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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.19 no.2 Ribeirão Preto dez. 2011

 

Habilidades viso-perceptuais e motoras na síndrome de Asperger

 

Visual-perceptual and motor abilities in Asperger syndrome

 

 

Ida Janete Rodrigues; Francisco Baptista Assumpção Jr

Universidade de São Paulo - São Paulo, SP - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A presente pesquisa teve como objetivo verificar a existência de alterações viso-percepto-motoras em pacientes com a síndrome de Asperger. Foi desenhado um estudo com dois grupos de trinta sujeitos do sexo masculino entre 12 a 30 anos. Trinta desses sujeitos com a síndrome de Asperger, diagnosticados através dos critérios do DSM-IV-TR, Escala de Traços Autístiscos (ATA), apresentando QDS (quociente de desenvolvimento social) maior ou igual a 70 obtidos através das Escalas de Comportamento Adapativo de Vineland. Os desempenhos nas escalas foram estatisticamente estudados e comparados com os resultados dos trinta sujeitos com desenvolvimento normal. Ambos os grupos foram submetidos às provas de Imitação de Gestos de Bèrges & Lèzine, Piaget-Head, Bender, prova de Cubos das escalas Wechsler e Escala social de Pelotas. Todos os sujeitos foram submetidos aos testes relacionados de maneira padronizada. A escolha dos sujeitos e aplicação dos testes foi efetuada em escolas e centros clínicos especializados. As análises dos resultados demonstraram diferenças significantes e déficits na organização perceptivo viso motora dos sujeitos com a síndrome de Asperger. A análise estatística por meio do t-independente, entre os dois grupos aponta para repostas discrepantes no grupo dos Aspergers. O desvio padrão é 0,002 no Bender total e 0,007 nos Cubos da escala Wechsler. No teste de Head, as respostas foram inferiores no grupo Asperger e o desvio padrão é de 0,001. Na prova de Bérges & Lèzine, as respostas encontram-se aquém, <0,001 em relação aos sujeitos "normais." Nos resultados totais, o desvio padrão no teste t-independente é de 0,001 e mostra melhor desempenho global em todas as escalas aplicadas nos sujeitos do grupo controle. Os resultados deste estudo indicaram que as habilidades viso-perceptuais e motoras em indivíduos com a síndrome de Asperger estão prejudicadas quando comparadas a indivíduos com desenvolvimento normal. As dificuldades de simbolização e de percepção de conceitos complexos podem ser compreendidas pela incapacidade de processar informações devido aos déficits na função executiva, na coerência central e consequentemente na memória de trabalho.

Palavras-chave: Síndrome de Asperger, Autismo, Distúrbios globais do desenvolvimento, Habilidades viso-perceptuais e motoras.


ABSTRACT

This research aimed to verify the existence of visual-perceptual and motor alterations in patients with Asperger syndrome. A study with two groups of thirty young men aging between 12 and 30 years old was executed, and thirty of those subjects with the Asperger syndrome were diagnosed through the criteria of the DSM-IV-TR, Scale of Autism Traces, presenting QS of 70 or higher obtained through the Vineland Scales of Adaptative Behavior. The performances in the scales were statistically studied and compared with the results of the thirty subjects with normal development. Both groups were submitted to the Test of Imitation of Gestures of Bèrges & Lèzine, Piaget-Head, Bender, Cubes Test of the Wechsler scales and Social Scale of Pelotas. All the subjects were submitted to these tests in a standardized way. The selection of the subjects and application of the tests was made in schools and specialized clinical centers. The analysis of the results demonstrated significant differences and deficits in the perceptive visual-motor organization of the subjects with Asperger syndrome. The statistical analysis through the t-independent test between the two groups shows conflicting answers in the Asperger group. The standard deviation is 0,002 in total Bender and 0,007 in Cubes of the Wechsler scale. In the Head test the answers were inferior in the Asperger group and the standard deviation is 0,001. In the test of Bérges & Lèzine, the answers were below, <0,001 in relation to the "normal" subjects. In the total results the standard deviation in the t-independent test is 0,001 and displays better global performance in all the applied scales in the subjects of the control group. The results of this study indicated that the visual-perceptual and motor skills in individuals with Asperger syndrome are impaired, when compared to individuals with normal development. The symbolization and complex concept´s perception can be understood by the inability to process information due to the executive function deficit, in the central consistency and as a consequence, in the work memory.

Keywords: Asperger syndrome, Autism, Global disturbances of the development, Visual-perceptual and motor abilities.


 

 

Introdução

O autismo é o tema mais fascinante e controverso da Psiquiatria Infantil. O seu diagnóstico oferece grande dificuldade, sendo passível de discussões, uma vez que engloba, dentro dos atuais conceitos, uma gama bastante variada de doenças com diferentes quadros clínicos e matizes de gravidade, que têm como fator comum o sintoma autístico.

Sua prevalência hoje é considerada de 5 a 15 casos por 10.000 indivíduos, com relatos de taxas variando de 2 a 20 casos por 10.000, na proporção entre os sexos de 3,2-4:1, sendo mais encontrado no sexo masculino (Bryson,1997). Ainda não está claro se essas diferenças refletem problemas metodológicos ou aumento na sua frequência (Gilberg, Steffenburg, & Schaumann, 1991; Wing, 1993).

Leo Kanner (1943) descreveu sob o termo "Transtorno Autístico do Contato Afetivo" um quadro que ele caracterizou por "autismo extremo, obsessividade, estereotipias e ecolalia" (p. 217), relacionando-os com fenômenos da linha esquizofrênica.

Em 1949, passou a chamá-lo de "Autismo Infantil Precoce", descrevendo como uma dificuldade profunda no contato com outras pessoas, desejo obsessivo de preservar as coisas e as situações, ligação aos objetos, presença de uma fisionomia inteligente e alterações de linguagem que variam do mutismo a uma linguagem sem função comunicacional, refletindo dificuldades no contato e na comunicação interpessoal. Esta síndrome foi citada por Kanner, como sendo um padrão psicopatológico com uma possibilidade diagnóstica inequívoca. Nesse momento, ficou estabelecido que o autismo era uma síndrome bem definida, passível de ser observada com pequenas dificuldades no curso dos dois primeiros anos de vida, sendo intimamente relacionada com a Esquizofrenia Infantil, e podendo ser sua manifestação precoce (Assumpção, 1995).

Pérez (2001) descreve, que desde o final dos anos setenta, vem ocorrendo uma tendência a utilizar-se o conceito "síndrome autística". Comenta, ainda, que no ano de 1979, Wing e Gould estudaram a incidência do autismo na população. Tal estudo trouxe importantes consequências, dentre as quais, a ideia de considerar o autismo como um "contínuo", ou seja, tomá-lo como um conjunto de dimensões alteradas.

Apesar da substancial evidência de fatores neurobiológicos implicados na sua patogênese, mecanismos etiológicos precisos não têm sido identificados. Achados neurobiológicos variam de caso para caso e podem ser sutis. Modelos neurofisiológicos e neuroanatômicos falharam na expressão de todos os aspectos do autismo. Nestes sessenta anos de estudos sobre o autismo, ainda não foi estabelecida nenhuma compreensão de sua patogênese, não havendo nem marcadores biológicos, nem psicológicos patognomônicos para confirmar o diagnóstico. O autismo pode ser somente definido pela descrição de características anormais de comportamento, porém, não se tem certeza sobre quais padrões são de importância primordial, embora algumas formulações tenham maior relevância em relação a outras, sendo que atualmente o autismo é visto como uma síndrome definida comportamentalmente com déficits neurológicos de etiologias nem sempre definidas.

As características essenciais do Transtorno Autista pelo DSM-IV-TR (American Psichiatric Association, 2002) consistem na presença de um desenvolvimento comprometido ou acentuadamente anormal da interação social e da comunicação e um repertório muito estreito de atividades e interesses, observados antes dos três anos de idade. Estas manifestações variam intensamente, dependendo do nível de desenvolvimento e da idade cronológica do indivíduo.

O autismo é manifestado por atrasos ou funcionamento anormal em pelo menos uma e, com frequência em várias das seguintes áreas antes dos três anos de idade:

• Interação social;

• Linguagem comunicativa;

• Jogos simbólicos ou imaginativos.

Por definição, o início ocorre antes dos três anos de idade. Em alguns casos, os pais falam de sua preocupação com a criança desde o nascimento ou logo após, em vista de sua falta de interesse pela interação social. As manifestações do transtorno na primeira infância são mais sutis e mais difíceis de definir do que observadas após os dois anos.

 

Teorias Compreensivas

Teorias Afetivas

A tese de Kanner (1944) descreve que crianças com autismo sofreriam de uma inabilidade inata de se relacionarem emocionalmente com outras pessoas. Este estudo foi retomado e estendido por Hobson (1993a; 1993b). A teoria afetiva sugere que o autismo se origina de uma disfunção primária do sistema afetivo, qual seja uma inabilidade inata básica para interagir emocionalmente com os outros, o que levaria a uma falha no reconhecimento de estados mentais e a um prejuízo na habilidade para abstrair e simbolizar.

 

Teorias Cognitivas

Teoria da Mente

Paralelamente à noção de déficit inato na capacidade de entrar em sintonia afetiva com os outros no autismo, proposta pelas teorias afetivas, surgiram as explicações de danos na capacidade de meta-representar ou, mais especificamente, na habilidade de desenvolver uma teoria da mente, como fator explicativo da síndrome do autismo. Teoria da mente significa a capacidade para atribuir estados mentais a outras pessoas e predizer o seu comportamento em função destas atribuições (Premack & Woodruff, 1978).

Baron-Cohen (1995), expandindo os modelos de Wellman (1994) e Leslie (1987), propôs outro modelo para explicar o desenvolvimento do sistema representacional, denominado de sistema de leitura da mente (mindreading).

 

Teorias Neuropsicológicas

Os estudos atuais a respeito do déficit cognitivo em autismo inspiraram-se no trabalho pioneiro de Hermelin e O'Connor (1970), que foram os primeiros a testarem, cientificamente, como as crianças autistas processavam a informação sensorial na resolução de testes de habilidades de memória e motoras. Eles concluíram que essas crianças mostravam déficits cognitivos específicos, tais como: problemas na percepção de ordem e significado, os quais não poderiam ser explicados por deficiência mental; dificuldades em usar input sensorial interno para fazer discriminações na ausência de feedback de respostas motoras; e tendência a armazenar a informação visual, utilizando um código visual, enquanto as crianças com desenvolvimento normal usavam códigos verbais e/ou auditivos. Particularmente surpreendentes foram as respostas dessas crianças aos estímulos auditivos. Intensa resposta fisiológica a sons contrastava com a passividade geralmente demonstrada por essas crianças em situações envolvendo tais estímulos.

Função Executiva

A hipótese de comprometimento da função executiva como déficit subjacente ao autismo surgiu em função da semelhança entre o comportamento de indivíduos com disfunção cortical pré-frontal e aqueles com autismo: inflexibilidade, perseveração, primazia do detalhe e dificuldade de inibição de respostas. Essas características foram subsequentemente comprovadas pelos resultados do desempenho de indivíduos com autismo em testes destinados a medir funções executivas, como por exemplo, o Wisconsin Card Sorting Test (Heaton, 1981).

Coerência Central

Diferenças no sistema de processamento da informação em crianças com autismo é também a base de outra recente teoria em autismo (Frith, 1989). A falta da tendência natural em juntar partes de informações para formar um todo provido de significado (coerência central) é uma das características mais marcantes no autismo. A tendência em ver partes, ao invés de uma figura inteira, e em preferir uma sequência randômica, ao invés de uma provida de significado (contexto), pode explicar a performance superior de crianças com autismo: nas escalas de Wechsler que envolvem reunião e classificação de imagens por séries, em especial no subteste de Cubos (Happé, 1994).

 

A síndrome de Asperger

A síndrome de Asperger, incluída nas classificações dos Transtornos Abrangentes do Desenvolvimento, foi descrita por Hans Asperger, em 1944, quando estudou quatro crianças com dificuldades na interação social chamando esta condição de "psicopatologia autística", indicando um transtorno de personalidade estável e marcado por isolamento social.

A síndrome de Asperger é classificada pelo DSM-IV como: "Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, caracterizado por prejuízos severos e invasivos em diversas áreas do desenvolvimento: habilidades de interação social recíproca, habilidades de comunicação, ou presença de comportamento, interesses e atividades estereotipadas".

Segundo o DSM IV, as características mais marcantes da síndrome de Asperger:

• Falta de empatia

• Interação inapropriada, ingênua ou unilateral

• Pouca ou nenhuma habilidade de estabelecer amizades

• Linguagem pedante ou repetitiva

• Comunicação não verbal pobre

• Fixações

• Movimentos desajeitados, pouco coordenados e postura estranha.

O diagnóstico da síndrome de Asperger é difícil, porque pode gerar confusão com o autismo, deficiência mental e retardo do desenvolvimento global da linguagem.

 

Autismo e Espacialidade

O tema espacialidade relacionado ao espectro autístico não foi muito estudado, mas, no entanto, na literatura e na prática clínica, são comuns os relatos de que autistas mostram-se rígidos com relação às mudanças relacionadas ao seu espaço físico e corporal. A ocorrência de alguma alteração, como a troca de objetos, posicionamentos no espaço e mudanças na rotina, provocam ansiedade e descontrole emocional com evidente reflexo na conduta. São capazes de passar horas mantendo um mesmo movimento gestual, movimentando-se no espaço de maneira bizarra e perseverativa, mantendo o mesmo tipo de interação consigo próprio e/ou com os objetos.

Em relação a autismo, percepção e motricidade, estudos mais recentes, como o de Bosa (2001), salientam que um dos primeiros trabalhos a focalizar a relação entre lobo frontal e atenção compartilhada foi o de McEvoy, Rogers e Pennington (1993).

A falta de capacidade para juntar parte de informação (coesão central) é também característica marcante do autismo (Bosa, 2001).

Amorim (2008) faz referência ao enfoque cognitivo para explicar a teoria da fraca coerência central presente nos indivíduos com autismo. No autismo, haveria uma alteração no processamento da informação em vários níveis (percepto, viso espacial e semântico verbal) que resultaria em um processamento centrado em detalhes em detrimento ao contexto global, o que explicaria a preocupação do autista com partes e sua resistência a mudanças.

Schatz et al. (2001), em seus estudos, descrevem que o prejuízo motor é frequentemente descrito na síndrome de Asperger, e que representa um transtorno invasivo no desenvolvimento, incluído no Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 4ª. edição (DSM-IV-TR). O padrão dos prejuízos sugere que um déficit próprio perceptivo pode mascarar a incoordenação observada na síndrome de Asperger, e que estes indivíduos podem superar o "input" visual para manter o equilíbrio e posicionamento no espaço.

Klin, Volkmar, Sparrow, Ciccetti, e Rourke (1995) compararam a performance nos testes neuropsicológicos entre indivíduos com a síndrome de Asperger e autistas de alto funcionamento. Os grupos foram pareados quanto ao quociente intelectual total e idade. Os resultados revelaram que o grupo de indivíduos com a síndrome de Asperger apresentou maior quociente intelectual de execução do que o grupo de crianças com autismo de alto funcionamento, porém, verificaram-se prejuízos nas seguintes áreas: coordenação motora fina e grossa, integração motora-visual, memória visual, conteúdo verbal, prosódia e competência social.

Rinehart, Bradshaw, Brereton, e Tonge (2002), em seus estudos neuro-comportamentais, enfocam, em particular, o funcionamento executivo, lateralização, habilidade visuo-perceptual e processamento motor, que, segundo os autores, podem prover uma importante fonte de informação sobre a dissociação neuropsicológica potencial, que pode existir no autismo e na síndrome de Asperger.

Leboreiro (2009) utilizou as baterias que avaliam funções cognitivas em indivíduos com transtorno global do desenvolvimento com inteligência preservada. Os resultados encontrados apontam para dificuldades relacionadas à memória de trabalho tanto semântica quanto visual, com melhores escores na primeira.

Considerando-se as características perceptuais já estudadas na Síndrome de Asperger, surgiu o interesse por eventuais alterações viso-perceptuais e motoras nessa população. Assim sendo, este trabalho teve por objetivo caracterizar a existência, ou não, dessas alterações na síndrome de Asperger.

 

Método

Foram selecionados dois grupos com trinta sujeitos, denominados grupos SA e SN, compostos por indivíduos do sexo masculino, em função da maior prevalência de quadros autísticos nesse gênero; idade entre 12 a 30 anos, uma vez que nessa faixa etária é esperado que a coordenação visuo-perceptual e motora já deva estar plenamente desenvolvida.

O grupo SA foi constituído por indivíduos com a síndrome de Asperger encaminhados por psiquiatras responsáveis pelo tratamento clínico desses pacientes. A escolaridade variou entre ensino fundamental (10), ensino médio completo (9), ensino médio incompleto (3), classe especial (4), escola especializada (3) e faculdade (1).

O grupo SN foi constituído por pessoas com desenvolvimento normal e que se encontram inseridas em programação escolar regular, e se distribui da seguinte forma: ensino médio (21) e ensino fundamental (9). A maioria dos jovens inseridos no ensino médio (escola de jovens e adultos- EJA) trabalha.

Os critérios de inclusão nos grupos foram:

Grupo SN: ausência de patologias e de doença psiquiátrica detectável (segundo os critérios do DSM IV TR), incluindo os eixos I e II e o desenvolvimento ter transcorrido de forma normal.

Grupo SA: diagnóstico da síndrome de Asperger de acordo com os critérios do DSM IV TR. (American Psichiatric Association, 2002) e diagnosticados por psiquiatra do P.D.D. (Projeto de distúrbios de desenvolvimento do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo - IPUSP).

Inteligência dentro da faixa da normalidade, usando como parâmetro de homogeneização a Escala de Comportamento Adaptativo de Vineland com pontuação maior ou igual a 70. (Sparrow, Balla, Cicchetti, & 1984); Escala de Traços Autísticos (ATA) com pontuação acima de 15 pontos (Assumpção, Kuczynski, Gabriel, & Rocca, 1999).

Critérios de exclusão para os dois grupos: co-morbidades psiquiátricas; doenças físicas; doenças somáticas crônicas; pacientes cujas famílias não concordaram com sua avaliação; pacientes que não preencheram os critérios para síndrome de Asperger ou não pontuaram adequadamente na escala ATA; pacientes com QDS<70 (Quoeficiente desenvolvimento social); pacientes com comprometimento neurológico e/ou sensorial; pacientes com comorbidades associadas, inclusive retardo mental.

Instrumentos

Os testes utilizados na presente pesquisa são validados para a utilização na psicologia clínica. As provas são validadas para a clínica e foram selecionadas por agrupar instrumentos de avaliação de habilidades importantes no desenvolvimento global do indivíduo. As dificuldades presentes tendem a significar prejuízos que envolvem diversas áreas como: a organização e orientação espacial; a dominância lateral; capacidade de análise, síntese e raciocínio abstrato; conceitualização viso-espacial, coordenação viso-motora e espacial, organização e velocidade perceptual; estratégia de solução de problema e planejamento e habilidade para reconhecer as partes do corpo nomeadas e designadas.

A falta de êxito neste conjunto de provas supõe dificuldades que podem repercutir e desfavorecer a velocidade do raciocínio, o planejamento de estratégias, uso do esquema corporal e percepção do espaço circunjacente. O nível socioeconômico foi avaliado através da Escala de Pelotas. Os sujeitos com a síndrome de Asperger foram submetidos à Escala de Comportamento Adaptativo de Vineland e a ATA (Escala de Traços Autísticos)

Provas específicas:

a) Teste de Imitação de Gestos:

O teste de imitação de gestos é parte da obra originalmente publicada em francês sob o título "Test d'Imitation de Gestes", traduzido no Brasil por Cleonice Paes Barreto Mourão e Consuelo Fortes Santiago, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Trata-se de um trabalho de pesquisa realizado por Bèrges e Lézine entre os anos 1959 a 1961 e que visa acompanhar o estudo da organização práxica da crianças entre 3 e 6 anos. A escala foi padronizada em indivíduos normais e permite explorar, através da possibilidade de imitação de gestos simples, o grau de aquisição dos elementos do esquema corporal, dominância lateral e da praxia na criança.

b) O teste HEAD:

Para estudar o reconhecimento da orientação Direita-Esquerda, nesta pesquisa, foi utilizada a prova de HEAD, Mão-Olho-Orelha, extraída do teste PIAGET-HEAD.

As três provas em sua sequência natural:

• Imitação dos movimentos do observador face a face (prova 1 de HEAD);

• Execução dos movimentos mediante ordem oral (prova 4 de HEAD);

• Imitação mediante figuras esquemáticas (prova 3 de HEAD).

Para as provas 1 e 2, não há outro material além da folha de anotações.

Para a prova 3, foram utilizados os oito cartões em que um "boneco esquemático" executa os movimentos possíveis concernentes à mão direita ou esquerda, que é levada ao olho direito ou esquerdo, ou à orelha direita ou esquerda.

Com o sujeito à frente do observador, as provas ocorreram na ordem de 1 a 3 e os resultados anotados e pontuados no valor máximo de 2,0 pontos. (0, 0,5, 1,0, 1,5 e 2,0). Prova 1, valor máximo de 30 pontos. Prova 2, valor máximo de 15 pontos. Prova 3, valor máximo de 16 pontos.

c) O Teste BENDER:

O Teste Gestáltico Viso-Motor de Bender, conhecido simplesmente como Bender, foi adaptado por Lauretta Bender, em 1938, a partir dos desenhos usados por Wertheimer na década anterior para demonstrar princípios gestálticos de percepção (Koppitz, 1987). Bender usou o teste com um enfoque evolutivo e clínico.

O teste pode ser aplicado em crianças, adolescentes e adultos, e é composto de nove cartões brancos de 16 cm por 12 cm, em cada um dos quais aparece desenhado em preto uma figura geométrica complexa e sem significado. A primeira é designada pela letra A e as demais são numeradas de 1 a 8, anotação que aparece no verso do cartão.

As Escalas WECHSLER

Tradicionalmente, as escalas Wechsler têm sido incluídas entre os instrumentos mais conhecidos para a avaliação da inteligência e do QI. A genealogia das escalas começou na década de 1930, quando David Wechsler desenvolveu a Escala de Inteligência Wechsler-Bellevue (1939). As escalas passaram por algumas revisões ao longo do tempo e a principal razão para uma nova edição foi a desatualização de suas normas em aproximadamente quinze anos, considerando os estudos de (Flynn, 1984), em que o QI vem aumentando no mínimo em torno de três pontos por década, principalmente no que se refere à habilidade de execução.

São treze subtestes que, individualmente, predizem várias dimensões da habilidade cognitiva e, quando agrupados de forma específica, oferecem as escalas de QI e índices fatoriais que estimulam diferentes constructos subjacentes ao teste. O subtestes estão organizados nos seguintes conjuntos:

• Subtestes Verbais: Informação, Semelhanças, Aritmética, Vocabulário, Compreensão e Dígitos;

• Subtestes de Execução: Completar figuras, Código, Arranjo de figuras, Cubos, Armar Objetos, Procurar Símbolos e labirintos;

• Subtestes Suplementares: Dígitos, Procurar Símbolos e Labirintos;

Escalas de QI: QI Verbal (QIV), QI de Execução (QIE) e QI Total (QIT).

d) O subteste CUBOS das Escalas Wechsler:

O teste é composto de nove cubos com as faces coloridas de vermelho e branco, e dez cartões com os modelos para reproduzir (dois são de demonstração). Administra-se com limite de tempo. Cubos é um subteste de execução.

O sucesso no desempenho de Cubos exige que o sujeito seja capaz de decompor o modelo em partes ou unidades e de escolher, entre os cubos disponíveis, as unidades com que pode reconstruir o todo. Basicamente, portanto, requer que o sujeito utilize a sua capacidade de análise e síntese, buscando entre relações entre as faces e o modelo.

e) A Escala de Pelotas:

A avaliação de classe social de Pelotas criada por Lombardi et al. (1988) visa a classificação social de empregadores, assalariados e trabalho exercido por conta própria. Os critérios levados em conta nos três itens mencionados são: tipo de produção, grau de instrução, estabelecimento próprio ou não e conhecimento ou não do ofício. No caso dos empregadores, número de empregados e renda superior ou inferior a quinze salários mínimos e grau de instrução.

f) A Escala de Comportamento Adaptativo de Vineland:

Em 1984, foi revisada por Sparrow et al., com algumas modificações estruturais, porém com o mesmo objetivo, isto é, de definir detalhadamente a capacidade progressiva da criança em se cuidar e participar de atividades que a levem a total independência dos adultos. A escala Vineland tem sido amplamente utilizada em indivíduos com o transtorno tipo autístico, pois em geral, eles não respondem aos testes paramétricos (Klin et al., 2007). Sua confiabilidade e validade nestas populações são altas (Bildt, Kraijer, Sytema, & Minderra, 2005).

g) Escala de Traços Autísticos (ATA):

A Escala de Traços Autísticos (ATA) foi elaborada por Ballabriga, Escudé e Domenech (1994) e foi adaptada ao nosso meio por Assumpção et al. (1999). Trata-se de uma escala para a detecção de condutas autísticas. É composta por 23 subescalas, cada uma das quais divididas em diferentes itens. Baseia-se na observação e permite fazer seguimentos longitudinais da evolução, tendo por base a sintomatologia autística, auxiliando também na elaboração de um diagnóstico mais confiável desses quadros. Pode ser aplicada a partir dos dois anos de idade. Tempo médio de aplicação entre vinte e trinta minutos. Cada subescala da prova tem um valor de 0 a 2; pontua-se a escala positiva no momento em que um dos itens for positivo; a pontuação global da escala se faz a partir da soma aritmética de todos os valores positivos da subescala.

Procedimentos

Os indivíduos com a síndrome de Asperger, como previamente relatado, foram indicados e após o contato telefônico e autorização da família foram, na grande maioria, avaliados em suas residências.

Os sujeitos com desenvolvimento normal (SN), após a autorização do diretor da Escola Estadual Visconde de Congonhas do Campo, foram avaliados em sala disponível no espaço escolar. O exame ocorreu após as informações sobre a pesquisa e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

Os instrumentos foram aplicados de maneira padronizada e na seguinte ordem: Vineland, ATA, Escala de Pelotas. Os testes de Bender, Cubos, Head e Partes do corpo conforme os itens abaixo:

a) Identificação de partes do corpo em si e no outro (Teste de Imitação de Gestos)

b) Conservadas três provas em sua sequência natural (HEAD)

c) Cópia dos nove cartões de BENDER

d) Prova de Cubos (Subteste) das escalas WECHSLER

Somente no grupo SA (Aspergers) foram aplicados a Vineland e a ATA, já que ambos os instrumentos foram utilizados para a homogeneização da amostra.

Antes da aplicação dos instrumentos para avaliação da organização perceptual, visual e motora, os sujeitos foram devidamente orientados do objetivo da pesquisa, bem como das normas a serem seguidas.

Encerrada a avaliação, agradecia-se pela participação com uma breve explicação a respeito do processo e finalidade dos instrumentos, sendo ainda, oferecida uma entrevista devolutiva quanto aos resultados.

Todos os participantes do estudo foram instruídos sobre a pesquisa e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido de acordo com as considerações éticas. O termo, bem como o projeto foi submetido e aprovado pelo comitê de ética da Psicologia da USP em 10/11/2009.

Análise Estatística

Os resultados obtidos foram comparados entre os dois grupos por meio dos testes t-independente (p), Qui-quadrado (p), Mann-Whitney (p) e coeficiente de correlação de Pearson (c).

Os escores da aplicação do grupo com a síndrome de Asperger (SA) foram comparados aos do grupo controle (SN) quanto a ATA, Vineland, nível socioeconômico, idade, e testes de Bender, Cubos, Head e Partes do Corpo.

Tais instrumentos estatísticos são utilizados quando se quer comparar dois grupos de informações com nível de mensuração numérica, e, como no caso, as amostras são independentes e deseja-se saber se em média os dois grupos são diferentes.

 

Resultados

A análise comparativa entre os dois grupos por meio do teste t-independente quanto à idade e classificação social mostrou que não houve diferença significante entre os dois grupos quanto à idade e classificação social (Tabelas 1 e 2). Segue a distribuição de ambos os grupos:

 

 

O grupo SA apresentou índices totais de desenvolvimento igual ou maior a 70 (VT) na Escala de Comportamento Adaptativo da Vineland. Cada item dessa escala foi estudado separadamente nos SA: Vineland Comunicacional (VC), Vineland atividade cotidiana (VA) e Vineland sociabilização (VS), a fim de verificar as diferenças e semelhanças no referido grupo. Foram, ainda, analisados resultados da ATA − Escala de Traços Autísticos − nesses mesmos indivíduos. Nessas duas análises, foi aplicada a correlação de Pearson com nível de significância de 0,01 entre os SA (tabelas 3 e 4).

 

 

Resultados entre os grupos em relação ao teste de Bender

Totais dos resultados comparativos entre os grupos SA (Aspergers) e SN (Normais) ao Bender Total (Tabela 5). Os sujeitos do grupo SA obtiveram uma pontuação mais elevada em relação ao grupo controle (SN). Ao t-independente nível de significância 0,002.

 

 

O prejuízo significante observado na população com SA em relação ao grupo controle (tabela 6), referiu-se especificamente aos itens abaixo relacionados. Para tanto, foi aplicado teste de qui-quadrado e o nível de significância 0,031 na q1b (distorção da forma); 0,008 nas q14 e q21(desintegração e distorção da forma). Nos três quesitos, (p) foi menor que 0,05.

Resultados entre os grupos em relação ao teste de Cubos

Em cada item do teste de Cubos, o desempenho do grupo SA aponta para uma maior frequência de erros em determinados modelos de execução. O nível de significância encontrado para cada prova, especificamente, foi de 0,011 na Q3; <0,001 na Q7 e na Q8; 0,003 na Q9; 0,023 na Q10 e 0,002 na Q11 ao teste de Mann-Whitney.

 

 

Resultados entre os grupos em relação ao teste de Bèrges & Lèzine (Partes do Corpo)

Na comparação entre os dois grupos, foi encontrado um índice de significância de 0,008 para calcanhares; 0,012 para os polegares; 0,004 para os itens barriga da perna e tornozelos e 0,002 para quadril. (p) menor que 0,05 ao teste t-t independente nos itens relacionados.

 

Tabela 8

 

Resultados entre os grupos em relação ao teste HEAD das provas PIAGET-HEAD

A Tabela 9 apresenta a comparação entre os indivíduos do grupo SN e SA em relação ao teste Head total. Evidentes maiores prejuízos na discriminação da lateralização ("Mão Olho Orelha"), entre os sujeitos do grupo SA. O índice de significância é de 0,001 (p) < 0,05 nos testes t-independente. Os resultados apontam para os déficits no grupo dos SA em todos os itens respondidos sem nenhuma especificação.

 

 

Comparativos dos grupos SA e SN no total das quatro escalas

 

 

O gráfico acima aponta para um desempenho global aquém dos SA nas quatro escalas aplicadas quando comparadas a performance do grupo SN.

 

Discussão

A investigação baseou-se na utilização de instrumentos padronizados que avaliam habilidades de organização perceptual e motora (Bender); lateralidade (Head); análise e síntese (Cubos), e reconhecimento de partes do corpo (Bèrges & Lèzine). Os instrumentos empregados, principalmente os mais utilizados em avaliação neuropsicológica, no caso, os testes de Cubos das escalas Wechsler, bem como o teste de Bender e lateralidade das provas de Piaget-Head, possibilitaram a compreensão através de uma análise quantitativa de como se processa a função executiva e a memória de trabalho nestes indivíduos. Os resultados em todas as provas aplicadas evidenciaram prejuízos na organização viso-motora no grupo com a síndrome de Asperger. Todos os procedimentos aplicados no presente estudo demonstram que esses indivíduos são preservados do ponto de vista intelectual e apresentam transtorno invasivo no desenvolvimento (TID) tendo em vista os critérios do DSM IV TR e os escores obtidos através da Escala de Traços Autisticos (ATA).

A hipótese de comprometimento da função executiva como déficit subjacente ao autismo surgiu em função da semelhança entre o comportamento de indivíduos com disfunção cortical pré-frontal e daqueles com autismo (Duncan, 1986).

O conceito de "desempenho executivo" se refere a uma coleção de habilidades cognitivas essenciais para a organização do funcionamento mental e comportamento. O desempenho cognitivo é constituído de dimensões múltiplas, como ocorre, por exemplo, com a memória e a linguagem.

Conforme Souza, Ignacio, Cunha, Oliveira, e Moli (2001), a expressão "desempenho executivo" denota a capacidade de planejar, organizar e efetuar ações e comportamentos de valor adaptativo. O desempenho executivo não é unitário, sendo possível desmembrá-lo em flexibilidade, aquisição de hábitos e habilidades e planejamento e que estas dimensões são mediadas por alças pré-frontais-subcorticais.

Nos indivíduos com a síndrome de Asperger, observam-se dificuldades para expressar intenções, resolver problemas por meio de planejamento e compreender estados em situações hipotéticas (Araujo, 2000).

De uma maneira geral, as dificuldades do grupo SA ficaram evidenciadas devido ao baixo desempenho nos testes aplicados na presente pesquisa. Todavia, os testes de Cubos e Bender têm ainda uma maior representatividade na avaliação neuropsicológica da função executiva e memória de trabalho.

A memória de trabalho é considerada um sistema cerebral responsável pelo armazenamento e manipulação de informações temporárias úteis a determinadas tarefas cognitivas complexas (Baddeley, 1992). O sistema de controle da atenção regula o fluxo das informações para a alça fonológica e para o bloco de notas visuo-espacial, mantendo-as na memória para uso temporário. A informação de um desses sistemas funcionais pode tornar-se uma memória de longo prazo (Kandel, Schwartz, & Jessell, 2003). O prejuízo no funcionamento da memória de trabalho contribui para dificuldades na função adaptativa, como a comunicação social e as habilidades na resolução de problemas que envolvem a capacidade de planejar, organizar, manter sequências lógicas, buscarem estratégias para a solução de problemas, etc. (Baddeley, 1986; Baddeley & Hitch, 1974).

Os indivíduos com a síndrome de Asperger denotam características e funcionamento peculiar em seu processo de memorização e utilização da informação armazenada. Podem apresentar ainda, interesses e habilidades muito específicas e prodigiosas, todavia o funcionamento cognitivo mostra-se atípico e com limitações passíveis de serem confundidas com retardamento mental.

Análise dos grupos no Teste de Bender

Na análise dos sujeitos por meio do teste de Bender, foram encontradas evidências que corroboram com os estudos de Cunha et al. (2000). Quando a pontuação foi instituída por Koppitz (1987), cada escala foi cuidadosamente planejada para indivíduos cuja coordenação muscular fina não tinha sido amadurecida completamente, pontuando-se apenas as irregulares mais grosseiras. O índice das respostas dos pacientes com a síndrome de Asperger evidenciam maiores prejuízos na performance do Bender Total, assim como em cada item do teste. Para Cunha et al. (2000), as maiores pontuações no Bender no que se refere à categoria distorção da forma relacionam-se com falhas de proporção, de precisão, de conservação dos pontos, das linhas retas, das curvas e dos ângulos. O item desintegração refere-se à perda da configuração por omissão, acréscimo ou subtração de elementos componentes. Observa-se que os números de erros cometidos pelos SA concentram-se nos aspectos como a distorção da forma (itens 1b e 21b) e na categoria desintegração (14). Para essa autora, os tipos de desvios apresentados no grupo SA são altamente significativos e sugestivos de transtornos do desenvolvimento neuropsicológico. Os falsos reconhecimentos e alterações da percepção dos objetos no espaço visual relacionam-se com as alterações do espaço natural orientado, que são todas aquelas que implicam na quebra da relação do corpo com o seu espaço imediato. Aqui se incluem as alterações de tamanho e forma com que são percebidos os objetos no espaço visual (Ballone, 2005). Os estudos realizados por Willians, Goldstein e Minshew (2006) indicam que o perfil de memória desses indivíduos é caracterizado por relativa inaptidão em memória visual complexa e memória de trabalho espacial. Contudo possuem melhor capacidade de memória de trabalho verbal e memória de reconhecimento.

Análise Comparativa no Subteste das Escalas Wechsler - Cubos

O teste de Cubos representa um importante meio para avaliação e mede a capacidade de análise e síntese, capacidade de conceituação viso-espacial, coordenação viso-motora e espacial (organização e velocidade perceptual) planejamento e estratégia na resolução de problemas, portanto, funções complexas, ligadas à função executiva. A função executiva permite o uso da atenção de maneira flexível frente a objetivos, inibir respostas com caráter impulsivo e criar estratégias eficientes para a resolução de problemas.

Para Volkmar, Klin, e Cohen (1997), a memória depende da integração de vários processos cognitivos (atenção dirigida, habilidade de organização perceptual auditiva, visual e linguagem) mediados por regiões corticais e subcorticais do cérebro. Importante ressaltar que os aspectos aqui mencionados são compatíveis com os estudos de Souza et. al., (2001), quanto ao desempenho executivo, pois depende da capacidade de planejar, organizar e efetuar ações e comportamentos de valor adaptativo que são tarefas muito complicadas para os indivíduos nos transtornos autísticos.

As dificuldades perceptuais que envolvem as habilidades de organização, planejamento e estratégias na solução de problemas, bem como déficit na aquisição da reversibilidade, atenção dirigida, capacidade viso-espacial para decompor os modelos em partes e escolher as unidades com que se pode reconstruir o todo no teste de Cubos (análise e síntese) presentes no grupo dos SA, corroboraram para o baixo desempenho encontrado no presente estudo. Cunha et al. (2000) descreve que características que envolvem fracassos na reprodução da gestalt podem ser decorrentes de alterações no desenvolvimento neuropsicológico. A falta de tendência natural em juntar as partes de informações para formar um "todo" provido de significado (coerência central) é considerada hoje uma das características mais marcantes no autismo (Frith, 1989).

Lezak (1995) destaca que o desempenho neste subteste proporciona a investigação das articulações que o sujeito realiza para solucionar os problemas, o que representa um desafio complexo na síndrome de Asperger, uma vez que esses sujeitos apresentam dificuldades na organização e planejamento da execução de uma atividade, além de prejuízo na generalização do aprendizado (Borges & Shinohara, 2007).

Nos estudos de Leboreiro (2009), os sujeitos obtiveram resultados abaixo da faixa normal na memória de trabalho visual com déficits no conteúdo, assim como no desempenho espacial. Esses resultados corroboram com o presente estudo, bem como com as afirmações de (Williams, Goldstein & Minshew, 2006). Para esses autores, sujeitos diagnosticados com Transtorno global do Desenvolvimento com inteligência preservada possuem relativa inaptidão da memória de trabalho visual complexa, bem como da espacial. Steele, Minshew, Luna, e Sweeney (2007) também salientam que o déficit da memória de trabalho espacial está ligado à quantidade de informação que é demandada dessa memória.

Análise dos sujeitos no Teste de Bèrges & Lèzine ou reconhecimento das partes do corpo

O esquema corporal é desenvolvido plenamente na infância, no qual as crianças conscientizam-se das partes que constituem o corpo e como essas podem se movimentar. Na sua fase final, está intimamente ligado ao desenvolvimento espacial. Para Le Boulch (1984), aos 7 e 8 anos as crianças já devem estar com o esquema corporal definido, e os conceitos de localização subjetiva e autoespaço, atrelados à fase do pensamento pré operatório. Já o conceito de localização objeto espaço está conectado às estruturas cognitivo superiores, na fase das operações concretas (Piaget, 1978; Galhahue & Ozmum, 2005).

Os resultados obtidos pelo grupo SA revelam falhas no reconhecimento de determinadas partes do corpo, sugerindo assim que a estruturação espacial e perceptual, bem como as noções das possibilidades motoras de ação e expressão encontram-se prejudicadas em relação ao grupo controle.

Mèredieu (1974) confere ao esquema corporal como a primeira tomada de consciência da criança de suas possibilidades motoras de ação e expressão. A estruturação espacial é parte integrante do desenvolvimento e é difícil dissociá-la dos três elementos fundamentais como corpo, espaço e tempo. Entende-se assim que a percepção do mundo através da ação e da representação espacial pode se configurar de maneira atípica e estereotipada nos indivíduos com a síndrome de Asperger e como para a criança, fenômenos como tempo, espaço e casualidade não são compreendidos de uma forma lógica e linear (Derdyk, 2004).

As ideias propostas pelos autores concordam com o pensamento de Mèrleau-Ponty (1992,1994) quanto ao corpo estar associado à motricidade, à percepção, à sexualidade, à linguagem e outras experiências, apresentando-se como um fenômeno complexo. A performance na descriminação do esquema corporal apresentada pelos sujeitos do grupo SA no reconhecimento das partes do corpo, indicam que eles não têm noção espacial adequada do corpo em sua totalidade e que tais dificuldades podem afetar percepção, a ação, a motricidade, a interação social e a afetividade conforme aponta o autor acima.

Análise Comparativa dos sujeitos nas provas de Head ( Piaget-Head)

A comparação entre o grupo controle e os portadores da síndrome de Asperger para Head apontam para os resultados inferiores no grupo dos sujeitos com a síndrome de Asperger. Observa-se na pontuação total das quatro escalas que os SA mantiveram os mesmos padrões inferiores nos resultados globais. Como afirma Piaget (1988), a criança despende os sete primeiros anos de sua vida para compreender princípios de invariância que se aplicam às noções de objeto, quantidade, número, espaço e tempo. São estes princípios que lhe permitem objetivar, progressivamente, a realidade. Em outras palavras, uma das grandes evidências de que uma criança pode estar se desenvolvendo bem é o fato de ela compreender que os objetos podem ter uma existência independente e que eles possuem propriedades invariáveis. Entretanto, na síndrome de Asperger, o desenvolvimento ocorre de maneira atípica e enquanto algumas habilidades encontram-se prejudicadas, outras se sobrepõem.

As "ilhotas de habilidades especiais", ou "splinter skills", se caracterizam por capacidades preservadas ou muito desenvolvidas em determinadas áreas em contraste com os déficits de funcionamento geral (Klin, 2006).

É na tomada de consciência da situação de seu próprio corpo em um meio ambiente que a criança se situa, situa os objetos, um em relação a outro, se organiza em função do espaço que dispõe. A noção de corpo desenvolve-se graças à função semiótica e ao movimento, nascendo todo um período que nos leva da ação a representação (Fonseca, 1983).

Enfim, a complexidade que envolve as noções de percepção espacial, motricidade e ação, bem como a discriminação direita-esquerda (lateralidade) é uma das importantes dificuldades da população estudada e encontram-se em consonância com os estudos de Meur e Staes,(1989), que mostraram que os indivíduos com autismo obtiveram menores pontuações nas medidas de aptidão nas tarefas de imitação corporal, integração física baixo funcionamento em relação à imagem e graça corporal.

De acordo com Oliveira (1997), é através do espaço e das relações espaciais que os seres se situam no mundo e que estabelecem relações entre os objetos. Para tanto, utilizam de observações, comparações e combinações que favorecem a percepção de semelhanças e diferenças entre eles. Para indivíduos com esse transtorno, é muito difícil expressar intenções, resolver problemas por meio de regras, lidar com múltiplas informações, criarem estratégias, decodificar e darem significados na execução de tarefas complexas como no caso, manter atenção e o olhar, isto é, utilizar conhecimentos prévios, imitar e atender ordens verbais como exige a prova de Head na relação de percepção corpo- espaço e discriminação da lateralidade.

Os déficits apresentados pelos indivíduos com a síndrome de Asperger relacionam-se com a literatura pesquisada e resultados obtidos nas provas de organização perceptiva visual e motora utilizadas na presente pesquisa. Os prejuízos em relação à simbolização, percepção de conceitos complexos fazem-se presentes na sintomatologia autística e podem ser compreendidos pela incapacidade de processar informações devido aos déficits na função executiva, na coerência central e consequentemente na memória de trabalho.

 

Conclusões

Os resultados deste estudo indicaram que as habilidades viso-perceptuais e motoras em indivíduos com a síndrome de Asperger estão prejudicadas quando comparadas a indivíduos com desenvolvimento normal.

As dificuldades de simbolização e de percepção de conceitos complexos podem ser compreendidas pela incapacidade de processar informações devido aos déficits na função executiva, na coerência central e consequentemente na memória de trabalho. Observou-se também que as habilidades que envolvem uma flexibilidade de pensamento, organização e planejamento da execução de uma atividade são complexas para pessoas com o diagnóstico da síndrome de Asperger. A literatura pesquisada e os resultados obtidos por esses indivíduos apontam para déficits de coordenação ou organização espaço temporal e prejuízos de memória e atenção quando comparados com o grupo controle.

A quebra da relação do corpo com seu espaço imediato repercutem em alterações de tamanho e forma com que os objetos são percebidos no espaço visual e fracassos na reprodução da gestalt podem ser decorrentes de alterações no desenvolvimento neuropsicológico. A falta de tendência natural em juntar as partes de informações para formar um todo organizado (coerência central) é uma das características mais importantes desse transtorno.

A noção corporal, bem como a lateralidade e espacialidade evidenciaram prejuízos no grupo dos sujeitos SA no presente estudo. Essas habilidades dependem de requisitos de funcionamento que dependem da maturidade, assim como de um funcionamento adequado da função executiva e da memória de trabalho.

Este trabalho teve como limitações as diferenças em termos de escolarização e o pequeno número da amostra decorrente da prevalência baixa no número de casos, fazendo-se necessários novos estudos que contribuam com o tema em questão.

 

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Endereço para correspondência:
Av. Prof. Mello Moraes, 1721
CEP 05508-030 Cidade Universitária - São Paulo
Email: idajanete@hotmail.com e cassiterides@bol.com.br

Enviado em 19 de Abril de 2011
Texto reformulado em 17 de Novembro de 2011
Aceite em 18 de Novembro de 2011
Publicado em 31 de Dezembro de 2011

 

 

Sobre os autores:

Ida Janete Rodrigues - doutora em Psicologia clínica pela Universidade de São Paulo.
Francisco Baptista Assumpção Jr - livre docente e professor associado do Instituto de Psicologia da USP.

 

 

Dados parciais extraídos da tese de doutorado em Psicologia Clínica- Instituto de Psicologia Clínica da Universidade de São Paulo, 2010.

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