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Temas em Psicologia

 ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.26 no.2 Ribeirão Preto abr./jun. 2018

https://doi.org/10.9788/TP2018.2-03Pt 

ARTIGOS

 

Centrado no lugar ou na pessoa? Considerações acerca de foco no mapeamento comportamental

 

Centrar en el sitio o en la persona? Consideraciones sobre la énfasis del mapeo del comportamiento

 

 

Camila KleinI; Ariane KuhnenII; Maíra Longhinotti FelippeIII; Bertiele Barboza SilveiraIV

IUniversidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil. Orcid.org/0000-0002-6785-0355
IIUniversidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil. Orcid.org/0000-0001-9635-9306
IIIUniversidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil. Orcid.org/0000-0001-9483-1654
IVUniversidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil. Orcid.org/0000- 0002-1935-3004

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho debateu a técnica do Mapeamento Comportamental (MC), tecendo uma reflexão acerca dos objetivos de sua aplicação em função da nomenclatura que recebem. Para tal, apresenta uma revisão de estudos empíricos realizados entre 2005 e 2015. Por meio de análise de juízes, os 14 estudos que compuseram a revisão foram examinados de acordo com os seguintes quesitos: departamentos de origem do estudo, referenciais teóricos utilizados, pergunta ou tema de pesquisa, conteúdo da discussão e conteúdo das considerações finais. A partir disso, os juízes definiram a ênfase dos artigos, se na pessoa ou no ambiente, bem como avaliaram o desenho de MC desenvolvido face aos objetivos. Discutiu-se o tipo da nomenclatura empregada, tendo em vista que os estudos internacionais fazem uso da expressão "mapeamento comportamental" e não utilizam os complementos "centrado no lugar" ou "centrado na pessoa" encontrados na literatura nacional. Os estudos internacionais preocupam-se em delinear o problema de pesquisa, e o instrumento é construído a partir das hipóteses ou objetivos, assumindo variados desenhos e modos de aplicação. Finalmente, propôs-se a adoção da nomenclatura "mapeamento comportamental" já que esta demonstra-se suficiente e ampla, de modo que permite a criação de desenhos de instrumento adaptados às demandas da pesquisa.

Palavras-chave: Mapeamento comportamental, método observacional, estudos pessoa-ambiente.


RESUMEN

Este trabajo discute la técnica de Mapeo del Comportamiento (MC), abriendo una reflexión acerca de los objetivos de su aplicación y sobre la nomenclatura que reciben, y presenta una revisión de estudios empíricos llevados a cabo entre 2005 y 2015. Los 14 estudios que se incluyeron en la revisión fueron examinados por jueces que definen el énfasis de los artículos, si es la persona o si es el medio ambiente, así como también evaluan si el diseño desarrollado por el MC cumple los objetivos iniciales. Se discutió el tipo de nomenclatura empleada, teniendo en cuenta que en los estudios internacionales se utiliza la expresión de "mapeo del comportamiento" pero no utilizan los complementos "énfasis en el medio ambiente" ni "énfasis en la persona", como en la literatura nacional. Los estudios internacionales están interesados en la definición del problema de investigación, y el instrumento se construye a partir de las hipótesis u objetivos, asumiendo variados diseños y modos de aplicación. Por último, se propone la adopción de la nomenclatura "mapeo del comportamiento", ya que demuestra ser suficiente y amplio, de manera que permite la creación de diseños de instrumentos adaptados a las exigencias de la investigación.

Palabras clave: Mapeo del comportamento, método de observación, estudios persona-ambiente.


 

 

O Mapeamento Comportamental nos Estudos Observacionais

Na epígrafe do aclamado livro Ensaio sobre a Cegueira, o escritor Nobel, José Saramago (2005), abre o romance com uma provocação: "Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara". De fato, talvez um dos grandes deleites da espécie humana seja o simples observar. E mais que isso: o reparar, que implica em perceber e estar atento. Pessoas apreciam assistir ao pôr do sol, ou reparar nas pessoas que passam na rua, ou contemplar uma obra de arte. Quando apto para fazê-lo, o ser humano é impelido a observar, com menor ou maior atenção, o ambiente físico e social que o circunda. No campo das ciências isto não é diferente: a observação constitui-se importante método e técnica de investigação, seja nas ciências exatas como nas ciências humanas, por exemplo.

O emprego de técnicas de observação direta é especialmente útil quando informações relevantes à pesquisa não podem ser obtidas por meio de relatos verbais ou não-verbais de participantes, como entrevistas e fotografias, respectivamente. Ao contrário das técnicas de observação, relatos pessoais dependem da vontade e da habilidade do respondente em dar informações ao pesquisador (Günther, Elali, & Pinheiro, 2008; Günther, 2008). Os relatos também informam percepções do comportamento sujeitas à influência de memória, conhecimento, crenças, valores e aspirações do respondente (Corral-Verdugo & Pinheiro, 1999). Além disso, as pessoas nem sempre estão conscientes do modo como agem em direção ao ambiente e, portanto, mesmo que quisessem, não seriam capazes de revelar muitos dos aspectos envolvidos nessa relação (Pinheiro, Elali, & Fernandes, 2008).

A observação do comportamento em seu ambiente natural é uma alternativa na exploração de tópicos cuja discussão pode suscitar algum constrangimento ao participante da pesquisa (Creswell, 2010). Sua aplicação ainda pode revelar aspectos do comportamento humano sem o viés da desejabilidade social, comum em auto-relatos. Um bom exemplo é a ação de separar resíduos sólidos: a observação do comportamento de descarte de lixo pode revelar elementos que contrariam os dados de uma entrevista ou questionário.

A observação também pode ser empregada quando o pesquisador enfrenta uma barreira idiomática. Um exemplo é a pesquisa de Elsheshtawy (2013), sobre a vida social de um distrito com população de baixa renda em Dubai. De acordo com o estudo, 93% da população do distrito (que possuía aproximadamente 60.000 habitantes, segundo o censo) era constituída por imigrantes de Bangladesh, da Índia, das Filipinas, dentre outros países, o que inviabilizou o emprego de entrevistas, por conta de barreiras envolvendo o idioma. Fez-se então uso de múltiplas modalidades de observação: mapeamento comportamental, filmagens em intervalos fixos e fotografias. Os dados obtidos delinearam, então, o panorama da vida social que se estabelecia nas ruas e esquinas.

A observação pode ser assistemática, feita no ambiente natural onde ocorrem os comportamentos, sem categorias previamente estabelecidas ou um protocolo sistematizado. Pode-se realizar o registro cursivo da cena observada, e é útil nas etapas preliminares de uma pesquisa, pois auxilia na construção dos instrumentos, como mapeamentos comportamentais, entrevistas e questionários. Por sua vez, a observação sistemática emprega um sistema de escores e categorias que deve ser aplicado com consistência, o que requer a definição dos comportamentos, o local onde serão observados e registrados (Sommer & Sommer, 2002) e intervalos de tempo estabelecidos. A postura do observador também precisa estar clara: ele pode ser um observador participante cujo papel pode ser desconhecido ou conhecido pelo grupo observado; um participante do grupo que atua como observador ou um observador completo que não participa e apenas observa (Creswell, 2010). Converter a observação em método científico de pesquisa exige, portanto, a consideração de cada uma das seguintes dimensões: o comportamento a ser observado, o ambiente, o tempo, o observador e o registro da observação (Bechtel & Zeisel, 1987).

Apesar de suas vantagens, o método observacional direto limita-se à investigação de comportamentos ou vestígios de comportamentos, não servindo, por exemplo, ao exame de atitudes, crenças ou opiniões (Sommer & Sommer, 2002). Salienta-se, desse modo, a relevância da estratégia de pesquisa multimétodos. A combinação de variadas técnicas - como a observação direta, a entrevista e o quase-experimento - permite uma investigação abrangente das interações pessoa-ambiente, de forma que os elementos relacionados à pessoa e os aspectos do espaço físico sejam evidenciados e compreendidos em uma relação recíproca.

Daí a importância dos multimétodos para acessar tanto o que existe em sua concretude no ambiente físico como o que é da ordem dos fenômenos psicológicos e comportamentos humanos. Longe de esgotar as possibilidades de compreensão do objeto estudado, a abordagem multimétodos apresenta-se como estratégia necessária nas pesquisas pessoa-ambiente, porquanto admite a complexidade da realidade. É também um modo de construir a interdisciplinaridade almejada nesses estudos (Günther, Elali, & Pinheiro, 2004; Pinheiro, 2003; Rivlin, 2003), pois agrega métodos de pesquisa característicos de diferentes áreas acadêmicas, como a psicologia, a arquitetura, a geografia, o design, dentre outras.

Dentre os instrumentos observacionais utilizados nos estudos pessoa-ambiente, destaca-se o Mapeamento Comportamental (MC), um documento de base empírica, produto da observação (Marušić & Marušić, 2012), cuja representação gráfica do uso e ocupação do espaço permite a associação entre os atributos do ambiente, a ocorrência de comportamentos observáveis e o tempo em que ocorrem (Cosco, Moore, & Islam, 2010; Marušić & Marušić, 2012; Goličnik & Thompson, 2010; Pinheiro et al., 2008).

A complexidade do MC varia de acordo com os objetivos da pesquisa, que pode contemplar o que ocorre em um espaço específico - comportamentos versus localização (Pinheiro et al., 2008) - até formas mais complexas de mapeamento que englobam comportamentos, gênero e idade aproximada das pessoas observadas, período do dia, período da semana em que a ocupação do espaço ocorre, direções de deslocamento e até condições climáticas (Marušić & Marušić, 2012). Além de útil, é um método de baixo custo, principalmente se não requerer equipamentos de filmagem ou fotografia, exigindo apenas observadores treinados para o preenchimento de protocolos. Entretanto, se é útil e de baixo custo, o MC demanda tempo: um investimento de horas de observação e espera (Sommer & Sommer, 2002).

O MC tem como base o conceito de Behavior Setting concebido por Roger Barker. O behavior setting é compreendido como um conjunto ambiental natural que organiza as ocorrências da vida diária, que é limitado espacial e temporalmente, e no qual certos modelos de comportamento ou ações ocorrem. Por exemplo: uma aula que ocorre de manhã, um serviço religioso que ocorre das 19:00 às 20:00 horas, uma palestra, e assim por diante. A compreensão de behavior setting prescreve que os comportamentos ocorrem dentro de um padrão mais ou menos específico e que se repetem de forma razoavelmente estável, em relação ao ambiente em que ocorrem (Carneiro & Bindé, 1997; Cosco et al., 2010; Scott, 2005). Portanto, a construção do MC parte da premissa que o local da observação é um behavior setting ou contém vários settings, cujos comportamentos a serem estudados podem ser estabelecidos em categorias prévias.

A construção do instrumento de MC implica em observações preliminares que definam claramente o que será registrado, o mapa da área, e o cronograma das observações, a fim de que se crie um sistema de apontamento, codificação e análise dos dados (Marušić & Marušić, 2012). Além de observações, a elaboração do MC pode apoiar-se em dados de entrevistas, pesquisa em bancos de dados ou conversas com informantes. Como exemplos, uma pesquisa realizada em salas de aula de uma pré-escola realizou entrevistas com 37 profissionais de design de interiores com o intuito de categorizar as salas de aula de acordo com seus arranjos espaciais (Abbas & Othman, 2010), ou seja, os dados das entrevistas apoiaram a elaboração do esquema gráfico do mapa. Outro estudo realizado em espaços abertos de uma instituição de educação infantil, contou com informantes da própria instituição (professores, dirigentes) e dados de revisão de literatura para elencar as categorias comportamentais do MC (Raymundo, Kuhnen, & Soares, 2011).

O MC pode ser utilizado como um documento empírico em pesquisas sobre grupos sociais (Elsheshtawy, 2013), espaços urbanos (Gharib & Salama, 2014; Goličnik & Thompson, 2010; Luz & Kuhnen, 2013; Ngesan & Zubir, 2015), desenvolvimento infantil e ambiente de instituições de ensino (Abbas & Othman, 2010; Azlina & Zulkiflee, 2012; Fernandes & Elali, 2008; Ozdemir & Yilmaz, 2008; Raymundo, Kuhnen, & Soares, 2010, 2011; Smith et al., 2014) e estudo de uso de áreas de lazer de condomínios (Latfi, Karim, & Zahari, 2012). O instrumento também pode ser destinado ao levantamento de dados para a construção de propostas de intervenção em ambientes. Como exemplo, destaca-se o trabalho de Kuhnen, Raymundo, e Guimarães (2011) em uma sala de aula de educação infantil, cujos dados do MC nortearam a modificação do espaço físico da sala com a finalidade de proporcionar uma socialização menos conflituosa entre as crianças. Importante destacar que os estudos citados não esgotam todas as variações de aplicação do MC.

O MC pode ser o único instrumento de coleta de pesquisa - com um único protocolo de observação (Goličnik & Thompson, 2010), dois ou mais protocolos que se complementam (Raymundo et al., 2010), ou um protocolo de observação associado a outras técnicas do método observacional, como fotografias e gravação de vídeos (Abbas & Othman, 2010; Elsheshtawy, 2013). Há também a tendência de se agregar múltiplos métodos na coleta de dados: o MC associado ao método de entrevista (e.g. Hussein, 2012; Ozdemir & Yilmaz, 2008) e ao método de levantamento por meio de questionários (e.g. Ngesan & Zubir, 2015), por exemplo.

Este trabalho propõe-se a debater a técnica do MC, por meio de uma revisão de estudos empíricos realizados entre 2005 e 2015. Analisa os objetivos de cada pesquisa, bem como o desenho de MC desenvolvido face aos objetivos. Discute, em especial, o emprego da nomenclatura utilizada internacionalmente e no Brasil, tendo em vista que os estudos internacionais fazem uso da expressão "mapeamento comportamental" e não utilizam os complementos "centrado no lugar" ou "centrado na pessoa" encontrados na literatura nacional. Entende-se que a nomenclatura empregada no Brasil pode carregar um viés interpretativo, no sentido de que a técnica estaria a serviço de etapas da investigação ora centradas no ambiente, ora na pessoa, o que, na prática não procede sempre, já que se pode utilizar mapas "centrados no lugar" com um foco de aplicação da técnica e objetivos de pesquisa interessados no comportamento das pessoas - logo a nomenclatura deixa de ter sentido.

Portanto a presente discussão apresenta-se válida em âmbito nacional por defender o emprego da mesma nomenclatura internacional na tentativa de unificar o termo. Além disso, compreende que a expressão "mapeamento comportamental" é ampla o suficiente para abarcar as variadas aplicações da técnica, independentemente dos objetivos a que atende: se o estudo tem mais foco em pessoas (pessoas nos ambientes), ou ambientes (ambientes com pessoas) ou na relação entre ambos (interação).

 

Mapeamento Comportamental Centrado no Lugar ou na Pessoa?

O uso das nomenclaturas "centrado no lugar" e "centrado na pessoa", como modalidades do mapeamento comportamental, segue a proposta de Sommer e Sommer (2002), os quais sugerem que as técnicas podem servir a propósitos diferentes, embora não proponham explicitamente que as duas modalidades sejam excludentes. A descrição da aplicação, feita pelos autores, indica que o mapeamento comportamental centrado no lugar (MCCL) faz uso de uma representação gráfica do local estudado, dividido em setores. A observação compreende, então, cenas congeladas, como se fossem fotografias, com intervalos fixos de registro dos comportamentos e a posição das pessoas em cada setor (em sua versão mais simplificada). Os autores também sugerem que essa modalidade de observação seria mais indicada para o estudo de um espaço físico específico, por exemplo, o uso que se faz dele.

Já o mapeamento comportamental centrado na pessoa (MCCP), por sua vez, é descrito por Sommer e Sommer (2002) como uma modalidade de observação que implica em seguir a pessoa observada com o intuito de registrar seus comportamentos, localização e tempo. A representação gráfica esquematiza o trajeto percorrido. Em versões mais complexas pode registrar tempo de permanência, descrição detalhada de comportamentos e descrição detalhada dos ambientes. Segundo os autores, essa modalidade é recomendada para o estudo de grupos, sua vida social, como e onde passam seu tempo.

A descrição de Sommer e Sommer (2002) sugere que o MCCL é mais adequado para estudar lugares e o MCCP, para estudar pessoas, o que pode eventualmente induzir a algumas questões quanto à escolha da técnica em relação ao objetivo de pesquisa:

A escolha do procedimento do mapeamento depende dos objetivos dos pesquisadores. Se o objetivo é avaliar um ambiente específico, como o uso de uma loja ou uma área de recreação, métodos centrados no lugar são preferíveis. Se o objetivo é aprender sobre grupos de indivíduos, como a vida social de pessoas idosas que moram sozinhas, o observador provavelmente escolherá uma abordagem centrada no indivíduo. (p. 64)1

Diante disto, seria pertinente que mapeamentos centrados na pessoa fossem usados em investigações cujo objetivo está centrado no lugar? Por outro lado, um estudo interessado em aspectos de grupos sociais pode se valer de mapeamentos cujo foco é o ambiente? As nomenclaturas utilizadas derivam estritamente de uma descrição do modo de aplicação das técnicas ou trazem implicações concernentes aos objetos e objetivos de estudo? Assim, propõe-se nesse texto uma reflexão acerca dos objetivos da aplicação de mapeamentos em função da nomenclatura que recebem. Para tanto, apresentamos a seguir uma revisão integrativa de literatura que possa subsidiar a discussão.

 

O Uso de Mapeamentos Comportamentais nos Estudos Pessoa-Ambiente

Para delinear o cenário de estudos recentes que fizeram uso do MC, optou-se por pesquisas entre 2005 e 2015. Os critérios de escolha das bases foram: acesso gratuito e integral aos artigos e bases que sirvam de repositório de revistas que publicam estudos pessoa-ambiente. Realizou-se uma busca nas bases de dados internacionais Science Direct e Sage Publications com os descritores "behavior mapping" e "behavioral mapping" no título, resumo e palavras chave, e nas bases nacionais SciELO e Pepsic com o descritor "mapeamento comportamental" em todos os índices. Foram localizados 20 artigos e, após leitura dos resumos para exclusão de pesquisas que não se referiam a mapeamento comportamental, 14 trabalhos foram selecionados para compor a revisão, conforme sistematiza a Tabela 1.

Cinco artigos de produção nacional foram encontrados. Os demais são provenientes, em sua maioria, da Malásia (5 artigos), tendo sido localizadas também investigações dos Emirados Árabes, Eslovênia, Estados Unidos e Turquia (Uma produção em cada país citado). Todos os trabalhos nacionais provêm de departamentos de Psicologia e investigam crianças em sua relação com o espaço de educação ao ar livre (Fernandes & Elali, 2008; Raymundo et al., 2010, 2011), a sala de aula (Kuhnen et al., 2011) ou a praça pública (Luz & Kuhnen, 2013). Quanto às produções estrangeiras, provêm de departamentos orientados ao ambiente construído, como Arquitetura, Planejamento Urbano, Desenho de Interiores e Engenharia, à exceção do trabalho estadunidense (Smith et al., 2014), proveniente da área disciplinar da Sociologia e Antropologia. Igualmente nessas investigações, pesquisam-se espaços abertos de educação (Azlina & Zulkiflee, 2012; Hussein, 2012; Ozdemir & Yilmaz, 2008; Smith et al., 2014) e a sala de aula (Abbas & Othman, 2010), mas também áreas de lazer residenciais (Latfiet al., 2012), além de ruas e parques públicos (Elsheshtawy, 2013; Goličnik & Thompson, 2010; Ngesan & Zubir, 2015).

As pesquisas encontradas utilizaram a técnica do mapeamento comportamental para investigar relações entre aspectos sócio-físicos dos diversos ambientes em questão e comportamentos específicos de seus usuários. Dentre as variáveis explicadas a partir do ambiente, estiveram o comportamento de brincar (Abbas & Othman, 2010; Azlina & Zulkiflee, 2012; Luz & Kuhnen, 2013; Raymundo et al., 2010), de interação social (Abbas & Othman, 2010; Fernandes & Elali, 2008; Kuhnen et al., 2011; Raymundo et al., 2011) e relativo à atividade física de crianças (Azlina & Zulkiflee, 2012; Ozdemir & Yilmaz, 2008; Smith et al., 2014); o comportamento de uso dos espaços por crianças ou público adulto (Elsheshtawy, 2013; Goličnik & Thompson, 2010; Hussein, 2012; Latfiet al., 2012; Raymundo et al., 2011) e, ainda, a identidade de lugar de usuários do local (Ngesan & Zubir, 2015). Para tais investigações, utilizou-se predominantemente uma abordagem multimetodológica, que associou ao mapeamento comportamental as observações naturalísticas ou assistemáticas (Azlina & Zulkiflee, 2012; Fernandes & Elali, 2008; Hussein, 2012; Kuhnen et al., 2011; Raymundo et al., 2010, 2011), a técnica da entrevista (Azlina & Zulkiflee, 2012; Elsheshtawy, 2013; Hussein, 2012; Kuhnen et al., 2011; Ozdemir & Yilmaz, 2008), do questionário (Latfiet al., 2012; Ngesan & Zubir, 2015; Ozdemir & Yilmaz, 2008) e da análise documental (Elsheshtawy, 2013).

Por meio das descrições fornecidas pelos autores dos trabalhos, foram identificadas aplicações do mapeamento comportamental na modalidade centrada no lugar e centrada na pessoa. Dentre os artigos internacionais, todos usaram apenas a expressão behavioral (ou behavior) map (ou mapping), enquanto as produções nacionais fizeram uso das nomenclaturas como propostas por Sommer e Sommer (2002). Apenas uma publicação da Malásia (Ngesan & Zubir, 2015) descreveu, na seção da metodologia, que a técnica seria centrada no lugar, não utilizando, porém, esta expressão atrelada ao nome behavior mapping.

A fim de confrontar o foco de cada estudo com a escolha da técnica de mapeamento comportamental realizada - se centrada no lugar ou na pessoa - foi necessária, a partir da seleção dos trabalhos, a identificação da ênfase dada em cada pesquisa. É mister ressaltar que se assume que todos os estudos trataram da interrelação pessoa ambiente em sua complexidade. Porém, o background dos pesquisadores ou o departamento de origem da pesquisa demarcam, em menor ou maior grau, a ênfase com que a investigação foi conduzida, a escolha do aporte teórico e os objetivos traçados.

Assim, procuraram-se, em diversas seções dos textos, evidências do foco que os pesquisadores imprimiram aos seus estudos: foco centrado nas pessoas, grupos, processos psicológicos e comportamento; ou centrado nos lugares, suas características, particularidades e potencialidades. Cinco juízes (sexo feminino, quatro juízes da área da psicologia e um da área da arquitetura) realizaram de modo independente essa avaliação, que se deu a partir da análise conjunta de cinco elementos do texto de cada um dos 14 artigos: (a) informação acerca dos departamentos de origem do estudo; (b) referenciais teóricos utilizados pelos autores; (c) a pergunta ou tema de pesquisa; (d) conteúdo da discussão; (e) conteúdo das considerações finais.

A partir desses critérios, considerando-se a ênfase adotada pelos autores dos trabalhos ao comunicarem suas investigações e considerações, os juízes avaliaram cada estudo como possuindo maior ênfase na pessoa ou no lugar. Ao final das avaliações, os pareceres foram confrontados, objetivando-se ao menos 80% de concordância entre os juízes, o que equivale a dizer que o mínimo de quatro dos cinco juízes deveriam estar de acordo entre si. Para apenas um artigo dentre os 14 analisados, obteve-se percentual inferior ao almejado e igual a 60%. Apenas para esse trabalho, a fim de que o percentual mínimo de concordância fosse atingido, solicitou-se a todos os juízes que revisassem sua avaliação. Em 10 casos, houve unanimidade entre os avaliadores quanto à percepção da ênfase empregada nos estudos. Nos quatro casos restantes, obteve-se o percentual de concordância equivalente a 80%.

O resultado das avaliações dos juízes pode ser consultado na Tabela 2. Como é possível observar, 11 estudos foram considerados com ênfase no ambiente e três, na pessoa. A referida tabela também informa, para cada artigo analisado, o tipo da técnica de mapeamento comportamental empregado pelos pesquisadores, de modo a se poder confrontar modalidades da técnica e ênfases de pesquisa. Em cinco casos, houve correspondência entre o tipo da técnica utilizada e o foco do estudo, isto é, casos em que a ênfase no ambiente foi acompanhada do uso da técnica de mapeamento centrado no lugar, por exemplo.

Nos nove casos restantes, no entanto, essa correspondência não ocorreu ou se deu de modo distinto: quatro artigos com ênfase no lugar utilizaram a técnica do mapeamento centrado na pessoa; três artigos cujo foco era a pessoa empregaram a modalidade de mapeamento centrado no lugar; e, por fim, dois trabalhos percebidos pelos juízes como possuindo ênfase no ambiente valeram-se, não apenas de técnica centrada no lugar, mas também de registros de trajetos e comportamentos de indivíduos específicos em seu movimento pelo espaço. Os casos de não correspondência da ênfase da pesquisa com a técnica cuja nomenclatura sugere "pessoa" ou "lugar" estão ilustrados a seguir.

Uma pesquisa realizada em Kuala Lumpur (Hussein, 2012), sobre o uso de jardins sensoriais por crianças portadoras de necessidades especiais, investigou os aspectos do ambiente físico (affordances) que proporcionavam mais ou menos estimulação físico-sensorial e interações sociais entre as crianças. Utilizou-se o MC para registrar os trajetos das crianças, as preferências, o tempo de permanência em cada setor do jardim e as affordances de cada ambiente. Neste caso, o registro do percurso da criança forneceu dados para se investigar a adequabilidade do ambiente, ou seja, a técnica centrada na pessoa serviu à investigação ambiental.

Goličnik e Thompson (2010) pesquisaram aspectos de uso de um parque urbano com foco nas áreas de gramado e layout dos jardins e passeios. Para tanto, aplicaram o MC sobrepondo o posicionamento de pessoas paradas nos setores do parque, bem como trajetos dos usuários que praticam caminhada, ciclismo ou skate. Observa-se que o emprego da técnica contempla características tanto do mapa "centrado na pessoa" quanto do "centrado no lugar", de acordo com a atribuição dada por Sommer e Sommer (2002), e a ênfase da pesquisa é direcionada para a caracterização do lugar.

Já na pesquisa apresentada por Ngesan e Zubir (2015), utilizou-se o MC com setores e comportamentos pré-definidos, bem como pontos fixos de observação, para se investigar o fenômeno psicológico de identidade de lugar em frequentadores noturnos de duas praças públicas na Malásia. Os resultados do MC foram combinados com a aplicação de questionários. Outro estudo, nas ruas e esquinas de um distrito de baixa renda, em Dubai, fez uso de fotografias, filmagens com intervalos fixos, mapeamento comportamental com observações intervalares e registro de densidade e uso das áreas, com o objetivo de compreender a vida social dos grupos de imigrantes que ali se estabeleceram (Elsheshtawy, 2013).

Os estudos realizados em pátios escolares (Azlina & Zulkiflee, 2012; Fernandes & Elali, 2008; Raymundo et al., 2010, 2011) e em praças públicas (Luz & Kuhnen, 2013) são bons exemplos de pesquisas cujos objetivos ou hipóteses contemplam aspectos da pessoa e do ambiente de forma entrelaçada e interdependente: a ausência de um implicaria a inexistência do outro. Mesmo que alguns estudos denotem mais ênfase na discussão acerca da pessoa ou do ambiente, todos demonstram preocupação em compreender a relação das crianças com seus espaços e a implicação destes nas relações sociais, atividades físicas ou condições de saúde. Para atender aos objetivos das investigações, os pesquisadores elaboraram diferentes protocolos de MC, combinados e superpostos, formados por tabelas de dupla entrada, por mapas ou pela combinação de ambos, incluindo observação setorizada e observação seguindo o trajeto da criança.

Verificou-se que a maior parte dos estudos não apresentou correspondência entre os objetivos da investigação e a modalidade de técnica empregada. Ou seja, estudos com ênfase no lugar utilizaram a técnica nomeada "centrada na pessoa" e vice versa. Os nove estudos em que se observou a não correspondência entre nomenclatura da técnica e ênfase do estudo suscitaram o presente debate acerca da proposta de Sommer e Sommer (2002), quando estes autores sugerem atrelar as características de aplicação do mapeamento às metas de investigação. Diante disto, retoma-se o questionamento em relação à nomenclatura utilizada, em especial, nas publicações nacionais: elas resultam estritamente de uma descrição do modo de aplicação das técnicas ou possuem implicações no que diz respeito aos objetivos do estudo? Em que medida a proposta de Sommer e Sommer (2002) influenciou a escolha das técnicas aplicadas no Brasil?

A revisão de literatura entre os anos de 2005 e 2015 evidencia que os estudos que fazem uso do mapeamento comportamental preocupam-se em delinear o problema de pesquisa, e o instrumento é construído a partir das hipóteses ou objetivos, variando entre protocolos enxutos, com registros de setor /tempo /número de pessoas, até protocolos mais complexos compostos por tempo, número de pessoas, preferências, características dos participantes, características físicas do ambiente, localização por GPS, traçado de trajetos, direção, tempo de permanência, affordances, dentre outros. Os artigos internacionais não utilizam as expressões "centrado na pessoa" ou "no lugar", e apenas ocupam-se em descrever como a técnica foi aplicada para atender aos objetivos da pesquisa, que podem estar mais preocupados em investigar lugares com pessoas, ou pessoas nos lugares ou, finalmente, a interação entre pessoas e lugares.

 

Considerações Finais

Este artigo teve como objetivo discutir a técnica do MC e para tanto utilizou-se de uma revisão de estudos empíricos realizados entre 2005 e 2015. Observou-se que existe uma diferença de uso de nomenclatura em âmbito internacional e nacional, considerando-se que apenas os estudos brasileiros empregam as expressões "centrado no lugar" e "centrado na pessoa" para diferenciar a modalidade de MC.

Ao pensar que se almeja fazer a divulgação científica de pesquisas não só em bases nacionais como também em âmbito acadêmico internacional, considera-se que a adoção da nomenclatura "mapeamento comportamental" é suficiente, bem como ampla, tanto do aspecto metodológico quanto no que concerne aos objetivos ou hipóteses do estudo. O exame das pesquisas revelou a possibilidade de técnicas mistas de mapeamento comportamental, que associam características da técnica "centrada no lugar" e da técnica "centrada na pessoa", em conformidade com as necessidades e interesses dos pesquisadores. Diante disso, haveria a necessidade de criação de uma terceira categoria de MC, de caráter misto? Ou poderíamos adotar apenas a nomenclatura "mapeamento comportamental", já que se vislumbram, assim, possibilidades múltiplas de aplicação da técnica, em que cada pesquisador pode desenvolver um desenho?

Ante o exposto, propõe-se o emprego da nomenclatura "mapeamento comportamental" e destaca-se a importância da descrição detalhada do desenho da técnica face aos objetivos, nos moldes em que grupos de pesquisa internacionais vêm aplicando. Para além do que diz respeito às técnicas, compreende-se que os estudos pessoa-ambiente, a despeito dos desafios inerentes à investigação das inter-relações, procuram concretizar sua empreitada interdisciplinar por meio de metodologias que permitam a investigação ora da pessoa, ora do ambiente e ora da interação pessoa-ambiente. Tal qual o ajuste da objetiva de uma câmera fotográfica, o foco durante o procedimento de coleta de dados modifica-se para tentar captar a complexidade do fenômeno, de modo que o desenho do instrumento de coleta é definido em função da pergunta de pesquisa.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Camila Klein
Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Psicologia
AC Cidade Universitária, Trindade
Florianópolis, SC, Brasil 88040970
E-mail: kleincamila.ck@gmail.com, ariane.kuhnen@ufsc.br, mairafelippe@gmail.com e bettieli.bs@gmail.com

Recebido: 11/08/2016
1ª revisão: 06/04/2017
Aceite final: 09/04/2017
Suporte: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC).

 

 

Contribuição dos autores:
Substantial contribution in the concept and design of the study: Camila Klein.
Contribution to data collection: creio que não se aplica pois é um artigo metodológico.
Contribution to data analysis and interpretation: Camila Klein, Ariane Kuhnen, Maíra Longhinotti Felippe, Bettieli Barbosa da Silveira.
Contribution to manuscript preparation: Camila Klein, Ariane Kuhnen, Maíra Longhinotti Felippe, Bettieli Barbosa da Silveira.
Contribution to critical revision, adding intelectual content: Camila Klein, Ariane Kuhnen, Maíra Longhinotti Felippe, Bettieli Barbosa da Silveira.
Conflitos de interesse: Os autores declaram não ter conflito de interesse relacionado à publicação deste manuscrito.
1 Original em inglês: The choice of mapping procedure will depend on the researcher's goals. If the objective is to access a particular location, such as usage of a store or a play area, place-centered methods are preferable. If the goal is to learn about a group or individuals, such as the social life of older people living by themselves, the observer will probably choose an individual-centered approach.

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