Temas em Psicologia
ISSN 1413-389X
Temas psicol. vol.19 no.1 Ribeirão Preto jun. 2011
SEGUNDA PARTE: O GRUPO DE TRABALHO "REPRESENTAÇÕES SOCIAIS" DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA - ANPEPP
Representações sociais de familiares acerca da loucura e do hospital psiquiátrico
Social representations of familiar members concerning madness and the psychiatric hospital
Silvana Carneiro Maciel; Daniela Ribeiro Barros; Leoncio F. Camino; Juliana Rízia Félix de Melo
Universidade Federal da Paraíba - PB, Brasil
RESUMO
Este trabalho teve como objetivo analisar como os familiares de doentes mentais representam o louco, a doença mental e os hospitais psiquiátricos. A pesquisa foi realizada em uma instituição psiquiátrica particular e em uma instituição pública (CAPS), ambas situadas na cidade de João Pessoa (PB), participando 30 familiares de cada instituição. Utilizou-se o Teste de Associação Livre de palavras, com os seguintes estímulos: doente mental, louco e hospital psiquiátrico. Os resultados foram analisados através do programa Tri-deux-mots. Os dados mostraram que os termos "doente mental" e "louco" ainda são associados a representações negativas, sendo considerados como diferentes das demais doenças, predominando uma visão de medo e de rechaço. A doença mental encontra-se associada a uma dimensão negativa e estranha, que ameaça e desestabiliza. Em função disso, a exclusão do louco, concretizada pela sua internação em um hospital psiquiátrico, é o resultado de uma "percepção social" difusa, diluída pelas diversas instituições que associam a loucura ao lado negativo da razão.
Palavras-chave: Representação social, Louco, Doente mental, Hospital psiquiátrico.
ABSTRACT
This work had as purpose analyze as the familiar ones of mental sick people represent the insane person, the insanity and the psychiatric hospitals. The research was carried through in a particular psychiatric institution and a public institution (CAPS), both situated in the city of João Pessoa (PB), participating 30 family members of each institution. The Free Test of Association of words was used, with the following stimulations: mental, wild sick person and psychiatric hospital. The results had been analyzed through the Tri-deux-mots program. The data had shown that the terms "mental sick" and "insane person" still are associated with the negative representations, being considered as different of the too much illnesses, predominating a vision of fear and reject. The insanity meets associated to a negative and strange dimension, who threat and loose the balance. In function of this, the exclusion of the insane person, materialized for its internment in a psychiatric hospital, is the result of a "diffuse social perception", diluted for the diverse institutions that associate madness to the negative side of the reason.
Keywords: Social representation, Insane person, Mental sick person, Psychiatric hospital.
Introdução
Ao longo da História, observa-se a prevalência de uma visão estigmatizada dos doentes mentais, levando a uma exclusão social desses indivíduos, fazendo-os viver à margem da sociedade dita "normal". Até hoje, o tratamento se faz sobremaneira pela rotulação, pela supressão dos sintomas à base de medicamentos e pela manutenção dos doentes em uma instituição psiquiátrica asilar.
A atual configuração da saúde mental brasileira preconiza a inclusão do portador de transtorno mental na sociedade, buscando superar o modelo hospitalocêntrico de tratamento e inserir o contexto sociofamiliar e os novos paradigmas de assistência à saúde mental existentes. Desse modo, a família e os profissionais de saúde, assim como a sociedade em geral, são conclamados a aceitar uma forma mais humanizada de conceber a loucura, descobrindo modos de conviver com a diferença, de maneira mais satisfatória e adequada, dissipando os estigmas e os preconceitos em relação à figura do louco.
Entretanto, observa-se que existem sérios entraves sociais, emocionais e/ou culturais, que dificultam a implantação e a aceitação dessa nova política de assistência. Ainda hoje, a representação do doente mental na sociedade é negativa, pois ele é considerado como um ser sem razão/sem juízo, agressivo e, por isso, perigoso e incapaz de viver em sociedade, precisando ser excluído da família e da sociedade e mantido em instituições psiquiátricas (Maciel, S., Maciel, C., Barros, Sá, & Camino, 2008).
A relação da sociedade com o doente mental é categorizada em termos de "normal" versus "desviante anormal". São tecidas representações como louco, bizarro e agressivo, o que gera um comportamento de medo e uma necessidade de separar o doente mental do meio social, excluindo-o. Essas representações certamente influenciam na forma de interagir com o doente mental, na atual sociedade.
Para Melman (2001), a sociedade atual não está preparada para o desafio de acolher e cuidar das pessoas acometidas por transtorno mental grave. Ainda predomina a visão preconceituosa em relação ao fenômeno da doença mental, o que continua propiciando o processo de exclusão e de marginalização social e afetiva dessas pessoas que necessitam de atenção psiquiátrica.
Tendo este pano de fundo, observa-se que a Reforma Psiquiátrica1 encontra-se num processo em evolução, suscitando debates e discussões em toda a sociedade. Diante do novo modelo de assistência preconizado pelos ideais da Reforma Psiquiátrica, a participação da comunidade e da família passou a ser enfatizada nos cuidados com o doente mental. Todavia, há uma preocupação dos profissionais e pesquisadores da área em pensar nas condições de egresso do doente mental, quando ele vai da instituição psiquiátrica para a sociedade e, mais especificamente, para a família. Essa preocupação se concentra justamente em saber como a família vai lidar com a nova responsabilidade, sendo ela também alvo de preconceito e geralmente tendo dificuldades financeiras e emocionais. Maciel, Barros, Silva e Camino (2009) destacam que está ocorrendo um grande choque entre as propostas da Reforma Psiquiátrica e a devolução ou a manutenção do doente mental na família e na sociedade. O doente mental está sendo entregue à família e à sociedade sem que se tenha o devido conhecimento de suas reais necessidades e condições, em termos materiais, psicossociais, de saúde e de qualidade de vida.
Pensar sobre a participação da família no tratamento de pacientes psiquiátricos e na sua reinserção social representa um passo importante. Deve-se considerar que os familiares possuem um papel relevante no processo de transformação do tratamento psiquiátrico que delimita o atual momento da saúde mental. Mas o que ainda se percebe é que muitos familiares apresentam expectativas negativas em relação à possibilidade de melhora de seu familiar doente. Tais expectativas negativas surgem em função de alguns fracassos no tratamento, que levam os familiares a não acreditar na mudança de uma realidade que se mantém insatisfatória por um longo período de tempo (Nóbrega, 2006).
Maciel (2007) complementa esta questão destacando que a família ainda não está preparada para acolher o seu familiar sem recorrer à hospitalização. Esse despreparo se revela através das suas representações, basicamente negativas, acerca da doença mental e pelo seu enfoque do relacionamento familiar, prejudicado pelo medo e pela falta de confiança, percebendo a loucura/doença mental como um fator de sobrecarga, tristeza e sofrimento.
Tendo em vista que a família tem um papel fundamental na ressocialização do doente mental, acolhendo-o e intermediando a transição do hospital para a sociedade, a compreensão das representações sociais dos familiares acerca do louco, do doente mental e do hospital psiquiátrico torna-se importante, por várias razões. Em primeiro lugar, tem o intuito de apreender como estes indivíduos, que são a base do processo de inclusão, estão representando estas questões e aceitando o processo de inclusão social do seu familiar portador de transtorno mental. Além disso, possibilita averiguar em que se assemelham e em que diferem as representações dos familiares de inserções diferentes, em termos de instituição de tratamento (CAPS X Hospital psiquiátrico), acerca dos temas propostos. Finalmente, permite verificar se os familiares se apropriam do discurso médico-psiquiátrico ao conceituar a loucura e a doença mental e em que ancoram as suas crenças e representações ao se posicionarem acerca dos hospitais psiquiátricos.
Representações sociais sobre o louco/doente mental: da convivência na sociedade à institucionalização
Desde os tempos antigos, a história sobre saúde e doença mental sempre foi pautada por diferentes elementos, impregnando as culturas, os valores e as crenças dos povos. Essa diversidade de elementos acaba por refletir as inúmeras formas das sociedades representarem e se comportarem em relação à loucura, tendo essas representações e esses comportamentos ligações intrínsecas com o momento histórico e com a cultura vigente.
As primeiras representações sobre saúde e doença foram mágicas. A doença era vista como resultado de entidades sobrenaturais externas, contra as quais a vítima comum, o ser humano, pouco ou nada podia fazer. No século XVII, a definição da loucura como uma condição que justificava o confinamento no hospital se conformava às exigências para as quais o hospital havia sido criado: para a exclusão dos não aceitos na sociedade. A internação é uma criação institucional própria do século XVII, marcando o momento em que a loucura foi percebida no horizonte social da pobreza, da incapacidade do indivíduo para o trabalho e da impossibilidade de integrar-se no grupo. Nesse momento, analisa Foucault (1972), a loucura começou a inserir-se no contexto dos problemas da cidade. A partir daí, o sentido da loucura foi modificado, deixando de fazer parte da liberdade imaginária, a exemplo de personagens como Rei Lear e Dom Quixote, e passou a ficar reclusa na fortaleza do internato, ligada à razão e às regras da moral.
De acordo com Oliveira (2002), o século XVII marcou um tempo de silêncio e de transformação da loucura. Ao ser agrupado nas instituições com criminosos, vagabundos e libertinos, o louco formou laços imaginários de parentesco que não foram rompidos, permanecendo nas representações sociais e no imaginário coletivo, contribuindo, assim, para o seu processo de exclusão e de estigmatização.
Segundo Foucault (1972), foi nessa época que teve início o que ele chamou de "o grande confinamento dos insanos". Com o declínio do poder da Igreja e da interpretação religiosa, desapareceu a figura do inquisidor e surgiu a figura do alienista, como protetor da sociedade contra o mal, com o seu saber e a sua prescrição de hospitalização dos loucos.
Como afirmam Gonçalves e Sena (2001), o hospital psiquiátrico passou a atuar como instituição destinada ao cuidado de doentes mentais. Este tipo de tratamento tornou-se sinônimo de exclusão e asilamento, distanciando o doente mental, classificado como improdutivo, do segmento ajustado da sociedade. Em função da valorização do conhecimento científico, o fenômeno da loucura passou a pertencer ao campo de estudo da medicina, que a acolheu como doença mental, disponibilizando saberes para a sua cura.
O novo status da loucura, com o surgimento do asilo e a transformação da loucura em doença mental, fundou a prática e o saber psiquiátricos. Transformado em doente mental e em objeto da intervenção médica, o louco podia agora ser isolado da sociedade, pois se seguia uma verdade psiquiátrica e científica. Como esclarece Oliveira (2002), essa verdade prescrevia o isolamento do louco, como tratamento necessário para a cura.
No atual contexto da Reforma Psiquiátrica, resta saber se os doentes mentais continuam sendo vistos como um mal a ser eliminado, excluído da sociedade. Diante disso, evidencia-se a importância do estudo das representações sociais na questão da doença mental, com o intuito de verificar tanto os conhecimentos produzidos pelo saber científico, o saber médico-psiquiátrico, quanto a apreensão desse saber pelo senso comum. O que se procura é determinar quais os discursos científicos e as representações existentes sobre a doença mental, a loucura e o hospital psiquiátrico na sociedade atual.
Este trabalho utiliza como substrato teórico a Teoria das Representações Sociais (Moscovici, 1978) e parte do pressuposto de que as representações sociais sofrem modificações, dependendo dos indivíduos e do contexto social no qual eles estão inseridos. Ao representar os objetos sociais, os atores sociais, constituídos aqui pelos familiares, lançam mão das suas cognições, dos seus afetos, das suas vivências e dos seus pertences, destacando, enfatizando ou eliminando conteúdos científicos acerca da doença mental, da loucura e do hospital psiquiátrico. Dessa forma, criam um "novo saber", o "saber prático" ou "saber do senso comum", que irá servir de molde para as novas relações sociais estabelecidas com esses objetos.
Para Jodelet (1984), o ato de representar é um processo, um ato de pensamento, pelo qual se estabelecem as relações entre sujeito e objeto, mesmo que esse objeto seja mítico ou imaginário. Ao representar, o sujeito emite sua parte subjetiva, sua interpretação, não apenas reproduzindo o objeto, mas construindo-o, deixando emergir parte da autonomia e da criação individual ou coletiva. Jodelet conceitua as representações sociais, dizendo que elas,
enquanto fenômenos, se apresentam de formas diferentes, são imagens que condensam um conjunto de significações; são sistemas de referência que nos permitem interpretar o que acontece com nós e até dar um sentido ao inesperado; são categorias que servem para classificar as circunstâncias, os fenômenos e os indivíduos com que nos relacionamos; são teorias que permitem estabelecer opiniões sobre eles. Quando os entendermos na realidade concreta da nossa vida social, tudo isso formará uma totalidade. (p. 357)
Essencialmente, as representações são fenômenos sociais que, mesmo acessadas a partir do seu conteúdo cognitivo, têm que ser entendidas a partir do seu contexto de produção. Ou seja, a partir das funções simbólicas e ideológicas a que servem e dos meios de comunicação em que circulam.
Segundo Spink (1993), as representações sociais não são meras (re)combinações de conteúdos arcaicos sob pressão das forças do grupo. Elas são também alimentadas pelos produtos da ciência, que circulam publicamente através da mídia e das inúmeras versões populares desses produtos. De modo geral, a elaboração das representações sociais se dá na interface de duas forças monumentais. De um lado, encontram-se os conteúdos que circulam numa dada sociedade e que têm suas origens tanto nas produções culturais atuais e locais, decorrentes do habitus, quanto nos subprodutos da ciência. De outro lado, estão as forças decorrentes do próprio processo de interação social e as pressões para definir a situação, de modo a confirmar e a manter as identidades coletivas.
Assim, nas representações acerca da doença mental/loucura, o imaginário social atuou (permeado por crenças, mitos, provérbios, literatura) desde a Antiguidade até os dias atuais. Pode-se citar Dom Quixote, de Cervantes, e "O Alienista", conto de Machado de Assis, além de muitas outras obras e de provérbios e mitos que povoaram e continuam povoando o imaginário social até os dias atuais, como exemplos de produções culturais que exerceram peso sobre as representações hodiernas acerca da loucura/doença mental. No que se refere à mídia, ela propaga os conteúdos científicos da psiquiatria, mas o faz de maneira seletiva, de forma a atender aos seus ensejos sociais mais amplos. Tanto na mídia escrita quanto na mídia televisionada, pode-se constatar a propagação do doente mental enquanto ser agressivo, improdutivo e excluído.
Refletindo sobre esse conceito, Bonfim e Almeida (1991/1992) destacam que a representação social é uma modalidade particular de conhecimento. Nem todo conhecimento pode ser considerado como representação social, mas somente aquele do senso comum, da vida cotidiana dos indivíduos, que é elaborado socialmente e que funciona no sentido de interpretar, pensar e agir sobre a realidade. É um conhecimento prático, que se opõe ao pensamento científico. Entretanto, no que diz respeito ao contexto de elaboração, assemelha-se tanto ao conhecimento científico, quanto aos mitos, com base em um conteúdo simbólico e prático.
Com base nestas considerações, a doença mental, a loucura e o hospital psiquiátrico (que são os objetos escolhidos para este trabalho) podem ser considerados como representações sociais, uma vez que fazem parte do cotidiano dos indivíduos estudados e de toda a sociedade. Isto faz com que as pessoas elaborem seus conhecimentos com base não só nas teorias científicas existentes, mas também nos conhecimentos práticos e vivenciais, ou seja, do senso comum. Esse processo de elaboração permite que as pessoas extrapolem o plano ideativo, onde foram iniciadas tais representações, e repercutam na prática, no comportamento dos sujeitos sociais em sua interação com os objetos representados.
Abric (1994) sistematiza a questão das finalidades próprias das representações sociais, atribuindo-lhes quatro funções essenciais:
1 - Função de saber: as representações permitem compreender e explicar a realidade através do saber prático do senso comum, permitindo aos atores sociais adquirirem conhecimentos e integrá-los a um quadro assimilável e compreensível para eles, em coerência com seu funcionamento cognitivo e com os valores aos quais aderem. Por outro lado, as representações também facilitam e são condição necessária para a comunicação social, definindo o quadro de referência comum que permite a troca social, a transmissão e a difusão desse saber ingênuo. No que concerne à doença mental, pode-se observar que ela ainda é vista daquela mesma forma que prevaleceu ao longo dos tempos, isto é, como diferente das outras doenças. Desde a Antiguidade, atribui-se a ela um aspecto simbólico de diferença e de negatividade, o que a torna, na linguagem do senso comum, impregnada por termos como louco, perigoso e incapaz;
2 - Função identitária: as representações definem a identidade e permitem a salvaguarda da especificidade dos grupos. Cumprem também a função de situar os indivíduos e os grupos no campo social, permitindo a elaboração de uma identidade social e pessoal gratificante, ou seja, compatível com sistemas de normas e de valores social e historicamente determinados. Por outro lado, a referência às representações como definidoras da identidade de um grupo vai desempenhar um papel importante no controle social exercido pela coletividade sobre cada um de seus membros, no processo de socialização. Daí a necessidade de compreender a doença mental na atualidade sem desvinculá-la do seu contexto sócio-histórico, onde estão as bases ideológicas que sustentam as atuais representações e práticas, uma vez que elas não são produzidas num vácuo social e temporal;
3 - Função de orientação: as representações intervêm diretamente na definição da finalidade da situação, determinando, a priori, os tipos de relação pertinentes para o sujeito, guiando os comportamentos e as práticas. Como destaca Vala (1993), uma vez criada uma representação acerca de um outro, essa representação passa a constituir esse outro e a orientar a interação, de forma a atribuir foros de realidade ao que é representado. Dessa forma, as representações são fatores produtores da realidade, com repercussões tanto na forma como o indivíduo interpreta o que lhe acontece e o que acontece ao seu redor, como nas respostas que encontra para fazer face ao que julga ter acontecido. De tal modo que, uma vez constituída uma representação, o indivíduo procurará criar uma realidade que valide as precisões e explicações dela decorrentes. Discorrendo de modo análogo sobre esta questão, Moscovici (1978) postula que a representação social contribui para a formação de condutas, ou seja, é uma preparação para a ação, tanto por conduzir o comportamento, como por modificar e reconstruir os elementos do meio ambiente em que o comportamento teve lugar;
4 - Função justificatória: as representações permitem justificar, a posteriori, as tomadas de posição e os comportamentos. Mas podem intervir também como avalizadoras das ações, possibilitando aos atores explicar e justificar a diferenciação social. Tal como acontece com os estereótipos, essa justificativa pode visar a discriminação ou a manutenção de uma distância social entre os grupos. Em relação ao doente mental, ele é categorizado em termos de "normal versus desviante anormal", sendo tecidas representações como louco, bizarro e agressivo, o que gera um comportamento de medo e uma necessidade de separar o doente mental do meio social, excluindo-o. Certamente, essas representações influenciam a forma de interagir e a aceitação da Reforma Psiquiátrica, que visa a inclusão social.
Para Moscovici (1978), existem dois processos que podem ser considerados como básicos na formação da representação social: a ancoragem e a objetivação. Respectivamente, esses processos dão conta da maneira como o social transforma um conhecimento em representação e da maneira como essa representação transforma o social. Como destaca Vala (1993), esses dois processos sociocognitivos interessam duplamente à elaboração e ao funcionamento de uma representação social. Em primeiro lugar, mostram que há uma interdependência entre a atividade psicológica e suas condições sociais. Em segundo lugar, encontram-se tão intrinsecamente ligados que não se pode falar de sequenciação e/ou hierarquização dos mesmos nem considerá-los de forma autônoma, fazendo-se isto apenas para fins explicativos.
A objetivação diz respeito à forma como os elementos da representação se organizam e ao percurso através do qual tais elementos adquirem materialidade. Ou seja, tornam concreto o abstrato, transformando-o em uma realidade vista como natural. A objetivação faz com que um esquema conceptual se torne real, com que uma imagem se materialize. Nas palavras de Moscovici (1978), "objetivar é reabsorver um excesso de significações materializando-as (e adotando, assim, certa distância a seu respeito). É também transplantar para o nível de observação o que era apenas inferência ou símbolo" (p. 111).
Para Jodelet (1984), no processo de objetivação, há uma colocação de imagens em noções abstratas, articulando a percepção e o conceito. Esse processo confere uma consistência material às idéias, estabelecendo uma correspondência entre as palavras e as coisas e dando uma estrutura a esquemas conceituais. Em resumo, a objetivação tem a propriedade de tornar concreto o abstrato, de materializar a palavra (o conceito).
Por seu lado, a ancoragem designa, segundo Moscovici (1978), a inserção de uma ciência na hierarquia de valores e nas operações realizadas pela sociedade. Refere-se à função social das representações, através da qual a sociedade converte o objeto social num instrumento de que ela dispõe. Nas palavras do próprio Moscovici, "A ancoragem transforma a ciência em quadro de referência e em rede de significações" (p. 173).
De acordo com Jodelet (1984), esse processo refere-se ao enraizamento social da representação e do seu objeto, permitindo compreender como os elementos representados contribuem para exprimir e construir as relações sociais, levando a transformações nas representações já constituídas. Tais significações não ocorrem ao acaso, mas em confluência com o sistema de valores ao qual adere o grupo. Jodelet destaca que os protótipos que orientam as classificações não possuem apenas propriedades taxonômicas, correspondendo a eles representações de comportamentos esperados, implicando uma atitude para com a pessoa ou o objeto representado. De tal forma que a interação com eles vai acontecer de modo a acabar confirmando as características a eles atribuídas.
Com base nesses pressupostos, busca-se, no presente trabalho, um aprofundamento da questão da doença mental, da loucura e do hospital psiquiátrico, com o intuito de arrecadar dados e subsídios teóricos que permitam examinar como e por que são engendrados novos domínios de saber e novas subjetividades referentes aos temas em questão. Acredita-se que, através da Teoria das Representações Sociais, seja possível apreender, na prática, as questões individuais e sociais envolvidas na produção do pensamento social, de modo a se poder delimitar como o saber científico e o senso comum se articulam, a fim de representar esses objetos sociais e como os atores sociais diferem ao representá-los.
Método
Local do Estudo
Este estudo foi realizado em uma instituição psiquiátrica particular, que atende pelo Sistema Único de Saúde (SUS), para os familiares de pacientes institucionalizados em hospital psiquiátrico; e em uma instituição pública, para os familiares de doentes mentais inseridos no Sistema Substitutivo (CAPS). Ambas as instituições estão situadas na cidade de João Pessoa, na Paraíba.
Participantes
Foram utilizados 30 familiares de pacientes institucionalizados em um hospital psiquiátrico particular, que atende pelo SUS e 30 familiares de pacientes atendidos pelo CAPS, no sistema substitutivo, proveniente da Reforma Psiquiátrica, perfazendo um total de 60 participantes. Os participantes eram de ambos os sexos, oriundos de diversas classes sociais, com nível de escolaridade variado e com idade superior a 18 anos. Foram considerados como integrantes da família todos os indivíduos que convivem no mesmo espaço e que têm uma relação social e interpessoal, configurando os variados "arranjos familiares".
Instrumentos
Utilizou-se o Teste de Associação Livre de palavras, com os seguintes estímulos: doente mental, louco e hospital psiquiátrico.
Procedimento
A aplicação foi feita individualmente, em uma sala de cada instituição, com a autorização dos participantes e a garantia do anonimato. Durante a aplicação, o entrevistador escreveu as respostas dadas pelos familiares, devido ao fato da maioria deles possuir um nível de escolaridade baixo, geralmente o de analfabeto ou de 1º Grau Incompleto. As palavras-estímulo foram lidas para o entrevistado, o qual deveria falar, de imediato, as 5 palavras que viessem à sua mente ao ouví-las. No início da sessão, o entrevistador fazia uma explanação dos objetivos da pesquisa e do teste empregado. Após esta explicação, falava acerca do tempo para cada estímulo e só então lia as palavras indutoras, uma a uma, dando o tempo necessário para que o entrevistado associasse as cinco palavras solicitadas. O tempo médio foi de 1 minuto para cada palavra-estímulo. Na análise dos dados, só foram considerados os testes que tiveram no mínimo 4 respostas para cada palavra.
Análise dos dados
Para a análise dos dados, utilizou-se o programa estatístico Tri-deux-mots. É um software que realiza uma análise fatorial de correspondência, sendo indicado para a avaliação de questões abertas, fechadas ou de associação de palavras. O Tri-deux-mots representa graficamente as variações semânticas na organização do campo espacial, revelando aproximações e oposições das modalidades na construção dos fatores analisados, através da Análise Fatorial de Correspondência (AFC).
Resultados e Discussão
Os dados representados na Figura 1 referem-se aos resultados do Tri-deux-mots e aos estímulos doente mental (Estímulo 1), louco (Estímulo 2) e hospital psiquiátrico (Estímulo 3). A partir do processamento do banco de dados, obteve-se um somatório igual a 799 palavras evocadas pelo conjunto de participantes (n = 60). Desse somatório, 92 palavras foram diferentes, representando as idiossincrasias dos atores sociais em relação aos estímulos indutores.
No primeiro fator (F1), representado pelo sublinhado, na linha horizontal, concentram-se as representações de valor estatístico mais significativo, explicando 43,4% da variância total das respostas. Enquanto isso, o segundo fator (F2), na linha vertical em itálico, representa 23,1% da variância total das respostas. A soma das variâncias perfaz um total de 66,5%, donde se poder afirmar que estatisticamente os dados são significativos, ou seja, satisfatórios para a interpretação dos resultados.
A Figura 1 mostra também a oposição entre as representações dos familiares de Ensino Médio e de Analfabeto/Ensino Fundamental, além da oposição entre os familiares de CAPS e de Hospital Psiquiátrico. Os familiares de hospital psiquiátrico/idade 20-40 anos encontram-se representados no quadrante inferior esquerdo. O doente mental (Estímulo 1) teve representações mescladas de conteúdos positivos e negativos. Foi associado a questões negativas, tais como "tristeza", "alteração de comportamento" e "depressão", com os participantes ancorando suas representações em conceitos médicos, em seu repertório cultural e em suas vivências. Os familiares dos hospitais psiquiátricos relataram as palavras "alucinação" e "delírio", que são termos científicos utilizados pela psiquiatria. A escolha destes termos demonstra a preocupação das famílias com os sintomas manifestos dos doentes mentais, os quais geram alterações comportamentais que necessitam de dedicação e cuidados especiais por parte da família, de medicação e da própria hospitalização.
Corroborando esses resultados, Barros (1994) afirma que a imagem do doente mental vem frequentemente associada a comportamentos violentos e agressivos. Além disso, os estereótipos de periculosidade e de incompreensibilidade do doente mental impedem que a situação de sofrimento seja superada.
Para Camino (1996), o ser humano está sempre envolvido com as atividades de categorizar, separar e rotular, como uma tentativa de organizar a realidade. Com isso, ele reduz a complexidade do mundo externo, agrupando os estímulos sociais de acordo com as similaridades e com os antagonismos percebidos. Ao classificar, cria categorias e seus protótipos, a fim de agrupar diferentes estímulos. Entretanto, a classificação/rotulação é um processo perigoso, pois leva à generalização e ao pré-julgamento, induzindo à formação de estereótipos. Os estereótipos são generalizações sobre pessoas, baseadas no fato delas pertencerem a algum grupo ou categoria social, na crença de que todos os membros daquele grupo possuem características ou atributos semelhantes. No caso dos doentes mentais, por exemplo, todos são taxados de desorientados, incapazes e agressivos.
Os familiares de doentes mentais inseridos nos hospitais psiquiátricos também remetem suas representações sobre o doente mental a conteúdos positivos, como "compreensão", "cura", "acolhimento" e "atenção", ancorados mais no adoecer do indivíduo do que na ausência de razão. Tal característica também foi encontrada por Randemark, Jorge e Queiroz (2004), os quais destacaram que os familiares de doentes mentais empregam representações distintas para a loucura e para a doença mental, uma vez que " o louco não tem consciência de sua doença, de estar no mundo" (sinônimo de desrazão), enquanto que o "doente mental reconhece sua doença e submete-se ao tratamento" (sinônimo de doente que requer tratamento) (p. 548).
Com relação ao termo louco (Estímulo 2), os familiares de hospital psiquiátrico o associaram a "problema", "Deus" e "incapaz", apresentando uma visão estereotipada e ancorada no conceito de incapacidade do louco. Estas representações não favorecem a promoção da autonomia e do desenvolvimento das potencialidades dos portadores de transtornos mentais, o que dificulta a reinserção sociofamiliar destes indivíduos.
Quanto ao termo hospital psiquiátrico (Estímulo 3), foi associado a "psicólogo", "acolhimento", "cura", "psiquiatria" e "equipe", mostrando uma visão positiva desta instituição. Esta visão positiva do hospital psiquiátrico, como sinônimo de acolhimento e de cura, pode ser exemplificada através de alguns relatos: "a gente sente um alívio, fica mais despreocupada porque ele está aqui e está sendo bem tratado"; "o hospital é muito bom porque tira ele da sociedade para não causar tanto mal, não cometer crime algum". Este resultado vem corroborar outras pesquisas da área, com familiares de doentes mentais internados em instituições psiquiátricas, a exemplo daquela realizada por Maciel, S. et al. (2008) e da efetuada por Lima Jr. e Velôso (2007). Tais pesquisas evidenciaram representações positivas do hospital psiquiátrico, ancoradas no fato de que o hospital trata e cuida do doente mental e que a presença do doente em casa gera uma tensão e um clima de medo, compartilhado pelos familiares, legitimando a hospitalização.
Tais representações reforçam a ideia de que o doente mental precisa ser afastado da sociedade e mantido sob o amparo de quem sabe cuidar e de quem tem responsabilidade, "os especialistas", retirando do doente a sua capacidade de se tratar e de exercer a sua cidadania. Em suma, evidenciam duas das funções das representações sociais, destacadas por Abric (1994): a função de orientação de condutas, que guia os comportamentos e as práticas, e a função justificatória, que justifica as tomadas de posição e os comportamentos efetivados (no caso específico, a manutenção do doente mental no sistema asilar, sob a tutela da Psiquiatria). A partir de representações desse tipo, cria-se uma lógica, que pode ser expressa por cuidar/tratar/hospitalizar, o que termina por sustentar o sistema asilar e de tutela do doente mental.
Esse tipo de atitude permanece hoje em dia, apesar das orientações expressas na nova política de Saúde Mental e seus programas, que envolvem uma mudança nas práticas familiares. De acordo com essas recomendações, ao invés de colocarem os doentes no hospital, "para obterem sossego", os familiares devem passar a "cuidar deles como membros plenos da família". Mas Tsu (1993) destaca que os familiares não estão aceitando o fechamento das instituições psiquiátricas, nem recebendo com tranquilidade a transferência de função, porque a família não se encontra em condições de cuidar do paciente, por questões financeiras e emocionais. A este respeito, Mastazo e Kirschbaum (2003) empreenderam um estudo acerca da hospitalização, do impacto da doença mental na família e dos problemas ocasionados com a alta do paciente. Os resultados apontaram para dificuldades pessoais, socioeconômicas e de relacionamento familiar. No que se refere às alternativas para a solução das dificuldades de lidar com o doente mental, recomendaram a permanência ou o retorno do paciente para o hospital e o seu afastamento do meio familiar.
No que se refere aos familiares de CAPS, pode-se notar que possuem uma visão mais positiva do doente mental (Estímulo 1), representando-o como "filho" e "bom". Já o termo louco (Estímulo 2), foi associado a: "família", "hospital", "medo", "internação" e "remédio". Observa-se uma representação mais negativa do louco, destacando-se o medo do louco e o tratamento baseado no remédio e na internação. Percebe-se que, neste caso, as representações do doente mental e do louco são divergentes, havendo uma diferenciação clara entre o doente mental, que é visto como filho e bom, e o louco, que é relatado como aquele que causa medo e está hospitalizado.
Barros (1994) esclarece que, historicamente, os "insensatos" foram impedidos de participar da vida social e de exercer sua cidadania, por vincular-se à periculosidade e à improdutividade. Ainda hoje, vê-se que esses pressupostos estão relacionados ao doente mental, impedindo a sua inclusão social e a efetivação da Reforma Psiquiátrica. Essas representações se assemelham às representações acerca do louco/doente mental do século XVII, quando houve o grande enclausuramento, que libertou os demais detentos e manteve enclausurados os loucos e os criminosos. Os criminosos permaneceram presos por serem considerados como merecedores de prisão/punição, por terem transgredido as leis e por serem considerados racionais e responsáveis pelos seus atos. Os loucos permaneceram presos porque foram considerados como desprovidos de razão, isentos de responsabilidade (estatuto de menor), dignos de assistência e de tutela, passando o psiquiatra a ser o seu tutor.
Com relação ao hospital psiquiátrico (Estímulo 3), os familiares de CAPS fizeram associações como "doido", "enfermo", "angústia" e "sofrimento", mostrando uma visão negativa que difere daquela apresentada pelos familiares de hospital psiquiátrico. Esta percepção negativa pode ser exemplificada por alguns relatos, como "precisa melhorar o tratamento" e "precisava ter mais médicos". Resultado semelhante foi encontrado no estudo realizado por Randemark et al. (2004). Os autores observaram que os familiares que têm parentes que usam outros tipos de serviço psiquiátrico, que não o hospital, percebem essa realidade como distante, afirmando que seus parentes têm condições de viver junto à família e que são muito diferentes daqueles que ainda estão presos às instituições psiquiátricas. Os familiares representaram o manicômio como uma instituição negativa e de exclusão, uma vez que abriga pessoas à margem da sociedade, como loucos, aposentados, velhos, aleijados, desempregados e criminosos.
No que concerne ao nível de escolaridade, os resultados da presente pesquisa mostraram que os familiares com nível de escolaridade mais elevado possuem representações vinculadas à questão social, trazendo termos como "exclusão" e "social". Por seu lado, os familiares com nível de escolaridade mais baixo (Analfabeto/Ensino Fundamental) têm representações mais próximas dos familiares de hospital psiquiátrico, associando o termo doente mental (Estímulo 1) a "remédio", "sem noção", "incurável", "desequilíbrio" e "agressão". O termo louco (Estímulo 2) foi associado, por este grupo, a "sem raciocínio" e "doente mental". O hospital psiquiátrico (Estímulo 3) foi associado a "crise", "louco", "médico", "internação", "doente mental" e "depressão".
Pode-se afirmar que, de maneira geral, a qualidade dos conhecimentos sobre a doença mental melhorou, mas a imagem do doente mental é cada vez mais associada à ideia de periculosidade e a uma tendência crescente de evitar o contato com ele. A esse respeito, Jodelet (2005) afirma que as tentativas de reinserção social dos pacientes "desinstitucionalizados" revelam que as comunidades manifestam grande resistência quando eles são numerosos. Essa afirmação foi apoiada em uma pesquisa que ela realizou nos anos de 1970, em uma comunidade rural chamada Ainay-le-Château, na França, a qual integrou mil doentes em quinhentas famílias, em um sistema de colônia familiar que teve início na Europa no final do século XIX. Em sua pesquisa, Jodelet observou que havia um duplo mecanismo de inclusão/exclusão; na realidade, havia um mal-estar diante dos doentes mentais e um interesse econômico na sua aceitação. Por existir uma dicotomia formal e estável fundando a separação entre "civis" e "não civis" e por estarem ligados a um hospital psiquiátrico, eles não eram considerados como os demais, cidadãos de plenos direitos, implicando um status de "não civil", restrições e funções específicas e forjando o tipo ideal de sua participação e de sua imagem enquanto atores sociais. O que indica claramente que o fato de ser doente mental faz a diferença, uma vez que a doença mental é considerada como diferente das demais e o indivíduo é tido como alguém que não está apenas doente, mas que é doente, sendo demarcado não pelo "ter", mas pelo "ser". Neste caso, a qualidade se faz estado, caracterizando uma incurabilidade e uma estruturação rígida da personalidade.
Para Jodelet (2005), tais construções linguísticas refletem um fenômeno de "naturalização", próprio das representações sociais. Significa uma tendência do pensamento natural para coisificar as noções, fazendo da patologia uma entidade concreta, materialmente presente no corpo e nos seus sintomas. No entender de Melman (2001), isso é fruto do imaginário social, em que predomina uma visão de medo e de rechaço frente a qualquer experiência humana que se afaste dos padrões de racionalidade e de normalidade hegemônicos. Ao longo dos tempos, a loucura ou doença mental, como passou a ser definida a partir do século XVIII, foi associada a uma dimensão negativa e estranha, que ameaça e desestabiliza. De modo que a exclusão do louco é o resultado de uma "percepção social" difusa, diluída pelas diversas instituições que associam a loucura ao lado negativo da razão.
Assim, fica claro que os familiares ainda não assimilaram o novo discurso da Saúde Mental com ênfase na família e na sociedade, tendo dificuldade em aceitar a Reforma Psiquiátrica. Essa dificuldade transparece no discurso dos familiares, quando relatam o impacto da doença mental na família como sobrecarga, tristeza e sofrimento. Refletindo sobre esta questão, Gonçalves e Sena (2001) afirmam que a desospitalização é duplamente perversa, porque atinge o doente mental e a família, principalmente as mulheres, que geralmente são as cuidadoras. Nessa situação, todos são fragilizados pela condição de não aceitos socialmente e pelos revezes que a realidade lhes impõe. Devido a essas questões, Gonçalves e Sena (2001) destacam que não é mais aceitável reduzir a Reforma Psiquiátrica ao fechamento dos hospitais e à devolução dos doentes às famílias, como se estas fossem, indistintamente, capazes de resolver a problemática da vida cotidiana sem levar em conta as dificuldades geradas pela convivência, pela manutenção e pelo cuidado com o doente mental.
Considerações finais
De acordo com os resultados obtidos, pode-se concluir que, de maneira geral, os familiares de doentes mentais ainda percebem o louco, a doença mental e os hospitais psiquiátricos negativamente, com representações que reforçam a exclusão e a manutenção do estigma social. Apesar da qualidade dos conhecimentos sobre a doença mental ter melhorado, a imagem do doente mental e do louco ainda é associada às ideias de medo e de periculosidade, levando a uma tendência crescente de evitar o contato com eles. Percebe-se que o fato de ser doente mental faz diferença, uma vez que a doença mental é considerada como diferente das demais e o indivíduo acometido é visto como alguém que não está apenas doente, mas que é doente.
Diante do fato de que as representações sociais são mutáveis e distintas, de acordo com o contexto social, torna-se imprescindível a realização de mais trabalhos na comunidade em geral e na família, com o intuito de auxiliar a sociedade na compreensão da dinâmica social e dos meandros que envolvem a questão da saúde mental. É preciso tornar as representações sobre o doente mental e o louco menos estigmatizantes e mais realistas. Somente dessa maneira poderão ser almejadas mudanças que gerem atitudes mais inclusivas e favoreçam a reabilitação psicossocial do doente mental\louco na família e na sociedade, como um cidadão de fato e de direito.
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Endereço para correspondência:
Silvana Carneiro Maciel
R. Vereador Gumercindo B. Dunda, 378/1401- Bessa
João Pessoa (PB). CEP 58036-850
Telefone: (83) 3246-4781/ 8807-4781
Email: silcamaciel@ig.com.br
Enviado em Dezembro de 2010
Aceite em Abril de 2011
Publicado em Julho de 2011
Sobre os autores:
Silvana Carneiro Maciel - Doutora em Psicologia Social (UFPB/UFRN). Professora do Departamento de Psicologia da UFPB.
Daniela Ribeiro Barros - Mestre em Psicologia Social (UFPB).
Leoncio F. Camino - Professor Doutor da UFPB. Coordenador do Grupo de Pesquisa em Comportamento Político (GPCP).
Juliana Rízia Félix de Melo - Graduada em Psicologia (UFPB).
1 No Brasil, a Reforma Psiquiátrica teve início na década de 70, mas seu suporte legal ocorreu apenas nos anos 90.