SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.19 número2A "fragilização das funções parentais" na família contemporânea: determinantes e consequênciasInstrumentos na prática clínica: CBCL como facilitador da análise funcional e do planejamento da intervenção índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.19 no.2 Ribeirão Preto dez. 2011

 

Representações sociais sobre a atuação do psicólogo escolar: um estudo com profissionais da educação

 

Social representations on the performance of the school psychologist: a study from professionals of education

 

 

Daniela Karine Ramos

Universidade Federal de Santa Catarina - Florianópolis, SC - Brasil. Professora do Departamento de Metodologia de Ensino da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O artigo relata os resultados de uma pesquisa sobre as representações sociais que os profissionais da educação têm sobre quem é o psicólogo escolar e qual é a sua função na escola. A coleta de dados foi realizada a partir de entrevistas semiestruturadas e envolveu 22 profissionais da área de educação. As entrevistas foram gravadas e, posteriormente, transcritas utilizando-se a técnica de registro contínuo. Como orientação metodológica para análise e discussão utilizou-se a proposta da análise de conteúdo. A partir disso, foi possível a sistematização de duas categorias de representações sociais partilhadas no espaço escolar. A primeira se aproxima da perspectiva clínica, norteada por um modelo individualizado, na qual o psicólogo escolar tem o papel de evitar desajustes e desadaptações do aluno, revelando a crença de que a presença de um psicólogo é solução para muitos problemas. Na segunda, identificam-se concepções teóricas atuais que definem o psicólogo escolar como um agente de mudança que atua junto a toda comunidade escolar e sobre problemas psicossociais, visando favorecer o processo de ensino e de aprendizagem.

Palavras-chave: Psicólogo Escolar, Representação social, Função do psicólogo.


ABSTRACT

The article reports on the results of a research about the social representations that education professionals have about who the school psychologist is and what its function in school is. Data were collected using a semi-structured interview and involved 22 education professionals. The interviews were recorded and transcribed using the continuous registry technique and were analyzed and discussed based on the content analysis proposal. From this, two categories of shared social representation in the school were systematized. The first approximates the clinical perspective, guided by an individualized model, in which the school psychologist's role is to avoid mismatches and behavior problems, revealing a belief that the presence of a psychologist is the solution to many problems. In the second it identifies current theoretical concepts that define the school psychologist as a change agent who works with the entire school community and on psychosocial problems in order to facilitate teaching and learning.

Keywords: School psychologist, Social representations, Function of the psychologist.


 

 

Introdução

Neste trabalho, apresenta-se o resultado de uma pesquisa exploratória sobre as representações sociais que os profissionais da educação têm sobre quem é o psicólogo escolar e qual é a sua função na escola. Essas representações oferecem subsídios para discutir a inserção do psicólogo no espaço coletivo da escola e permite levantar questões que podem interferir no trabalho desenvolvido por este profissional, que prescinde do envolvimento e da articulação de ações para cumprir as suas funções.

A interação e o relacionamento com os vários atores envolvidos nos processos de ensino-aprendizagem e na gestão escolar são importantes para o desenvolvimento da atividade do psicólogo escolar. Porém, várias referências, concepções, crenças e atitudes que circulam explícita ou implicitamente no ambiente escolar, incluindo a percepção que cada sujeito tem sobre quem é o psicólogo e o que ele faz na escola, podem interferir positiva ou negativamente nessas interações sociais. Assim, a opção pelo estudo das representações sociais justifica-se pelo fato de que esse conceito diz respeito ao modo como

se formam e como funcionam os sistemas de referência que utilizamos para classificar pessoas e grupos e para interpretar os acontecimentos da realidade cotidiana. Por suas relações com a linguagem, a ideologia e o imaginário social e, principalmente, por seu papel na orientação de condutas e das práticas sociais, as representações sociais constituem elementos essenciais à análise dos mecanismos que interferem na eficácia do processo educativo (Alves-Mazzotti, 2008, p. 20).

Partimos do entendimento de que representação social é um conjunto de conceitos, afirmações, explicações originadas no cotidiano, influenciadas, muitas vezes, por mitos e crenças. Para Moscovici (2004), as representações sociais são maneiras específicas de compreender e de comunicar o que sabemos.

Assim, não perdemos de vista o que Jodelet (1984) designa como sendo representação social, ou seja, uma "forma de conhecimento específico, o saber do senso comum, cujos conteúdos manifestam a operação de processos generativos e funcionais" (p. 472).

Podemos observar, ainda, que a representação social é "uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, como o objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social" (Jodelet, 2001, p. 22). E essa realidade se configura como parte do espaço de atuação do psicólogo. Investigar as representações sociais dos sujeitos constituintes deste meio social possibilita ampliar a compreensão sobre os entraves e as possibilidades relacionadas ao trabalho do psicólogo no contexto escolar.

Isso porque essa forma de conhecimento interfere nas percepções de cada sujeito e configura-se como pano de fundo para a relação estabelecida entre professores e gestores com o psicólogo escolar, pois eles lidam com referências, crenças e pré-concepções que podem criar resistências e dificuldades para o desenvolvimento de um trabalho em conjunto.

Tomamos a percepção como a capacidade que cada sujeito tem de utilizar conhecimentos prévios para interpretar e formar conceitos sobre o mundo e si mesmo, o que orienta o seu comportamento. Assim, utilizamos o termo percepção quando fazemos referência aos conhecimentos descritos por cada sujeito e reconhecemos que as percepções revelam aspectos presentes nas representações sociais.

A partir disso, destacamos a importância do resgate do contexto escolar e da interlocução com os profissionais da educação para a identificação das representações sociais partilhadas no cotidiano profissional e pessoal. Tendo em vista que essas representações vão influenciar no modo como os profissionais da educação interagem com o psicólogo escolar e como contribuem para o desenvolvimento de suas atividades, essa reflexão é ainda mais importante, principalmente, porque as atividades do psicólogo devem ser desenvolvidas de forma integrada e articulada com os diferentes profissionais para terem uma efetiva repercussão e contribuírem para os processos de ensino e aprendizagem e sobre os aspectos relacionais da escola.

Desse modo, a identificação das representações sociais partilhadas é importante para orientar a inserção dos psicólogos nas escolas para que eles possam desenvolver um trabalho de reflexão e ressignificação de seu papel e de sua atuação no ambiente escolar.

 

A atuação do psicólogo escolar: propostas e reflexões

Partimos da compreensão de que o psicólogo escolar é um agente de mudança que atua como um elemento "centralizador de reflexões e conscientizador dos papéis representados pelos vários grupos" (Martins, 2003, p. 40) que compõem a escola. Dentre as suas atribuições, segundo o Conselho Federal de Psicologia (1992), esse profissional colabora com a adequação de conhecimentos da psicologia; desenvolve trabalhos com os alunos e grupos da escola; procura prevenir, identificar e resolver problemas psicossociais; planeja, executa e/ou participa de pesquisas relacionadas à compreensão do processo ensino-aprendizagem e participa do planejamento pedagógico.

Dentre os desafios da função do psicólogo escolar, está a observação da realidade para a "adequação dos constructos teóricos às características econômicas, sociais, políticas e ideológicas que influenciam a educação, a escola, os alunos, as famílias e a sociedade" (Gomes, 1999, p. 50).

Nesse sentido, o psicólogo escolar se difere do teórico ou do pesquisador porque está em contato constante com as situações do dia a dia, com pessoas diferentes em circunstâncias diversas, o que exige o desenvolvimento da competência para operar como promotor de soluções para problemas cotidianos da escola e, ao mesmo tempo, fazer uso dos construtos teóricos da psicologia para atuar sobre as várias problemáticas presentes no contexto escolar.

Outra função do psicólogo escolar, segundo Martins (2003), é a de ser o elo de ligação entre o meio acadêmico e o sistema escolar, interessando-se por metodologias científicas e por resultados de pesquisas. Desse modo, ele pode contribuir para reduzir o descompasso entre o sistema escolar e as pesquisas realizadas no meio acadêmico e também pode auxiliar na formação dos profissionais da educação para que estes tomem melhores decisões referentes a programas educacionais.

Para Gomes (1999), o psicólogo escolar tende a se transformar "em um instrumento dinâmico de promoção de ajuda no ensino, na aprendizagem e na solução de problemas pessoais, sociais, institucionais e comunitários" (p. 52).

Diante de tantas possibilidades de atuação, destacamos que, ao mesmo tempo em que o psicólogo escolar está imerso e faz parte do contexto escolar, ele precisa ter também o olhar clínico. Esse olhar supõe considerar o campo como estruturado por relações e interações dinâmicas e complexas, supor que o prático e o pesquisador devem estar deslocados na relação, para assumir uma postura de implicação-distanciamento e uma atitude de "estranhamento" para o que é vivenciado, rotineiro, comum e de si mesmo, requerendo a busca por novos sentidos.

Assim, consideramos que o psicólogo escolar é um agente de mudança que desenvolve ações junto aos alunos, professores, gestores, pais e a comunidade, tais como:

a) desenvolvimento de trabalhos com alunos e grupos para contribuir com a resolução de problemas relacionais e psicossociais que influenciam no processo de ensino e de aprendizagem;

b) proposição de reflexões que contribuem com a formação dos professores, compartilhando os conhecimentos da Psicologia;

c) desenvolvimento e utilização de métodos científicos de pesquisa;

d) realização do diagnóstico da instituição;

e) participação no planejamento pedagógico;

f) contribuição para prevenção, identificação e resolução de problemas psicossociais, visando contribuir com o processo de ensino e de aprendizagem.

Por outro lado, as possibilidades de atuação descritas, muitas vezes, não coincidem com a representação social partilhada nos contextos escolares. De acordo com pesquisadores como Gomes (1999), Martins (2003) e Andaló (1984), ainda identifica-se a perspectiva clínica, norteada por um modelo individualizado, nos contextos escolares. Nessa perspectiva, o psicólogo escolar tem o papel de evitar desajustes e desadaptações do aluno. Assim, os problemas centram-se nos alunos e a atuação desse profissional recebe um caráter de onipotência, resultado da crença de que a presença de um psicólogo é a solução para muitos problemas. Isso acaba por gerar a desresponsabilização por parte dos profissionais envolvidos e por prejudicar o desenvolvimento de um trabalho cooperativo e de parceria entre o psicólogo e os profissionais da educação.

A alternativa mais adequada, segundo Andaló (1984), é a de que o psicólogo escolar assuma "o papel de agente de mudanças dentro da instituição escolar", atuando como um elemento "centralizador de reflexões e conscientizador dos papéis representados pelos vários grupos que compõem tal instituição" (p. 41).

Cabe salientar que é importante ao psicólogo escolar conhecer as representações sociais sobre o seu trabalho presentes no contexto de sua inserção, sabendo que os fatores sociais e institucionais repercutem sobre a construção desse tipo de conhecimento partilhado. Essa compreensão é fundamental, pois será no "âmbito das relações que estabelece no interior da instituição escolar que terá condições de proporcionar novas alternativas para seu trabalho" (Martins, 2003, p. 41), bem como de ressignificar as práticas sociais e a atuação do psicólogo escolar.

 

Metodologia da pesquisa

A partir dos aspectos apresentados, definem-se como objetivos desse trabalho: levantar as percepções e crenças que os profissionais de educação, professores e gestores têm sobre o psicólogo escolar; identificar as representações sociais partilhadas no espaço escolar e verificar se variáveis como o nível de escolaridade, a atuação profissional, o convívio pessoal e no trabalho com um psicólogo interferem na construção da representação social.

Para dar conta desses objetivos, foi construído um roteiro de entrevista semiestruturado para a coleta de dados acerca das variáveis definidas e das percepções sobre quem é o psicólogo escolar e qual a sua atuação na escola, na tentativa de identificar as representações sociais. As entrevistas foram realizadas em horários pré-definidos acordados entre o entrevistador e os profissionais da educação nas escolas em que os mesmos atuavam, na biblioteca ou em alguma sala da secretaria. Em média, cada entrevista durou 20 minutos.

As representações sociais, como já descritas, são formas de conhecimento baseadas no senso comum e no conhecimento prático que devem ser estudadas, segundo Jodelet (1989, citado por Spink, 1995), articulando elementos afetivos, mentais e sociais e considerando as condições sociais. Desse modo, o uso da entrevista buscou capturar esses aspectos a partir do diálogo estabelecido entre o entrevistador e o profissional da educação.

No diálogo estabelecido, introduziram-se algumas questões que abordavam aspectos contextuais, selecionados por terem o potencial de influenciar a construção das representações sociais, tais como nível de escolaridade, tempo de atuação na escola, se conhecia algum psicólogo, se já havia desenvolvido algum trabalho com um psicólogo.

Diante disso, destacamos que a coleta de dados foi realizada a partir de entrevistas semiestruturadas, gravadas e, posteriormente, transcritas utilizando a técnica de registro contínuo, durante os meses de março e abril de 2007, em seis escolas públicas de cidades da Região do Vale do Itajaí, em Santa Catarina.

Foram entrevistados 22 profissionais da educação, todos do sexo feminino, sendo que 14 eram professoras e 6 atuavam na gestão escolar. Porém, a análise dos dados não considerou essa variável. Os sujeitos entrevistados tinham as seguintes características: idade média de 40 anos e tempo de experiência média de atuação em escolas de 14 anos.

A partir da transcrição das entrevistas, utilizamos como orientação metodológica a proposta de Análise de Conteúdo (AC). De acordo com Bardin (1977), a AC é:

um conjunto de técnicas de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitem a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens. (p. 42)

Desse modo, a partir das transcrições das entrevistas, utilizaram-se como referência os três polos cronológicos de organização da análise de conteúdo descritos por Bardin (1977):

1) Pré-análise: consistiu na organização, operacionalização e sistematização das ideias iniciais, envolveu a formulação das hipóteses e dos objetivos, a elaboração dos indicadores que fundamentaram a construção do roteiro da entrevista e a interpretação final. Essa fase observou os seguintes procedimentos:

a. Pré-análise: consistiu na organização, operacionalização e sistematização das ideias iniciais, envolveu a formulação das hipóteses e dos objetivos, a elaboração dos indicadores que fundamentaram a construção do roteiro da entrevista e a interpretação final. Essa fase observou os seguintes procedimentos:

b. Escolha dos documentos: envolveu a seleção das entrevistas a serem utilizadas na análise, considerando a representatividade e a pertinência. Nesta pesquisa, todas as 22 entrevistas realizadas foram utilizadas na análise.

c. Formulação de hipóteses e objetivos: representou o levantamento de hipóteses, como a de que o fato do profissional daeducação conhecer e trabalhar com um psicólogo contribui para que a sua percepção sobre a atuação desse profissional se aproxime das concepções científicas e teóricas; e a delimitação dos objetivos, ou seja, a finalidade a que nos propomos.

d. Referenciação dos índices e elaboração de indicadores: definição dos temas, classes e perfis que orientaram a construção de indicadores e consideraram os dados coletados e os referenciais teóricos que fundamentaram o trabalho.

e. Preparação do material: referiu-se ao preparo do material para posterior análise, o que incluiu a própria transcrição das entrevistas gravadas.

2) Exploração do material: consistiu na administração sistemática das decisões tomadas na leitura flutuante e nas operações de codificação, desconto e enumeração, em função das regras definidas.

3) Tratamento dos resultados, inferência e interpretação: consistiu no tratamento dos dados de modo a torná-los significativos e válidos, incluindo procedimentos estáticos, construção de gráficos e quadros que condensaram e colocaram em relevo as informações coletadas.

 

Resultados e discussão

O roteiro da entrevista possibilitou identificar o perfil dos entrevistados: a maioria deles tem pós-graduação lato sensu, sendo que um tem mestrado e apenas dois têm o Ensino Médio como nível de escolaridade, conforme o gráfico a seguir.

 


Gráfico 1 - Clique para ampliar

 

A partir da transcrição e da análise das entrevistas, foi possível identificar que 90,91% dos entrevistados conhecem pessoalmente um psicólogo, 40,41% já desenvolveram algum tipo de trabalho em conjunto com um psicólogo e 31,82% já trabalharam em escolas que tinham psicólogos.

Para analisar os dados coletados e as características dos sujeitos entrevistados relacionados à interação com o psicólogo escolar, os sujeitos foram agrupados em três perfis:

• Perfil 1: Profissional que não conhece e nem desenvolveu algum trabalho, na escola ou fora dela, com um psicólogo (n = 2).

• Perfil 2: Profissional que conhece e já interagiu com um psicólogo na escola ou fora dela (n = 17).

• Perfil 3: Profissional que conhece e já desenvolveu algum trabalho conjunto com um psicólogo na escola ou fora dela (n = 3).

Ao analisar as percepções apresentadas sobre quem é o psicólogo escolar e qual é a sua atuação pelos sujeitos, buscou-se identificar a representação social presente no espaço escolar e analisaram-se as aproximações ou distanciamentos com as concepções teóricas atuais relacionadas à psicologia escolar.

No perfil 1, foi possível classificar apenas dois dos entrevistados. E identificamos que esses profissionais, que não se conhecem pessoalmente e nem trabalharam com um psicólogo, representam o psicólogo escolar como um profissional que "atua nas diversas anomalias e desequilíbrios", centram os trabalhos apenas nos alunos ou ainda não consegue definir claramente quem é esse profissional, dando respostas como "nós professores somos um pouco psicólogos".

A análise da transcrição das respostas coloca em evidência uma perspectiva clínica da atuação do psicólogo que, na escola, se centraria no ajustamento e padronização do comportamento dos alunos a um ideal de aluno. Revela uma visão distorcida do processo de desenvolvimento e aprendizagem que envolve constantes desequilíbrios e conflitos como motores desse processo.

De outra forma, encontramos também o senso comum que supõe que todos podem ser um pouco psicólogos, sem considerar todo referencial, métodos e instrumentos próprios da atuação desse profissional.

A partir da análise do perfil 2 e respostas transcritas, pode-se identificar que os profissionais que conhecem pessoalmente e interagiram com um psicólogo possuem percepções mais próximas as funções e ao trabalho do psicólogo escolar descritas nas produções acadêmicas. No conteúdo das entrevistas com esse perfil, podemos identificar elementos relacionados a essa perspectiva, como na descrição do psicólogo escolar enquanto um profissional "atento a questões de aprendizagem, socialização e escola como um todo" e que atua no "atendimento a crianças, diagnóstico ou observação dos estudantes, auxílio ao professor".

Ainda no que se refere à atuação do psicólogo escolar descritas pelos sujeitos do perfil 2, temos atividades que envolvem o "acompanhamento, orientação, diagnóstico, indicação de ações pedagógicas". A partir dessa transcrição, destacamos a presença do diagnóstico como uma das atividades do psicólogo, não ficando claro se este se refere à escola como um todo ou aos sujeitos envolvidos no processo. Essa atividade pode revelar uma aproximação com a perspectiva clínica e a necessidade que a escola e professores têm de nomear os sintomas e comportamentos presentes na escola, muitas vezes como se essa nomeação desresponsabilizasse a escola e justificasse as situações e problemáticas vivenciadas.

Além disso, as atividades descritas pelo perfil 2 revelam também o enfoque no processo pedagógico e um apontamento de que o psicólogo pode participar do planejamento e ações pedagógicos contribuindo com seus conhecimentos com o processo de ensino e aprendizagem. Esta perspectiva requer um trabalho conjunto e a interação construtiva da relação entre esses dois profissionais para atingir metas comuns.

Nesse sentido, Cruces (2005) ao pesquisar a atuação de egressos que atuam em psicologia escolar em São Paulo, identifica que o foco maior de atuação reside em atividades interdisciplinares e envolvendo grupos, em detrimento de atividades voltadas para alunos e família, ou seja, o psicólogo se envolve com os vários segmentos na escola e atua como mediador.

Dentre os profissionais que responderam a entrevista, apenas três conheciam e já trabalharam com um psicólogo (Perfil 3). Observando essas variáveis, identificamos que esses três profissionais partilham uma representação social sobre o que vem a ser o psicólogo escolar e a sua atuação, muito próxima das perspectivas atuais descritas nas produções científicas e acadêmicas. Segundo um dos entrevistados, o psicólogo "faz parte da equipe multidisciplinar que atua na escola em conjunto com a coordenação pedagógica e administrativa da escola" e atua sobre "problemas disciplinares, de relacionamento, de aprendizagem. Envolve o ambiente escolar e a família".

A análise das transcrições das entrevistas agrupadas no perfil 2 e 3, considerando o fato de afirmarem que conhecem um psicólogo, evidencia que os aspectos culturais e vivenciais interferem na sua construção dos significados e no modo como os sujeitos se inserem no mundo. Isso porque o fato de conhecer um psicólogo supõe a interação e a troca de informações em conversas informais que permitem uma melhor aproximação com a concepção teórica do que é ser um psicólogo.

Porém, não necessariamente este psicólogo atua em escolas, ou seja, é possível que aquilo que seja compartilhado se refira a outros espaços de atuação do psicólogo. Por isso, reforça-se a influência que a atuação em escolas com psicólogos tende a favorecer a aproximação da representação social com os referenciais teóricos sobre a atuação do psicólogo.

No que diz respeito ao nível de escolaridade e a representação social sobre o psicólogo escolar, obtivemos os seguintes resultados:

a) Profissionais com Ensino Médio: temos 2 pessoas que representam 9,09% do grupo de entrevistados, sendo que ambas descreveram percepções que se aproximam em parte das concepções teóricas.

b) Profissionais com graduação: temos 5 pessoas que representam 22,73% do grupo de entrevistados. Desses, 3 descreveram percepções que se aproximam parcialmente das concepções teóricas e 2 contrariam as atuais concepções teóricas e não identificamos nenhuma percepção, tanto sobre quem é o Psicólogo escolar, como sua atuação, que se aproxime das concepções teóricas.

c) Profissionais com especialização: temos 14 pessoas que representam 63,64 % do grupo de entrevistados. Desses profissionais, 8 descreveram percepções que se aproximam em parte das concepções teóricas, 4 contrariam as atuais concepções teóricas e 2 se aproximam fortemente dessas concepções.

d) Profissionais com Mestrado: temos uma pessoa que representa 4,55% do grupo de entrevistados e ela apresenta percepções que se aproximam em parte das concepções teóricas.

A partir dos dados apresentados com relação à influência do nível de escolaridade, podemos observar que a mesma não interfere significativamente na aproximação da representação social sobre o psicólogo escolar com os referenciais acadêmicos, nesse grupo que participou da investigação. Essa constatação pode ser explicada pelo fato da formação acadêmica não oferecer subsídios para se compreender a atuação e o papel do psicólogo, já que aborda questões relacionadas à atuação docente na escola e suas especificidades.

Desse modo, podemos inferir que o convívio pessoal e profissional tenha maior repercussão para a formação de uma representação social mais adequada a concepções teóricas do que a formação acadêmica.

Considerando que a percepção é a capacidade de utilizar conhecimentos prévios para interpretar o mundo e orientar o comportamento humano e que a representação social é uma forma de conhecimento elaborado e partilhado socialmente (Jodelet, 2001), podemos supor que ao expressar sua percepção sobre determinado aspecto, o sujeito expressa também a representação social. Assim, ao fazer a análise de conteúdo da transcrição das entrevistas, procuramos identificar as representações sociais sobre a atuação do psicólogo escolar.

A partir da análise de conteúdo, foi realizada com base em indicadores definidos segundo os aspectos teóricos descrito sobre a concepção e atuação do psicólogo escolar. Ao fragmentar o texto e aplicar os indicadores, identificamos duas categorias que correspondem a duas representações sociais distintas partilhadas no espaço escolar:

a) Categoria 1: Representa o psicólogo escolar sob a ótica da clínica (n = 5).

b) Categoria: Representa o psicólogo escolar como um agente de mudança (n = 17).

A partir dessas duas categorias agrupamos unidades de textos e efetuamos a contagem de sua frequência, conforme apresentamos na Tabela 1.

Na categoria 1, encontramos uma representação social sobre a psicologia escolar baseada no modelo clínico ou distorcida no que se refere à atuação do psicólogo na escola. Essa representação pode ser observada na transcrição de uma das entrevistas, segundo a qual o psicólogo escolar: "trabalha as atividades que o pedagogo não pode trabalhar por falta de formação, atuando na clínica, atendimento" ou um outro exemplo seria que o psicólogo "atende alunos com dificuldade de aprendizagem e faz laudos". Já com relação à distorção, temos a seguinte descrição: o psicólogo escolar "é o próprio professor, resolve quase todas as questões. O professor exerce o papel de psicólogo". Essa descrição não considera o papel que o psicólogo pode desempenhar na escola e apresenta a crença de que o professor pode dar conta de quase todas as questões presentes no contexto escolar.

Na categoria 2, temos uma representação social que se aproxima da concepção teórica antes descrita, a partir da qual identificamos que o psicólogo escolar é um agente de mudança que atua junto a toda comunidade escolar e sobre problemas psicossociais, visando favorecer o processo de ensino e aprendizagem. Dentro dessa categoria, temos a seguinte transcrição como exemplo: "o psicólogo escolar traz no seu conhecimento suportes éticos e científicos para auxiliar um bom desenvolvimento nas escolas para a construção do conhecimento".

Apesar da aproximação identificada nas representações sociais da categoria 2, aspectos e questões atuais vivenciadas na escola e na sociedade, descritas por Souza e Borges (2002), como ações preventivas relacionadas ao uso de drogas e ações esclarecedoras sobre a sexualidade, ética e agressividade, não são citadas.

 

Considerações finais

A maior parte das percepções encontradas nesse contexto de pesquisa aponta para algumas mudanças nas representações sociais a respeito do psicólogo escolar que se aproxima da perspectiva teórica atual. Entretanto, esses resultados não podem ser generalizados, tendo em vista a pouca significância amostral da pesquisa, mas que, por outro lado, sustenta discussões sobre as variáveis pessoais e profissionais de professores e gestores e a influência que estas podem ter sobre as percepções individuais e influencia sobre a representação social partilhada sobre o psicólogo escolar.

Sobretudo, chamamos a atenção sobre a importância de o psicólogo identificar essas representações sociais presentes no espaço no qual se insere para então atuar, visando oferecer informações, promovendo discussões e conversas sobre o papel do psicólogo escolar, visando modificar pré-concepções e ideias equivocadas.

Desse modo, parte-se do conhecimento e percepções presentes para avançar na construção de representações sociais mais adequadas e que possam ser o pano de fundo para um trabalho produtivo e cooperativo para a melhoria dos processos de ensino e aprendizagem.

 

Referências

Alves-Mazzotti, A. J. (2008, janeiro/junho). Representações sociais: aspectos teóricos e aplicações à educação. Revista Múltiplas Leituras, 1(1),18-43.         [ Links ]

Andaló, C. S. de A. (1984). O papel do Psicólogo Escolar. Psicologia: Ciência e Profissão, 4(1),43-46.         [ Links ]

Conselho Federal de Psicologia. (1992). Atribuições profissionais do Psicólogo no Brasil. Recuperado em 18 de novembro de 2007, de: http://www.pol.org.br/legislacao/pdf/atr_prof_psicologo.pdf         [ Links ]

Cruces, A. V. (2005). Práticas emergentes em psicologia escolar: nova ética, novos compromissos. In A. M. Martinez (Org.), Psicologia escolar e compromisso social (pp. 47-65). Campinas, SP: Alínea.         [ Links ]

Gomes, V. L. (1999). A formação do psicólogo escolar e os impasses entre a teoria e a prática. In R. S. L. Guzzo (Org), Psicologia Escolar: LDB e educação hoje (pp. 49-75). Campinas: Alínea.         [ Links ]

Jodelet, D. (1984). La representation social: fenômenos, concepto y teoría. In S. Moscovici (Org), Psicologia social (pp. 469-494). Barcelona: Paidós.         [ Links ]

Jodelet, D. (1989). Les Représentations sociales: un domaine en expantion. Em D. Jodelet (Org.), Les représentations Sociales. Paris: Press Universitary de France.         [ Links ]

Jodelet, D. (2001). As representações sociais um domínio em expansao. In D. Jodelet (Org.), As representações sociais (Lílian Ulup, Trad.) (pp. 17-44). Rio de Janeiro: EdUERJ.         [ Links ]

Martins, J. B. (2003). A atuação do psicólogo escolar: Multireferencialidade, implicação e escuta clínica. Psicologia em Estudo, 8(2),39-45.         [ Links ]

Moscovici, S. (2004). Representações sociais: investigações em psicologia social (2a. ed.). Petrópolis: Vozes.         [ Links ]

Souza, R. C., & Borges, M. F. S. T. (2002). A práxis na formação de educadores infantis. Rio de Janeiro: DP&A.         [ Links ]

Spink, M. J. (1995). Desvendando as teorias implícitas: uma metodologia de análise das representações sociais. In P. Guareschi, & S. Jovchelovitch (Orgs.), Textos em Representações Sociais (pp. 117 - 145). Petrópolis, RJ: Vozes.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Rod. Admar Gonzaga, 1797, ap. 408A, Itacorubi
Florianópolis, SC
Telefone: (48) 9137 3823
E-mail: dadaniela@gmail.com

Enviado em 8 de Julho de 2010
Texto reformulado em 14 de setembro de 2011
Aceite em 11 de Novembro de 2011
Publicado em 31 Dezembro de 2011

 

 

Sobre a autora:

Daniela Karine Ramos - Professora do Departamento de Metodologia de Ensino da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.

 

 

Este trabalho foi apresentado na XXXVII Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia, como painel com o seguinte título: A atuação do psicólogo na escola e as representações sociais dos profissionais da educação.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons