Temas em Psicologia
ISSN 1413-389X
Temas psicol. vol.26 no.2 Ribeirão Preto abr./jun. 2018
https://doi.org/10.9788/TP2018.2-16Pt
ARTIGOS
Estado da arte das medidas em satisfação no trabalho: uma revisão sistemática
Estado del arte de medidas en satisfacción laboral: una revisión sistemática
Gabriela Pereira Rangel HoraI; Rodolfo Ribas JúniorII; Marcos Aguiar de SouzaIII
IUniversidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Orcid.org/0000-0002-2990-4869
IIUniversidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Orcid.org/0000-0001-6119-6754
IIIUniversidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Orcid.org/0000-0001-66 09-8766
RESUMO
Satisfação no trabalho é uma variável psicológica que vem sendo estudada na ciência organizacional contemporânea por sua relação com uma série de variáveis como performance, turnover, comprometimento organizacional e resiliência. Um problema encontrado na literatura científica é a ausência de uniformidade no uso de medidas que quantifiquem a satisfação laboral. Com o objetivo de identificar o estado da arte de instrumentos que avaliem a satisfação no trabalho no mundo, na América Latina e no Brasil, uma revisão sistemática nas bases Web of Knowledge, Scopus e SciELO foi conduzida. Os resultados geraram um montante de 357 artigos que, após aplicados critérios de exclusão, foram reduzidos a 154. Ao todo foram encontradas 62 escalas diferentes usadas em 42 países distintos em todo mundo. Em relação aos resultados globais, duas escalas foram identificadas como as mais utilizadas nos estudos internacionais, bem como em relação aos estudos realizados na América Latina. Já no Brasil, apenas uma escala pode ser considerada.
Palavras-chave: Satisfação, trabalho, psicologia, instrumentos, medida.
RESUMEN
La satisfacción laboral es una dimensión psicológica que se ha estudiado en ciencias de la organización contemporánea gracias a su relación con: el rendimiento, el turnover, el compromiso organizacional y capacidad de recuperación. Un problema encontrado en la literatura científica es la falta de uniformidad en el uso de medidas que cuantifican satisfacción en el trabajo. Con la intención de identificar el estado de las herramientas de evaluación de la satisfacción en el trabajo en el mundo, en América Latina y Brasil, una revisión sistemática en las bases Web of Knowledge, Scopus y SciELO se llevó a cabo. Los resultados generaron un total de 357 artículos que después de aplicar los criterios de exclusión, se redujeron a 154. En total, se encontraron 62 diferentes escalas utilizadas en 42 países diferentes en todo el mundo. A respecto a los resultados generales, dos escalas fueron elegidos como la relación más utilizados, así como en América Latina. En Brasil, sólo una escala puede ser considerada.
Palabras clave: Satisfacción, trabajo, psicología, instrumentos, medida.
A satisfação no trabalho pode ser entendida como a extensão do quanto um trabalhador gosta da sua atividade laboral. Essa valência psicológica é historicamente compreendida dessa forma desde seus primeiros estudos em 1934 por Richard Uhrbrock. Porém, foi somente em 1976 que Edwin Locke apresentou um modelo teórico satisfatório que passou a ser utilizado pela Psicologia do Trabalho e das Organizações (PT&O) como referência nos estudos sobre satisfação no com a atividade laboral. A teoria da satisfação no trabalho sugere que estar satisfeito é essencialmente uma atitude a partir da qual se constituem as relações do trabalhador com seu exercício laboral (Locke, 1976). Na perspectiva dessa teoria, atitude possui o afeto como sua dimensão central, podendo ser positivo e negativo, e a diferença entre esses afetos que determina o nível de satisfação de um indivíduo (Locke & Latham, 2002), em outras palavras, se o funcionário guarda mais afetos positivos que negativos, então ele terá satisfação positiva e vice versa.
Van Saane, Sluiter, Verbeek e Frings-Dresen (2003) expõe que, em geral, as pesquisas partem da hipótese de que a satisfação no trabalho funcionaria como uma espécie de antídoto capaz de combater as condições que favorecem a alta rotatividade devido a uma pequena, porém significativa, correlação negativa entre satisfação no trabalho e turnover. Além disso, a satisfação no trabalho também poderia combater outras influências negativas no ambiente laboral, tais como o estresse ocupacional (van Saane et al., 2003).
Um estudo recente mostrou que satisfação no trabalho possui correlação negativa com turnover além de ser um forte preditor dos pedidos de demissão e mudança de empresa (Mudor & Tooksoon, 2011). As evidências também sugerem que a satisfação no trabalho é uma variável capaz de predizer o turnover com mais precisão do que satisfação salarial (Singh & Loncar, 2010). Já Alarcon e Edwards (2011) sugerem que o comprometimento organizacional está intimamente ligado à satisfação no trabalho e turnover. Os pesquisadores conduziram um estudo cujas evidências apontaram para comprometimento organizacional capaz de predizer a satisfação no trabalho e índices de pedidos de demissão (Alarcon & Edwards, 2011).
Autores também sugerem que a satisfação está associada com performance no trabalho e seus mediadores. Estudos mais recentes mostraram que a satisfação com o trabalho está correlacionada positivamente com a orientação para o serviço, que por sua vez constitui fator mediador da produtividade (Van De Voorde, Paauwe, & Van Veldhoven, 2012). Nyberg (2010), em sua meta-análise, buscou avaliar a relação entre satisfação no trabalho e performance, apresentando resultados que exibem correlação significativa (r=0,34) entre essas variáveis (Nyberg, 2010). O modelo teórico de Locke e Latham (2002) sugere que a satisfação no trabalho afeta diretamente a vontade do trabalhador em se comprometer com novos desafios no seu ambiente de trabalho. A essa vontade consciente de realizar tarefas encaradas saudavelmente como desafios, Locke (1976) dá o nome de Motivação no trabalho. Essa dimensão parece afetar outros aspectos mediadores da performance como: auto-eficácia, comprometimento com o trabalho e resiliência. Uma meta-análise realizada para compreender os mediadores da performance no trabalho mostrou que indivíduos com alta auto-eficácia tendem a estabelecer metas mais arrojadas, se comprometer mais com o trabalho e serem mais resilientes a feedbacks negativos de superiores quando comparados com indivíduos de baixa auto-eficácia; isso afetaria positivamente a performance e a satisfação no trabalho desses indivíduos (Judge & Bono, 2001).
O comprometimento organizacional, ou comprometimento com o trabalho, está empiricamente ligado através de uma função linear positiva com satisfação no trabalho; em outras palavras, quanto maior a satisfação, maior o comprometimento com o trabalho. Um estudo empírico conduzido entre funcionários públicos em um país do Oriente Médio demonstrou que, apesar das questões culturais, os trabalhadores com maior índice de satisfação se comprometeram mais dentro de um processo de mudança na estrutura organizacional (Yousef, 2017). Na iniciativa privada, uma pesquisa com 734 participantes de uma grande empresa canadense apresentou correlação positiva (r=0,80) entre comprometimento organizacional e satisfação no trabalho (Mathieu, Fabi, Lacoursière, & Raymond, 2016).
A resiliência diante de um feedback negativo do supervisor ou chefia é uma das valências psicológicas que vem sendo estudada por ter uma relação linear positiva com satisfação no trabalho. Há evidências que ligam positivamente a capacidade do indivíduo de se reerguer e continuar com o mesmo nível de performance após um feedback negativo, seja depreciativo do seu trabalho ou que questione sua escolha em dada tarefa no trabalho, com seu nível de auto-eficácia e satisfação no trabalho (Chen, Lam, & Zhong, 2007). Por outro lado, parece que esse é um sistema de retro-alimentação entre as variáveis, visto que há resultados que sugerem que maiores níveis de satisfação no trabalho aumentam a chance do trabalhador em ser resiliente e diminui a chance de queda de performance (Abbas, Raja, Darr, & Bouckenooghe, 2014).
Para avaliar as relações entre satisfação no trabalho e as demais variáveis organizacionais os pesquisadores da PT&O lançam mão de diferentes instrumentos em suas investigações. Segundo van Saane et al. (2003), as pesquisas que exploram o tema supracitado têm sido realizadas com variadas modalidades de medidas (e.g., instrumentos globais ou multidimensionais, instrumentos com múltiplos ou somente um item, instrumentos criados para trabalhadores em geral ou somente uma categoria de trabalhadores, e entrevistas qualitativas). Entretanto estudos apontando o estado da arte na investigação da satisfação no trabalho nas pesquisas na PT&O são raros. Com o objetivo de diminuir essa lacuna na literatura científica, o presente trabalho propõe realizar uma revisão sistemática em três níveis de investigação: medidas mais utilizadas no Brasil, instrumentos usados na América Latina e, finalmente, no resto do mundo. Essa revisão tentará apontar quais instrumentos são os mais usados e, portanto, devem ser privilegiados nas pesquisas da área para permitir comparações entre estudos, culturas (International Test Comission [ITC], 2010) e reprodutibilidade dos resultados, algo tão questionado na Psicologia Social (Van Bavel, Mende-Siedlecki, Brady, & Reinero, 2016).
Métodos
Para identificar os instrumentos utilizados mundialmente, na América Latina e no Brasil para mensurar a Satisfação no Trabalho e ten-tar responder as questões propostas no presente estudo, uma revisão sistemática online foi realizada utilizando as plataformas: SciELO, Web of Knowledge e Scopus. Foram pesquisados artigos publicados entre Janeiro de 1995 e Abril de 2015. A revisão limitou-se a três idiomas de domínio do autor principal: Inglês, Espanhol e Português. Os termos chaves foram utilizados na pesquisa seguindo os padrões da Tabela 1, sempre usando o conectivo "AND".
Os critérios de inclusão dos artigos para a presente pesquisa consideraram X elementos: (a) Terem no título da publicação a palavra Satisfação no Trabalho e seus respectivos sinônimos e o termo Instrumento e seus respectivos sinônimos no resumo conforme descrito na Tabela 1; (b) terem sido publicados em revistas com sistema peer review; (c) terem como tema central a satisfação no trabalho ou como variável relevante mensurada; (d) estarem disponíveis pelo sistema do Portal de Periódicos CAPES/MEC ou pelo sistema de busca da Western Libraries (Western University, Ontário, Canadá). Foram ainda adotados critérios adicionais de exclusão em virtude do conteúdo apresentado: artigos obscuros em sua metodologia (i.e., que não definiam ou caracterizavam adequadamente o instrumento utilizado); estudos cujo método de quantificação não tenha ficado claro como o uso de critérios subjetivos para gerar dados quantitativos; artigos de revisão (revisão bibliográfica, sistemática, meta-análises, etc.) mesmo que publicados pelo processo de peer review e instrumentos constituídos por apenas uma pergunta ou sem dados psicométricos.
A primeira fase de filtragem se procedeu incluindo artigos que obedeciam os critérios de inclusão a partir do seu título. Artigos cujo título deixava alguma dúvida, foram incluídos inicialmente. A segunda fase de triagem ocorreu com a leitura dos resumos e abstracts. Nessa fase, permaneceram apenas os artigos que se adequavam aos critérios adotados. Finalmente, os artigos que permaneceram foram lidos e organizados. Nessa última fase alguns artigos poderiam ser excluídos em função dos critérios adicionais de exclusão. Todos os procedimentos foram adotados com base no fluxograma desenvolvido pelo PRISMA (acrônimo do inglês, Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses; Liberati et al., 2009).
Resultados
A pesquisa sistemática retornou o total de 357 publicações nas três bases adotadas. A base Web of Knowledge retornou 194 publicações, Scopus retornou 79 e SciELO (América latina e Brasil) retornou 84 publicações. As duas primeiras bases foram consideradas bases internacionais ao passo que a última foi considerada uma base nacional, apesar de trazer resultados da América Latina, não somente do Brasil. Essa divisão ocorreu, pois houve entradas duplas nas bases internacionais, mas nenhum artigo dessas bases também apareceu no SciELO e vice-versa. Especificamente nas bases internacionais, após adotados os critérios de exclusão e resolvidas questões de duplicações (i.e., artigos que apareciam em ambas as bases, 107 artigos ficaram). Em relação à base SciELO, permaneceram 47 artigos após a utilização dos critérios e inclusão e após a aplicação dos critérios adicionais de exclusão. Com isso, os resultados finais da revisão sistemática foram: 154 artigos das bases Web of Knowledge, Scopus e SciELO. A Figura 1 apresenta o fluxograma sugerido pela iniciativa PRISMA.
Os resultados completos encontram-se em no material suplementar a esse artigo. Constam: sobrenome dos autores, ano de publicação, país de origem do estudo, o instrumento utilizado, o tamanho da amostra e a natureza ou tipo de participantes da amostra. Os dados apontam para uma grande variedade de medidas, dos 154 artigos incluídos nessa revisão, foram 62 diferentes escalas usadas em 42 países diferentes. A Tabela 2 apresenta representatividade dos países na pesquisa.
Em termos de representatividade dos países na pesquisa, os Estados Unidos aparecem como o país com mais estudos na área da satisfação no trabalho com 14,6% de tudo o que foi coletado nas bases de dados utilizadas. Em segundo lugar está o Brasil com 10,8%, seguido de Chile (9,6%), Turquia (6,4%), Inglaterra (5,1%), Colômbia (4,5%), China (3,8%), México (3,2%), Canadá, Espanha e Polônia (esses três últimos com 2,5%), constituindo os dez primeiros colocados em pesquisa de satisfação laboral.
Olhando para as escalas, foco central da presente dissertação, a primeira constatação é a grande variabilidade de instrumentos. A Tabela 3 apresenta número de publicações, porcentagem de representatividade do instrumento nos estudos encontrados pela presente revisão, amostra total de indivíduos que já responderam à escala e se há ou não uma versão brasileira da medida publicada em revistas em sistema de peer review.
Dentre as escalas mais utilizadas nos resultados devolvidos pelas bases de dados, o instrumento mais utilizado e com maior número amostral é o Job Satisfaction Survey (JSS; Spector, 1985), seguido do Minnesota Job Satisfaction Questionnaire (MSQ; Weiss, Dawis, & England, 1967), do Questionário de satisfação laboral S20/23 (Meliá & Peiró, 1989), do Cuestionario Font Roja de Satisfacción Laboral (Aranaz & Mira, 1988), do Index of Work Satisfaction (IWS; Stamps, Piedmont, Slavitt, & Haase, 1978), do Job Diagnostic Survey (JDS; Hackman & Oldham, 1975), do Questionário Geral de Satisfação WCW (Warr et al., 1979), do McCloskey-Mueller Job Satisfaction Scale (MMSS; Mueller & McCloskey, 1990) e da Escala de Satisfação no Trabalho (EST; Siqueira, 1995) como instrumentos com pelo menos 4 estudos quantitativos conduzidos devolvidos pela revisão sistemática. A tabela 4 apresenta dados das escalas mais usadas nos estudos encontrados por esse estudo, mostrando: nome do instrumento, autor da medida original, ano da publicação do instrumento, país de origem e países com estudos publicados usando essa medida.
Dentre os instrumentos mais usados nos estudos devolvidos pela presente revisão sistemática, o MSQ (Weiss et al., 1967) possui o maior número de países diferentes com estudos usando essa medida, no total de 11 países. O MSQ é seguido pelo JSS (Spector, 1985) que conta com publicações em 10 países. Nenhuma das duas escalas, JSS ou MSQ, possuem versão brasileira publicada. Com 5 países, há duas escalas: IWS (Stamps et al., 1978) e JDS (Hackman & Oldham, 1975), mas apenas o JDS possui estudo no Brasil (Pedroso et al., 2014) publicado em revista de sistema peer review, contudo sem indexação SciELO, Web of Knowledge ou Scopus.
Em relação ao local de origem dos instrumentos, 6 dos 9 principais foram publicados e desenvolvidos originalmente nos Estados Unidos, porém há ainda dois questionários, a saber S20/23 (Meliá & Peiró, 1989) e Font Roja (Aranaz & Mira, 1988), desenvolvidos na Espanha que são usados extensivamente em países da América Latina como Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e México. Apenas uma das escalas mais usadas pelos artigos devolvidos na revisão foi criado no Brasil: a Escala de Satisfação no Trabalho de Siqueira (1995); por ser um questionário brasileiro, só há estudos brasileiros que usam-na; esse fenômeno será discutido mais a frente.
Discussão
O presente trabalho visou identificar o estado da arte em instrumentos de medida na investigação da satisfação no trabalho nas pesquisas na PT&O. Nesse sentido, a revisão sistemática utilizou o procedimento PRISMA (Liberati et al., 2009) com três bases: SciELO, Web of Knowledge e Scopus. Cabe ressaltar que a base SciELO é eminentemente de estudos da América Latina, Caribe e Brasil, o que provavelmente causou uma distorção nos resultados com maior concentração nessa região, sem que isso reflita em representatividade mundial. Uma forte evidência dessa afirmação são os estudos brasileiro, dos 17 artigos devolvidos após o procedimento de buscas nas bases de dados, apenas 2 foram publicados em revistas indexadas na Web of Knowledge e nenhum na Scopus; portanto, 15 artigos vieram da base SciELO e só possui visibilidade dentro da América Latina, mas não em outros territórios.
A importância de usar instrumentos que também são pesquisados em outros países do mundo está, primeiramente, na capacidade de resultados serem reproduzidos. Um importante estudo recente apresentou dados de reprodutibilidade (capacidade de uma teoria ser confirmada e resultados reproduzidos em diferentes contextos culturais e experimentais) nas área da Psicologia Social e Cognitiva (Van Bavel et al., 2016). A artigo apontou que a Psicologia Cognitiva con-segue reproduzir seus resultados em 53% dos casos, o que é pouco em termos científicos, mas significativo em termos probabilísticos, por estar acima da chance; por outro lado, estudos em Psicologia Social tendem a apresentar índices de reprodutibilidade próximos a 25%, o que representa 1 a cada 4 pesquisas confirmando uma teoria. Van Bavel et al. (2016) argumentam que o insucesso da reprodução de resultados quantitativos na Psicologia Social se deve a contextos culturais e à heterogeneidade dos instrumentos usados nessas pesquisa. A questão é que esse problema depõe contra a ciência psicológica, dado o nível de incerteza maior que o nível de certeza.
A distinção cultural na Psicologia Social é uma dimensão que deve ser considerada no momento das pesquisas em diversos países. A ITC é um órgão multinacional que visa estabelecer diretrizes para estudos quantitativos usando testes psicológicos. Uma dessas diretrizes diz respeito às adaptações dos instrumentos para diferentes países. De um lado, usar a mesma medida e o mesmo método são importantes para testar modelos teóricos, de outro lado, não há como pensar em usar uma escala desenvolvida nos Estados Unidos sem qualquer adaptação no Brasil, por questões linguísticas e por questões culturais. Por isso, o ITC (2010) estabeleceu critérios claros para adaptação transcultural de testes. O cuidado salientado por Van Bavel et al. (2016) de buscar usar as mesmas medidas, combinado com a adaptação do instrumento para o contexto social em que será utilizado (ITC, 2010) parecem contribuir para diminuir o problema da Psicologia Social contemporânea. É nesse sentido que o presente artigo busca dar sua contribuição, apresentando a lacuna que os resultados aqui demonstram: a falta de instrumentos adaptados para a cultura brasileira que sejam utilizados em diversos países do mundo para promover o teste das teorias vigentes.
Considerando essas questões, o presente trabalho discute as medidas em três níveis: mundo, América Latina e Brasil. Os resultados sugerem que os instrumentos mais usados no mundo são o JSS e o MSQ com 17 (11.0%) e 15 (9.7%) dos estudos quantitativos devolvidos pelas três bases de busca. Nesse sentido, praticamente 1 a cada 5 artigos usam um desses dois instrumentos que alcançam mais de 17 dos 42 países levantados (uma proporção de praticamente 1 a cada 3). Mesmo considerando o enviesamento da presença da base SciELO, essas duas escalas podem ser consideradas centrais para os estudos de satisfação no trabalho e, curiosamente, não foi encontrado pelo presente estudo, versões brasileiras publicadas desses instrumentos, o que mostra uma lacuna nos estudos de satisfação no Brasil.
A partir da perspectiva da América Latina, os questionários Font Roja e S20/23 foram os mais devolvidos com 8 e 10 artigos respectivamente. No cenário latino-americano, o questionário mais usado, o S20/23, possui versão brasileira encontrada na busca (Carlotto & Câmara, 2008). Por outro lado, o Font Roja não possui versão brasileira, o que deixa o Brasil aquém de seus pares latino-americanos e ibéricos, visto que o instrumento foi desenvolvido e vem sendo usado consistentemente na Espanha (Aranaz & Mira, 1988). A hipótese desse estudo é de que a barreira da língua seja um impedimento para que instrumentos brasileiros sejam adotados pelos demais países latino-americanos, mas concretamente não se encontrou pela busca da presente pesquisa nenhum questionário brasileiro adaptado para o espanhol ou castelhano. Por essa razão, que em nível nacional, o instrumento mais usado na literatura brasileira, a Escala de Satisfação no Trabalho (EST; Siqueira, 1995) só possui estudo no Brasil. De um lado, a qualidade da escala é atestada pela solidez do seu uso no país, por outro lado, isso dificulta a reprodutibilidade e respeito às visões teóricas nos estudos de satisfação (Van Bavel et al., 2016), respeitando as idiossincrasias transculturais (ITC, 2010). A seguir, um levantamento dos instrumentos mais usados nesses cenários: mundial (JSS e MSQ), latino-americano (S20/23 e Font Roja) e brasileiro (EST).
Job Satisfaction Survey
Dentre os resultados encontrados, o instrumento mais usado em termos numéricos no mundo é o JSS (Spector, 1985, 1997). Desenvolvida por Paul Spector em 1985, o JSS é uma escala de 36 itens que avalia a partir de uma escala Likert de 6 categorias (a saber, do inglês: 1-disagree very much, 2-disagree moderately, 3-disagree slightly, 4-agree slightly, 5-agree moderately, and 6-agree very much) de concordância nove dimensões da satisfação no trabalho: (1) natureza do trabalho, (2) remuneração, (3) promoção, (4) supervisores, (5) colegas de trabalho, (6) benefícios, (7) recompensas contingenciais, (8) procedimentos operacionais e (9) qualidade da comunicação.
A visão teórica sobre a qual o JSS se constitui é a Teoria dos Limites do Afeto (Locke, 1976, 1991; Locke & Latham, 2002), a abordagem mais usada dentre às teorias que explicam satisfação no trabalho segundo levantamentos da literatura conduzidos em diferentes momentos (Spector, 1997; van Saane et al., 2003). Essa visão parte da satisfação com uma atitude cujo alicerce são os afetos positivos e negativos em relação ao trabalho. Nessa abordagem, a satisfação no trabalho é dada a partir da diferença entre afetos positivos e negativos.
O JSS é encontrada em 10 países, segundo os resultados, e o tamanho amostral dos 17 estudos ultrapassa os 11 mil participantes, o que aponta solidez da medida em termos internacionais. De fato o JSS é extensamente estudada e permitiu o desenvolvimento de um modelo teórico que explica satisfação, motivação e performance no ambiente laboral (Locke & Latham, 2002). A opção pelo JSS parece a mais adequada para pesquisadores que buscam solidez e facilidade para reproduzir dados de número amostrais grandes.
Minnesota Satisfaction Questionnaire
O MSQ (Weiss et al., 1967) apresentou nos resultados a segunda posição em termos de número de estudos com 15 artigos publicados usando a escala. Internacionalmente, o MSQ constitui uma boa escolha para o pesquisador, pois é o instrumento que alcança maior número de países segundo os resultados, totalizando 11 locais; um a mais que o JSS. Parece, no entanto, que no quesito tamanho da amostra, os pesquisadores do MSQ tendem a utilizar menos participantes, visto que o número de 4599 pesquisados o coloca em quinto lugar apenas.
O MSQ foi desenvolvido em 1967 por três pesquisadores a partir do referencial teórico da atitude. O questionário considera satisfação como uma atitude com afetos positivos e negativos, como sugerido por Locke (1976) divididos por 20 facetas. A estrutura da escala é de 100 itens na versão completa e 20 itens na sua versão reduzida, que avaliam as 20 facetas da satisfação (Spector, 1997): (1) atividade, (2) independência, (3) variedade, (4) status social, (5) supervisão (relações humanas), (6) supervisão (técnica), (7) valores morais, (8) segurança, (9) autoridade, (10) uso das habilidades, (11) políticas e práticas empresariais, (12) compensações, avanço, (14) responsabilidade, (15) criatividade, (16) condições de trabalho, (17) colegas de trabalho, (18) serviço social, (19) reconhecimento, (20) conquistas. As respostas variam segundo uma escala Likert de 5 categorias para nível de satisfação com cada faceta do trabalho, indo de 1-muito insatisfeito (do inglês, very dissatisfied) até 5-muito satisfeito (do inglês, very satisfied).
Questionário de Satisfação no Trabalho S20/23
O questionário S20/23 é um instrumento de versão reduzida da escala original S4/82 (Carlotto & Câmara, 2008; Meliá & Peiró, 1989). Nesse formato, medida possui 23 itens divididos em 5 fatores: (1) Satisfação com a supervisão, (2) Satisfação com o ambiente físico de trabalho, (3) Satisfação com benefícios e políticas da organização, (4) Satisfação intrínseca do trabalho e (5) Satisfação com a participação. As respostas são feitas em uma escala de satisfação do tipo Likert indo de 1-muito insatisfeito (do espanhol, muy insatisfecho) a 7-muito satisfeito (do espanhol, muy satisfecho).
Segundo Meliá e Peiró (1989), o S20/23 e sua versão original S4/82 foram medidas construídas a partir de revisões da literatura empírica que usou métodos de análise fatorial para determinar o número de dimensões da satisfação no trabalho. Significa que não há exatamente uma base teórica única, mas a criação de uma medida com viés empírico (Carlotto & Câmara, 2008).
No contexto latino-americano, o S20/23 é o instrumento mais usado em pesquisas com 10 estudos usando-o. Os resultados mostram que a escala contempla 4 países: Brasil, Argentina, Chile e Colômbia, o que mostra seu caráter amplo e de boa adesão nos países sul-americanos. Isso o torna uma medida que facilita a promoção de estudos de colaboração internacional, principalmente entre nações da América do Sul.
Cuestionario Font Roja de Satisfacción Laboral
O questionário Font Roja de satisfação no trabalho foi originalmente desenvolvido na Espanha para avaliar a satisfação de enfermeiros e profissionais de saúde no ambiente hospitalar (Aranaz & Mira, 1988). Esse direcionamento se deu a partir da demanda de instrumentos que fossem adaptados para a realidade do trabalhador de hospitais que sofre de desgastes e demandas múltiplas que vão além do contexto corporativo e público em geral (Núñez González, Estévez Guerra, Hernández Marrero, & Marrero Medina, 2007). Essa medida conta com uma estrutura de 9 fatores: (1) satisfação com o trabalho; (2) tensão no trabalho; (3) competência profissional; (4) pressão no trabalho; (5) promoção profissional; (6) relação interpessoal com os superiores; (7) relação interpessoal com os colegas de trabalho; (8) características extrínsecas de status o social; (9) monotonia no trabalho. Suas dimensões são divididas em 24 itens de respostas que medem o nível de satisfação do tipo Likert variando de 1-muito insatisfeito (do espanhol, muy insatisfecho) a 5-muito satisfeito (do espanhol, muy satisfecho).
Recentemente, Núñez González et al. (2007) desenvolveram outros 2 itens para a escala com a finalidade de avaliar uma nova dimensão que considera o espaço físico de trabalho. Essa adição criou uma versão estendida da medida com 10 fatores e 26 itens. No panorama da América Latina, o instrumento aparece sendo utilizado em artigos 8 artigos, sendo 3 do México, além de Chile (n=1) e Colômbia (n=3). Considerando a Ibéria, a Espanha (n=1) também produz estudos com o instrumento, por conta da sua origem e especificidade. Nesse contexto, vale lembrar que é uma medida construída para o contexto hospitalar e, portanto, sua adequação a esse ambiente justifica seu uso em amostras com essa característica comum. A partir dessa condição, pesquisadores latino-americanos podem se beneficiar desse instrumento para mensurar a satisfação no trabalho de enfermeiros e profissionais da saúde.
Escala de Satisfação no Trabalho
A única escala desenvolvida no Brasil e devolvida nas bases de dados utilizadas foi a EST (Siqueira, 1995, 2003). Desenvolvida por Mirlene Maria Siqueira em 1995 para sua tese de doutorado, o instrumento tem como base teórica o modelo desenvolvido pela própria pesquisadora denominado "Modelo pós-cognitivo para comportamentos de cidadania organizacional" (Siqueira, 2003, p. 168). Essa abordagem teórica pressupõe que cognições (que a autora vai elencar como: percepção da reciprocidade organizacional, percepção de suporte organizacional e comprometimento organizacional calculativo) vão desenvolver afetos do trabalhador para com a empresa (divididos em satisfação no trabalho, envolvimento com o trabalho e comprometimento organizacional afetivo) que vão redundar em ações de cidadania organizacional. Nesse sentido, a satisfação é vista como um elemento do afeto que, por sua vez, é gerado a partir de pensamentos baseados em valores e crenças do trabalhador em relação ao mundo do trabalho. Estar satisfeito, portanto, seria estar comprometido com uma organização que tem valores e crenças congruentes com as do trabalhador (Siqueira, 1995, 2003). A noção do afeto como um fruto das crenças e valores coloca a cognição como o centro da atitude, o que contraria a noção de atitude enquanto afeto adotada por Locke (1976) e utilizada pela maioria dos pesquisadores da área (Fritzsche & Parrish, 2004; Judge & Bono, 2001; Latham & Budworth, 2007; Locke, 1991; Locke & Latham, 2002; Spector, 1997; Stamps et al., 1978; Warr et al., 1979; Weiss et al., 1967).
Apesar do modelo teórico distinto, a EST possui estudos demonstrando evidências de validade e boas propriedades estatísticas (Siqueira, 1995). A medida conta com 25 itens divididos em 5 fatores: (1) satisfação com os colegas, (2) satisfação com salário, (3) satisfação com a chefia, (4) satisfação com a natureza do trabalho e (5) satisfação com promoções. As respostas são feitas em uma escala de 7 níveis de concordância do tipo Likert.
Em relação ao uso da EST, foram devolvidos 4 artigos que usam o instrumento para estudar a satisfação no trabalho, contudo todos foram publicados no Brasil e recuperados pela base SciELO. Nitidamente há uma vontade dos pesquisadores brasileiros de usarem a medida e isso se deve do fato da EST ter sido desenvolvida dentro do contexto brasileiro facilitando sua utilização. Outro obstáculo que é derrubado pela EST é a dimensão linguística e a ausência de demanda de adaptação transcultural (ITC, 2010). Por outro lado, não foram encontrados artigos internacionais que usem a EST, nem sequer estudos de adaptação para outros países, o que pode ser explicado a partir de duas hipóteses não testadas: (a) o instrumento foi construído a partir de uma visão teórica pouco compartilhada por pesquisadores fora do Brasil, ou (b) a presença de versões de instrumentos mais utilizados para estudar satisfação no trabalho já adaptadas para a realidade desses países gera uma facilidade ao pesquisador que o desmotiva no uso da EST. Seja qual for a hipótese, para o pesquisador que parte da assunção teórica de que satisfação é consequência da congruência entre as cognições do trabalhador e aquilo que é oferecido pela empresa, a EST parece o método de mensuração mais adequado, independente do país de origem da pesquisa.
Limitações e Conclusões
A proposta do presente artigo foi de buscar na literatura instrumentos de medida na área de satisfação no trabalho o estado da arte nessa segunda década do século XXI. Quando apontados os três níveis da pesquisa: mundo, América Latina e Brasil, cinco medidas receberam destaque. No mundo, a JSS (Spector, 1985) e a MSQ (Weiss et al., 1967) são as medidas mais abrangentes e mais respondidas, contudo, ainda é necessário que estudos de adaptação transcultural e validação no Brasil sejam realizados e publicados para dar solidez ao uso das medidas e permitir a replicação de resultados a partir da visão teórica de Locke (1976). Na América Latina, a S20/23 (Meliá & Peiró, 1989) e a Font Roja (Aranaz & Mira, 1988) são as principais escalas utilizadas que permitem colaborações internacionais nessa região. De um lado, a S20/23 possui versão brasileira e alguns estudos empíricos (Carlotto & Câmara, 2008), de outro lado, a Font Roja, por sua especificidade amostral (enfermeiros e profissionais de saúde), ainda não conta com uma versão adaptada para o Brasil. Especificamente no contexto brasileiro, a EST (Siqueira, 1995) é uma escala desenvolvida a partir de uma perspectiva teórica distinta da de Locke (1976), mas igualmente importante. Nesse sentido, o Brasil se vê privilegiado por poder testar o modelo teórico da satisfação enquanto uma atitude a partir do ponto de vista do afeto e da cognição. No entanto, parece que não há vontade internacional de adaptar a EST, deixando-a isolada em termos de cenário mundial da pesquisa em satisfação no trabalho.
Este trabalho identificou muitos artigos que usaram métodos empíricos e psicométricos para mensurar a satisfação no trabalho, no entanto, a multiplicidade de medidas, totalizando 62 instrumentos, dificultam as conclusões nesse campo de pesquisa. Os critérios de inclusão e exclusão foram muito lenientes, o que provavelmente gerou a quantidade de 154 artigos para serem revisados. Apesar da temática do artigo ser simples, o número soa excessivo. Outro aspecto que merece ressalva é que trabalhos de tese e dissertação não aparecem nessas bases, no entanto, há indícios de que algumas dessas medidas foram adaptadas sem receberem a devida notoriedade por constituírem material não-publicado.
O objetivo do trabalho foi cumprido, mas o campo de pesquisa em satisfação no trabalho ainda carece de estudiosos que adaptem e investiguem as propriedades psicométricas, principalmente dos instrumentos mais usados e que não apresentam versão brasileira publicada. Fica a esperança de que em empreendimentos futuros os pesquisadores possam revisitar esses métodos de medida.
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Endereço para correspondência:
Gabriela Pereira Rangel Hora
Avenida Genaro de Carvalho, 1521, Apt. 101, Recreio do Bandeirantes
Rio de Janeiro, Brasil 22795-077
E-mail: gabrielahora@gmail.com
Recebido: 02/02/2017
1ª revisão: 07/06/2017
Aceite final: 08/06/2017