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Temas em Psicologia
versão impressa ISSN 1413-389X
Temas psicol. vol.20 no.1 Ribeirão Preto jun. 2012
ARTIGOS
Avaliação neuropsicológica da linguagem pós-lesão de hemisfério direito: instrumentos de avaliação de desempenho e exame funcional
Neuropsychological assessment of language after right brain damage: instruments for functional and performance evaluation
Evaluación neuropsicológica del lenguaje post-lesión del hemisferio derecho: herramientas de evaluación del desempeño y examen funcional
Karina Carlesso PagliarinI; Thaís Ferrugem SarmentoII; Juliana de Lima MüllerII; Maria Alice de Mattos Pimenta ParenteII; Rochele Paz FonsecaIII
IPontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - Porto Alegre, RS, Brasil
IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul - Porto Alegre, RS, Brasil
IIIPontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - Porto Alegre, RS, Brasil
RESUMO
Este trabalho teve como objetivos apresentar uma revisão sobre a avaliação neuropsicológica da linguagem pós-lesão de hemisfério direito em adultos, buscando-se caracterizar os instrumentos de avaliação construídos especificamente para tal fim e os instrumentos de investigação da linguagem funcional; e verificar a frequência em que os instrumentos de avaliação das funções do hemisfério direito e os instrumentos de investigação da linguagem funcional são utilizados em pesquisas internacionais. Consultaram-se obras tradicionais de neuropsicologia sobre a avaliação neuropsicológica da linguagem, identificando-se quais instrumentos se propunham a avaliar habilidades linguísticas relacionadas ao hemisfério direito e quais examinavam a linguagem funcional. Fez-se uma busca na base de dados PubMed para estabelecer a frequência com que publicações internacionais abordavam estudos envolvendo esses instrumentos. Verificou-se que há poucos instrumentos de avaliação da linguagem em indivíduos com lesão de hemisfério direito. Torna-se necessária uma maior difusão e utilização desses instrumentos na clínica e na pesquisa.
Palavras-chave: Linguagem, Comunicação, Avaliação neuropsicológica, Lesão de hemisfério direito.
ABSTRACT
This study aimed at presenting a review on neuropsychological assessment of language after right brain damage in adults, looking for instruments that evaluate right hemisphere functions and for instruments that examine functional language and to verify the frequency of international studies that cite the instruments that evaluate right hemisphere abilities or of functional language. Traditional literature of neuropsychology on language neuropsychological assessment was consulted to identify which batteries evaluate right hemisphere linguistic abilities and which instruments examine functional language. To establish the frequency of international publication regarding these batteries, a survey on the PubMed database was carried out. A low frequency of tests that evaluate patients with right hemisphere lesion was verified. A greater diffusion and use of these instruments in clinic and research is seen as very important.
Keywords: Language, Communication, Neuropsychological assessment, Right brain damage.
RESUMEN
El objetivo de este estudio ha sido presentar una revisión sobre la evaluación neuropsicológica del lenguaje post-lesión cerebral del hemisferio derecho en adultos, buscando caracterizar los instrumentos de evaluación existentes construidos específicamente para este propósito, así como las técnicas de investigación del lenguaje funcional ; y verificar la frecuencia con la que dichas técnicas son utilizadas en la evaluación de las funciones del hemisferio derecho y del lenguaje funcional en estudios internacionales. Se consultaron obras tradicionales de neuropsicología del lenguaje para identificar los instrumentos utilizados en la evaluación de las competencias lingüísticas relacionadas con el hemisferio cerebral derecho y el lenguaje funcional y se realizó una búsqueda en la base de datos PubMed para conocer la frecuencia de publicaciones internacionales que incluyen estudios relacionados a estos instrumentos. Se detectó que existen pocas herramientas para la evaluación del lenguaje en personas con lesión del hemisferio derecho, demostrando la necesidad de utilizar y difundir estos instrumentos para la práctica clínica e investigación.
Palabras clave: Lenguaje, Comunicación, Evaluación neuropsicológica, Lesión cerebral de hemisferio derecho.
O hemisfério cerebral direito (HD) exerce papel importante em diferentes funções cognitivas como atenção, percepção, habilidades visuoespaciais, esquema corporal e emocionais, principalmente aquelas transmitidas pela mímica facial e expressão vocal (Myers, 1999; Fournier, Calverley, Wagner, Poock, & Crossley, 2008). Por isso, é considerado como um "processador emocional" com importante papel na cognição social (Fournier et al., 2008).
Entretanto, mesmo em face de todas essas especializações do HD, as sequelas linguísticas funcionais (em relação à intencionalidade comunicativa) e emocionais decorrentes de um quadro neurológico no HD começaram a ser mais conhecidas em nível internacional há apenas três décadas. Um dos fatores que pode ter contribuído para isso foi a ausência de instrumentos de avaliação de habilidades cognitivas e linguísticas mais relacionadas às especializações desse lado do cérebro (Joanette, Goulet, & Hannequin, 1990; Côté, Moix, & Giroux, 2004; Côté, Payer, Giroux, & Joanette, 2007; Fonseca, Fachel, Chaves, Liedtke, & Parente, 2007). Esta lacuna de disponibilidade de ferramentas de avaliação se deve ao fato de as sequelas decorrentes de lesão de hemisfério esquerdo (HE) serem mais evidentes no que tange à linguagem e a seus aspectos estruturais, devido à ocorrência das afasias e, desta forma, serem mais estudadas do que aquelas habilidades linguísticas mais relacionadas ao HD.
No que diz respeito aos instrumentos existentes que visam a testar as habilidades linguísticas, até a década de 1980 existiam apenas testes que examinavam aspectos formais ou estruturais da linguagem - fonológicos, morfológicos, sintáticos e semânticos literais, isto é, mais direcionados ao papel do HE no processamento da linguagem. As principais baterias têm por finalidade avaliar as funções verbais com o intuito de se alcançar o diagnóstico do tipo de afasia. Em geral, as provas que testam as habilidades linguísticas orais e escritas relacionadas ao HE examinam a emissão de linguagem espontânea, a conversação, a narração, a nomeação, a produção de enunciados automáticos, a repetição e a compreensão de palavras, frases e textos.
Antes do desenvolvimento dos primeiros testes específicos de exame das funções do HD, os clínicos usavam testes de afasia. Entretanto, a principal crítica a esse uso é que os estímulos dos instrumentos de avaliação de pacientes afásicos não são suficientemente sensíveis para diagnosticar déficits decorrentes de uma lesão de HD (Bryan, 1994; Myers, 1999).
Com o surgimento de instrumentos para o exame das habilidades relacionadas ao HD, a população neurológica de lesados de HD passou a ser mais investigada em estudos internacionais (Joanette, Ska, & Côté, 2004; Harciarek & Heilman, 2009; Dewarrat et al., 2009) e nacionais (Fonseca, Parente, Côté, Ska, & Joanette, 2008; Costa-Ferreira et al., 2010).
Atualmente sabe-se que ao redor de 50% desses indivíduos apresentam déficits em quatro processamentos linguísticos funcionais: discursivo, pragmático, léxico-semântico e prosódico (van Lancker, 1997; Brookshire, 2003; Fonseca et al., 2007; Vigneau et al., 2011; Diaz, Barrett, & Hogstrom, no prelo; Ferré, Ska , Lajoie , Bleau , & Joanette, 2011). O discursivo processa estímulos formados por mais de uma sentença e serve para transmitir uma mensagem, demandando funções pragmáticas, linguísticas e cognitivas (Chapman, Highley, & Thompson, 1998; Bartels-Tobin & Hinckley, 2005). O pragmático refere-se ao processamento de adaptabilidade do uso da linguagem a diferentes contextos comunicativos.
Dentre as funções linguísticas ligadas às habilidades pragmáticas, encontra-se o processamento inferencial, isto é, a representação mental que o indivíduo faz em relação às informações implícitas em unidades linguísticas (Gutiérrez-Calvo, 1999; Rousseaux, Daveluy, & Kozlowski, 2010). O léxico-semântico refere-se à compreensão e/ou à produção linguísticas processadas no nível da palavra. Por fim, o prosódico consiste no processamento da entonação ou linha melódica do discurso produzida por variações na frequência, no ritmo e na ênfase das emissões, para representar diferentes modalidades linguísticas e emocionais (Harley, 2001; Pell, 2006; Blake, 2007).
Desse modo, indivíduos com lesão de HD apresentam, em geral, os seguintes sinais e sintomas: dificuldade em narrar as principais informações de um texto, entender a moral de histórias, manter o tópico de um discurso e as regras desse com base na percepção da intenção do interlocutor, entender informações não literais e a intenção subentendida em sentenças, explicar as relações categoriais entre palavras e compreender e produzir sentenças com diferentes entonações linguísticas (interrogativa, afirmativa, imperativa) e emocionais (tristeza, alegria, raiva, surpresa, etc) (Joanette et al., 1990; Côté et al., 2007; Fonseca et al., 2007; Fonseca et al., 2008; Fonseca, Parente, Côté, Ska, & Joanette, 2009; Ferré et al., 2011).
Nesses casos de distúrbios neurológicos adquiridos, a avaliação mais indicada é a neuropsicológica, que se caracteriza por ser interdisciplinar, realizada por médicos, fonoaudiólogos e psicólogos, além de outros profissionais envolvidos com as relações entre cérebro e comportamento humanos (Lezak, Howieson, & Loring, 2004). Dentre as funções avaliadas na clínica neuropsicológica, a linguagem é a mais tradicional, na medida em que o estudo dessa habilidade marcou o início da neuropsicologia em 1861 com os relatos de afasia expressiva de Paul Broca (Joanette et al., 1990; Mäder, 2002).
Os instrumentos utilizados na avaliação neuropsicológica podem ser classificados como padronizados ou não padronizados, de acordo com a presença ou não de normas de aplicação, de pontuação e estudos psicométricos. Podem, ainda, ser categorizados como testes de avaliação do desempenho ou escalas, com base no critério de mensuração de aptidão, por subtestes de acerto ou erro, ou da graduação de sintomas por escalas (Noronha & Alchieri, 2002; Manning, 2005; Pasquali, 2010).
No exame da linguagem, esses tipos de avaliação se combinam gerando três classes de ferramentas clínicas: 1) instrumentos não padronizados, 2) instrumentos padronizados de avaliação do desempenho comunicativo e 3) escalas de mensuração da linguagem funcional (Kane, 1991; Benedet, 1995). Essas três classes de instrumentos de avaliação neuropsicológica da linguagem podem ser subdivididas em formais ou funcionais, a partir do grau de aproximação com o dia a dia da comunicação. Os instrumentos de avaliação formal da linguagem podem ser considerados mais artificiais. Isso porque avaliam a linguagem com tarefas distantes do dia a dia comunicativo dos pacientes.
As avaliações funcionais da linguagem complementam as formais. São constituídas por subtestes ou itens que examinam a linguagem funcional, ou seja, consistem em avaliações orientadas para a demanda comunicativa da vida diária dos pacientes que sofreram lesões cerebrais. A avaliação funcional da linguagem está, assim, relacionada ao grau de naturalidade, contextualização e informalidade dos procedimentos de avaliação, com o intuito de parecer-se o máximo possível com as situações comunicativas reais experienciadas pelo indivíduo em seu cotidiano (Brookshire, 2003).
A presente revisão sistemática da literatura justifica-se em dois aspectos: 1) É importante conhecer as ferramentas clínicas de avaliação da linguagem em quadros de lesão de HD para que esta população possa ser mais bem avaliada e as sequelas linguísticas oriundas desse quadro possam ser descritas com maior profundidade; 2) É necessário, ainda, conhecer os instrumentos de exame da linguagem funcional, para que se saiba como avaliar o impacto dos distúrbios linguísticos não apenas em quadros de lesão neurológica, mas também em transtornos psiquiátricos, como na esquizofrenia e nos quadros autísticos. Isso porque as alterações no funcionamento cognitivo e linguístico modificam drasticamente a vida de um indivíduo e de sua família (Edwards, Hahn, Baum, & Dromerick, 2006), podendo gerar prejuízos nas interações sociais, trocas pessoais, comportamento e humor.
Essa revisão tem por objetivo apresentar um panorama da avaliação neuropsicológica da linguagem após lesão de HD em adultos, buscando-se caracterizar os instrumentos utilizados no exame desse quadro neurológico e na investigação da linguagem funcional. Além disso, pretende-se verificar a frequência em que os instrumentos de avaliação das funções do HD e os instrumentos de exame da linguagem funcional são utilizados em pesquisas internacionais nos últimos 13 anos.
A partir dessa revisão teórica, as seguintes questões de pesquisa serão respondidas:
1) Que instrumentos de avaliação neuropsicológica da linguagem são indicados na literatura para o diagnóstico de alterações linguísticas após lesões de HD?
2) Por meio de que tarefas esses testes propõem-se a avaliar habilidades linguísticas de especialização do HD?
3) Que ferramentas clínicas são indicadas para o exame da linguagem funcional em quadros de lesão cerebral?
4) Com que frequência os instrumentos de avaliação neuropsicológica da linguagem após lesão de HD e testes de exame da linguagem funcional são abordados em pesquisas internacionais?
Método
O presente estudo consiste em uma revisão sistemática da literatura. Consultaram-se obras de neuropsicologia que abordam a temática da avaliação neuropsicológica da linguagem após lesões cerebrais (Beeson & Rapcsak, 2005; Brookshire, 2003; Latorre & Dueñas, 1987, Lezak et al., 2004; Strauss, Sherman, & Spreen, 2006). Nessas obras, procuraram-se identificar quais testes de avaliação neuropsicológica têm por objetivo examinar habilidades linguísticas relacionadas ao HD e quais instrumentos têm a finalidade de examinar a linguagem funcional em quadros de lesão cerebral. Os manuais dos testes citados foram consultados. Na análise dos manuais dos instrumentos, assim como da descrição feita de cada instrumento nas diferentes obras clássicas de neuropsicologia, buscou-se verificar por meio de que tarefas esses testes propõem-se a avaliar habilidades linguísticas do HD ou a linguagem funcional.
Após o levantamento de quais testes eram referidos na literatura, averiguou-se com que frequência as publicações internacionais têm abordado estudos envolvendo esses instrumentos. Para tanto, fez-se uma busca na base de publicações internacionais PubMed, no mês de dezembro de 2010, incluindo artigos científicos de 1997 até 2010. Utilizaram-se como palavras-chave as siglas dos nomes dos instrumentos (MIRBI, RIPA, RICE, RHLB, FCP, CETI, FIM, ASHA FACS, CADL), no formulário básico. Em duas situações, o nome dos testes por extenso foi utilizado ao invés de sua sigla: 1) quando não havia sigla (Pragmatic Protocol e Protocole MEC); e, 2) quando com a busca pela sigla era gerada uma quantidade de abstracts superior a 100 (RIPA, RICE e FCP). Os resumos de estudos encontrados nessa busca geraram uma quantificação inicial; após a análise desses abstracts, foram considerados para a quantificação final apenas aqueles que se referiam realmente ao instrumento investigado, ou seja, foram excluídos todos os estudos em que a sigla estava presente representando outro significado.
Resultados
Para responder às duas primeiras questões da pesquisa (Que instrumentos de avaliação neuropsicológica da linguagem são indicados na literatura para o diagnóstico de alterações linguísticas após lesões de HD? e por meio de que tarefas esses testes propõem-se a avaliar habilidades linguísticas de especialização do HD?) são descritos nome, autoria, ano de publicação e subtestes ou tarefas de cada instrumento nas Tabelas 1 e 2. Na Tabela 1, foram agrupados os instrumentos padronizados e, na Tabela 2, os procedimentos não padronizados.
Em busca de resposta à terceira questão de pesquisa (Que ferramentas clínicas são indicadas para o exame da linguagem funcional em quadros de lesão cerebral?), na Tabela 3 encontram-se o nome, a autoria, o ano de publicação e a caracterização de cada instrumento.
A partir dos dados expostos nas Tabelas 1, 2 e 3, observa-se que a maioria das ferramentas clínicas engloba tarefas e estímulos de linguagem dentre outros subtestes de exame da percepção, da memória e das funções executivas. No total, 14 ferramentas clínicas foram encontradas.
Por fim, na Tabela 4, são apresentados dados para responder à quarta questão de pesquisa (Com que frequência os instrumentos de avaliação neuropsicológica da linguagem após lesão de HD e testes de exame da linguagem funcional são abordados em pesquisas internacionais?). Expõem-se os resultados da busca na base PubMed da quantidade de pesquisas internacionais com os instrumentos padronizados de avaliação de desempenho relacionado ao HD e de exame da linguagem funcional pré e pós-análises dos abstracts.
Na Tabela 4, nota-se que, do total de pesquisas encontradas com os instrumentos na busca inicial (pré-análise dos abstracts), apenas 10,46% dessas faziam referência especificamente às ferramentas clínicas estudadas.
Discussão
Esse artigo de revisão sistemática da literatura teve por objetivo apresentar um panorama da avaliação neuropsicológica da linguagem em quadros neurológicos envolvendo o HD em adultos, em busca da caracterização dos instrumentos utilizados. Foram encontradas oito ferramentas clínicas propostas para examinar as funções linguísticas do HD. Quanto a esses resultados, três pontos de discussão serão levantados: 1) análise crítica breve sobre cada procedimento e os subtestes que o compõem quanto à sua utilidade para avaliar a linguagem verbal em indivíduos lesados de HD; 2) presença de tarefas naturalísticas; e, 3) relação com a avaliação de funções do HE.
Quanto ao primeiro ponto de discussão, os instrumentos serão analisados no que se refere à inclusão de tarefas que examinam os quatro processamentos linguísticos que podem estar afetados em uma lesão cerebral direita - discursivo, pragmático, léxico-semântico e prosódico (Côté et al., 2007). No RICE-R (Halper, Cherney, Burns, & Mogil, 1996), as tarefas discurso narrativo e escala de avaliação de habilidades pragmáticas a partir de um diálogo examinam o processamento discursivo e o pragmático, sendo esse último ainda avaliado no teste de linguagem metafórica.
Os processamentos léxico-semântico e prosódico não estão cobertos por esse instrumento. Ressalta-se que o RICE foi o primeiro teste desenvolvido voltado especificamente para as habilidades do HD (Edwards et al., 2006). O RIPA-2 (Ross, 1986;1996) é formado por 10 tarefas que examinam, predominantemente, habilidades cognitivas, sendo que a linguagem é investigada indiretamente dentro dos subtestes. Somente a prova resolução de problemas e raciocínio abstrato avalia a habilidade pragmática de processar inferências, de modo indireto. Além disso, esse instrumento foi elaborado para adolescentes e adultos com traumatismo crânio-encefálico e não especificamente para lesados de HD, embora tenha aplicabilidade para essa última população neurológica.
Eck, Côté, Ska e Joanette (1996) salientam, ainda, que as tarefas do RIPA que examinam indiretamente o processamento da linguagem são muito simples para identificar alterações linguísticas após lesões de HD. No MIRBI (Pimental & Kingsbury, 1989), apenas as tarefas de processamento visuo-verbal, linguagem afetiva, habilidades superiores de linguagem e afeto avaliam habilidades linguísticas, englobando os processamentos pragmático e prosódico. Uma crítica levantada na literatura é que esse instrumento é mais utilizado como uma triagem, devendo ser complementado por uma avaliação mais detalhada (Eck et al., 1996; Brookshire, 2003).
Quanto ao RHLB (Bryan, 1989;1994), todas as tarefas desse instrumento avaliam habilidades linguísticas relacionadas ao HD, cobrindo os quatro processamentos que podem estar alterados em uma lesão de HD. Há uma crítica pertinente na literatura (Eck et al., 1996): os estímulos são em sua maioria imagens, o que pode prejudicar o desempenho comunicativo dos indivíduos avaliados, mesmo que esses tenham a linguagem intacta e apenas uma alteração atencional ou perceptiva, tal como a heminegligência sensorial. Esse distúrbio caracteriza-se pela percepção ausente ou parcial dos estímulos sensoriais, tais como táteis, auditivos e/ou visuais, provenientes do campo espacial esquerdo (Manning, 2005), muito frequente em lesados de HD (Kortte & Argye, 2009).
O Pragmatic Protocol (Prutting & Kirchner, 1987) possibilita a avaliação dos comportamentos pragmáticos e prosódicos em interações conversacionais. Esse instrumento é mais utilizado como uma triagem dos aspectos pragmáticos da linguagem funcional (Brookshire, 2003). Por fim, o Protocole MEC (Joanette et al., 2004) cobre, com todas suas tarefas, os quatro processamentos linguísticos relacionados à ativação do HD. Entretanto, apesar de ser um instrumento construído com rigor, apresenta duas limitações levantadas por seus próprios autores (Côté et al., 2007): não avalia exaustivamente os aspectos linguísticos, não incluindo, por exemplo, o exame da compreensão do humor e sarcasmo; além disso, não deixa explícitas em seu manual as alterações cognitivas que podem causar distúrbios linguísticos secundários.
Os instrumentos padronizados de avaliação de desempenho linguístico relacionado ao HD que parecem ser mais úteis para a clínica neuropsicológica e fonoaudiológica são o RHLB e o Protocole MEC, na medida em que ambos examinam os quatro componentes linguísticos afetados em lesões de HD. No que diz respeito aos procedimentos não padronizados de avaliação do HD, duas desvantagens para seu uso podem ser mencionadas. A primeira é que nem o procedimento de Adamovich e Brooks (1981), nem o Protocolo de avaliação de adultos com lesão de HD (Gordon, Ruckdeschel-Hibbard, & Egelko, 1984) avaliam os quatro procedimentos linguísticos acometidos por uma lesão no hemisfério em pauta. A segunda é que, por não estarem padronizados, não há normas de referência para sua aplicação ou interpretação de resultados.
A partir de uma análise geral das oito ferramentas encontradas, evidencia-se que essas baterias avaliam percepção visual, integridade das gnosias e do esquema corporal, processamento visuoespacial, memória imediata, orientação temporal e espacial, discurso narrativo, compreensão de metáforas, entre outras habilidades comunicativas e neuropsicológicas gerais. Portanto, poucas tarefas abrangem de modo específico o processamento linguístico realizado predominantemente pelo HD. Suas falhas teóricas e metodológicas foram apontadas na literatura (Eck et al., 1996), tais como, abordagem superficial da comunicação, sem fundamentação teórica ou presença exclusiva de tarefas visuoespaciais.
Em concordância com essa visão da literatura, pode-se pensar, ainda, que o aporte teórico que embasou a construção dos instrumentos descritos nesse artigo encontra-se desatualizado, na medida em que as publicações mais recentes foram as segundas edições do RICE e do RIPA, em 1996. Isso pode estar relacionado ao fato de que, a maioria das baterias de avaliação do papel do HD foi inspirada nos modelos teóricos do início da década de 1980, não incluindo os avanços teóricos importantes que ocorreram na década de 1990 e que estão ocorrendo na década de 2000 (Côté et al., 2007).
No que concerne ao segundo ponto de discussão sobre os resultados dos instrumentos que se propõem a examinar o desempenho comunicativo ligado ao HD, é importante destacar a inclusão de tarefas naturalísticas na maioria deles, com exceção do MIRBI e do RIPA-2. No RICE-R (escala de avaliação de habilidades comunicativas pragmáticas a partir de um diálogo), no RHLB (análise do discurso), no Pragmatic Protocol (conversação) e no Protocole MEC (discurso conversacional e prosódia emocional), há pelo menos uma prova naturalística. Em geral, os testes que incluem uma tarefa de conversação propõem uma atividade mais naturalística para que aspectos comunicativos cotidianos sejam avaliados.
O terceiro ponto de discussão faz referência à relação entre os instrumentos de avaliação de funções do HD e aqueles de exame do papel do HE. Como, desde o surgimento da neuropsicologia, o HE é considerado dominante para a linguagem, fica evidente, na literatura sobre distúrbios adquiridos de linguagem, uma predominância de estudos clínicos e experimentais envolvendo avaliações do papel deste hemisfério (Radanovic, Mansur, Azambuja, Porto, & Scaff, 2004). Observa-se ainda que há uma lacuna de protocolos específicos para a avaliação de habilidades linguísticas relacionadas ao HD (Côté et al., 2004; Côté et al., 2007).
Ao se pensar que a comunicação efetiva exige uma competência linguística estrutural, relacionada ao HE, e uma competência paralinguística ou pragmática, mais ligada ao HD (Paradis, 1998), torna-se necessário o desenvolvimento de mais instrumentos de avaliação de lesados de HD. Desse modo, poderão ser construídos programas de reabilitação específicos para indivíduos com quadros neurológicos envolvendo o HD.
No que diz respeito ao objetivo de verificar quais instrumentos são indicados na literatura para o exame da linguagem funcional, foram identificadas seis ferramentas clínicas (Fratalli, Thompson, Holland, Wohl, & Ferketic, 1995; Sarno, 1969; Lomas, Pickard, & Bester, 1989; State University of New York at Buffalo Research Foundation, 1993; Holland, 1980; Holland, Fratalli, & Fromm, 1998; van der Meulen, van de Sandt-Koenderman, Duivenvoordene, & Ribbers, 2010). Diante desses achados, um ponto de discussão será levantado: a importância do uso desses instrumentos para se complementar a avaliação das sequelas linguísticas em adultos com lesão cerebral. Esses testes têm por objetivo quantificar e qualificar comportamentos comunicativos que o paciente neurológico geralmente usa na interação com outras pessoas (Beeson & Rapcsak, 2005; Brookshire, 2003; van der Meulen et al., 2010). Então, embora não sejam instrumentos neuropsicológicos per se, apresentam grande aplicabilidade no exame das relações entre cérebro lesado e componentes linguísticos preservados e deficitários, assim como, com componentes emocionais.
Um terceiro objetivo desse estudo teórico foi verificar a frequência em que os instrumentos de avaliação das funções do HD e os instrumentos de investigação da linguagem funcional são utilizados em pesquisas internacionais nos últimos 13 anos. Os instrumentos com maior frequência de publicação internacional são o Pragmatic Protocol, o CADL e o CETI, seguidos pelo FCP. Face à evidente reduzida quantidade final (após a análise dos abstracts e inclusão dos artigos que cumpriram os critérios) de pesquisas internacionais encontradas, algumas hipóteses podem ser levantadas.
A primeira corresponde a uma limitação dos procedimentos de busca usados nessa revisão. A seleção restrita de palavras-chave pelas siglas dos instrumentos pode ter excluído da busca estudos que tenham utilizado algum dos testes mencionados, mas que não tenham citado a sigla nem no título, no abstract ou em suas palavras-chave pelo fato dessas serem dificilmente descritores universais. Além disso, também pode haver problemas com os indexadores, que limitariam a busca pelas palavras-chave selecionadas, não gerando todos os estudos que realmente abordaram os testes. Uma terceira hipótese ainda pode ser abordada: mesmo que a quantidade final de resumos fosse maior caso a primeira e/ou a segunda hipóteses estivessem corretas, talvez esses instrumentos sejam ainda pouco utilizados na literatura internacional. Uma forte evidência para essa hipótese é que em apenas uma das duas obras mais conhecidas e consultadas por clínicos que fazem avaliação neuropsicológica (Lezak et al., 2004; Strauss et al., 2006) foram encontradas e descritas três ferramentas clínicas nesse artigo (Lezak et al., 2004). Na obra clássica de Strauss et al. (2006), nenhum dos testes abordados nessa revisão é mencionado.
Um aspecto final a ser discutido diz respeito à disponibilidade desses instrumentos no Brasil. Embora não tenha sido feita uma busca sistemática na literatura nacional, até onde se sabe, existem poucas versões brasileiras de instrumentos de avaliação do HD e da linguagem funcional: Protocole MEC (Fonseca et al., 2009), FIM (Riberto, Miyazaki, Jorge Filho, Sakamoto, & Battisttela, 2001) e ASHA-FACS (Carvalho, 2007). Um estudo teórico verificou que as áreas da medicina (neurologia, medicina geral, psiquiatria, dentre outras) são as que mais publicam estudos envolvendo avaliação da linguagem no contexto neuropsicológico, enquanto a psicologia apresenta poucas publicações sobre esta função (Serafini, Fonseca, Bandeira, & Parente, 2008). Este dado é alarmante na medida em que estímulos verbais devem ser o maior alvo no processo de adaptação de instrumentos internacionais, devido aos pressupostos psicométricos, experimentais e psicolinguísticos inerentes à construção de paradigmas de avaliação neurocognitiva.
No atual contexto de revisão e reformulação de instrumentos de avaliação clínica, considera-se essencial que processos de legitimação dos procedimentos mencionados para uso na clínica neuropsicológica brasileira sejam iniciados. Há uma demanda clínica e técnico-científica evidente de construção e adaptação de instrumentos de avaliação da linguagem para lesados de HD, que também possam ser úteis para outros quadros neurológicos como traumatismo crânio-encefálico e psiquiátricos, como esquizofrenia. Tais quadros requerem tarefas mais próximas da demanda comunicativa e emocional do cotidiano, nas constantes interações sociais.
Comentários Finais
A partir do presente artigo de revisão sistemática da literatura, foi possível descrever oito ferramentas clínicas que avaliam habilidades linguísticas de ativação do HD em casos de lesão desse hemisfério e seis instrumentos que examinam a linguagem funcional em quadros de lesão cerebral. Ao se incluir na avaliação neuropsicológica da linguagem a investigação com tarefas linguísticas relacionadas ao HD, é possível um estudo mais abrangente da função comunicativa, verificando-se aspectos linguísticos, paralinguísticos e extralinguísticos. Assim, é importante a investigação mais ampla dessa função cognitiva, não se abordando apenas questões estruturais da linguagem verbal - sintaxe, morfologia, fonologia e semântica literal - que estão presentes nas baterias que investigam as funções do HE. Nesse âmbito, mais investigações internacionais e nacionais devem ser promovidas utilizando-se os instrumentos descritos no presente estudo.
Quanto à frequência em que pesquisas internacionais abordam os instrumentos descritos, foram encontrados poucos estudos. Para se verificar se essa reduzida quantidade não se originou de uma limitação da busca feita no presente artigo, sugere-se que novas pesquisas sejam conduzidas com palavras-chave mais gerais, tais como "avaliação", "linguagem", e "hemisfério direito" ou "avaliação" e "linguagem funcional".
Torna-se, assim sendo, cada vez mais importante o uso de avaliações voltadas para o papel do HD e para a linguagem funcional na clínica neuropsicológica e fonoaudiológica. O uso desse tipo de ferramenta de avaliação oferece maior garantia ao clínico e ao pesquisador de que no caso de lesados de HD, tarefas mais sensíveis às suas sequelas linguísticas estarão contribuindo para um diagnóstico mais acurado. No caso de lesados cerebrais em geral, testes de comunicação funcional permitirão que os sintomas sejam observados em contextos mais próximos do ambiente real de comunicação do indivíduo.
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Endereço para correspondência:
Rochele Paz Fonseca
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Av. Ipiranga, 6681 - Prédio 11- Sala 932. Bairro Partenon
Porto Alegre/RS. CEP: 90617-900
E-mail: rochele.fonseca@pucrs.br
Recebido em 20 de Maio de 2011
Texto reformulado em 20 de Janeiro de 2012
Aceite em 03 de Abril de 2012
Publicado em 30 de Junho de 2012
Esse trabalho foi realizado com o fomento de editais da FAPERGS (Pesquisador Gaúcho) e do CNPq (Humanas).