Temas em Psicologia
ISSN 1413-389X
Temas psicol. vol.26 no.2 Ribeirão Preto abr./jun. 2018
https://doi.org/10.9788/TP2018.2-19Pt
ARTIGOS
O modelo transteórico para auxiliar adolescentes obesos a modificar estilo de vida
El modelo transteórico para ayudar adolescentes con sobrepeso y obesidad a cambiar su estilo de vida
Raquel de Melo BoffI; Carolina Domingues SegallaII; Ana Maria Pandolfo FeoliIII; Andreia da Silva GustavoIV; Margareth da Silva OliveiraV
IPontifícia Universidade do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. Orcid.org/0000-0002-8625-9085
IIPontifícia Universidade do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. Orcid.org/0000-0002-5174-3109
IIIPontifícia Universidade do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. Orcid.org/0000-0001-7685-8431
IVPontifícia Universidade do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. Orcid.org/0000-0002-1128-2192
VPontifícia Universidade do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. Orcid.org/0000-0002-6490-5170
RESUMO
O número de adolescentes com sobrepeso e obesidade quadriplicou nos últimos trinta anos, gerando possível redução na sobrevida. O tratamento não medicamentoso está relacionado à mudança de estilo de vida, visando a redução de peso. O presente relato de experiência visa descrever uma intervenção interdisciplinar grupal baseada no Modelo Transteórico de Mudança (MTT) para motivar adolescentes com sobrepeso e obesidade a modificar o estilo de vida, avaliar a motivação para a modificação de diferentes comportamentos relacionados à saúde, e explanar estratégias que facilitam a evolução nos estágios de mudança. Participaram deste estudo 13 jovens, com idade média de 16,32 anos (DP = 1,21), sendo cinco do sexo masculino e oito do feminino. Este relato procura apresentar a forma que os processos de mudança podem contribuir no aumento da motivação para mudança do estilo de vida. Ao final da intervenção o grupo apresentou aumento na motivação para praticar exercício físico e regular hábitos alimentares, e perda média de peso.
Palavras-chave: Obesidade, adolescente, controle de peso, modificação do comportamento, pesquisa interdisciplinar.
RESUMEN
El número de adolescentes con sobrepeso y obesidad cuadruplicó en los últimos treinta años y las consecuencias de esa condición pueden llegar a ser la reducción de la sobrevida. El tratamiento sin medicinas se hace por medio del cambio de estilo de vida enfocado a la reducción de peso. El informe expone una intervención interdisciplinar en grupo basada en el Modelo Transteórico (MTT) para motivar adolescentes con sobrepeso y obesidad a modificar su estilo de vida, evaluar su motivación para la modificación de comportamientos relacionados a la salud, y explicar estrategias que facilitan la evolución en las etapas de cambio. En este estudio participaron 13 jóvenes, con edad mediana = 16,32 (DE = 1,21), cinco del sexo masculino y ocho del femenino. Este informe busca demonstrar la forma que los procesos de cambio pueden estimular el aumento de motivación para el cambio del estilo de vida. Al final de la intervención el grupo presentó aumento de la motivación para practicar ejercicio físico regularmente y mejorar hábitos alimenticios, y perdida media del peso inicial.
Palabras clave: Obesidad, adolescente, control de peso, cambio de comportamiento, investigación interdisciplinaria.
A partir do aumento na prevalência da obesidade, condição que pode ser considerada crônica, principalmente em crianças e adolescentes, entende-se que a doença deve passar a ser foco de promoção de saúde (World Health Organization [WHO], 2016). A estimativa internacional da World Obesity Federation (WOF, 2016) é de que no ano de 2004 haviam 10% da população entre 5 e 17 anos acima do peso e 2-3% com obesidade. Atualmente, esta realidade aumentou para 30% nos países do continente americano (WOF, 2016) sendo que no Brasil, a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) de 2008-2009 mostrou um aumento significativo na prevalência de excesso de peso entre adolescentes (10 a 19 anos de idade), passando de 3,7% para 21,7% no sexo masculino e de 7,6% para 19,4% no sexo feminino nos últimos 30 anos (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2010). O estudo multicêntrico Estilo de vida e Risco Cardiovascular em Adolescentes (ERICA) apontou que 28.4% dos adolescentes obesos já desenvolveram hipertensão arterial, 20% possuem hipercolesterolemia, 7.8% triglicerídeos altos e 46.8% possuem baixo HDL -High Density Lipoproteins (Faria-Neto et al., 2016), sendo que a prevalência nacional da síndrome metabólica na amostra já está em 2.6% (Bloch et al., 2016). Considerando que adolescentes obesos têm cinco vezes mais chances de se tornarem adultos obesos e de que a obesidade é preditiva para eventos cardiovasculares precoces na sobrevida, compreende-se que tal condição pode reduzir a estimativa de vida da população (Simmonds, Llewellyn, Owen, & Woolacott, 2016).
A melhora da saúde implica especialmente na redução de peso por meio da mudança de estilo de vida, o que requer modificação de hábitos alimentares e prática de exercício físico regular (Ford, Hunt, Cooper, & Shield, 2010). No entanto, a literatura demonstra que a adesão a programas para perda de peso entre os adolescentes é baixa, tendo em vista que 50% desistem do tratamento e apenas 5% conseguem manter o peso após o término das intervenções (França, Sahade, Nunes, & Adan, 2013). Dentre os principais preditivos para a adesão está o comprometimento com a saúde por meio da modificação do comportamento (Sousa, Gaspar, Fonseca, & Gaspar, 2016).
A mudança de hábitos é um processo complexo especialmente na adolescência, o que requer estratégias específicas para esta população, além de ações interdisciplinares (Spear et al., 2007). Ainda, é necessário que a estrutura dos programas de tratamento tenham foco em multicomponentes tais como a educação nutricional, educação física, apoio psicológico, envolvimento familiar e uso de recursos tecnológicos, além de adotar linguagem compatível à faixa etária (Boff, Liboni, Batista, de Souza, & Oliveira, 2016).
A partir desta perspectiva, o Modelo Transteórico de Mudança (MTT) tem sido adotado por diferentes profissionais de saúde como estratégia em intervenções para perda de peso por meio da mudança do estilo de vida em adolescentes (Han, Gabriel, & Kohl, 2015; Mostafavi, Ghofranipour, Feizi, & Pirzadeh, 2015; Prochaska, Norcross, Fowler, Follick, & Abrams, 1992). O MTT foi descrito pela primeira vez pelos autores Prochaska e DiClemente (1983) que analisaram e compararam 29 diferentes tipos de psicoterapias que auxiliavam indivíduos a realizarem modificações comportamentais e concluíram que tal mudança se dá ao longo do tempo, sendo um processo mediado por quatro dimensões: os estágios de prontidão para mudança, os processos de mudança, os marcadores da mudança e o contexto da mudança (Prochaska, DiClemente, & Norcross, 1992).
Os cinco estágios correspondem à dimensão temporal da mudança, e, portanto, determinam uma série de pensamentos e comportamentos que influenciam na adesão de um tratamento. Estes estágios são: pré-contemplação, contemplação, preparação, ação e manutenção, e representam quando as pessoas mudam (Prochaska, DiClemente et al., 1992). Aliado aos estágios, os processos de mudança possibilitam a compreensão de como as pessoas mudam, ou seja, como se movimentam entre os estágios, e podem ser individuais e diferentes para cada sujeito. Os autores nomearam dez processos de mudança, cinco cognitivo/experienciais e cinco comportamentais. A autoeficácia e a tomada de decisão para a mudança representam os marcadores da adesão a um estilo de vida saudável (Mostafavi et al., 2015), enquanto o contexto da mudança é representado pelo ambiente interno (personalidade, história de vida e recursos cognitivos) e ambiente externo (relacionamentos interpessoais, contexto social; Velicer, DiClemente, Rossi, & Prochaska, 1996).
Considerando a aplicabilidade do MTT como estratégia de modificação de comportamento e sua eficácia em programas internacionais para perda de peso (Han et al., 2015; Susin et al., 2015), este estudo se propôs a relatar uma experiência resultante de um grupo de intervenção interdisciplinar com adolescentes com sobrepeso ou obesidade.
Método
Participantes
Participaram do estudo um grupo de 13 adolescentes com idade média de 16.32 anos (DP=1.21), cinco sendo do sexo masculino e oito do feminino. O recrutamento aconteceu por mídia local impressa e mídia online. Os que apresenta-ram interesse foram convidados junto aos pais a comparecer a uma entrevista de triagem, na qual uma equipe interdisciplinar apresentou os objetivos do estudo e avaliou os seguintes critérios de inclusão: idade entre 15 e 18 anos; sobrepeso ou obesidade (IMC>percentil 85); e os seguintes critérios de exclusão: contraindicação absoluta para atividade física, presença de diagnóstico de transtornos psiquiátricos graves e/ou prejuízos cognitivos significativos, diagnóstico de diabetes mellitus tipo I, gestantes e indisponibilidade de participação no programa. Após a confirmação dos critérios, aos pais e adolescentes foram lidos o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) e o Termo de Assentimento (TA).
Instrumentos
Foi realizado um grupo fechado com frequência semanal e estes encontros gravados em áudio conforme autorização dos participantes e seus representantes legais. O peso foi aferido prévia e posteriormente à intervenção utilizando uma balança da marca Cauduro®, com capacidade para 160 kg, devidamente calibrada, com o voluntário descalço e com o mínimo de roupa possível. Para a mensuração da estatura utilizou-se o antropômetro vertical da marca Sunny®. O Índice de Massa corporal foi avaliado por meio da fórmula proposta pela Organização Mundial de Saúde (WHO, 2000).
Para avaliar os estágios de mudança pré e pós-intervenção, utilizou-se escalas analógicas (de 0 a 10) na qual os participantes responderam o quanto prontos para mudar seu comportamento em relação ao aumento da ingestão de frutas, legumes, cereais e peixe; redução da ingestão de embutidos, sal, gorduras trans e açúcar, e disponibilidade para prática de exercício físico regular (Velasquez, Mauer, Crouch, & DiClemente, 2001).
Procedimentos
Coleta de Dados. O grupo foi realizado na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e conduzido por uma equipe interdisciplinar, por meio da parceria entre as faculdades de Nutrição, Enfermagem, Fisioterapia (FAENFI), Faculdade de Farmácia e Psicologia da PUCRS. A experiência relatada teve a coordenação principal de uma psicóloga experiente no MTT, que com a contribuição ativa dos demais profissionais treinados, integraram saberes das cinco áreas da saúde, objetivando a evocação dos processos de mudança. Foram realizados 12 encontros semanais, totalizando três meses, com a duração de 1h30min. Além disso, a intervenção contemplou dois encontros apenas com os familiares dos participantes, no início e ao final dos três meses, com o intuito de fortalecer o apoio da família aos adolescentes. Todos os encontros foram gravados em áudio e transcritos posteriormente.
Análise de Dados. Para facilitar a compreensão do trabalho prático embasado por pelos pressupostos teóricos do MTT, foi relatada a experiência de como os dez processos de mudança podem ser evocados por meio de diferentes técnicas. Algumas verbalizações dos voluntários foram destacadas para exemplificar sua implicação no processo de mudança. As mudanças do grupo foram analisadas através da variação média de peso, IMC e prontidão para mudança utilizando o teste Wilcoxon para medidas repetidas não paramétricas.
Considerações Éticas. Este estudo faz parte de um estudo maior denominado "Efeito de intervenção interdisciplinar com abordagem motivacional na modificação do estilo de vida em adolescentes com sobrepeso e obesidade (MERC-IV)", que teve sua aprovação em 2014 pelo Comitê de Ética em Pesquisa da PUCRS (CAAE: 36209814.6.0000.5336). O MERC-IV constitui-se em um ensaio clínico randomizado, no qual os participantes foram alocados em dois grupos distintos: Grupo Controle (GC) e Grupo Intervenção (GI), ambos sendo conduzidos por profissionais da psicologia, nutrição, fisioterapia, educação física e enfermagem. Este relato focará a experiência na condução de um dos GI (Ribeiro et al., 2016).
Resultados
Descrição dos Participantes
Antes de iniciar os grupos a média de peso dos adolescentes era 97.71 (DP=22,43) e Índice de Massa Corporal (IMC) médio 34.5 (DP=5,10). Em relação ao nível de escolaridade, três cursavam o primeiro ano do ensino superior, oito o ensino médio e dois estavam concluindo o ensino fundamental, e apenas um realizava um trabalho remunerado. Todos os adolescentes já haviam tentado estabelecer uma rotina de exercício físico anteriormente e desistiram entre o primeiro e terceiro mês, e relataram já ter feito dieta, desistindo após o período de duas semanas a um mês.
Ao término dos grupos foi constatado o aumento na motivação para praticar exercício físico aeróbico diariamente por 30 minutos (z=-2.809; p=0,005); aumento na motivação para redução da ingestão de frituras (z=-2.511; p=0,001), de gorduras transgênicas (z=-1.952; p=0,05) e de açúcar (z=-3.093; p=0,002). Observou-se também melhora em relação ao comportamento alimentar compulsivo (z=-2.095; p=0,036), bem como aumento da autoeficácia para regular hábitos alimentares frente a situações sociais (z=-2.003; p=0,045). Em relação ao peso, oito adolescentes apresentaram redução de peso, havendo perda média geral de 1% do peso inicial. Embora análises estatísticas não estejam dentro do propósito deste estudo, os resultados deste grupo de 13 participantes apresentam a tendência a um efeito positivo da intervenção sobre a mudança de estilo de vida e condições de saúde.
Relato da Experiência
A estrutura dos encontros era a mesma, sendo que na primeira hora eram trabalhados os temas descritos no protocolo de intervenção (Ribeiro et al., 2016) com o uso de material de apoio e de forma lúdica. Na meia hora final os participantes eram convidados a experimentar uma atividade física, com o objetivo de oferecer o conhecimento sobre as diferentes modalidades de exercício existentes. Para tal, utilizaram-se recursos como videogame com sensor de movimento, músicas e a infraestrutura da universidade. O intuito das sessões foi estimular processos de mudança nos adolescentes para a modificação de hábitos alimentares, aumento dos níveis de atividade física e iniciação de exercício físico regular para a movimentação nos estágios de mudança. Para reforçar este trabalho, dois encontros com os pais foram realizados nos quais se explicou a intervenção e maneiras de motivar os filhos. Os autores do MTT enfatizam a importância do estímulo dos processos de mudança de acordo com o estágio de prontidão para mudança do sujeito (Prochaska, DiClemente et al., 1992). Neste estudo, constatou-se, através da aplicação de instrumento avaliativo, que os adolescentes iniciaram os grupos em estágios iniciais de prontidão para mudança. Desta forma, a intervenção contemplou inicialmente os processos de mudança cognitivo/experienciais, considerando que estes são mais eficazes para auxiliar pessoas em estágio de pré-contemplação, contemplação e preparação (Velasquez et al., 2001). Nos seis últimos encontros, o principal foco foram os processos comportamentais, com intuito de reforçar os estágios de ação e manutenção para mudança. Portanto, este relato organiza-se em tópicos que explanam os processos, as técnicas utilizadas e as sessões em que aconteceram:
Ampliação da Consciência. Este processo de mudança está relacionado ao conhecimento que as pessoas têm sobre o quanto seus comportamentos podem ter efeitos negativos sobre a saúde (Prochaska, DiClemente et al., 1992). No primeiro encontro, além do contrato grupal, buscou-se disponibilizar informações sobre as consequências da obesidade. A técnica utilizada para isso foi a entrega dos exames clínicos de Colesterol, Triglicerídeos, Glicose em Jejum, Hemoglobina Glicada, Proteína C Reativa, Vitamina D e de capacidade cardiorrespiratória, que foram realizados antes do início da intervenção.
Para compreensão de seus resultados, os adolescentes receberam informações de valores e pontos de corte e discutiu-se sobre o impacto de questões nutricionais e sedentarismo como sobre as alterações negativas nesses exames. Uma réplica anatômica de arterosclerose foi mostrada e os participantes foram convidados a manipular no tablet o aplicativo 3D Heart, para conhecimento do funcionamento do coração. A participante E. (16 anos) impressionou-se ao receber a informação de que doenças cardiovasculares são frequentes em adolescentes: "Então quer dizer que eu posso cair durinha!". Reações como a de E. são comuns quando se aplicam téc-nicas para auxiliar a ampliar a consciência sobre o problema, considerando que nem sempre as pessoas tem informação qualificadas sobre os aspectos relacionados à sua condição.
Outra questão importante para ampliar a consciência do indivíduo é informá-lo sobre o tratamento que será fornecido. Previamente à explicação de como seria a intervenção embasada no MTT, os adolescentes foram questionados sobre suas motivações em participar do programa. A jovem G. (16 anos) respondeu:
minha mãe me colocou no carro disse que eu iria pra casa da minha avó e quando vi, nós tava aqui na PUCRS, daí pensei, minha avó mudou de endereço?! Só que minha mãe disse que eu ia participar de um programa pra perder peso porque eu tava gorda demais.
Outra menina, A. de 17 anos respondeu: "eu estou participando do MERC porque meu pai me dá 100 reais a cada vez que eu venho aqui".
A partir dos relatos, nota-se que grande parte dos adolescentes estavam pré-contemplativos ou contemplativos no primeiro encontro, resistentes e em estado de alerta quanto ao tratamento. Assim, os profissionais basearam sua intervenção nos princípios da Entrevista Motivacional (EM) para diminuir a resistência e ambivalência e potencializar a motivação, conforme orienta Velasquez et al. (2001). Desta forma, além de ouvir de maneira empática as razões externas para participarem, buscou-se evocar os motivadores intrínsecos para participarem. Para isso, foram explicados os diferentes estágios de prontidão para a mudança e solicitado aos adolescentes que identificarem em que estágio de prontidão de mudança se encontravam para a modificação de hábitos alimentares e aumento de atividade física. O adolescente M. (17 anos) acreditou que estava na ação para o exercício físico: "pro exercício eu já estou na ação porque jogo futebol americano e treino três vezes por semana, mas meu problema é a comida... se eu tivesse mais magro eu teria participado da Federação Brasileira".
Embora o enfoque maior na ampliação da consciência tenha sido dado no primeiro encontro, este processo de mudança foi trabalhado ao longo de todas as sessões, por meio de técnicas que visaram oferecer informações sobre comportamento alimentar e exercício físico, além de alternativas de escolha que reforçassem o processo de mudança de cada um.
Alívio Emocional, Autorreavaliação e Reavaliação Circundante. O segundo encontro teve foco nos processos de alívio emocional e autorreavaliação. Alívio emocional é o processo relacionado às experiências emocionais experienciadas em relação ao peso (Prochaska, Norcross et al., 1992). Para estimular o alívio emocional, foi necessário ampliar a consciência dos adolescentes sobre o consumo de alguns alimentos e práticas de exercício, por meio da apresentação do TRIO maligno: sal, açúcar e gordura (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade, 2016) e dos níveis de atividade física esperados para a faixa etária conforme a Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (2016).
Após as informações prestadas, solicitou-se a tarefa de avaliarem as preocupações que as outras pessoas poderiam ter acerca dos seus comportamentos. Os adolescentes identificaram em maior parte preocupações familiares quanto ao seu estado de saúde, manifestadas muitas vezes de forma agressiva: "Até parece que ela gritando vai mudar alguma coisa, eu sei que eu só como porcaria, mas gritar não resolve" (G., 17 anos); "Eles não tem paciência, pensam que a gente é gordo porque quer, se eu pudesse escolher seria uma Gisele" (B., 17 anos). "Foi um inferno fazer academia com a minha mãe, ela ficava me espiando entre os aparelhos pra ver se eu estava fazendo mesmo" (G., 18 anos). Com esta estratégia o objetivo foi avaliar as diferentes formas como os outros manifestam preocupação com eles e o resultado disso foi a identificação de experiências emocionais negativas em relação à família.
Quando questionados sobre o que pensam a respeito do conteúdo destas preocupações e sobre suas experiências em relação ao peso, os jovens relataram o quanto ficam tristes e raivosos ao comprar roupas, o que deveria ser prazeroso: "Não tem roupa do meu número e sempre recorremos ao preto, estou de saco cheio de ter um armário de roupa preta" (E. 16 anos).
Eu nunca consigo comprar aquelas botas que vão acima do joelho, eu vejo aquelas criaturas com a bota acima da coxa e pen-so: como entrou? Isso entra no meu braço, claro que eu queria ir pra festa de bota e shortinho. (A., 17 anos)
"Meu pé é gordo e eu tenho que calçar 45, e é muito difícil encontrar um tênis" (L., 16 anos). Além disso, a tristeza, medo e vergonha por meio do bullying sofrido na escola e outros grupos foi ressaltado: "Zoação na escola foi forte, mas acabou... porque hoje em dia com o meu tamanho não tem loco que zoe de mim" (P., 16 anos); "Sabe o que irrita mais? Te chamarem de gordinha... que raiva que dá! Sou gorda mesmo, não gordinha e daí, não pedi pra ninguém comprar comida pra mim, vão se f*" (A., 17 anos); "Sabe o que é tu ficar nos finalistas para o Federal de Futebol Americano e o cara dizer: Bá, meu, não vai dar, tu tá acima do peso e pode prejudicar o grupo" (M., 17 anos). Para os jovens, as experiências emocionais negativas relacionadas ao peso estão associadas com questões emergentes desta etapa do desenvolvimento, destoando das preocupações dos pais. Se por um lado a família importou-se com a saúde, os jovens estavam preocupados com a estética e a aceitação social. Para auxiliar o movimento em direção a ação, os profissionais de saúde devem reforçar os motivos intrínsecos que impulsionam a mudança, compreendendo-os e explorando de maneira a estimular o otimismo e esperança (DiClemente, 2015).
O processo de autorreavaliação requer uma avaliação de como os comportamentos atuais entram em conflito com valores pessoais (Velasquez, et al., 2001). Sensibilizados com as experiências emocionais que vêm tendo por estarem acima do peso, os adolescentes conseguiram identificar coisas que seriam de grande valor para eles. Assim, solicitou-se no terceiro encontro que eles se concentrassem nos comportamentos que os mantêm acima do peso e o quanto estes hábitos entram em conflito com seus valores. O grupo destacou a família e as brigas constantes por causa dos hábitos alimentares: "minha mãe não pode me ver quieto um minuto" (L., 16 anos), "minha namorada me incomoda demais toda vez que eu compro refri" (J., 17 anos). O desejo de fazer atividades que outros adolescentes fazem, mas que o peso os impossibilita, foi unânime:
uma vez eu queria andar na tirolesa, mas não deu porque tinha um limite de peso, eu chorei um monte em casa depois, porque na hora tu pensa, que pena não vai dar, mas depois tu fica com raiva de ti mesma e tem vontade de socar tudo o que tem na frente, daí o que tu tem pra fazer é devorar um pote de sorvete. (A. 16 anos)
Outra adolescente complementou: "é um ciclo vicioso, tu se magoa e come, tem raiva de ti mesmo e come, e nunca emagrece" (A. 17 anos); "no verão eu vou no Parcão e vejo um monte de gente praticando slackline, mas imagina eu em cima daquilo? Óbvio que não ia dar, o troço ia baixar até o chão eu nunca vou flutuar naquilo" (E. 16 anos). A autoestima foi apontada como o principal valor e o mais afetado pelo peso: "me chamam de minions, chaveirinho, Smurfs, claro eu tenho 1,60 e sou gordinha, só que eu não queria ser assim" (E. 16 anos); "me chamam de Panda, eu tinha sete anos eu era uma bolinha e daí quando eu corria parecia um panda correndo, hoje eu acostumei" (P. 16 anos); "Quando dizem vamos num negócio que tu tem que ir de biquíni eu já digo: tá maluca?! Eu olho pras minhas pernas e não vou" (A. 17 anos); "Parque aquático é sempre um problema porque eu sempre passo do peso, fico com raiva porque é obvio que eu queria descer no kamikaze" (J. 16 anos). A autorreavaliação é um processo importante durante os estágios de contemplação, por auxiliar os adolescentes a identificar que as escolhas alimentares não saudáveis e o sedentarismo os deixarão naquilo que eles mesmos nomearam de "círculo vicioso", afastando-os ainda mais de coisas que consideram importantes em suas vidas.
Os processos de mudança não ocorrem de forma linear, alguns acontecem de maneira difundida a outros, como a autorreavaliação e a reavaliação circundante. Quando se faz uma autorreavaliação das consequências dos próprios comportamentos, o sujeito também pode avaliar de que maneira sua condição afeta negativa-mente o ambiente, o que é considerado uma reavaliação circundante, podendo ser um processo fortemente reforçador da mudança (Velasquez et al., 2001). Estar acima do peso interfere diretamente nas relações familiares: "Minha namorada me inferniza sempre... aí brigamos e ela chora" (J., 17 anos); "Minha mãe se matriculou na minha academia só pra ficar cuidando se eu estou fazendo mesmo o exercício, só que ela não pode fazer porque tem problema do coração eu fico com pena dela" (G., 17 anos). Em relação à perda de peso, a reavaliação circundante mostrou-se menos significativa do que outros processos em um estudo preditivo para prontidão para mudança de Prochaska, Norcross et al. (1992). Ao validar um instrumento espanhol para processos de mudança, Andrés, Saldanha e Gómez-Benito (2011), concluíram que os principais processos que implicam em comportamentos para a perda de peso são o alívio emocional, autorreavaliação, deliberação social e autodeliberação.
Esta experiência de intervenção corrobora com os achados anteriores, considerando que os participantes apenas conseguiram identificar o ambiente familiar como o único afetado pelos seus comportamentos, sendo que estar acima do peso, se alimentar mal ou não fazer exercício físico afeta negativamente mais a eles próprios do que ao ambiente.
Autodeliberação, Deliberação Social e Relações de Ajuda. De acordo com DiClemente (2006), a autodeliberação é o comprometimento com a mudança a partir do estabelecimento de um objetivo claro e realista. Por se tratar de uma etapa de planejamento, este processo foi abordado especificamente na sexta sessão, na qual a enfermagem trouxe conceitos de autocuidado por meio de uma técnica lúdica. A dinâmica propunha que escolherem pães que estavam disponíveis e avaliarem se os comeriam, no entanto em alguns pães foi injetado corante que só era visível ao quebrar o alimento. Ao se depararem com os pães manchados os adolescentes foram convidados a refletir sobre as consequências silenciosas de nossos comportamentos em longo prazo. O autocuidado foi discutido e a partir dis-so o grupo foi convidado a escrever sobre ações de autocuidado possíveis para realizarem.
Para os participantes este foi um momento muito significativo, pois tinham dificuldades de estabelecer metas concretas e objetivos como "me alimentar de forma saudável" emergiram. Assim, foi necessário clarear com eles quais comportamentos poderiam encaminhá-los para este objetivo, bem como os possíveis obstáculos. Incentivou-se que suas ações fossem realistas e concretas, então aspectos como: "descer uma quadra antes da minha casa para caminhar", "tomar refrigerante somente no final de semana", "me matricular na academia", constituíram-se em ações de compromisso em relação ao desejo de perder peso. A garota R. (18 anos) apontou que "iria parar de comer alimentos gordurosos, mas que um dos obstáculos a isso se-ria a própria família, especialmente a mãe, que prepara muitas frituras". Outros jovens também apontaram amigos e família como grandes obstáculos para o cumprimento de metas, uma vez que tais contextos tem forte influência sobre o comportamento alimentar (Dalcastagné, Ranucci, Nascimento, & Liberalli, 2008).
A deliberação social entra como um processo de mudança a ser trabalhado junto à autodeliberação, por se tratar do reconhecimento e criação de alternativas no meio social que incentivem a mudança comportamental (DiClemente, 2006). Mesmo com o desejo de perda de peso por parte da família, a mudança de hábitos implica em todo o sistema familiar, causando desconforto. Tal questão mostrou-se evidente em encontros com a família, quando uma mãe aponta: "minha filha ficou chata após vir aqui, querendo ler tudo no supermercado, escolher comida, e ai de mim se eu mando caixinha de suco pra menor, ela me xinga".
Assim, ao evocar a deliberação social os profissionais de saúde ajudaram os adolescentes a trabalhar a assertividade, habilidade necessária para lidar com amigos e familiares. Para tal, foi feito roleplay no qual teriam que dizer "não" para ofertas de alguns alimentos mesmo diante de muitos argumentos. Réplicas alimentares foram utilizadas pela nutricionista, que solicitou aos adolescentes que encenassem o papel de quem ofertava e quem recusava o alimento. No papel de quem ofertava, o menino L. (16 anos) colocou: "come este pedaço, pois senão vai fora, e tem tanta criança passando fome na África". Ele apontou este argumento como o que a avó utiliza para "empanturrá-lo de comida". Ainda com o intuito de buscar recursos reforçadores no ambiente, os adolescentes utilizaram a assertividade também para combinar encontros com amigos em locais com alternativas saudáveis de comida: "tipo assim, a galera foi toda no fast food, e eu disse, então vamos ao shopping, porque posso escolher outra coisa" (E. 16 anos), ou para estimular a prática de exercício físico: "minha vizinha passeia todo dia com sua cachorra, eu nem falava com ela direito, daí começamos a conversar e eu comecei a caminhar com elas, e minha cachorra também" (A. 17 anos).
Alternativas que promovam mudança no meio social podem surgir também por meio das relações de ajuda. Identificar tais relações é outro processo de mudança bastante importante ao trabalhar com adolescentes, pois constituem apoio, carinho e aceitação para quem faz mudanças (Velasquez et al., 2001). O tema foi trabalhado no décimo encontro, pela importância em identificar apoio para manter a mudança após o termino da intervenção. A técnica utilizada consistia na elaboração de um cartaz virtual com imagens de pessoas ou serviços que estavam os apoiando na mudança. Para isso os adolescentes utilizaram os tablets e internet. O que surpreendeu a equipe de saúde foi que os jovens buscaram fotos reais em suas redes sociais para compor os cartazes, colando imagens de amigos próximos, namorados(as), animais de estimação e familiares. G. (17 anos) trouxe a imagem de seu pássaro e apontou que quando estava ansiosa e sentia vontade de comer ia brincar com ele e toda emoção negativa passava, e então ela não comia. Outro jovem trouxe a imagem de um homem vestido com roupa de futebol americano e disse que o treinador era a pessoa que mais o incentivava a seguir. Este foi um dos momentos mais significativos da intervenção, pois ao término do tratamento a equipe constatou que os jovens não se sentiriam sozinhos ou desamparados em relação à continuidade da mudança, uma vez que todos apresentaram relações de ajuda como um sistema de suporte.
O apoio para tomadas de decisões futuras é fundamental na medida em que é a escolha entre duas ou mais alternativas concorrentes, demandando análise de custos e benefícios e estimativas de consequências a curto, médio e longo prazo. Assim, a rede funciona como proteção para a impulsividade na decisão por alternativas alimentares inadequadas ou desistência da continuidade do exercício. Além das relações de ajuda, os processos comportamentais têm importante papel nas tomadas de decisão para manutenção da mudança.
Controle de Estímulos, Contracondicionamento e Gerenciamento de Reforço. Manter a mudança comportamental é tão difícil quanto iniciá-la, uma vez que a maioria das pessoas até consegue começar uma atividade física ou uma dieta, mas desiste ao longo do tempo (França et al., 2013). Manter-se em ação ou transformar uma mudança em um hábito, demanda um exercício constante de automonitoramento. Por isso os processos de mudança comportamentais como o controle de estímulos, contracondicionamento e gerenciamento de reforço são essenciais em uma intervenção para perda de peso. Estes processos de mudança foram estimulados concomitantemente do 7º ao 12º encontro.
O controle de estímulos diz respeito à alteração de situações consideradas "gatilhos" para uma recaída (DiClemente, 2006). No caso da mudança de estilo de vida, os gatilhos estão associados às situações nas quais há tentação para sair da dieta ou não se exercitar. Para identificar tais situações, eles foram convidados a participar de uma dinâmica. Foi solicitado que tivessem uma chuva de ideias e escrevessem em post its situações tentadoras que lhe viessem à mente e que fossem obstáculos frente à vida saudável. Relacionadas ao comportamento alimentar, foram apresentadas as dificuldades de ter alimentos fora da dieta em casa; ir ao supermercado com fome; ir a festas; finais de semana e feriados; estar no período menstrual; experienciar emoções negativas. Em relação à prática do exercício foram identificadas situações tentadoras relativas à preguiça; dores musculares; mau tempo; convite de amigos para fazer outra coisa no horário do exercício; trabalhos escolares. Todos os post its foram colados em uma cartolina e em seguida foi solicitado aos adolescentes que colassem por cima dos post its, outros com alternativas para lidar com a situação que seria um problema.
Esta atividade teve como objetivo trabalhar o contracondicionamento, que é a substituição de comportamentos não saudáveis por comportamentos saudáveis quando não se pode evitar ou fugir de situações gatilhos (Velasquez et al., 2001). Não há como negar todos os convites para festas, tampouco evitar que outras pessoas comam alimentos que despertem desejos na frente de quem está de dieta. Os participantes foram convidados a ter outra chuva de ideias que dissesse respeito a como lidaram com estas situações no passado ou como lidariam no futuro. Muitas alternativas criativas foram apontadas, como: ir para a festa após comer algo saudável em casa; comer uma fruta com mel ou canela quando bater o desejo de ingerir guloseimas; ouvir música quando estiver triste ao invés de comer; ser assertivo durante festas e finais de semana para manter-se na dieta; fazer o exercício mesmo com preguiça; subir escadas ao invés de utilizar o elevador.
Outra técnica na qual se buscou trabalhar o contracondicionamento foi a mesa das tentações. No sétimo encontro foi articulado na prática conceitos de condicionamento respondente, no qual um estímulo neutro como alimento pode evocar respostas fisiológicas inatas e estas respostas, que podem cessar após a exposição ao estimulo condicionado (Queiroz de Medeiros, Pedrosa, & Yamamoto, 2016). O propósito da técnica foi preparar uma mesa somente com réplicas realistas de guloseimas que os adolescentes gostam e convidá-los a experienciarem reações relacionadas à visão dos alimentos. A primeira reação deles ao se depararem com a proposta foi de questionar a equipe se o encontro do dia era de "tortura". Isto porque relataram sobre a dificuldade de controlar a vontade de comer, sendo que essa vontade é manifestada pela salivação e memórias de cheiro e gosto diante da visão do alimento. Estas são reações de fissura alimentar no cérebro, semelhantes àquelas provocadas na dependência química. A dopamina aumenta com o consumo de alimentos e, ao longo do tempo, este aumento torna-se condicionado à antecipação do consumo de alimentos, por isso é importante à extinção desse condicionamento (Temple, 2016). Após a técnica de exposição, os adolescentes aprenderam sobre a diferença entre fome fisiológica e psicológica, e relataram sobre a permanência ou não das reações anteriormente percebidas. O grupo chegou à conclusão de que o desejo pode passar e de que o controle dos pensamentos intrusivos tem papel fundamental neste processo.
Para exercer o controle comportamental e dos pensamentos frente a estas situações o automonitoramento é uma alternativa eficaz já consagrada pela literatura (Boff et al., 2016). No entanto, há um passo anterior a este, ou seja, é preciso que o sujeito mantenha atenção no contexto a fim de monitorá-lo e tomar a decisão de modificá-lo. Por isso, foi trabalhada a técnica de comer mindfulness, para que exercitassem a atenção plena na hora das refeições (Daly, Pace, Berg, Menon, & Szalacha, 2016).
O gerenciamento de reforço diz repeito a recompensas em relação às mudanças positivas de comportamento, que pode ser por meio de reforços ou pelos benefícios que a mudança de hábitos pode trazer (DiClemente, 2006). Nos dois últimos encontros discutiram-se quais os aspectos positivos que puderam observar com a mudança de estilo de vida que já estava acontecendo. Alguns referiram que perderam peso, outros que conseguiram comprar roupas menores e praticar alguns esportes na escola sem sentirem-se cansados. No último encontro além do fechamento, os profissionais de saúde entregaram aos adolescentes cartões contendo cada um dos sucessos que eles tiveram ao longo desta trajetória de três meses com um incentivo para a continuidade na mudança.
Embora não sejam processos de mudança, a autoeficácia e a balança decisional são marcadores da mudança, elementos essenciais na movimentação para a manutenção e foram abordados em todos os encontros. Dessa forma pode-se afirmar que todos os pressupostos teóricos do MTT foram implicados neste protocolo de tratamento com o intuito de melhorar as condições de saúde dos adolescentes.
Discussão
O trabalho apresentado consolida os achados da literatura em relação à importância de um trabalho interdisciplinar, por meio de estratégia unânime que norteia as diferentes práticas. Apesar dos dados apresentarem efeito positivo sobre a mudança comportamental, há ainda algumas questões em aberto. Uma delas refere-se à necessidade de um estudo que possa avaliar quais dentre os 10 processos cognitivo/experienciais e comportamentais impulsionam esta população para a mudança. Ainda do ponto de vista teórico, seria importante ter realizado um grupo mais homogêneo quanto ao estágio de prontidão para mudança, pois a literatura indica evocar processos de mudança de acordo com o estágio motivacional do sujeito, chamado de "fazer a coisa certa na hora certa" (Prochaska, DiClemente et al., 1992) e apesar da grande maioria estar em pré-contemplação/contemplação para o comportamento alimentar, muitos estavam em estágios mais avançados para comportamentos relacionados ao exercício físico. Esta possibilidade beneficiaria o grupo considerando que os processos de mudança abordados por meio das técnicas poderiam ser potencializados pelos emergentes grupais.
Outra limitação importante deste estudo é o número reduzido de encontro com as famílias dos adolescentes. Constatou-se que a família tem papel crucial na modificação de hábitos, podendo reforçar ou dificultar o processo. Pais obesos têm 80% mais chances de ter filhos obesos, não ocorrendo apenas por razões genéticas, mas também por causa dos hábitos precários da família em termos de dieta e exercício físico (Dalcastagné et al., 2008). A família também influencia nas preocupações com o corpo, contribuindo para o desenvolvimento da imagem corporal e do autoconceito (Helfert & Warschburger, 2011).
Por se tratar de um protocolo de pesquisa, os coordenadores do grupo tinham instruções específicas para cada encontro, além do controle de variáveis. No entanto, este relato qualitativo remete à reflexão sobre a rigidez de alguns protocolos de pesquisa e tratamento e da forma como eles podem influenciar negativamente na adesão. O trabalho com adolescentes precisa ser flexível e adaptável à etapa do desenvolvimento, e os profissionais precisam identificar-se com os temas emergentes dessa idade. Tão importante quanto dominar uma técnica de intervenção é desenvolver vínculo para um trabalho consistente. Ao trabalhar com mudança de comportamento em pesquisa, o pesquisador precisa encontrar um ponto de equilíbrio em relação à rigidez metodológica para não comprometer o processo da pesquisa nem se distanciar do seu objeto de estudo (Boff & Strey, 2014).
Acredita-se que estes aspectos podem ser observados durante o estudo MERC-IV ou em futuros projetos que contemplem a problemática. Este, por ser um estudo qualitativo, faz-se relevante por fazer parte de um projeto maior que se propôs a testar empiricamente a intervenção apresentada, e pode contribuir para a compreensão de futuros achados. Dessa forma, sugerem-se realizações de mais estudos qualitativos abordando intervenções para tratamento da obesidade em adolescentes, uma vez que a literatura já apresenta um grande número de ensaios clínicos randomizados e poucos estudos que se propusessem a descrever o processo de intervenção. A interseção entre estudos de efetividade e qualitativos os quais explorem os tratamentos testados podem consolidar modelos de intervenção facilmente aplicáveis na rede pública de saúde.
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Endereço para correspondência:
Carolina Domingues Segalla
Av. Ipiranga, 6681, Prédio 11, sala 927, Partenon
Porto Alegre, RS, Brasil
Fone: (51) 33203500 - ramal 7749
E-mail: carolinadominguessegalla@gmail.com
Recebido: 15/03/2017
1ª revisão: 30/05/2017
Aceite final: 28/06/2017
Este estudo foi financiado pelo governo brasileiro por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) com os editais Universal 483257/2013-3 e Universal 455106/2014. Também teve financiamento do edital de Infraestrutura da Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul (PUCRS)/PRAIAS (01/2014).
Contribuições dos Autores:
Contribuição substancial no conceito e desenho do estudo: Raquel de Melo Boff e Carolina Domingues Segalla
Contribuição na coleta de dados: Raquel de Melo Boff e Carolina Domingues Segalla
Contribuição na análise e interpretação de dados: Raquel de Melo Boff e Carolina Domingues Segalla
Contribuição para a preparação do manuscrito: Raquel de Melo Boff e Carolina Domingues Segalla
Contribuição à revisão crítica, agregando conteúdo intelectual: Raquel de Melo Boff, Carolina Domingues Segalla, Ana Maria Pandolfo Feoli, Andréia Gustavo, e Margareth da Silva Oliveira.
Conflitos de interesse: Os autores declaram não ter conflito de interesse relacionado à publicação deste manuscrito.