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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.19 no.1 Ribeirão Preto jun. 2011

 

TERCEIRA PARTE: 20 ANOS DO LABORATÓRIO DE PSICOLOGIA SOCIAL DA COMUNICAÇÃO E COGNIÇÃO SOCIAL - LACCOS - UFSC

 

Representações sociais do envelhecimento e da sexualidade para pessoas com mais de 50 anos

 

Social representations of aging and sexuality for people over 50 years

 

 

Felipe BiasusI; Aline DemantovaII; Brigido Vizeu CamargoIII

IUniversidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - RS, Brasil
IIUniversidade Federal de Santa Catarina - SC, Brasil
IIIUniversidade Federal de Santa Catarina - SC, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi descrever as representações sociais do envelhecimento e da sexualidade de pessoas com mais de 50 anos e verificar se elas estabelecem relações entre esses dois objetos. Participaram dessa pesquisa 80 pessoas, sendo 40 homens e 40 mulheres residentes em Florianópolis-SC e Erechim-RS, com idade entre 50 e 70 anos. Os dados foram coletados através de observação indireta utilizando-se técnicas de entrevista episódicas associadas à técnica não diretiva, além de um questionário contendo questões acerca do comportamento sexual dos participantes e itens de caracterização pessoal. Para a análise dos dados de caracterização, foi utilizado o programa estatístico SPSS e, para os textuais, o software ALCESTE. Os resultados indicaram que os participantes concebem as representações sociais dos objetos pesquisados de formas distintas, porém pode-se afirmar que a sexualidade é um fator importante para o envelhecimento, influenciando nos comportamentos desse grupo etário. Foi verificado que há uma compreensão diferente da sexualidade considerando-se a variável sexo. O presente trabalho poderá ser útil no desenvolvimento de campanhas para a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis para esta faixa etária.

Palavras-chave: Representação social, Envelhecimento, Sexualidade.


ABSTRACT

The aim of this study was to describe the social representations of aging and sexuality in people over 50 years and to check if they establish relations between these two objects. 80 people participated in this study, 40 men and 40 women living in Florianópolis-SC and Erechim-SC, aged between 50 and 70 years. Data were collected through indirect observation employing episodic interview techniques associated with non-directive procedures, as well as a questionnaire containing questions about the sexual behavior of participants and personal characterization items. For the analysis of characterization data was used SPSS and for textual data the software Alceste. The results indicated that participants perceive the social representations of the objects surveyed in different ways, but we can affirm that sexuality is an important factor in aging, influencing the behaviors of this age group. It was verified that there is a different understanding of sexuality, considering the gender variable. This work may be useful in developing campaigns for the prevention of sexually transmitted diseases for this age group.

Keywords: Social representation, Aging, Sexuality.


 

 

Introdução

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD-2006) apontou que o número de pessoas com mais de 60 anos chegou aos 19 milhões, correspondendo a 10,2% do total da população. Neste universo, as mulheres correspondem a pouco mais da metade (56%) (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2007). A região Sul concentra a segunda maior participação de idosos de 60 anos ou mais na contagem nacional, apresentando 10,4% do total de idosos. O aumento da expectativa de vida somado à diminuição da natalidade implicou o aumento na percentagem de população com mais de 65 anos no mundo e particularmente no Brasil, modificando a estrutura etária da população (Borges, 2003; Freitas, Maruyama, Ferreira, & Motta, 2002; Valverde Silva, Martins, Bachion, & Nakatani, 2006; Andrade, 2003).

Diferentemente do que em países desenvolvidos, a sociedade brasileira vivencia o processo de envelhecimento de maneira brusca. Esse fenômeno coincide com a crise dos Estados, com o agravamento dos problemas sociais e da situação de grandes estados (Araújo & Alves, 2000; Borges, 2003; Siqueira & Moi, 2003).

É reconhecido que envelhecer é um fato natural e universal, mas a classificação do processo em categorias específicas depende de fatores históricos, econômicos, sociais, de políticas e ideologias, assim como dos aspectos simbólicos e culturais com seus valores, crenças, tradições. Esses fatores proporcionam uma variabilidade nas formas de conceber e criar modelos de vida para o envelhecimento (Carvalho Neto, 2000; Lopes, 2003).

Neri (2001a) observa que o envelhecimento pensado em termos biológicos compreende uma série de processos que acarretam a transformação do organismo, sobretudo após a maturação sexual, e tem como consequência a diminuição gradual da probabilidade de sobrevivência. Tais processos são de natureza interacional, iniciam-se em diferentes épocas e ritmos e acarretam resultados distintos para as diversas partes e funções do organismo. Na perspectiva do desenvolvimento life-span, o envelhecimento é uma experiência heterogênea, isto é, pode ocorrer de modo diferente para indivíduos e coortes que vivem em contextos históricos diferentes. Dessa forma, pode-se dizer que existem diferentes padrões de envelhecimento, raramente observáveis em estado puro (Baltes, 1987; Neri, 2001a).

Conforme Neri (2001b), o termo velhice designa a última fase do ciclo vital que é delimitada por eventos de natureza múltipla, incluindo, por exemplo, perdas psicomotoras, afastamento social, entre outras mudanças. Na medida em que a longevidade se alonga, a velhice passa a comportar subdivisões que atendem a necessidades taxonômicas da ciência e da vida social, conforme se observa atualmente as terminologias como velhice inicial, velhice e velhice avançada.

A idade que marca o início da fase da velhice é 60 e 65 anos, para países em desenvolvimento e desenvolvidos, respectivamente. Fericgla (1992) observou que, em nossa sociedade, o conceito de velhice tem relação direta com a idade cronológica. Moreira (1996) afirma ainda que a idade cronológica deixa suas marcas, mas a sociedade também exerce pressão sobre as pessoas e, mais do que isso, cada meio social tem sua própria definição de envelhecimento e velhice.

Siqueira, Botelho e Coelho (2002) revisaram 19 obras a partir da década de 1970 e traçaram quatro perspectivas a partir das quais a velhice é estudada, e muitas vezes, percebida socialmente. A primeira, denominada de biológico-comportamentalista, dá ênfase à decrepitude física, onde figuram também mudanças no perfil da população e aos modos como as políticas públicas deveriam reagir, de modo que o envelhecimento é visto como um problema do Estado. A segunda, chamada de economicista, é uma visão característica de cientistas sociais, voltada para o lugar do idoso na estrutura social produtiva e, sobretudo, para análises sobre a ruptura com o mundo produtivo; nesta perspectiva, velhice é igual à aposentadoria. A terceira perspectiva, denominada de sócio-cultural, enfatiza a velhice como construção histórico-cultural-social de modo que a sociedade atribui funções preferenciais a cada idade na divisão social do trabalho e na família. Por último, na perspectiva chamada de transdisciplinar, considera-se a velhice como fenômeno natural e social que apresenta dificuldades biológicas, econômicas e socioculturais, apresentando-se como um processo singular de cada indivíduo.

Neri (2003) investigando atitudes e crenças sobre a velhice em de textos de jornal publicados entre 1995 e 2002 identificou duas formas com que o jornal trata o assunto velhice. A primeira pensa a velhice como uma questão médico-social, que merece tratamento científico e político, adequados com sua importância, para o bem-estar da sociedade e dos idosos. A segunda considera a velhice como questão existencial e cultural e por sua vez, merece tratamento literário, artístico e social compatível com a necessidade das pessoas e grupos lhe atribuírem significado social e individual. Em ambas, a boa velhice é identificada com boa saúde, autocuidado, estilo de vida saudável, produtividade, satisfação, otimismo e jovialidade, sendo que longevidade boa é aquela que não põe em risco o bem-estar do idoso, dos familiares e nem desestabiliza as finanças da sociedade.

Ainda na perspectiva da percepção da velhice, verifica-se que esta fase do ciclo vital é percebida também pelo próprio idoso como uma fase de declínio associada às perdas físicas e sociais e por vezes relacionada ao binômio "saúde/doença". Por outro lado, há estudos que descrevem a velhice não apenas como uma fase de experiências negativas, apontando a longevidade, a experiência adquirida, a vivência com saúde e autonomia, como fatores importantes na percepção da velhice (Silva & Günther, 2000; Valverde Silva et al., 2006).

Outros estudos que abordam a velhice integram questões relacionadas à saúde e à doença e suas repercussões. O estudo de Xavier, Ferraz, Marc, Escosteguy e Mariguchi (2003), realizado em Veranópolis/RS com octogenários, destaca que a saúde é uma questão determinante na qualidade de vida negativa, porém é insuficiente para determinar a qualidade de vida positiva, que tem como fatores determinantes a atividade, renda, vida social e relação com a família.

Os estudos de percepção da velhice e do envelhecimento são importantes, pois permitem identificar a compreensão que as pessoas têm sobre o processo de envelhecimento e a própria velhice. É neste sentido que se recorre à Teoria das Representações Sociais, pois se acredita que ela possibilita a compreensão desta forma específica de conhecimento do mundo, na qual os grupos constroem e compartilham um conjunto de conhecimentos, conceitos e explicações sobre determinado fato ou tema, durante as conversações interpessoais que estabelecem no cotidiano (Moscovici, 1978, 1981). Esta teoria se ocupa em estudar o que a literatura científica denomina de teorias do senso comum ou pensamento ingênuo (Jodelet, 2001). Falar em representações sociais como forma de conhecimento, como teorias do senso comum, implica reconhecer a especificidade de diferentes modalidades de conhecimento: científico, religioso, mágico, ideológico etc. Moscovici interessou-se em como uma modalidade de conhecimento se transforma em outra: o conhecimento científico em senso comum e vice-versa e, sobretudo, na forma pela qual o conhecimento científico adentra o cotidiano dos indivíduos e grupos (Jodelet, 1985; Moscovici, 1978, 1981; Vala, 1996).

A pesquisa de Veloz, Nascimento-Schulze e Camargo (1999), realizada em Florianópolis - SC, sobre a representação social do envelhecimento com pessoas residentes naquela cidade, indicou a existência de três tipos de representação social do envelhecimento: a) uma representação doméstica e feminina onde a perda dos laços familiares é central; b) outra tipicamente masculina apoiada na noção de atividade, caracterizando o envelhecimento como perda do ritmo de trabalho; c) e a terceira mais utilitarista, apresenta o envelhecimento como desgaste da máquina humana.

O trabalho de Areosa (2004), realizado em Santa Cruz do Sul/RS, aponta para a representação social da velhice associada a uma imagem positiva, vista como processo natural. O entendimento sobre o que é ser idoso perpassa por questões de atividade e estilo de vida, de maneira que, enquanto eles realizarem atividades individuais ou sociais, podem levar uma vida como qualquer outra pessoa, mesmo considerando suas limitações físicas oriundas do processo natural de envelhecimento. Esses achados são semelhante aos achados reportados por Magnabosco-Martins, Camargo e Biasus (2009).

Outras pesquisas investigaram a percepção, ou ainda a representação social de velhice, com diferentes tipos de participantes, desde idosos que frequentam grupos de convivência até aqueles, residentes em instituições de longa permanência ou (asilos) (Fernandes de Araújo, Coutinho, & Carvalho, 2005; Fernandes de Araújo, Coutinho, & Saldanha 2005; Fernandes de Araújo, Coutinho, & Souza Santos, 2006); com profissionais da área da saúde, como é o caso da pesquisa de Wachelke (2007); com idosos do meio rural no estudo de Souza Santos e Belo (2000); ou ainda comparando as representações sociais de velhice e idoso para adolescentes, adultos e idosos (Magnabosco-Martins et al., 2009). Os resultados destacaram o efeito do contexto na ideia e na representação que se faz da velhice, do idoso e do envelhecimento que variam desde aspectos negativos associados à velhice a aspectos positivos e valorizados para o envelhecimento e a velhice saudável.

Pesquisas como as de Andrade (2003), Teixeira, Nascimento-Schulze e Camargo (2002) e Freire Jr. e Tavares (2005) abordaram a temática das representações sociais de saúde na velhice e apontam para fatores como aparência física, autonomia, estilo de vida, bem-estar mental, acesso aos serviços de saúde, aspectos econômicos e sociais, presentes nas ideias e representações de saúde na velhice.

Vivenciar a velhice é conviver com modificações corporais como: o aparecimento de rugas, os cabelos brancos, a diminuição da elasticidade da pele, a perda dos dentes, as modificações no esqueleto que por sua vez implicam problemas musculares e encurtamento postural, os problemas de circulação, a desaceleração do metabolismo e dos impulsos nervosos que alteram os sentidos do idoso; enfim, as modificações físicas e fisiológicas do envelhecimento (Beauvoir, 1990; Bee, 1997; Bortolanza, Krhal, & Biasus, 2005; Zimerman, 2000). Os resultados dessas modificações corporais podem influenciar a imagem corporal, a qual exerce influência sobre o interesse sexual, principalmente nas mulheres que percebem as modificações (cabelos brancos, rugas) como perda da feminilidade (Kingsberg, 2000).

Em relação à sexualidade na velhice, observa-se uma série de ideias vinculadas a aspectos biológicos. No caso da mulher, o estereótipo da menopausa como assexualidade persiste, ainda que seja reconhecido como um mito (Catusso, 2005). É reconhecido que a maioria das mudanças na sexualidade da mulher, como por exemplo, a diminuição da lubrificação vaginal, está relacionada à diminuição de hormônios femininos, especialmente estrógeno e progesterona. No homem, sabe-se que o aparelho sexual masculino vai passando por fenômenos involutivos que se iniciam por volta dos trinta anos, verificando-se uma progressiva redução da espermatogênese, a irrigação dos testículos não apresenta o mesmo vigor. Outras mudanças referem-se à resposta genital, como é o caso da ereção. Esta se apresenta com um atraso se comparada com a típica rapidez juvenil, podendo ser menos completa e eficiente (Butler & Lewis, 1985; Capodieci, 2000; Gelfand, 2000; Kingsberg, 2000).

Outra abordagem da sexualidade na velhice aparece nos estudos do significado e da importância atribuída à sexualidade (Clarke, 2006; Flor & Nascimento-Schulze, 2002; Floyd & Weiss, 2001; Gott & Hinchliff, 2003). Eles demonstram que para mulheres idosas recasadas, a sexualidade não é uma prioridade, já a companhia e o carinho são aspectos fundamentais. Verifica-se que a vivência da sexualidade feminina na velhice é marcada por perdas e pela repressão do desejo devido a mágoas, culpa, viuvez e separação. A importância da sexualidade está associada positivamente à existência de parceiro sexual, e negativamente à experiência de barreiras para a sexualidade como problemas de saúde. Além disso, na velhice existem diferenças de gênero para este tema, sendo que o homem apresenta-se mais ativo sexualmente do que as mulheres.

No estudo da sexualidade na velhice, destacam-se também aquelas pesquisas que investigam os aspectos bio-psicos-sociais (Catusso, 2005; DeLamater & Sill, 2005; Dello Buono et al.,1998; Papaharitou et al., 2007; Umidi, Pini, Ferretti, Vergani, & Annoni, 2007). Os fatores associados ao aumento ou manutenção do desejo na velhice são: a) estar casado ou ter um parceiro fixo; b) nível de escolaridade; c) boa qualidade de vida; d) idade, sendo quanto menor a idade do idoso maior o desejo. Já entre os fatores de diminuição destacam-se: a) presença de doenças; b) falta de parceiro sexual; c) família, principalmente quando o idoso reside com familiares; d) problemas físicos; e) medo do abuso financeiro, principalmente para as mulheres. A importância atribuída ao sexo é um fator importante que pode influenciar tanto a manutenção, como a diminuição do desejo e vivência da sexualidade.

Vasconcellos et al. (2004) realizaram uma pesquisa com o objetivo de caracterizar conhecimentos, atitudes e práticas sobre a vivência da sexualidade com pessoas acima dos 50 anos. Constataram que 20% das mulheres e 46 % dos homens têm relações pelo menos uma vez na semana, porém, a grande maioria gostaria de ter mais, enfatizando que a idade não modifica os sentimentos nem a intensidade das sensações. Mesmo esses dados mostrando que a sexualidade é importante para essa faixa etária, a maioria dos médicos evita investigar a sexualidade dos pacientes de mais de 50 anos (Gott, Hinchliff, & Galena, 2004).

Diante do exposto, acredita-se que a presente pesquisa possua uma grande relevância científica, sobretudo a parte referente à representação social da sexualidade para pessoas com mais de 50 anos, haja vista que a sexualidade nessa fase ainda é encarada como tabu, aumentando a vulnerabilidade desse grupo em se infectar com DSTs. Os resultados desse estudo poderão possibilitar na elaboração de estratégias de prevenção de DSTs para essa faixa etária, favorecendo o exercício saudável da sexualidade nessa idade. Assim sendo, diante do panorama da representação social da velhice e do envelhecimento e das diferentes abordagens de estudo da sexualidade na velhice, os objetivos dessa pesquisa foram descrever as representações sociais do envelhecimento e da sexualidade e examinar possíveis relações entre ambos os assuntos representados pelos participantes.

 

Método

Participantes

A amostra foi composta por 80 pessoas sendo 40 homens (20 em Erechim e 20 em Florianópolis) e 40 mulheres, metade em cada cidade. Os participantes apresentavam mais de 50 anos e estavam vinculados a núcleos de estudos de terceira idade de instituições de ensino superior (participantes, funcionários, professores).

Foram selecionadas intencionalmente duas cidades da região sul do Brasil, sendo uma capital e uma cidade do interior (Erechim-RS e Florianópolis-SC). As cidades foram escolhidas por critério comparativo que permitisse descrever o fenômeno estudado em contextos com grau de urbanização diferentes. Na distribuição populacional relativa, as pessoas com mais de 50 anos representam 15,4 % em Erechim e 14% em Florianópolis (IBGE, 2007). O pareamento dos participantes foi uma preocupação constante durante a coleta de dados, para o controle de variáveis como sexo, idade e escolaridade. Foi encontrada dificuldade no pareamento da variável escolaridade. A combinação da variável idade com a variável escolaridade tornou complexo o controle. Procurou-se o maior rigor possível, entretanto, houve diferença na média de idade de seis anos, sendo que os participantes de Erechim apresentaram menos idade em relação aos participantes de Florianópolis. Esta diferença é importante ser considerada, sobretudo, no momento em que se analisa a frequência de relações sexuais.

Instrumentos

A coleta de dados foi realizada com a utilização de entrevista e um questionário com questões de caracterização dos participantes. Foi utilizada a técnica de entrevista não-diretiva juntamente com a entrevista episódica. Na técnica não-diretiva, o entrevistador propõe um tema e apenas intervém para insistir ou encorajar o entrevistado, o que permite conduzir uma investigação sem que se conheça previamente o nível de informação dos entrevistados sobre o problema (Ghiglione & Matalon, 1992).

Por sua vez, a entrevista episódica supõe que "as experiências que um sujeito adquire sobre um determinado domínio estejam armazenadas e sejam lembradas nas formas de conhecimento narrativo-episódico e semântico" (Flick, 2004, p. 117).

O segundo instrumento para coleta de dados refere-se a um questionário, que, nas palavras de Ghiglione e Matalon (1992), corresponde a uma entrevista diretiva. O questionário apresentou duas partes. A primeira referia-se aos dados de caracterização dos participantes (por exemplo: sexo, idade, situação conjugal, situação profissional, cidade onde reside, renda familiar, entre outros). A segunda parte foi composta por questões sobre o comportamento sexual dos participantes (experiência sexual, existência de parceiro, periodicidade das relações sexuais, entre outras). A aplicação deste questionário forneceu os dados, principalmente, para caracterização dos participantes desta pesquisa.

Após a construção dos instrumentos, eles foram submetidos a dez pré-testes, sendo cinco em cada cidade onde foi realizada a coleta de dados, tanto para treinamento dos entrevistadores, quanto para o teste dos instrumentos. Autores sugerem a utilização de pelo menos dez pré-testes antes da aplicação do instrumento, em indivíduos com características similares aos da população em estudo (Barbetta, 2004; Bisquerra, Sarriera, & Martinez, 2004; Pasquali, 1999). A partir dos pré-testes, foi possível detectar as falhas, tais como ambiguidades, questões que dificultam a compreensão. Após os primeiros seis pré-testes, o instrumento foi re-elaborado, chegando-se ao instrumento final.

Procedimentos de coleta dos dados

A coleta de dados ocorreu em três universidades: Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina - CEFET/SC e Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - Campus de Erechim - URI. Primeiramente, foi feito contato com as instituições (UFSC, CEFET e URI), para assinatura dos termos de compromisso e declarações previstas pela Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS 196/96), com vistas à aprovação pelo Comitê Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CONEP). Após contato com as instituições, foi realizada uma primeira visita para familiarização com o ambiente e captação de informações a respeito da dinâmica de realização de pesquisas na instituição. Após esta etapa, foram agendadas datas com os profissionais dos grupos e núcleos de estudo da terceira idade para a realização das entrevistas que foram realizadas em salas reservadas, de acordo com a disponibilidade de cada instituição, na intenção de preservar a privacidade dos participantes.

Procedimentos de análise dos dados

Inicialmente, foi realizada análise dos dados de caracterização e comportamento sexual dos participantes, através de análise estatística descritiva, com auxílio do software SPSS (Statistical Package for the Social Science - Pacote Estatístico para Ciências Sociais). Em um segundo momento, as variáveis: sexo, cidade onde reside, idade, escolaridade, situação profissional, estado civil e religião foram relacionadas aos dados textuais.

As entrevistas foram transcritas e os dados textuais foram tratados individualmente, de acordo com cada tema norteador, e constituíram três corpora de análise. Por corpus entende-se, o universo referencial (um objeto) que interessa ao pesquisador (Camargo & Nascimento-Schulze, 2000). Neste caso, a pesquisa teve três corpora de análise. Essa divisão é importante e necessária, uma vez que a análise realizada pelo software ALCESTE (Analyse Lexicale par Contexte d'un Ensemble de Segments de Texte) é sensível à estruturação do estímulo que produz o material textual (Camargo, 2005), ou seja, ele realiza análise de material monotemático.

 

Resultados

Participaram do estudo 80 pessoas, sendo que média de idade dos participantes foi de 61 anos, com desvio padrão (DP) de 7 anos e 3 meses. Considerando separadamente os habitantes das duas cidades, pode-se perceber que a amostra de Erechim é um pouco mais jovem que a de Florianópolis, sendo a média de idade de 59 anos, com (DP) de 5 anos e meio, sendo que a idade mínima para ser incluído na amostra foi de 50 anos e a máxima atingida em Erechim 75 anos. Por sua vez, os participantes de Florianópolis tiveram como média de idade 65 anos, (DP = 8 anos), sendo a idade mínima também 50 anos e máxima de 81 com inclusão de um participante com esta idade.

Com relação ao número de filhos, 77 participantes informaram ter filhos, sendo que a média é de três filhos por participante (DP = 1,66). Em relação à escolaridade, 47 participantes apresentaram escolaridade superior ao ensino médio e 33 inferior. A maioria dos participantes (56) mencionou estarem ativos no que se refere ao trabalho. Destes, 16 estão aposentados, mas continuam trabalhando. Apenas 23 participantes informaram estar aposentados e não desempenharem atividades remuneradas.

Todos os participantes declararam ter uma religião, sendo que a católica foi predominante. Entretanto, 31 participantes informaram que, apesar de terem religião, não a praticavam. Observou-se que ¾ das mulheres são praticantes de uma religião (30), enquanto apenas menos da metade dos homens faz o mesmo (18 dos 40). Essa relação entre sexo e prática religiosa é estatisticamente significativa [ χ2 (1) = 7,5; p < 0,01)]. Apesar da diferença que evidencia que a mulher pratica mais a sua religião que o homem, esta variável não foi importante a ponto de influenciar as representações do envelhecimento e da sexualidade, conforme análises realizadas com o software ALCESTE, onde a religião foi uma das variáveis de análise.

Metade da amostra relatou não ter nenhuma doença, enquanto que a outra metade afirmou ter problemas de saúde, sendo que a maioria destas eram pessoas com mais de sessenta anos e do sexo feminino. No que se refere à sexualidade, pouco mais da metade dos participantes informou ter o hábito de conversar sobre sexo, sendo que essas conversas acontecem normalmente com amigos, filhos ou com o parceiro. Houve associação significativa entre sexo do participante e o hábito de conversar sobre sexo [χ2 (1) = 8,90, p < 0,005], sendo que as mulheres possuíam mais esse costume do que os homens.

Na coleta de dados, foi perguntado aos participantes a frequência sexual nos últimos doze meses. Apesar dos entrevistadores buscarem uma referência aproximada, 15 participantes não informou (11 eram mulheres). Através de medida de tendência central, observa-se uma moda de quatro relações sexuais mensais, entretanto há uma variação de 0 a 16 relações mensais. Os homens citaram, em média, quatro relações por mês, já as mulheres, um número de relações mensais inferior a três.

Analisou-se ainda a frequência sexual mensal dos participantes por cidade. Os participantes de Erechim, sem distinção de sexo, apresentaram uma média um pouco maior do que quatro relações sexuais por mês. Por sua vez, os participantes de Florianópolis, também sem distinção de sexo, apresentaram uma média um pouco inferior a 3 relações mensais. As respostas dos participantes justificando a frequência de relações sexuais por mês foram agrupadas em 6 categorias, como pode ser observado na Tabela 1.

É importante destacar que 11 mulheres e 4 homens não informaram o número aproximado de relações sexuais nos doze meses anteriores à coleta dos dados, ainda que os entrevistadores tenham buscado tal informação. Por este motivo é que se apresenta um total de 65 participantes na Tabela 1. Apesar de ser considerada uma informação importante, a falta desta não impediu a participação e a inclusão dos dados oriundos da entrevista na análise. Acredita-se que a não informação ou a dificuldade de responder a algumas questões, como esta que estrutura os dados acima, esteja vinculada aos pudores que o objeto de estudo, no caso a sexualidade, despertam, apesar de toda a preocupação e treinamento que os entrevistadores mantiveram para realização da coleta.

A primeira categoria refere-se à existência de problemas de saúde, normalmente os homens que relataram uma frequência mais baixa, relacionavam com problemas de saúde de suas parceiras ou problemas de saúde pessoais. No caso das 3 mulheres que citaram problemas de saúde, estes estavam relacionados com seus cônjuges. A segunda categoria apresenta 11 participantes e retrata a avaliação da atividade sexual destes. Foi relatado que, com o passar do tempo, a quantidade que é característica da juventude, dá lugar à qualidade, assim, apesar de haver uma diminuição no número de relações sexuais mensais, há uma elevação na qualidade dessa relação. A terceira categoria, da qual apenas mulheres participaram, refere-se à falta de parceiro. Na quarta categoria, estão os participantes que justificaram sua frequência sexual em função das mudanças orgânicas ocorridas.

Em relação aos dados da entrevista, estes foram analisados a partir de três corpora de análise. O primeiro corpus refere-se ao que a pessoa pensa sobre o envelhecimento, no momento em que falava sobre a velhice, sobre o envelhecimento e o que faz a pessoa se sentir velha; o segundo corpus descreve a importância do amor na avaliação dos participantes e a relação entre relacionamento amoroso e relação sexual. Este corpus foi analisado de modo comparativo (análise por contraste entre modalidades de uma variável) entre homens e mulheres, não seguindo a classificação hierárquica descendente realizada pelo software ALCESTE - como no primeiro e terceiro corpus. Por fim, o terceiro corpus descreve como, na opinião dos participantes, a sociedade percebe a existência das relações sexuais das pessoas com mais de 50 anos. O primeiro levou à descrição das representações sociais da velhice, já os dois últimos corpora fornecem indicações das representações sociais da sexualidade para pessoas com mais de cinquenta anos que participaram deste estudo.

Representações sociais do envelhecimento

O primeiro corpus analisado corresponde à parte da entrevista que buscou investigar o que os participantes pensavam a respeito da passagem do tempo, do envelhecimento e da velhice. Ele é composto pelas oitenta entrevistas, reconhecidas como UCI pelo ALCESTE. Esse corpus foi composto por 80 UCI, divididas em 1.305 UCE. Estas continham 2.514 palavras analisáveis (indicadoras de sentido) que ocorreram 58.178 vezes, sendo a média de ocorrência de 19 vezes por palavra. A análise hierárquica descendente reteve 81,3% das UCE do corpus (1.061 das 1.305 UCE), organizadas em quatro classes, conforme a Figura 1. Esta contém o nome da classe, o número de UCE que a compõe, a descrição da classe e das palavras de maior associação com a mesma em função do coeficiente de associação χ2. Observa-se no dendograma que o corpus teve uma primeira partição em dois sub-corpus. Ambos foram novamente repartidos dando origem às classes 1 e 4 e a outra repartição que originou as classes 2 e 3.

A classe 1 envolveu a segunda maior parte de UCE do corpus (313 UCE, ou 29,5% das UCE classificadas). A análise de suas variáveis descritivas permite caracterizá-la como uma classe produzida pelos participantes da cidade de Florianópolis, casados, com idade entre 60 e 65 anos, sobretudo mulheres que estão aposentadas e por donas-de-casa. A maior parte dos conteúdos desta classe agrupou-se ao redor de elementos que aludem às recordações da relação dos participantes quando crianças com pessoas mais velhas e também da relação com a família atual, desde a criação dos filhos, da ajuda aos filhos e com o cuidado aos netos, como se pode observar no excerto que segue.

"Ele era um senhor velho, tinha reumatismo, eu ia à casa deles ajudar a passar unguento nas pernas e nos ombros para tirar a dor e minha avó, ali, toda vida cuidando dele, era uma velhinha de cabelo branco" (UCE 729).

Outro elemento pertencente a essa classe, refere-se aos cuidados com a aparência, evidenciada na UCE a seguir.

"Olhe-se no espelho, passe creme, penteie seu cabelo, se arrume, isso é bom. Tome banho todos os dias. Escolha a melhor parte do dia. No inverno é perto das onze, meio-dia. No verão, à noite, de manha cedo e a noite, é tão bom!" (UCE 1256).

A classe 2 é a maior classe do corpus (426 UCE ou 40,15%), sendo compartilhada principalmente por homens com idade entre 50 e 59 anos que ainda não se aposentaram. Esta classe não aparece associada a nenhuma das cidades pesquisadas e nem a um estado civil específico. A partir das UCE e das palavras associadas a esta classe, os conteúdos indicam uma representação do envelhecimento em termos de condições mentais, de maneira que a pessoa pode até vivenciar limitações no corpo, problemas físicos e doenças, porém se ela tiver um estado de espírito jovem e autonomia, ela poderá se sentir bem e usufruir, assim, de uma boa velhice. Os excertos a seguir exemplificam essa ideia.

"Tem que brincar, tem que sair, tem que passear, tem que mostrar que a gente está ativa, que a gente é jovem, o corpo já está velho, mas o espírito que não pode envelhecer apesar da sociedade mostrar que a gente está velha" (UCE 991).

"Você pode, o teu corpo pode estar debilitado, mas se a sua mente está lúcida, está tranquila, teu emocional está tranquilo, está lúcido, não tem velhice na tua cabeça" (UCE 1118).

A classe 3 está próxima da classe 2, apresentando a menor quantidade de UCE (151 ou 14,5%) do corpus. Foi compartilhada por pessoas com mais de sessenta anos, caracterizando pessoas viúvas ou separadas. Não apresenta uma associação com pessoas de determinada cidade ou de um sexo em específico. Apesar de ser a menor classe, proporciona uma representação do envelhecimento ligada à importância dos grupos na velhice, da mesma forma que a atividade e a alimentação.

As palavras e UCE associadas a esta classe demonstram a importância atribuída ao grupo, ao encontrar-se com outras pessoas para dançar, se divertir, praticar esportes como ginástica, natação, musculação, caminhada, para que os idosos possam sair de casa, até mesmo viajar. As duas próximas UCE são características desta classe.

"São esses grupos de terceira idade, hoje o pessoal assim, tu vê que viajam mais, se encontram, que convivem, então eu acho que hoje o idoso deixou de ser aquela pessoa que está lá fechada dentro de casa, fazendo a sua atividade" (UCE 410).

"Cuidar com a alimentação e fazer bastante esporte como eu faço aqui. Todo dia, à noite, de manhã, faço musculação, ginástica, natação. Eu cuido da minha saúde. A vida na velhice para mim, da terceira idade é boa, não posso reclamar, a vida é ótima, mas é ótima porque eu busquei um monte de atividade, porque quando eu me aposentei, já vim aqui para a universidade, logo no primeiro mês" (UCE 898).

Por fim, a classe 4, que é a terceira classe em número de UCE, aproxima-se da 1, contrapondo-se as classes 2 e 3 . Essa classe foi composta por 15,83% das UCE do corpus (168). As variáveis descritivas indicam que esta é uma classe característica das pessoas que moram em Erechim, casadas, com escolaridade mínima de graduação, na faixa etária entre 60 e 65 anos, sobretudo homens, e por pessoas que já estão aposentadas, mas que continuam ativas profissionalmente, como também por aquelas que ainda não se aposentaram.

As UCE e as palavras associadas a esta classe estão organizadas em torno de duas ideias principais articuladas. Uma que é a visibilidade social dos idosos e outra que é a importância que se está dando ultimamente ao se preparar para o envelhecimento. Os excertos que seguem, indicam a visibilidade e a preocupação com a pessoa que envelhece.

"Parece que existe uma atenção e uma preparação dos próprios futuros velhinhos, do que eles vão se ocupar, do que eles vão fazer ao chegar à faixa etária, existe todo um turismo voltado para a terceira idade" (UCE 922).

"Hoje eu acho que tem uma assistência a saúde muito significativa e não é só essa discriminação pela faixa etária, eu acho que há uma assistência, eu não diria harmônica, mas bastante ampla" (UCE 963).

Mesmo essa classe sendo pequena, ela apresenta um conteúdo inédito no estudo da representação social do envelhecimento e da velhice no que se refere a essas duas ideias.

Representações sociais da sexualidade

Para descrever as representações sociais da sexualidade, foram criados dois corpora de análise que serão apresentados nesta seção. O primeiro corpus é referente à resposta dos participantes sobre a importância do amor e a relação existente entre relacionamento amoroso e relações sexuais. Para este corpus foi realizada uma análise por contraste entre modalidades da variável sexo, assim, serão expressas as ideias dos homens e das mulheres sobre amor, relacionamento amoroso e relações sexuais. Ressalta-se que essa análise não corresponde a uma classificação hierárquica descendente. O segundo corpus corresponde às respostas dos participantes a pergunta sobre o que pensam sobre a existência de relações sexuais das pessoas com mais de 50 anos, o qual foi submetido a uma classificação hierárquica descendente.

No primeiro corpus, as respostas concernentes à importância do amor e à relação existente entre relacionamentos amorosos e relações sexuais corresponderam a 80 UCI, que após a divisão feita pelo programa ALCESTE, originou 500 UCE. Destas, 226 (45,2%) referem-se às respostas dos homens e 54,8% (274 UCE) das mulheres. Na Tabela 2, apresentam-se as palavras mais características dos homens, das mulheres e as palavras comuns a ambos os grupos.

O segundo corpus foi submetido à classificação hierárquica descendente. As 80 UCI foram divididas em 476 UCE, contendo 1.196 palavras analisáveis. Estas ocorreram 19.397 vezes, em média 11,9 vezes cada palavra. A análise hierárquica descendente reteve 88,2% das UCE (420 das 476 UCE), organizadas em duas classes, conforme a Figura 2.

A classe 1 é a menor classe. Ela compreende 133 UCE ou 31,67% das UCE do corpus. Nela, estão presentes as ideias das mulheres, sobretudo aquelas que moram em Florianópolis e também as que estão separadas. Não houve associação com as variáveis; escolaridade, idade, situação profissional e denominação religiosa. As UCE e as palavras características desta classe indicam uma representação social da sexualidade articulada em torno do relacionamento amoroso e do casamento, sendo estes possíveis e necessários, inclusive para pessoas que são viúvas, muito parecido com as ideias das mulheres no corpus anterior. A UCE abaixo destaca a sexualidade como uma necessidade, inclusive para mulheres que ficam viúvas.

"Não, a mulher vai ficar lá porque viuvou? Arrumar namorado. Há muito tabu. É isso, você não vai morrer junto. Morreu, morreu! Era a vez dele, era a hora dele. Como qualquer um que for era a sua vez, mas o outro não vai junto, porque não era a vez dele, e você tem que tocar a sua vida" (UCE 375).

Esta outra UCE afirma que as pessoas idosas, neste caso a mãe de uma participante, tem a necessidade do amor, do carinho e da companhia, aspectos bastante referidos pelas mulheres ao falar da sexualidade.

"A minha mãe hoje tem oitenta e três anos, mas ela diz que queria ter um companheiro, nem que ele fosse embora de noite, mas que pudesse fazer companhia, que pudesse dar carinho, ficar junto, colocar para dormir, ter alguém para conversar" (UCE 193).

A segunda classe desse corpus possui 287 UCE ou 68,33% das UCE. As variáveis descritivas indicam que é uma classe característica de homens, sobretudo da cidade de Erechim. Variáveis como prática religiosa, estado civil, escolaridade e situação profissional, não apresentaram associação à mesma. Algumas UCE desta classe exemplificam essa representação.

"Eu acho que é com naturalidade e normalidade, não acho que a sociedade veja que o sexo não faça parte nessa idade. É algo importante também na velhice" (UCE 167).

"Com relação ao sexo na terceira idade, eu acho muito legal que elas não substituam o sexo por outras coisas que era normal antigamente. Mas eu não sei como está isso, é uma coisa que eu tenho muita curiosidade de saber " (UCE 339).

As UCE e as palavras associadas a esta classe organizam uma representação social da sexualidade em torno da importância do sexo e da normalidade do mesmo para os idosos.

 

Discussão

Os aspectos concernentes ao envelhecimento populacional têm proporcionado o desenvolvimento de pesquisas acerca das diversas dimensões que envolvem a velhice, entre elas a sexualidade (Moura, Leite, & Hildebrandt, 2008). No presente estudo, os resultados serão discutidos a partir de dois aspectos. O primeiro refere-se à representação social do envelhecimento de modo geral, o segundo será relativo à representação social da sexualidade.

O envelhecimento

Observa-se que, na primeira classe referente ao corpus do envelhecimento, os elementos representacionais desse objeto estão vinculados aos cuidados com a beleza, como estratégias para não envelhecer, e também à velhice como um momento no qual aparece o resultado das relações familiares anteriores, de maneira que, se foram boas as relações ao longo da vida, tendem a perdurar durante a velhice, onde a relação familiar é um aspecto importante ao se falar do envelhecimento.

Este aspecto é semelhante aos resultados do estudo de Magnabosco-Martins et al., (2009), realizado no Paraná, com adolescentes, adultos e idosos. Nessa pesquisa, foi evidenciado que as relações familiares eram fundamentais para os idosos, principalmente para as mulheres. A família é vista como essencial para o bem-estar do idoso, sendo a sua referência ao envelhecer. Em relação à beleza, os participantes ressaltam a importância de se cuidar nessa fase da vida. Esses resultados vão ao encontro dos de Areosa (2004) na qual os participantes salientaram a importância de se cuidar, não apenas para possuir uma boa auto-estima, mas também para a manutenção da saúde.

A autonomia é o aspecto mais evidenciado na classe 2. A ideia de autonomia parece estar associada ao desejo das pessoas que ainda não estão na fase da velhice de continuar ativas, mesmo experimentando o desgaste físico e as limitações que ocorrem ao se envelhecer. Esse conteúdo é recorrente em outros estudos sobre a representação social da velhice e do envelhecimento (Magnabosco-Martins et al., 2009; Wachelke, 2007). Na pesquisa realizada por Teixeira et al. (2002), que tinha como objetivo diagnosticar as representações sociais de idosos em relação ao envelhecimento saudável, observou-se que um conteúdo presente nas respostas de quase todos os entrevistados era a possibilidade da autonomia e da execução de atividades de forma independente. Segundo Neri (2001a), quando os idosos gozam de independência e autonomia, eles próprios podem providenciar arranjos para que seu ambiente torne-se mais seguro, variado e interessante, melhorando sua qualidade de vida.

A classe 3 está relacionada à classe 2 no sentido da importância de se manter ativo, enfatizando-se aqui a relevância dos grupos nas atividades de lazer e diversão. Pode-se perceber que participar de grupos de encontro, seja para dançar, para ouvir uma palestra ou discutir um assunto proporciona muito prazer aos idosos. Magnabosco-Martins et al. (2009) mostraram no seu estudo que na opinião dos idosos se manter ativo é uma condição fundamental para uma velhice "positiva".

Apesar desta classe não ser característica de mulheres ou homens, parece existir aqui uma implicação de gênero na representação social, pois os participantes mencionam que estas práticas e atividades são mais típicas das mulheres, uma vez que se observam poucos homens em grupos de terceira idade. Areosa (2004) também encontrou resultados semelhantes, em que as mulheres idosas aparecem mais ativas e engajadas em atividades físicas, grupais e sociais do que os homens.

A última classe do corpus sobre o envelhecimento ressalta a visibilidade que a velhice ganha enquanto fase do desenvolvimento, através de programas de televisão e políticas de assistência voltadas às pessoas idosas. Está havendo, na opinião dos participantes, uma maior assistência à saúde e os idosos também começam a buscar novas experiências visando à qualidade de vida. Estes conteúdos indicam uma representação da velhice vinculada à visibilidade social, às políticas de assistência e a uma mudança cultural relacionada à forma de se pensar a velhice e o envelhecimento.

Nota-se que as classes 1 e 4 destacam o envelhecimento enquanto processo, tal como este foi descrito por Neri (2001a) e corroborando o estudo de Veloz et al. (1999). Já as classes 2 e 3 concebem elementos da representação da fase da velhice propriamente dita. Essa indiferenciação nas pesquisas de representação social da velhice, do idoso e do envelhecimento foi abordada por Magnabosco-Martins et al. (2009). Esses autores escrevem que as teorias do senso comum não diferenciam estes objetos, ancorando-os e objetificando-os, enfim, representando-os de maneira similar, por vezes igual.

A sexualidade

Os resultados referentes ao primeiro corpus, que apresenta as respostas concernentes à importância do amor e à relação existente entre relacionamentos amorosos e relações sexuais, indicam que os homens focam no ato sexual, citando mudanças nas relações sexuais ao longo do tempo e que estas podem ser prejudicadas pelo estresse, como, por exemplo, diante das dificuldades financeiras. Eles também consideraram que sentem mais desejo sexual do que as mulheres. Esses resultados vão ao encontro de estudos feitos com homens e mulheres acima dos 60 anos em países como Estados Unidos (Floyd & Weiss, 2001), Itália (Dello Buono et al., 1998) e Grécia (Papaharitou et al., 2007) evidenciando aspectos culturais semelhantes no que diz respeito ao fato dos homens se considerarem mais ativos sexualmente do que as mulheres, sendo que o ato sexual tem uma importância superior ao amor, carinho e companhia.

Por sua vez, as mulheres falaram da importância do amor na vida das pessoas, dos amigos do grupo, dos filhos, descrevendo os vários tipos de amor. A sexualidade ganha contornos mais amplos nas respostas das mulheres do que na dos homens. Identificaram que se doam mais do que os homens nos diferentes tipos de amor. Assim como no estudo de Clarke (2006), as mulheres indicaram que o sexo tem importância, mas fatores como compreensão, carinho e amor são mais relevantes, de maneira que o sexo seria o complemento destes condicionantes.

Tanto os homens, quanto as mulheres consideraram o sexo um componente importante da sexualidade, que depende de um compromisso. Homens e mulheres sugerem que o relacionamento sexual é diferente do da juventude, porém mesmo existindo dificuldades, a qualidade das relações é maior. Esse resultado corrobora os dados de caracterização dos participantes quando apresentadas as categorias de justificativas, onde referem menor quantidade, mas maior qualidade.

Essas categorias criadas a partir da fala dos participantes corroboram com uma série de estudos, por exemplo, a categoria problemas de saúde, que está presente nos estudos de Goh, Tain, Tong, Mok e Ng (2004), e de Vacanti e Carameli (2005) indicando que muitas vezes a diminuição na frequência sexual deve-se a problemas de saúde, sobretudo problemas cardíacos. É importante lembrar outros estudos como os de Butler e Lewis (1985), Floyd e Weiss (2001), Gelfand (2000) e Vasconcellos et al. (2004), que alertam para a falta de parceiro como uma barreira para a existência de relações sexuais na velhice.

No que tangencia à diferença das relações sexuais, Butler e Lewis (1985) e Capodieci (2000) também informaram que as relações sexuais na velhice apresentam diferenças. De acordo com Risman (2005), normas e comportamento de séculos anteriores resultaram numa cultura antissexual em relação à sexualidade do idoso, porém, o que se observa nos dados desta pesquisa é que esta cultura parece estar em processo de mudança, pois os participantes apresentaram o que se pode chamar de uma atitude positiva em relação à sexualidade na velhice. Esse dado pode ser associado à visibilidade social que esta fase da vida apresenta hoje, como se observou na representação social do envelhecimento.

O segundo corpus das representações sociais da sexualidade foi organizado em duas classes. A primeira classe sugere uma representação social da sexualidade na velhice ancorada em torno do relacionamento amoroso e do casamento. Na fala dos participantes, foi identificada uma ideia positiva sobre a sexualidade. Esta deve estar presente e ativa na vida das pessoas, as quais referem que sentem o desejo de viver a sua sexualidade, sendo esta compreendida nas mais variadas formas de expressão e não só no ato sexual. Esses resultados coincidem com os citados anteriormente, no qual outros fatores, como carinho, são importantes (Clarke, 2006).

Os resultados dessa classe divergem dos encontrados nos estudos de Capodieci (2000), que demonstraram que o sexo na velhice é vivido como uma espécie de evento improvável e desagradável, tanto por jovens, como pelos próprios idosos. No presente trabalho, os participantes comentaram que os profissionais da saúde incentivam o sexo e que a sexualidade é importante e necessária. Logicamente, verifica-se a existência de dificuldades, entretanto, há um indicativo de que as atitudes frente ao sexo e à sexualidade de idosos estão se modificando com a afirmação de que o prazer sexual existe na velhice e é importante.

Na segunda classe, a representação social da sexualidade na velhice é ancorada em torno da importância do sexo e da normalidade do mesmo para os idosos. A organização das ideias sobre sexualidade para os homens parece tangenciar a atividade sexual, o que foi possível observar em ambos os corpora de análise dessa linha. Já as mulheres articulam suas ideias sobre a sexualidade de uma maneira um pouco mais ampla, onde o amor, o carinho, os abraços, a cumplicidade são elementos centrais e o sexo figura como um complemento.

Os vínculos configuram-se de diferentes formas, duração e intensidade, porém são fundamentais a fidelidade e o desejo. Segundo Moura et al. (2008), a prática sexual faz parte da sexualidade, mas para a maioria dos idosos ela vai além disso. Por mais que o corpo envelheça, a anatomia e a fisiologia sexual se modifiquem, a capacidade de amar, de beijar, de abraçar continua intacta até o final da vida.

 

Considerações finais

As representações sociais são construídas pelos sujeitos a partir de informações que circulam na sociedade e que lhe causam certa estranheza, numa tentativa de incorporar o conflitante e torná-lo familiar (Moscovici, 2005). Essas representações se formam nas relações sociais e no movimento do grupo no qual nascem, transformam-se e podem se extinguir, sendo importante conhecer o contexto em que são produzidas para que sejam compreendidas (Jodelet, 2005).

Nesse sentido, o presente estudo buscou descrever as representações sociais do envelhecimento e da sexualidade para pessoas com mais de 50 anos, investigando se esses participantes estabeleceram relações entre esses dois objetos. Os resultados referentes às representações sociais do envelhecimento indicaram três representações centrais sobre esse tema:

1. O envelhecimento como processo;

2. O envelhecimento como fenômeno retroalimentado por mudanças culturais e visibilidade social;

3. O envelhecimento como a fase da velhice, onde processo e fase fundem-se e ganham características semelhantes.

Em relação às representações sociais da sexualidade, foi possível verificar que, as ideias e pensamentos dos participantes, indicam duas representações sociais sobre esse objeto, a primeira mais vinculada às participantes mulheres e a segunda aos homens:

1. A sexualidade enquanto amor, companhia e afeto onde o sexo é complemento;

2. A sexualidade como algo existente em todas as fases da vida, onde o sexo é elemento central.

Apesar dos participantes abordarem esses dois objetos de forma distinta, pode-se afirmar que a sexualidade é um fator importante para o envelhecimento, mesmo que outros assuntos sejam priorizados por essa população, como por exemplo, a saúde e a situação financeira. Os resultados indicaram que há uma compreensão diferente da sexualidade considerando-se a variável sexo.

Pode-se concluir, diante desses resultados, que mesmo não havendo uma relação direta das representações sociais do envelhecimento e da sexualidade, ocorre uma relação entre o fenômeno do envelhecimento e da velhice com a sexualidade, sendo esta um importante fator componente desse fenômeno, podendo influenciar nos comportamentos, pensamentos e reações desse grupo etário.

A presente pesquisa possui limitações no que se refere à coleta de dados. Apenas na parte da sexualidade, os dados foram coletados de maneira indireta, ou seja, perguntava-se aos participantes o que eles pensavam sobre esse assunto, esperando que suas respostas fossem fundamentadas no que eles acreditavam ser o pensamento vigente na sociedade. Se essa mesma orientação tivesse sido seguida na parte do envelhecimento, dados diferentes dos achados poderiam ter surgido. Uma segunda limitação diz respeito à amostra. Esta foi constituída por pessoas do sul do Brasil, não abrangendo assim, realidades de outras regiões do país. Estudos que levem em consideração essas diferenças regionais são relevantes para se poder entender como os idosos brasileiros estão lidando com a sua sexualidade.

Sugere-se a realização de novas pesquisas concernentes às representações sexuais da sexualidade na velhice, uma vez que esse tema precisa ser discutido pela psicologia do envelhecimento e são escassos os estudos nessa área. Acredita-se que o presente trabalho constitua uma fonte confiável para tais estudos, haja vista que os participantes relataram comportamentos referentes à sua sexualidade e esta constatação poderá ser útil no desenvolvimento de campanhas para a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, principalmente o HIV-AIDS, tendo como foco essa população. Além disso, pôde-se perceber que a sexualidade é um fator importante, assim como a saúde, a estrutura financeira, social e familiar para o envelhecimento e para o idoso. Portanto, compreender esse objeto é fundamental para a promoção de intervenções sociais eficientes.

 

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Endereço para correspondência:
Brigido Vizeu Camargo
Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Departamento de Psicologia, Campus Universitário
Trindade, Florianópolis, SC, Brasil, CEP 88040-900
Telefone: 48 37219067
Email: brigido.camargo@yahoo.com.br

 

 

Enviado em Novembro de 2010
Aceite em Março de 2011
Publicado em Julho de 2011