagnóstico e evolução da doença, pois 17 anos atrás a tecnologia para diagnósticos e tratamentos era mais precária comparada ao avanço dos últimos anos, além dos diagnósticos, naquela época, serem feitos tardiamente, quando a doença estava avançada, comprometendo ainda mais a eficácia adaptativa dos pacientes.
Marlene, Adriana, Marilza, Vânia e Cleuza - G1, Cacilda e Cecília - G2 e Lara - G3 continuavam em licença médica, Salete - G3 foi aposentada, todas por limitações causadas pela doença. Nesse contexto, pode-se observar o fator positivo constituído pela licença médica e aposentadoria, a proteção financeira das pacientes. Porém, qual seria realmente o significado para elas de permanecerem em licença ou se aposentarem, em função do câncer de mama? Como fica a saúde mental dessas mulheres, ao longo dos anos? O que os profissionais especializados têm feito por essa população, em relação à prevenção terciária? Poderia ter outra opção, como uma reorientação profissional? E as empresas, têm recebido treinamento para lidarem com pessoas com diagnóstico de câncer? A relevância dos dados obtidos nas pesquisas não deveria orientar via de regra o estabelecimento e a consolidação de políticas de saúde pública para este grupo tão expressivo?
Ainda com relação ao setor Orgânico, os micro-fatores positivos foram estatisticamente significantes em relação aos micro-fatores negativos em G2 (probabilidade pelo teste de Wilcoxon G2=0,049; p<0,05), isto é, para as pacientes com um ano de cirurgia. A maioria deste grupo cuidava da sua própria saúde, tinha condições ambientais adequadas, além de desenvolver atividades físicas no REMA; apesar de sentir cansaço e fadiga, aprendeu se respeitar mais, parando de tempos em tempos para descansar, ao longo do dia. Também relatou menos dor.
Embora neste trabalho tanto os objetivos, quanto a época de avaliação sejam diferentes dos de Spelten et al. (2003), dificultando a comparação, segundo aqueles autores, os níveis de fadiga nos pacientes com câncer, aos seis meses, foram preditores do retorno ao trabalho aos 18 meses, independentemente do diagnóstico e tratamento. Eles ainda sugerem que administrar melhor os sintomas relatados do câncer é necessário para facilitar o retorno desses pacientes ao trabalho.
Apesar da legislação brasileira proteger os trabalhadores, nossa realidade também mostra outros aspectos, tais como: a velada discriminação no trabalho por parte de colegas e/ou chefia, a pressão interna e externa em relação a seu desempenho, como antes do diagnóstico, a falta de compreensão dos pares; perda de emprego, dificuldades para obter um novo trabalho, o assalariado sem registro. São situações que podem trazer ou agravar dificuldades na vida pessoal e familiar de quem adoece, diminuindo a renda ou, até mesmo, levando a uma situação crítica, sem qualquer entrada de capital, quando quem adoece é a responsável pela renda familiar; dependência econômica do parceiro e/ou familiares e/ou da comunidade, dentre outros. Isto tudo, sem falar de quando há necessidade de um cuidador que precisa deixar o emprego para se dedicar ao doente, em casos avançados da doença, agravando ainda mais a situação econômica da família (Santana, 2003).
As limitações decorrentes do câncer de mama e dos tratamentos, nos setores da Produtividade e Orgânico, das participantes deste estudo, sugerem novas pesquisas para se compreender melhor as diferentes realidades dessa população, cada vez mais jovem. Direcionando com mais eficácia os trabalhos de assistência, contribuindo para a reabilitação das pacientes e prevenção de disfunções no trabalho e, não menos importante, permitindo aos profissionais intervenções mais apropriadas nesses casos.
Referências
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Endereço para correspondência:
Rita de Cássia Gandini
Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia
Av. Pará, 1720. Bloco 2C. Campus Umuarama
Uberlândia, M.G., Brasil. CEP.: 38.405-320
Email: rcgandini@uol.com.br
Enviado em Maio de 2009
Texto reformulado em Agosto de 2010
Aceite em Novembro de 2010
Publicado em Dezembro de 2010
Sobre a autora:
Rita de Cássia Gandini - Drª em Psicologia Clínica pelo IP-USP-SP com Pós-Doutorado em Psico-Oncologia na Università Degli Studi Di Ferrara - Itália, Professora da Graduação e Pós-Graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia, Coordenadora do Programa de Psico-Oncologia na Mastologia da Universidade Federal de Uberlândia.
Este trabalho foi apresentado na XXXVIII Reunião Anual de Psicologia da Sociedade Brasileira de Psicologia na Sessão Coordenada "Considerações sobre os sentidos e as dificuldades relacionadas ao adoecimento por câncer de mama: implicações e possibilidades para o cuidado das mulheres e seus familiares" (Gandini, 2008).
Elaborado a partir da pesquisa desenvolvida no Dep. Materno Inf. e Saúde Pública da EERP - USP. Agradecimentos a Profª Drª Ana Maria de Almeida, que disponibilizou o banco de dados do REMA para identificação das participantes e realização da pesquisa "Câncer de mama: diagnóstico adaptativo de mulheres em um serviço de reabilitação". À Universidade Federal de Uberlândia e ao Instituto de Psicologia, pela liberação para o pós-doutoramento. À Profª Maria Ignez de Assis Moura pela estatística; à Maria das Graças Silva, pela revisão; às Profª Ms Olga Inácio Moura, Drª Maria do Carmo Fernandes Martins, Drª Jussara C.V.V. Vieira da Silva e a psicóloga Raphaela A. S. Micheletti pelas contribuições. À Maria Antonieta Spinosa pelo apoio.