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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.22 no.2 Ribeirão Preto dez. 2014

https://doi.org/10.9788/TP2014.2-14 

ARTIGOS

 

Rastreamento da depressão no contexto da insuficiência renal crônica

 

Depression tracking in the context of chronic renal failure

 

Rastreo de la depresión en el contexto de la insuficiencia renal crónica

 

 

Fabrycianne Gonçalves Costa; Maria da Penha de Lima Coutinho; Juliana Rízia Félix de Melo; Marcelo Xavier de Oliveira

Departamento de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Paraíba, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Esta pesquisa objetivou rastrear a depressão em pacientes com insuficiência renal crônica em tratamento de hemodiálise e relacionar as variáveis sociodemográficas com a depressão. Além disso, buscou-se contrastar os grupos com e sem sintomas depressivos e verificar quais características se apresentam com maior intensidade para cada um desses grupos. Trata-se de um estudo descritivo e de cunho quantitativo, compreendendo 48 pacientes, na faixa etária entre 18 a 66 anos (M= 45,5 e DP= 3,8), realizado em um hospital público do Estado da Paraíba. Os dados foram coletados por um questionário sociodemográfico e pelo Beck Depression Inventory e submetidos ao SPSS-19.0, sendo realizadas análises estatísticas descritivas e inferenciais. Constatou-se que 56,3% dos participantes apresentaram sintomas da depressão e que o tempo de hemodiálise se correlacionou positivamente com esse transtorno psicoafetivo. Os itens pessimismo, culpa, ideação suicida, irritabilidade e perda de peso não mostraram diferença estatisticamente significativa entre os grupos com e sem depressão. As características que se apresentaram com maior intensidade para o grupo sem sintomatologia depressiva foram: os itens referentes à insônia, fatigabilidade, irritabilidade, dificuldade de trabalhar e perda de peso. O grupo com sintomatologia depressiva apresentou maiores escores médios nos itens punição, mudança na autoimagem, perda de peso, dificuldade de trabalhar e diminuição da libido. Espera-se que os resultados encontrados possam contribuir para o desenvolvimento de estratégias que minimizem o surgimento da depressão nos pacientes em tratamento de hemodiálise.

Palavras-chave: Depressão, insuficiência renal crônica, hemodiálise.


ABSTRACT

This research aimed to screen the depression in patients with chronic renal failure undertaking hemodialysis treatment, and to relate the socio-demographic variables to the depression. Furthermore, it was sought to contrast the groups with and without depressive symptoms and check which features are presented with more intensity for each of these groups. It is a descriptive and quantitative study consisting of forty eight patients, with an age range between 18 to 66 years (M = 45.5, SD = 3.8), performed in a public hospital in the state of Paraiba. The data was collected through a socio-demographic questionnaire and the Beck Depression Inventory, both being submitted to the SPSS-19.0, for further analysis using descriptive and inferential statistics. It was concluded that 56.3% of the participants showed symptoms of depression and that the hemodialysis period was positively correlated with this psycho-affective disorder. Items such as pessimism, guilt, suicidal ideation, irritability and weight loss didn't show statistically significant difference between groups with and without depression. The characteristics that showed the higher intensity for the group without depressive symptomatology were the items referring to insomnia, fatigability, irritability, difficulty to work and weight loss. The group with depressive symptomatology presented higher mean scores on punishment, self-image change, weight loss, difficulty to work and decreased libido. It is expected that the results found might contribute with the development of strategies which minimize the appearing of depression in patients undertaking hemodialysis.

Keywords: Depression, chronic renal failure, hemodialysis.


RESUMEN

Esta investigación objetivó rastrear la depresión en pacientes con insuficiencia renal crónica en tratamiento de hemodiálisis y relacionar las variables sociodemográficas con la depresión. Además, se buscó contrastar los grupos con y sin síntomas depresivos y verificar qué características se presentan con mayor intensidad para cada uno de esos grupos. Se trata de un estudio descriptivo y de carácter quantitativo, comprendiendo 48 pacientes, de 18 a 66 años de edad (M= 45.5 y DP= 3.8), realizado en un hospital público del Estado de Paraíba. Los datos fueron recopilados por un cuestionario sociodemográfico y por el Inventario de Depresión de Beck y sometidos al SPSS-19.0, siendo realizados análisis estadísticos descriptivos e inferenciales. Se constató que el 56,3% de los participantes presentaron síntomas de depresión y que el tiempo de hemodiálisis se correlacionó positivamente con ese transtorno psicoafectivo. Los ítems pesimismo, culpa, ideación suicida, irritabilidad y pérdida de peso no mostraron diferencia estatísticamente significativa entre los grupos con y sin depresión. Las características que se presentaron con mayor intensidad para el grupo sin sintomatología depresiva fueron: los ítems referentes al insomnio, fatigabilidad, irritabilidad, dificultad de trabajar y pérdida de peso. El grupo con sintomatología depresiva presentó mayores puntajes medios en los ítems punición, cambio en la autoimagen, pérdida de peso, dificultad de trabajar y disminución de la libido. Se espera que los resultados encontrados puedan contribuir para el desarrollo de estrategias que minimicen el surgimiento de la depresión en los pacientes en tratamiento de hemodiálisis.

Palabras clave: Depresión, insuficiencia renal crónica, hemodiálisis.


 

 

As doenças crônicas têm recebido atenção cada vez maior no campo da saúde, em função das crescentes taxas de morbimortalidade na população mundial. Entre essas doenças está a insuficiência renal crônica (IRC), considerada como uma condição de evolução progressiva, sem alternativas de melhoras rápidas, causando problemas médicos, sociais e econômicos (Nifa & Rudnicki, 2010).

A IRC é a fase mais avançada da doença renal e caracteriza-se pela perda progressiva, irreversível e multifatorial da função renal, gerando alterações nos diversos sistemas do organismo, contribuindo para o fracasso da capacidade do corpo em manter os equilíbrios metabólicos e hidroeletrolíticos (Smeltzer & Bare, 2009). Conforme Ribeiro et al. (2008), na medida em que a função renal diminui, os produtos finais do metabolismo proteico, que são excretados pela urina, passam a acumular-se no sangue. Por ser lenta e progressiva, a perda do funcionamento do rim resulta em processos adaptativos que, até certo ponto, mantêm o paciente por um grande período de tempo sem os sintomas da doença. Comumente, estes sintomas só surgem quando cerca de 50% da função renal já foi perdida. Neste estágio da doença, os rins apresentam apenas 10% a 12% de sua capacidade funcional, sendo necessário o tratamento pela hemodiálise.

De acordo com Pascoal et al. (2009), a hemodiálise é um procedimento de apoio à função renal, que consiste na remoção de substâncias tóxicas e excesso de líquido por uma máquina de diálise. O sangue é bombeado e encaminhado para a máquina, onde é realizado o processo artificial de filtragem do sangue, o qual retorna para o organismo. O paciente é conectado à máquina através de fístulas arteriovenosas, obtidas por meio de técnicas cirúrgicas. A hemodiálise é um procedimento cuja duração leva em média 3 horas, precisando ser realizada na unidade hospitalar, com uma frequência de 2 a 4 vezes por semana.

Ao lado da evolução da doença e suas complicações, existem ainda maiores limitações e alterações de grande significância, vinculadas à IRC. Nesse caso, a associação do impacto do diagnóstico e do tratamento da hemodiálise requer do paciente um intenso processo de adaptação a um novo modo de vida, em um curto espaço de tempo, o que pode provocar a emersão de distúrbios psicoafetivos, como, por exemplo, a depressão reativa (Ferreira & Anes, 2010; Nifa & Rudnicki, 2010).

Concebida como um sofrimento psíquico, a depressão reativa é uma doença ou síndrome que se manifesta por meio de transtornos bio-psicoafetivos. Apresenta-se acompanhada de sintomas inter-relacionados e multivariados, que compreendem aspectos psíquicos, orgânicos, hereditários, sociais, econômicos e religiosos, entre outros, sendo considerado um transtorno de humor multifacetado (Kaplan, Sadock, & Grebb, 2007). Representa um problema de saúde mental que preocupa os serviços de saúde, na medida em que se revela em indivíduos sem distinção de sexo, idade, classe socioeconômica, cultura, raça ou país (Saraiva & Coutinho, 2008).

Nesta perspectiva, Coutinho (2005) ressalta que a depressão pode ser vista como um mal social enraizado no eu do indivíduo, importunando seus desejos e vontades, conduzindo de forma negativa o curso de seus pensamentos, interferindo no seu autoconceito e prejudicando a pessoa tanto no contexto psicossocial como no contexto individual. No caso dos portadores da IRC, a depressão pode advir como resposta às diversas situações de perdas significativas vivenciadas por estes indivíduos, incluindo a perda da própria função renal, dos papéis sociais antes ocupados dentro da família e no local de trabalho, da mobilidade e de parte da autonomia, de habilidades físicas e cognitivas, da função sexual, dentre outras (Pascoal et al., 2009).

Por conseguinte, a depressão apresenta-se como uma das complicações psiquiátricas mais comuns nesses pacientes, dificultando a adesão ao tratamento e a adaptação a essa nova condição de vida (Chilcot, Wellsted, Silva-Gane, & Farrington, 2008). Segundo Finger et al. (2011), a prevalência da depressão em pacientes renais pode variar de 20% a 50%, dependendo da região e do método de rastreamento utilizado.

O diagnóstico da depressão reativa merece ser conhecido e reconhecido entre esses pacientes, a fim de que esta possa ser tratada prontamente, visto que a sua presença pode alterar o prognóstico e a adesão ao tratamento (Nifa & Rudnicki, 2010). Em função disso, objetivou-se nesse estudo fazer um rastreamento da depressão em pacientes com insuficiência renal crônica em tratamento de hemodiálise. Buscou-se verificar, ainda, as relações existentes entre as variáveis sociodemográficas dos participantes e a depressão; assim como, contrastar os grupos com e sem sintomas depressivos quanto aos sintomas da depressão. Por fim, procurou-se verificar quais sintomas depressivos foram apresentados com maior intensidade em cada um desses grupos. Com isto, espera-se contribuir para um melhor conhecimento do fenômeno da depressão em pacientes renais crônicos.

 

Método

Tipo de Estudo

Trata-se de um estudo descritivo, de cunho quantitativo.

Participantes e Local

A amostra foi composta por 48 pacientes com IRC. O estudo foi realizado em um hospital público da cidade de João Pessoa-PB, que atende, em média, 200 pacientes em tratamento de hemodiálise. A técnica de amostragem utilizada foi não probabilística por conveniência, segundo Cozby (2009) "pode ser considerada um método para obter participantes do tipo 'pegue-os onde puder encontrá-los'" (p. 152). Adotou-se como critério de inclusão ser maior do que 18 anos e ter insuficiência renal crônica. Como critério de exclusão utilizou-se possuir a faixa etária inferior a 18 anos e/ou ausência de condições clínicas para responder aos instrumentos.

Instrumentos

Foram utilizados dois instrumentos: um questionário sociodemográfico, para caracterizar o perfil dos participantes, com informações sobre sexo, idade, estado civil, grau de instrução, ocupação, religião e tempo de hemodiálise; e o Beck Depression Inventory (BDI), que é um questionário de autoavaliação para medir a síndrome depressiva (Cunha, 2001).

O Inventário possui 21 itens, contendo elementos associados a tristeza, pessimismo, sentimentos de fracasso, insatisfação, culpa, punição, autoaversão, autoacusações, ideias suicidas, choro, irritabilidade, retraimento social, indecisão, mudança na autoimagem, dificuldade de trabalhar, insônia, fatigabilidade, perda do apetite, perda de peso, preocupações somáticas e perda da libido (Cunha, 2001). Conforme Gandini, Martins, Ribeiro e Santos (2007), essa escala apresenta índices de consistência interna de 0,8, sendo considerada recomendável para instrumento de triagem.

É uma escala do tipo Likert, que possui quatro alternativas, variando de 0 a 3, totalizando uma pontuação mínima de 0 e máxima de 63 pontos. Na medida em que, no BDI, não há pontos fixos de corte para definir os níveis de sintomatologia depressiva, para esta pesquisa utilizou-se um escore de 16 pontos, sendo este valor definido a partir de dados na literatura, que o apontam como adequado para identificar os pacientes em tratamento de hemodiálise com sintomas depressivos significantes (Finger et al., 2011).

Procedimentos Éticos e de Coleta de Dados

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, que funciona no Hospital Universitário Lauro Wanderley, da Universidade Federal da Paraíba, sob o protocolo de nº392/11. Durante a realização do estudo, foram respeitadas todas as normas éticas advindas da Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde (1996).

Quanto ao procedimento de coleta de dados, os pacientes foram abordados tanto na sala de espera, quanto na máquina, quando estavam dialisando. Inicialmente, cada paciente assinou um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e, na sequência, procedeu-se a administração dos instrumentos, obedecendo-se à seguinte ordem: primeiro, o questionário sociodemográfico; em seguida, o BDI. Os instrumentos foram aplicados individualmente e oralmente, devido à incapacidade de alguns participantes em responder por escrito. O tempo médio de aplicação dos instrumentos foi de 35 minutos.

Procedimento de Análise de Dados

Os dados foram analisados por meio do Pacote Estatístico para as Ciências Sociais (SPSS-19.0). Foi utilizada a estatística descritiva (média, desvio padrão e frequências) para descrever a amostra estudada, a partir das seguintes variáveis: sexo, faixa etária, estado civil, escolaridade, ocupação, religião, tempo de hemodiálise (por classes) e sintomas depressivos. Para testar a relação entre as variáveis sociodemográficas e a depressão, efetuou-se a estatística do qui-quadrado.

Foi realizado o teste Kolmogorov-Smirnov para testar a normalidade das seguintes variáveis: tempo de hemodiálise (em meses), somatório do BDI e dos 21 itens do BDI. Não sendo observada a normalidade dessas variáveis, optou-se por utilizar testes não paramétricos. Dessa maneira, o teste Spearman foi empregado para verificar a relação entre o tempo de hemodiálise (bruto) e a depressão (a partir do somatório do BDI), enquanto que o teste U de Mann-Whitney foi usado para contrastar pacientes sem sintomatologia depressiva (BDI<16) e com sintomatologia depressiva (BDI>16), quanto aos 21 itens do BDI.

 

Resultados

Observou-se que as idades dos pacientes variaram entre 18 a 66 anos (M= 45,5 e DP= 3,8), como mostra a Tabela 1. Verificou-se que a maioria era do sexo masculino, representando 54,2%, sendo 64,6% destes casados e 67,4% com escolaridade até o Ensino Fundamental. Quanto à religião, notou-se que 50,0% dos pacientes eram católicos e, quando perguntados sobre a ocupação, 87,5% responderam que eram aposentados. Constatou-se, ainda, que a maioria dos participantes realizava o tratamento de hemodiálise há menos de um ano, representando 39,6%.

Ao se relacionarem as variáveis sexo, idade, estado civil, escolaridade, ocupação e religião, com a sintomatologia depressiva, não se verificou associação significativa. Entretanto, constatou-se que o tempo de hemodiálise (em meses) se correlacionou positivamente com a depressão (ρ= 0,34; p < 0,02).

Em relação aos resultados encontrados por meio do BDI, observou-se uma pontuação mínima de 0 e máxima de 47 pontos, com média de 18,9 (DP=11,5). Constatou-se um total de 56,3% de pacientes com sintomatologia depressiva entre os pacientes em tratamento de hemodiálise.

No presente estudo, os grupos com e sem sintomas depressivos foram analisados conforme cada uma das 21 questões do BDI. O objetivo dessa análise foi verificar as características da sintomatologia depressiva que distinguem os grupos e as que se apresentam com maior intensidade para cada um dos grupos (Tabela 2).

Os itens pessimismo, culpa, ideação suicida, irritabilidade e perda de peso não mostraram diferença estatisticamente significativa entre os grupos com depressão e sem depressão. Por outro lado, os demais itens do BDI diferenciaram-se significativamente entre os grupos, destacando-se mudança na autoimagem, diminuição da libido, punição, choro, sentimento de fracasso, indecisão e dificuldade de trabalhar, tendo o grupo com sintomas depressivos apresentado maiores médias.

As características que se apresentaram com maior intensidade para o grupo sem sintomatologia depressiva foram os itens referentes a insônia, fatigabilidade, irritabilidade, dificuldade de trabalhar e perda de peso. O grupo com sintomatologia depressiva apresentou maiores escores médios nos itens punição, mudança na autoimagem, perda de peso, dificuldade de trabalhar e diminuição da libido.

A leitura das análises inter e intragrupos sugere que a irritabilidade e a perda de peso são sintomas específicos da IRC, não havendo maior deterioração com a presença de comorbidade entre a IRC e a sintomatologia depressiva. Quanto aos demais aspectos contemplados no BDI, alguns já trazidos pela sintomatologia dos indivíduos com IRC, podem tornar-se ainda mais potencializados com a presença da sintomatologia depressiva. Entre esses aspectos, destacam-se: punição, mudança na autoimagem, dificuldade de trabalhar, diminuição da libido, choro, indecisão e sentimentos de fracasso.

 

Discussão

Os resultados dos dados sociodemográficos estão de acordo com a literatura especializada da área, em que também são descritas amostras compostas, na maioria, por homens casados e com alta prevalência de inatividade profissional (Patat, Stumm, Kirchner, Guido, & Barbosa, 2012). Conforme Ferreira e Silva (2011), a depressão correlaciona-se positivamente com o tempo de tratamento desses pacientes renais, corroborando o que foi encontrado no presente estudo. Neste sentido, de acordo com Pascoal et al. (2009), podem ser descritos três estágios de adaptação do paciente renal à sua manutenção no processo dialítico.

A primeira etapa denomina-se "período de lua-de-mel", em que o paciente sente melhora física e emocional, desejando aproveitar a vida, sentindo confiança e esperança. Num segundo momento, os sentimentos de melhora diminuem significativamente e o paciente experimenta sensações de desencanto e desencorajamento, sentindo-se abatido e desamparado com o passar do tempo. O terceiro e último estágio de adaptação surge gradualmente, com o paciente aparentemente aceitando não só as suas limitações, mas também as complicações decorrentes do processo de hemodiálise. No entanto, observa-se que a cronicidade e o estresse que envolve esse tratamento podem acarretar depressão grave nos pacientes. Esses quadros depressivos são considerados como uma importante complicação e podem estar relacionados com o aumento da mortalidade nesta população (Pascoal et al., 2009).

Em seu estágio terminal, a doença renal tem um impacto significativo sobre a vida dos pacientes, ocasionando-lhes restrições físicas, dietéticas e hídricas, além de prejuízos na função sexual. Além disso, existem as perdas psicossociais, como o afastamento do emprego, a redução da renda, o medo da morte, a perda de funções já adquiridas e a perda de sua função/papel social. Outras dessas perdas incluem a percepção do corpo saudável, as alterações da imagem corporal (inchaço, alterações na pele, cateter na jugular ou na femoral, fístula) e as privações na vida social e no lazer (Tijerina, 2009; Zimmermann, Carvalho, & Mari, 2004). Somando-se a tudo isso, ainda existe a constante permanência em ambientes hospitalares (Cé, Bonazza, Ceza, & Filla, 2008).

Contrariando os resultados do presente estudo, na pesquisa realizada por Kimmel e Peterson (2005) foi constatado que pacientes submetidos ao tratamento de hemodiálise há mais de um ano tendem a ter menos depressão, provavelmente por estarem mais resignados e adaptados à doença. No entanto, esta diferença entre os achados pode ser explicada pelo fato de que a amostra do presente estudo é formada, em grande parte, por pacientes que estão em tratamento há menos de um ano, o que pode indicar que este período caracteriza-se como sendo marcado por uma maior vulnerabilidade do paciente em relação à sua condição, devido às mudanças repentinas em sua vida. De qualquer forma, percebe-se que o tempo de hemodiálise é um elemento importante a ser considerado na determinação da depressão.

A prevalência de 56,3% de depressão, encontrada no presente estudo, está em conformidade com os achados da literatura. Cé et al. (2008) e Finger et al. (2011) constataram uma incidência de 44%; Garcia, Veiga e Motta (2010) e Santos, Wolfart, e Jornada (2011) encontraram uma prevalência de 68% de depressão reativa na amostra investigada.

Para os autores Cukor, Coplan, Brown, Peterson e Kimmel (2008), os achados relativos à depressão em pacientes renais crônicos ainda são muito contraditórios. As divergências acontecem em virtude de vários fatores, relacionados à diversidade das populações, às diferenças na formação e nas experiências das equipes médicas, à heterogeneidade dos critérios empregados para o diagnóstico da depressão e às diferenças dos instrumentos de medida utilizados.

Apesar dessas incoerências, esses resultados mostram-se preocupantes, devido às consequências que a depressão pode acarretar na vida dessas pessoas, como é o caso do impacto negativo sobre a qualidade de vida. Em pesquisa conduzida por Chilcot et al. (2008), constatou-se que maiores níveis de depressão estão relacionados significativamente a baixos níveis de qualidade de vida.

A depressão também está associada à diminuição da imunidade e da capacidade funcional, ao relaxamento dos cuidados pessoais e à menor adesão a tratamentos e dietas (Cukor et al., 2008). Aparece também relacionada à intensificação de problemas, tanto financeiros e profissionais quanto familiares, e à maior possibilidade de comorbidades, como o abuso ou dependência de álcool e outras drogas. Consequentemente, aumenta o número de consultas ambulatoriais, internações e até mortalidade (Kimmel, Cukor, Cohen, & Peterson, 2007).

Em situações mais extremas, a depressão pode ocasionar o suicídio. Identificou-se um número alto e significante de risco de suicídio em pacientes renais sob o tratamento de hemodiálise (Cé et al., 2008). Segundo Almeida e Meleiro (2000), muitas são as discussões sobre as taxas de suicídios entre estes pacientes, que podem ser de 10 a 400 vezes maior que na população em geral. Embora seja verdade que as ideações suicidas dos pacientes renais em hemodiálise podem não ser maiores que as de outros pacientes crônicos, os pacientes renais dispõem de meios letais mais acessíveis, tais como: sangramento pelas fístulas; ingestão excessiva de potássio; abuso de líquidos; alimentos proibidos na diálise; ou até mesmo o não comparecimento às sessões de diálise.

Os resultados relacionados às características da sintomatologia depressiva que distinguem os grupos e as que se apresentam com maior intensidade para cada um dos grupos mostram que a IRC pode ser revestida por fantasias elaboradas pelos pacientes. Muitas vezes, os pacientes acham que são culpados pelo seu desencadeamento, sentindo-se punidos por algo que tenham cometido no passado (Pascoal et al., 2009).

No que se refere à autoimagem, a hemodiálise provoca alterações corporais, principalmente em função da colocação da fístula, causando cicatrizes e, por vezes, aneurismas, comprometendo a percepção que os pacientes têm deles mesmos. Tais alterações podem causar sofrimentos que, na maioria das vezes, não são verbalizados. Geralmente, são sentimentos como tristeza, amargura e dependência emocional, que estão ligados à imagem corporal (Koepe & Araújo, 2008).

A diminuição da libido também é comum no paciente renal crônico. Isto ocorre em virtude não somente da IRC, mas também de fatores psicológicos, como o sentimento de dependência real do procedimento da hemodiálise e o sentimento de impotência perante si mesmo e os outros. Em muitos casos, há a inversão de papéis dentro da família, principalmente diante das necessidades financeiras, cabendo ao cônjuge saudável ir trabalhar fora de casa, enquanto ao paciente renal restam algumas atividades domésticas (Rezende, 2006).

O paciente que se submete à hemodiálise dificilmente consegue manter-se no emprego, uma vez que, durante várias horas semanais, precisa ausentar-se do trabalho para estar no programa de tratamento. Aliado a isso, os pacientes têm, comumente, sensações de mal-estar, alterações na pressão arterial e fraqueza generalizada, sintomas que interferem no desempenho de uma atividade laboral (Freitas & Cosmo, 2010). Assim, a maioria dos pacientes passa a depender, normalmente, dos benefícios da Previdência Social, o que gera, por vezes, um sentimento de perda da segurança financeira (Rezende, 2006).

Portanto, verifica-se que as perdas vivenciadas por pacientes com doença renal são numerosas, envolvendo a perda da própria função renal, da sensação de bem-estar, do papel na família e no trabalho, das fontes de recursos financeiros e da função sexual, dentre outras. Estas perdas são duradouras e favorecem o aparecimento da sintomatologia depressiva, que, por sua vez, torna os indivíduos com IRC ainda mais vulneráveis, por deteriorar variáveis psicológicas, psicofisiológicas e psicossociais.

 

Considerações Finais

Desde a criação da primeira máquina de hemodiálise, em 1941, os esforços se concentraram em proporcionar o prolongamento da vida de pacientes com IRC. A partir daí, progressos significativos foram feitos nesse sentido, de modo que, atualmente, essa manutenção já é conseguida de forma mais consistente. Entretanto, o desafio que ainda se impõe é quanto à qualidade de vida do paciente renal, pois observa-se a existência de outras preocupações, incluindo aí as desordens emocionais, como a depressão.

Na amostra do presente estudo encontrou-se um total de 56,3% de pacientes com sintomatologia depressiva entre os pacientes com IRC submetidos ao tratamento da hemodiálise. Esse achado pode ser considerado preocupante, devido às consequências que essa patologia pode acarretar na vida dessas pessoas, como é o caso do impacto negativo na qualidade de vida, diminuição da imunidade e da capacidade funcional, relaxamento dos cuidados pessoais e a menor adesão a tratamentos e dietas; também parece estar relacionada à intensificação de problemas, tanto financeiros e profissionais quanto familiares, e à maior possibilidade de outras comorbidades, como o abuso ou dependência de álcool e outras drogas. Consequentemente, esses problemas acarretam no aumento do número de consultas ambulatoriais, internações e até mortalidade.

Apesar dos dados obtidos, é necessário destacar que eles não podem ser generalizados para toda a população de pacientes renais crônicos em tratamento de hemodiálise, tendo em vista que esta pesquisa empregou uma amostra não representativa e foi derivada de um contexto situacional específico. Outra limitação deste estudo refere-se à utilização do BDI, o qual apresenta itens acerca de problemas físicos, como cansaço, falta de apetite e variação de peso. Tais problemas podem estar relacionados à própria IRC e não necessariamente à presença de sintomatologia depressiva na vida destes pacientes. Apesar destas ressalvas, pode-se constatar que este Inventário é bastante utilizado nas pesquisas com esta população.

Em função dessas limitações, estudos posteriores devem atentar para o desenvolvimento de novas ferramentas, que sejam específicas para a análise da sintomatologia depressiva de pacientes renais crônicos em hemodiálise. Sugere-se também a realização de estudos de caráter longitudinal, para verificar melhor a associação entre o tempo de tratamento e a depressão, incluindo-se especialmente a observação do papel da resiliência como variável de proteção ao surgimento da depressão. Finalmente, em virtude da grande variabilidade nos níveis de depressão encontrados nos estudos com pacientes renais, recomenda-se a execução de pesquisas que utilizem amostras mais representativas, a fim de que se possa estimar mais adequadamente estes níveis. Estas medidas podem ajudar a dimensionar melhor os problemas vinculados aos pacientes renais, permitindo o conhecimento das especificidades das dificuldades por eles vivenciadas. Isto por certo propiciará o estabelecimento de um protocolo mais bem adaptado para o seu atendimento, para que condições mais adequadas sejam alcançadas em prol de sua melhor qualidade de vida.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Fabrycianne Gonçalves Costa
Rua Maria Helena Rocha, 113, Apto. 1301, Bloco A, Aeroclube
João Pessoa, PB. Brasil 58036-823
E-mail: fabrycianne@gmail.com

Recebido: 26/082013
1ª revisão: 02/01/2014
Aceite final: 07/02/2014