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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.26 no.2 Ribeirão Preto abr./jun. 2018

https://doi.org/10.9788/TP2018.2-20Pt 

ARTIGOS

 

Atuação dos profissionais de psicologia nos CRAS do interior da Paraíba

 

La actuación de los profesionales de la psicología en los CRAS en pueblos de Paraíba

 

 

Orlando Júnior Viana MacêdoI; Clarissa Maria Paulino Duarte LimaII; Francisco Henrique Sousa de BritoIII; Josefa Nandara Pereira de SouzaIV; Noélia Kally Marinho de SousaV; Samara Pereira De SousaVI; Stefania Germano DiasVII

IFaculdade Juazeiro do Norte, Juazeiro do Norte, CE, Brasil. Faculdade Santa Maria, Cajazeiras, PB, Brasil. Orcid.org/0000-0001-5416-4930
IIFaculdade Santa Maria, Cajazeiras, PB, Brasil. Orcid.org/0000-0002-3474-0803
IIIFaculdade Santa Maria, Cajazeiras, PB, Brasil. Orcid.org/0000-0003-4200-2517
IVFaculdade Santa Maria, Cajazeiras, PB, Brasil. Orcid.org/0000-0003-2182-9099
VFaculdade Santa Maria, Cajazeiras, PB, Brasil. Orcid.org/0000-0002-2206-9477
VIFaculdade Santa Maria, Cajazeiras, PB, Brasil. Orcid.org/0000-0002-9738-4180
VIIFaculdade Santa Maria, Cajazeiras, PB, Brasil. Orcid.org/0000-0003-2910-1174

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Objetiva-se no presente estudo analisar a atuação dos profissionais de Psicologia na Proteção Social Básica das Políticas Públicas de Assistência Social. Para dar conta de tal objetivo buscou-se suporte teórico na Psicologia Histórico-Cultural. Participaram do estudo oito profissionais de Psicologia que atuavam no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) do interior da Paraíba, Nordeste do Brasil. Recorreu-se a entrevistas semiestruturadas, realizadas individualmente. Para analisar os dados recorreu-se à análise de conteúdo. Dados empíricos revelaram formação acadêmica voltada para a atuação clínica individualizante, limitado suporte teórico-metodológico para atuação dos profissionais, demandas decorrentes da condição de vulnerabilidade social, violação de direitos, mas também de saúde mental e predomínio de atuação psicossocial e diversas limitações que dificultam a realização do trabalho do profissional de Psicologia. Conclui-se pela necessidade tanto de avanços na formação acadêmica dos profissionais de Psicologia, quanto de atuação engajada na luta por avanços na consolidação de um sistema de garantia de direitos.

Palavras-chave: Psicologia, atuação do psicólogo, CRAS, Psicologia Histórico-Cultural.


RESUMEN

Este estudio tiene como objetivo analizar la actuación de los profesionales de Psicología en la Protección Social Básica de las Políticas Públicas de Asistencia Social. Para ello, fue utilizado como soporte teórico la Psicología Histórico-Cultural. En el estudio participaron ocho profesionales de Psicología que actuaban en los Centros de Referencia de Asistencia Social - CRAS en pueblos del estado de Paraíba, noreste de Brasil. Entrevistas semiestructuradas fueran utilizadas, hechas individualmente. Para analizar los datos, se utilizó el análisis de contenido. Los datos empíricos revelaron que: los profesionales cuentan con una formación académica direccionada hacía la actuación clínica individualizada; tienen un respaldo teórico y metodológico muy limitado para sus actuaciones como profesionales; las demandas son decurrentes de la condición de vulnerabilidad social, violación de los derechos y de la salud mental; predominó la actuación psicosocial; además, emergieran diversas limitaciones que dificultaban la realización de su trabajo como profesional de Psicología. Se concluye entonces que hay una gran necesidad de avances en la formación académica de los profesionales de Psicología, a ello se añade una actuación profesional más comprometida en la lucha por los avances en la consolidación de un sistema de garantía de derechos.

Palabras clave: Psicología, actuación del psicólogo, CRAS, Psicología Histórico-Cultural.


 

 

A Proteção Social Básica da Política Pública de Assistência Social objetiva prevenir a violação de direitos decorrente da situação de pobreza, da falta de renda e de acesso aos serviços públicos e de diversos tipos de discriminação (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2009). A atual configuração da Política de Assistência Social enquanto política pública e dividida em níveis de complexidade (Proteção Social Básica, Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade) foi resultado de avanços nos marcos legais que buscaram superar o histórico assistencialismo e clientelismo presente ao longo da história das políticas de assistência no Brasil. Destaca-se a Constituição de 1988, a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e a consolidação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), como sendo marco legal importante nesse processo.

Como destacam Alberto, Freire, Leite e Gouveia (2014) a Constituição de 1988 integrou a assistência social a um princípio mais amplo de proteção social, identificado com a Seguridade Social, o que representou um ganho significativo, já que a política de assistência vinha sendo concebida como ação assistencial de caráter filantrópico, assistencialista ou de favor para os pobres. Instituiu o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e estabeleceu as regras de organização institucional, onde a descentralização da execução das ações foi afirmada junto à responsabilidade da esfera federal na coordenação e definição de normas gerais (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988). A Constituição também garantiu a participação social na formulação e no controle dessa política (1988).

A LOAS (Lei nº 8.742, 1993), promulgada em 1993, instituiu a assistência social como um direito não contributivo, direito de todos e dever do Estado, definiu como objetivos: proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; amparo às crianças e adolescentes carentes; promoção da integração ao mercado de trabalho; assistência às pessoas com deficiência e sua integração à vida comunitária; e garantia de um salário mínimo mensal como benefício à pessoa portadora de deficiência e ao idoso, desde que comprovem não possuir meios de manterem-se ou de serem providos pela família (art. 2º). A LOAS tem como princípios, entre outros: supremacia às necessidades sociais; universalização dos direitos; respeito à dignidade e autonomia dos cidadãos; primazia da responsabilidade do Estado; participação da sociedade civil organizada (Ministério do Desenvolvimento Social, 2004).

Em 2004, com a aprovação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), como destacam Cruz e Guareshi (2010), buscou-se consolidar princípios, diretrizes, objetivos e ações da assistência social. Passou tal política a fundamentar-se na lógica da territorialidade e na matricialidade sociofamiliar, compreendida a partir das diretrizes estabelecidas pela PNAS, com a opção de nortear as intervenções a partir da identificação de "problemas concretos, as potencialidades e as soluções, a partir de recortes territoriais" (Ministério do Desenvolvimento Social, 2004, p. 37), e pela "centralidade na família para concepção e implementação dos benefícios, serviços, programas e projetos" (p. 33). Compondo um conjunto de serviços e programas baseados na organização e na hierarquização das ações em rede a partir dos níveis de complexidade do sistema e sob o critério da universalidade. Buscou-se, dessa forma, possibilitar análise dinâmica da realidade dos municípios brasileiros e o atendimento à população em situação de risco e vulnerabilidade social (Ministério do Desenvolvimento Social, 2004).

Em 2005, com a consolidação do SUAS, houve uma reordenação da PNAS, para promover uma maior efetividade de suas ações, unificando as ações no domínio da assistência social, em nível nacional. Como destacam Alberto et al. (2014) o SUAS materializa, dá forma e concretiza a LOAS na operacionalização dos direitos garantidos na Constituição e assegurados como mecanismos de proteção social. Como chama atenção Romagnoli (2015), na base da PNAS encontra-se o fortalecimento das capacidades dos indivíduos e das famílias para o enfrentamento da vulnerabilidade com vistas a protegê-los de situações de risco social. Percebe-se, por meio desse marco legal, uma proposta diferenciada da tradição histórica que vinha acompanhando as políticas de assistência social no Brasil, marcadas pela caridade em direção aos necessitados, pela filantropia e benemerência, mobilizando ajuda em direção aos pobres e miseráveis (Alberto et al., 2014; Cruz & Guareshi, 2010). No entanto, a implementação desse novo modelo de assistência social tem sido dificultada pelos desafios impostos no cenário internacional e pela conjuntura interna da economia brasileira, que combina taxas de crescimento baixas e altas taxas de inflação, e continua reproduzindo lógica de um ideário neoliberal, penalizando principalmente as classes subalternas (Gonçalves, 2010).

Vale, também, destacar que, como chama atenção Ribeiro e Guzzo (2014), Romagnoli (2015) e Sicari, Oliveira e Pereira (2015), apesar de o seu modelo atual ser democrático e fecundo no papel, são os profissionais que trabalham no dia a dia que viabilizam ou não as políticas públicas. Dessa forma tais autores evidenciam contradições entre o que é proposto na legislação e o que é vivenciado pelos profissionais. Ribeiro, Paiva, Seixas e Oliveira (2014) acrescentam que a operacionalização das conquistas sociais estabelecidas legalmente tem ocorrido de maneira lenta, gradual e dissonante de sua proposta política original, o que se dá mediante as limitações das próprias políticas, decorrentes de interesses político-partidários, do atual contexto de recrudescimento do neoliberalismo e consequentemente desmonte das políticas e dos direitos sociais, bem como mediante limitações da própria formação acadêmica dos profissionais que são responsáveis por viabilizar tal política (Macêdo, 2014).

Diante do exposto, nos últimos anos tem se percebido desenvolvimento de um amplo processo de debates, pesquisas e produção acerca da atuação da Psicologia no contexto das Políticas Públicas de Assistência Social, levando a uma significativa alteração no entendimento das responsabilidades e atribuições dos profissionais de Psicologia que atuam nas Políticas Públicas de Assistência Social (Alberto et al., 2014; Florentino, 2014; Freire & Alberto, 2013; Hillesheim & Cruz, 2012; Macêdo, 2014; Macêdo, Alberto, & Pessoa, 2015; Moreira & Paiva, 2015; Motta & Scarparo, 2013; Ribeiro & Guzzo, 2014; Romagnoli, 2015, 2016; Senra & Guzzo, 2012; Siqueira & Lino, 2013 entre outros). Por meio de tais estudos percebe-se entendimento de que a atuação dos profissionais de Psicologia no contexto das Políticas Públicas de Assistência Social deve distanciar-se de práticas assistencialistas ou repressivas e que culpabilizam os sujeitos e famílias pela condição em que se encontram, de forma a contribuir para o desenvolvimento do protagonismo e autonomia dos usuários.

No que se refere a uma atuação específica no âmbito da Proteção Social Básica da Política Pública de Assistência Social, Pereira e Guareshi (2016), por meio de estudo realizado em Porto Alegre, estado do Rio Grande do Sul, a partir da Teoria das Representações Sociais, constataram que as ações da Psicologia se operacionalizam tanto no sentido de individualizar, culpabilizar, ajustar e normatizar usuários(as), quanto por meio de uma perspectiva relacional, questionando-se suas próprias concepções e ações, vendo nos(as) usuários(as) possibilidades de relações e parcerias micropolíticas de transformação. Por meio de análise das práticas sociais e do saber psi no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), recorrendo às ideias de Foucault como aporte teórico, Oliveira e Heckert (2013) também encontraram resultados parecidos, uma vez que chegaram à conclusão que o CRAS pode funcionar como dispositivo de controle, mas também espaço de produção de desvios no campo das políticas de assistência social.

Sicari et al. (2015), a partir de uma experiência de estágio supervisionado realizada no estado de Minas Gerais, ao analisarem os discursos dos profissionais de Psicologia sobre a pobreza, identificaram processos de culpabilização do(as) usuários(as), visto que os profissionais atribuem a tais sujeitos uma irresponsabilidade ou desmotivação no que diz respeito a mudar sua situação, negando-se amplitude e dimensão social do fenômeno pobreza. Silva, Silva, Brustolin e Pessini (2011) também chamaram atenção para a implicação nas práticas psicológicas exercidas nos CRAS, que quando pautadas em práticas assistencialistas levam a não consciência dos usuários de que são cidadãos possuidores de direitos, bem como comprometem compreensão acerca da vulnerabilidade social.

Flor e Goto (2015), debruçando-se sobre o contexto dos CRAS da cidade de Uberlândia, estado de Minas Gerais, identificaram que limitações da formação acadêmica em Psicologia e falta de uma sistematização do fazer psicológico e da apropriação, de fato, do conhecimento das políticas, tem gerado ausência de referências objetivas e práticas para atuação dos profissionais de Psicologia. Macêdo, Alberto, Santos, Sousa e Oliveira (2015), por meio de estudo com os profissionais de Psicologia do interior do estado do Ceará, também identificaram limites da for-mação acadêmica, uma vez que essa dá mais suporte para uma atuação clínica individualizante, chamam atenção para o alcance limitado de tal atuação e propõem que os profissionais recorram a versões de Psicologia mais politizadas e comprometidas com a efetivação dos direitos dos sujeitos em condição de vulnerabilidade social, por meio de uma atuação pautada nas reais demandas dos sujeitos para quem a ação se volta.

Oliveira, Dantas, Solon e Amorin (2011), ao analisar a atuação dos profissionais de Psicologia nos CRAS da região metropolitana de Natal, estado do Rio Grande do Norte, identificaram ações distintas das práticas tradicionais do(a) psicólogo(a), porém chamam atenção para o fato de a clínica tradicional, uma vez mais, emergir como uma zona de relativo conforto para a atuação dos profissionais. No que se refere ao contexto do interior do estado do Rio Grande do Norte, Oliveira et al. (2014) constataram que, embora apresente algumas especificidades, a prática pro-fissional do(a) psicólogo(a) nos CRAS não variou estruturalmente em relação àquela realizada da região metropolitana de Natal.

Percebe-se que o contexto da Proteção Social Básica das Políticas Públicas de Assistência Social ainda não é confortável para a atuação da Psicologia, haja vista predomínio, ainda, de ações pautadas em perspectivas individualizantes e análises descontextualizadas da realidade social, a qual os sujeitos assistidos pela política encontram-se inseridos. Tal afirmação se justifica pelos desafios ainda significativos que a Psicologia enfrenta no contexto das Políticas Públicas de Assistência Social, uma vez que a entrada dos profissionais de Psicologia nos Centros de Referência da Assistência Social colocou os profissionais de Psicologia diante de demandas das classes subalternas, por meio de uma atuação cujo foco de trabalho deveria ser as condições de vida das pessoas, a pobreza estrutural (Oliveira et al., 2014). E a história da Psicologia demonstra que, em muitos momentos, tal ciência e profissão foram utilizadas para o controle, a segmentação e a diferenciação, como formas de contribuir para a manutenção e incremento do lucro necessário à reprodução do capital (Yamamoto & Oliveira, 2010), atendendo, portanto, aos interesses das elites e não das classes subalternas.

Destacam-se, também, como sendo fatores que configuram o contexto das Políticas Públicas de Assistência Social como desafiadoras para a Psicologia, o fato de a Psicologia não apresentar, ainda, um projeto ético-político consolidado, bem como o fato de a PNAS ainda não ser uma política claramente consolidada - o que se evidencia por meio do hiato entre a concepção do SUAS e sua operacionalização. Além desses aspectos apresentados justifica-se o presente artigo em função da escassez de estudos acerca da realidade do interior da Paraíba, bem como pelos resultados contraditórios que ora apontam as ações da Psicologia como predominantemente pautadas em um modelo clínico individualizante, ora em perspectivas psicossociais.

Considera-se que não dá para pensar a atuação da Psicologia no âmbito das Políticas Públicas de Assistência Social desconsiderando o atual contexto de crise econômica, política e social, que configura um cenário com multiplicidade de relações, mas por meio das quais, por um lado há grupos de pessoas comprometidas com os direitos humanos, lutas sociais a partir do reconhecimento das explícitas desigualdades sociais; por outro lado, segmentos que estão comprometidos com a manutenção dessas desigualdades, com a distribuição desigual de renda e extermínio dos direitos humanos. Dessa forma questiona-se: a quais interesses a Psicologia tem atendido por meio da forma como vem atuando nos CRAS frente às sequelas das expressões das questões sociais?

Entende-se por questões sociais o conjunto dos problemas políticos, sociais e econômicos postos pela emergência da classe operária no processo de constituição da sociedade capitalista (Yamamoto & Oliveira, 2010). E considera-se que as equipes dos CRAS - unidades de referência da Proteção Social Básica − devem atuar em consonância com as diretrizes e os objetivos da PNAS, de modo interdisciplinar e integrado com o contexto local, identificando e potencializando os recursos psicossociais (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2007, 2011, 2013). As intervenções devem ocorrer nos âmbitos individual, familiar, grupal e comunitário, por meio de práticas contextualizadas e coletivas.

Buscou-se, para realização do presente estudo, suporte teórico na Psicologia Histórico-Cultural de Vigotski (1934/2007, 1934/2009). O autor em questão parte do entendimento de que subjetividade não pode ser analisada desconsiderando-se a realidade objetiva, uma vez que a realidade concreta na qual o sujeito está inserido, condições históricas, políticas e culturais diferentes produzem transformações não só na representação da realidade que o cerca, mas também na sua interioridade.

Sobre essa relação externa e interna, social e individual, Vigotski (1934/2007) considera que a internalização das formas culturais dos comportamentos envolve a reconstrução da atividade psicológica tendo como base as operações com signos. Dessa forma estabelecemos relações com os outros no momento em que assumirmos papéis diante de alguém, enquanto esse alguém vai assumindo papéis diante de nós. Vale destacar que a relação social humana é constituída historicamente, mediante lutas sociais e relações de poder, e de modo indissociável, culturalmente.

Diante do exposto o presente artigo objetiva analisar a atuação dos profissionais de Psicologia na Proteção Social Básica das Políticas Públicas de Assistência Social. Para dar conta de tal objetivo foi realizada uma pesquisa que envolveu oito profissionais de Psicologia que atuam no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) de seis municípios do interior da Paraíba, estado da região Nordeste do Brasil.

 

Método

Contexto e Participantes

Os profissionais de Psicologia que integraram este estudo atuam nos CRAS de seis municípios do interior da Paraíba. Tais municípios são circunvizinhos da cidade de Cajazeiras, distando, em média, 490 km da capital paraibana João Pessoa.

A pesquisa contou com um total de oito participantes, sendo sete do sexo feminino e um do sexo masculino. Os participantes do estudo foram selecionados a partir do critério de conveniência e o número de profissionais de Psicologia foi definido a partir do critério de saturação (Fontanella, Ricas, & Turato, 2008). A idade dos participantes do estudo variou de 24 a 55 anos, com média de idade de 37,3 anos. Dos oito participantes apenas um era do sexo masculino. Optou-se por não revelar os municípios que fizeram parte do estudo como forma de garantir o anonimato dos participantes, uma vez que em alguns dos municípios circunvizinhos de Cajazeiras há apenas um profissional de Psicologia atuando no CRAS.

Instrumento

Utilizou-se de entrevistas semiestruturadas realizadas individualmente. A mesma contemplava, além de dados biossociodemográficos, questionamentos que versaram sobre os seguintes temas: direcionamento da formação acadêmica, referencial teórico-metodológico que utilizam para nortear atuação profissional, demandas que se deparam atuando profissionalmente, o que fazem numa semana típica de trabalho e condições de trabalho no CRAS. As questões que nortearam as entrevistas semiestruturadas foram elaboradas pelos próprios pesquisadores.

Procedimentos de Coleta

Após autorização das Secretarias de Assistência Social dos municípios do interior da Paraíba e dos(as) coordenadores(as) dos CRAS, houve agendamento das entrevistas que aconteceram no próprio local de trabalho dos profissionais de Psicologia. Tal agendamento levou em consideração a disponibilidade do profissional e dos pesquisadores, que foram previamente treinados para a condução das entrevistas. Estas duraram, em média, 35 minutos e foram realizadas mediante explicação acerca do objetivo do estudo, assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE e autorização para gravação. Todos os profissionais que foram convidados aceitaram participar do estudo.

Procedimentos de Análise dos Dados

Com entrevistas gravadas, estas foram transcritas fielmente as falas dos entrevistados e analisadas de acordo com a análise de conteúdo, mais especificamente, por meio da técnica de análise temática (Bardin, 2009). Dessa forma, foi realizada uma leitura flutuante de todo o material transcrito e impresso, para se ter uma ideia do conteúdo como um todo das falas dos sujeitos. Posteriormente foi realizada a tabulação, que consistiu numa agregação das temáticas semelhantes.

A partir das temáticas Demandas que se deparam, O que fazem numa semana típica de trabalho e Condições de trabalho foi realizada uma codificação, transformação dos dados brutos do texto, de forma a possibilitar atingir uma representação do conteúdo, esclarecendo-se o analista acerca das características do texto. Da codificação emergiram as categorias representativas dos núcleos de sentido. Optou-se pela técnica de validação por dois juízes, ambos previamente treinados para tal. As categorias serão apresentadas e discutidas, seguindo-se a ordem das mais representativas às menos representativas.

Procedimentos Éticos

Previamente ao início da coleta de dados, o presente projeto foi registrado na Plataforma Brasil e encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade Santa Maria (FSM), aprovada sob número de parecer 1.085.249, sendo toda a pesquisa conduzida em acordo com a resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde /Ministério da Saúde (2012).

 

Resultados e Discussão

Perfil dos Profissionais de Psicologia

A idade das participantes do estudo variou de 24 a 55 anos, com média de idade de 37,3 e desvio padrão 11,71. Dos oito participantes apenas um era do sexo masculino. Percebe-se que continua havendo predomínio de mulheres que atuam na Assistência Social, o que também foi identificado por Macedo et al. (2011). Como chamam atenção Russo, Cisne e Bretas (2008) essa presença majoritária de mulheres na assistência social acompanha a política em questão desde sua gênese. Acrescentam que embora com outra roupagem, permanece concepção de que as mulheres têm o papel de harmonizar os conflitos sociais causados pela miséria.

Terminaram a graduação de três a 29 anos, com média de 9,6 anos, predominando profissionais que tinham terminado há quatro anos. O tempo de atuação no CRAS variou de menos de seis meses a 10 anos, com média de três anos e meio. Dos oito participantes quatro eram contratadas e quatro efetivadas por meio de concurso público. Dentre as participantes, cinco trabalhavam apenas na Política de Assistência Social, duas revelaram exercer outra atividade no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e uma no Núcleo de Apoio a Saúde da Família (NASF). Percebe-se que os participantes do estudo dividem seu tempo de atuação no CRAS e em outros contextos, o que, segundo Macedo (2007), dá-se pela necessidade de complementar a renda, o que pode comprometer a qualidade das ações, haja vista limitação de tempo para planejamento bem como dificuldades de intervenções em parceria com outros profissionais que compõem a equipe do CRAS.

Os profissionais entrevistados na pesquisa revelaram, em sua maioria, que tiveram sua formação acadêmica com estágios curriculares voltados para a clínica, por meio de um mode-lo individualizante. Poucos fizeram referência, também, a outras possibilidades de formação acadêmica, relatando terem vivenciado, ao longo da graduação, estágios em contextos como Hospitalar, Saúde Mental, Escolar e Justiça.

Esse aspecto aponta uma formação acadêmica dos profissionais que pode dificultar atuação no âmbito das Políticas Públicas de Assistência Social, uma vez que a atuação no CRAS demanda práticas contextualizadas e coletivas. Tais achados acerca do direcionamento da formação acadêmica em Psicologia corroboram resultados de outros estudos (Freire & Alberto, 2013; Macêdo, Alberto, Santos et al. 2015; Motta & Scarparo, 2013). O depoimento abaixo é representativo dessa realidade:

Para não dizer que a gente não discutiu nada na época, teve uma disciplina que a professora trabalhou temas dos serviços de proteção contra a violência, que antigamente ao invés de ser CREAS, era o antigo Programa sentinela. Foi o único contato que a gente teve muito parcial. Não tinha nem ideia do que era [referindo-se ao CRAS]. (Entrevistada um, 28 anos, sexo feminino, formada há seis anos)

Neste sentido percebe-se que os profissionais de Psicologia da assistência social do interior paraibano tiveram acesso a uma formação acadêmica baseada em um modelo que historicamente vem compondo o escopo dessa profissão e que dificulta atuação pautada numa perspectiva psicossocial, promotora de autonomia e protagonismo dos usuários do CRAS. O que pode ser explicado, em parte, pelo fato de mudanças no Projeto Pedagógico dos Cursos (PPC) de Psicologia decorrentes das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), aprovadas em 2004, não ter contemplado parte dos participantes do estudo em questão (Conselho Nacional de Educação). Pois como destacam Seixas, Coelho-Lima, Fernandes, Andrade e Yamamoto (2016) os discursos em torno da formação em Psicologia voltada para as políticas sociais têm tido lugar assegurado nos PPCs, apesar da pouca ênfase que tem sido dada a Política Pública de Assistência Social.

As falas dos profissionais de Psicologia também revelaram que os mesmos utilizam os seguintes referenciais para nortear sua prática no CRAS: Referenciais Técnicos do CFP/Marcos legais do MDS, Teoria Cognitivo-Comportamental, Abordagem Centrada na Pessoa, Psicologia Social, e dois dos entrevistados afirmaram não utilizarem nenhum referencial teórico.

Vale destacar que apesar de o questionamento ser em relação a referencial teórico-metodológico sobressaíram falas que versavam sobre as referências técnicas, como os guias de referência elaborados pelo Centro de Referência em Psicologia e Políticas Públicas (CFP, 2007, 2011, 2013) e marcos legais do SUAS, o que reforça concepção acerca de limitações da formação acadêmica desses profissionais para atuarem no âmbito da Proteção Social Básica da Política Pública de Assistência Social, uma vez que os dados empíricos evidenciam dificuldade por parte dos profissionais de Psicologia de se apropriarem de referenciais teóricos da Psicologia, que possibilitem uma análise das demandas e planejamento de intervenções.

Tal aspecto pode ser revelador de um mode-lo de formação ainda técnica, na qual se ensina o que e como fazer, mas sem possibilitar uma clareza acerca da necessidade de análise das reais demandas, para se planejar as intervenções, bem como refletir acerca do alcance e a que interesses a mesma atende. Nesse sentido Macêdo, Alberto e Pessoa (2015) chamam atenção para a importância de os profissionais de Psicologia terem acesso, ao longo da graduação, a modelos de Psicologia, que superem perspectivas individualizantes e descontextualizadas de análise e intervenção sobre a realidade. Pois a atuação no CRAS demanda ações pautadas nas condições de vida das pessoas, a pobreza estrutural (Oliveira et al., 2014), a partir das reais demandas dos sujeitos para quem a ação se volta (Macêdo, Alberto, Santos et al., 2015).

Pensar um referencial teórico a ser utilizado no CRAS é pensar um trabalho por meio de fortalecimento da convivência social e comunitária no território onde vivem as famílias assistidas por tal política, o que exige uma maior aproximação possível do cotidiano dos usuários do CRAS, pois é nele que riscos e vulnerabilidades se constituem. Sendo assim a proposta deve pautar-se na dimensão ética de dar visibilidade aos sujeitos das classes subalternas. Tal realidade demanda uma atuação interdisciplinar, intersetorial e centrada na família (Florentino, 2014). Deve-se buscar compreender o sujeito e a família a partir da realidade objetiva, ou seja, compreender recorrências e singularidades dos mais variados arranjos microssociais, não apenas reagindo às imposições da sociedade, mas participando da criação desta e da vida cotidiana, voltando-se para o trabalho direto com os grupos, tendo assim metodologia participativa buscando entender e despertar o sujeito para a realidade social (Ximenes, De Paula, & Barros, 2009). Pois, como chama atenção Vigotski (1934/2007), é a partir de interações com a realidade objetiva que os sujeitos constituem sua subjetividade.

Demandas

No que se refere à temática Demandas que os profissionais se deparam no CRAS, a partir dos relatos dos profissionais emergiram as seguintes categorias: Vulnerabilidade Social, Violação de direitos e Saúde mental. A categoria Vulnerabilidade Social denota realidade dos usuários do CRAS marcada por situações de baixa renda, a ausência ou a precariedade de trabalho, bem como acesso precário a condições básicas de vida.

A categoria Violação de direitos, que emergiu a partir das falas dos profissionais de Psicologia, revelou que tais profissionais se deparam com demandas de crianças, mulheres, idosos com direitos violados. As falas dos profissionais sinalizaram, também, para demandas que fogem da alçada da Política Pública de Assistência Social, o que foi representado por meio da categoria Saúde mental.

A categoria Saúde mental revela que, tanto por meio de demandas espontâneas, quanto encaminhamento da Educação e Justiça, há expectativa por uma atuação do profissional de Psicologia do CRAS que reproduza modelo baseado nos preceitos da clínica individualizante, por meio de acompanhamento psicoterápico ou produção de laudos e avaliação psicológica.

O CRAS, por ser um equipamento que compõe a Proteção Social Básica da Política Pública de Assistência Social, deve atuar na perspectiva de prevenção de violação de direitos dos sujeitos que estão em condição vulnerabilidade social. Como chama atenção Romagnoli (2015) tal condição remete às situações desfavoráveis, às dimensões objetivas de exclusão social. Acrescenta que são situações por meio das quais os sujeitos têm a potencialidade de resposta alterada ou diminuída frente às situações de risco ou constrangimento naturais da vida. São expressões das questões sociais.

Compreende-se a questão social como aspectos relacionados às manifestações das desigualdades sociais, bem como aos aspectos políticos e sociais relacionados a tais desigualdades (Yamamoto & Oliveira, 2010). A postura da Psicologia frente a esse contexto é de tornar o indivíduo protagonista, compreendendo-o enquanto ser biopsicossocial a fim de promover qualidade de vida e bem-estar (Alberto et al., 2014; Macêdo, Alberto, & Pessoa, 2015; Oliveira et al., 2014; Ribeiro & Guzzo, 2014; entre outros).

Não faz parte da proposta da Proteção Social Básica da Política Pública de Assistência Social realizar atendimentos psicoterapêuticos individualizantes, porém enquanto compromisso ético e como uma forma de estabelecer vínculos, poderá ser realizado um acolhimento humanizado, orientação ao indivíduo e a sua família e um encaminhamento para unidades de atendimentos direcionados à questão de saúde mental como é o caso do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), ou Residências Terapêuticas. Essa questão da atuação dos profissionais de Psicologia frente às demandas que se deparam será abordada na seção seguinte.

Atividades Realizadas

A partir das falas dos profissionais de Psicologia acerca do que fazem numa semana típica de trabalho emergiram as seguintes categorias: Visitas domiciliares/acompanhamento, Atendimento individual, Encaminhamento, Orientações para membros da equipe. Os dados empíricos revelaram que sobressai, nas falas dos profissionais de Psicologia, atividades com caráter psicossocial, seja por meio de busca ativa, acompanhamento de famílias que estão em condição de vulnerabilidade social ou de visitas a famílias, o que está representado por meio da categoria Visitas domiciliares/acompanhamento.

A categoria Atendimento individual, que emergiu a partir das falas dos profissionais de Psicologia das cidades circunvizinhas de Cajazeiras, denota que realizam escuta, acolhida, triagem e orientações individuais. A categoria Encaminhamento revela que os profissionais de Psicologia dos CRAS acionam outros equipamentos, tanto da Política Pública de Assistência Social (Centro de Referência Especializado da Assistência Social - CREAS), quanto de outras políticas, principalmente saúde, por meio dos Centros de Atenção Psicossocial - CAPS, para dar conta das demandas dos usuários. Emergiu, também, por meio das falas dos profissionais de Psicologia a categoria Atividades socioeducativas que revela ações por meio de rodas de conversa, palestras, facilitação de grupos e orientações de outros profissionais que facilitam grupos.

Diferentemente do que foi identificado por outros estudos (Macêdo, Alberto, Santos et al., 2015), por meio das falas dos profissionais de Psicologia que atuam no CRAS do interior da Paraíba, percebe-se que não sobressaiu atendimento individualizado como principal atividade desenvolvida por esses profissionais, mas tal atuação continua se fazendo presente de forma representativa nas ações dos profissionais.

Considera-se, dessa forma, que os dados empíricos por um lado revelam que a atuação dos profissionais de Psicologia no CRAS vem se aproximando do que está prescrito para tal atuação, o que também foi identificado por Flor e Goto (2015) e Oliveira et al. (2011). Pois, como destacam Macêdo, Alberto, Santos et al. (2015), e Ribeiro e Guzzo (2014) o papel do profissional de Psicologia no CRAS é analisar a dimensão subjetiva, buscando-se compreender como cada sujeito se organiza e se apropria das condições sociais que o cercam e como vivencia essa realidade, norteando-se por uma atuação pautada na efetivação dos direitos sociais, visando ao desenvolvimento da autonomia e do protagonismo social e comprometida com a transformação social.

Por outro lado, os dados também revelam que as ações pautadas num modelo clínico individualizante ainda assumem papel de destaque nas ações dos profissionais de Psicologia. O depoimento abaixo é representativo dessa questão: "Uso técnicas que você poderia utilizar em um consultório particular, não é? Tudo da mesma forma. Eu sempre procurei ajudar [referindo-se aos usuários]" (Entrevistada três, 45 anos, sexo feminino, formada há cinco anos).

Considera-se que não se trata de negar a importância de atendimentos individualizados, mas é importante que os profissionais de Psicologia tenham clareza que tais ações devem ganhar contornos diferentes de uma atuação por meio de um consultório clínico, pois tais atendimentos devem ter o propósito de acolher o usuário, esclarecendo dúvidas e possibilitando que o usuário conheça e se aproxime do serviço, já que se trata de uma atuação na Política Pública de Assistência Social. As ações dos profissionais de Psicologia no CRAS devem ser norteadas pela conscientização dos usuários, provocando reflexões acerca da sua realidade, instigando-os a conquistar um maior domínio sobre a realidade objetiva com a qual interage e sobre suas próprias ações no mundo, por meio do processo de tomada de consciência (Vigotski, 1934/2007), construindo, interdisciplinarmente e intersetorialmente, estratégias de ações que levem os usuários a se perceberem como "parte dos acontecimentos sociais e políticos e vislumbrar possibilidades de ação diante dos problemas" (Ribeiro & Guzzo, 2014, p. 90). Ações que contribuam para que os usuários entendam que são cidadãos possuidores de direitos (Silva et al., 2011), provocando reflexões que possibilite compreender a amplitude e dimensão social dos fenômenos vulnerabilidade e pobreza (Sicari et al., 2015).

Nesse sentido, chamou-nos atenção o fato de terem emergido apenas, como fator que marcou singularidade de um dos profissionais de Psicologia que atuam no CRAS do interior da Paraíba, falas que versaram sobre a participação em reuniões de equipe do CRAS e discussão de caso, para planejar atividades a serem realizadas. Dessa forma, questiona-se acerca do alcance dessas ações com caráter psicossocial, uma vez que os depoimentos não evidenciaram planejamento das atividades e ações que busquem efetivar o funcionamento da rede socioassistencial. Essa atuação interdisciplinar e intersetorial será abordada na seção seguinte.

Condições de Trabalho

Mediante questionamento acerca das condições oferecidas para atuação dos profissionais de Psicologia que participaram do estudo, os dados empíricos revelaram diversas limitações que dificultam a realização do trabalho. Por meio das falas emergiram as seguintes categorias: Trans-porte, Escassez de material e Desarticulação da rede socioassistencial.

A categoria Transporte foi unânime nas falas dos profissionais e revela existência de dificuldades relacionadas à falta de um transporte exclusivo para o CRAS, bem como motorista e combustível, que atendesse às necessidades para o desenvolvimento das atividades dos equipamentos, como pode ser visualizado no depoimento abaixo.

Não temos transporte no CRAS. Temos um único transporte para todos os serviços da Assistência Social e tem a dificuldade da disponibilidade do motorista ... temos vários entraves que a gente se depara e que dificulta as visitas, chegando ao ponto de o assistente social fazer uso do próprio carro. Entrevistada um, 28 anos, sexo feminino, formada há seis anos)

A categoria Escassez de material, que emergiu por meio dos relatos dos participantes do estudo, revela limites no material de expediente, falta de material lúdico e de lanche para os usuários que participam das atividades desenvolvidas no CRAS. Tais aspectos, de acordo com os relatos dos profissionais, dificultam a atuação no CRAS, o que somado aos baixos salários, compromete maior envolvimento dos profissionais na busca pela garantia dos direitos dos usuários. O que também foi identificado por Macedo e Dimenstein (2012), uma vez que constataram que a estrutura do equipamento e os recursos são mínimos para se desenvolver um trabalho com os usuários, acrescentam, também, questões referentes às condições salariais e a carga horária que muitas vezes afetam a prática dos profissionais. O depoimento apresentado a seguir é representativo de como essa questão é percebida pelos profissionais de Psicologia do CRAS do interior da Paraíba.

"O que foi acontecendo, foi que a gente foi esmorecendo, a gente cansou mesmo, porque no começo a gente vai com aquela empolgação de fazer, planejar, mas por mais que a gente tente, insistindo, chega um momento que cansa" (Entrevistada um, 28 anos, sexo feminino, formada há seis anos).

Essas condições inadequadas para o desempenho de atuação dos profissionais de Psicologia na Política Pública de Assistência Social também foram identificadas por outros estudos (Macêdo, Alberto, Santos et al., 2015; Oliveira et al., 2014; Ribeiro & Guzzo, 2014; Romagnoli, 2016, entre outros). Como destaca Romagnoli (2016) essa realidade repercute diretamente nas ações dos profissionais "que se encontram fragilizados, pauperizados e desprovidos de direitos e de organização coletiva" (Romagnoli, 2016, p. 156).

No tocante à categoria Desarticulação da rede socioassistencial, esta denota falhas no trabalho intersetorial. Nas falas dos(as) profissionais de Psicologia percebeu-se, por meio dessa categoria, dificuldades referentes à articulação da rede socioassistencial, trazendo consequências negativas tanto para a atuação dos profissionais, quanto para a efetivação dos direitos dos usuários, uma vez que a realização de encaminhamentos para outros equipamentos da Política Pública de Assistência Social ou outras políticas públicas fica comprometida.

Essa falta de articulação da rede também foi identificada por outros estudos (Flor & Goto, 2015; Macêdo, 2014; Ribeiro & Guzzo, 2014, entre outros). Como chamam atenção Ribeiro e Guzzo (2014), esse problema revela que o princípio da intersetorialidade, orientado pela PNAS e Referências Técnicas do CFP, está longe de se efetivar. Macêdo (2014) destaca tanto a formação acadêmica voltada ao tradicionalismo, embasada em práticas liberais e análises psicologizantes, distanciadas da questão social e da realidade coletiva dos usuários das Políticas Públicas de Assistência Social, quanto o atual contexto de recrudescimento do neoliberalismo e, consequentemente, desmonte das políticas públicas, que vem precarizando ainda mais as condições de trabalho dos profissionais em tal contexto, como fatores relevantes para compreendermos essas condições de funcionamento dos CRAS.

Considera-se que tais aspectos são fundamentais para se compreender as ações da Psicologia no CRAS no interior da Paraíba. Pois, elementos apresentados pelos profissionais são constitutivos de suas concepções (Vigotski, 1934/2009) e respaldam-se na cultura, nos coletivos de que partilham, nas relações com os outros, na formação acadêmica, nas relações desses profissionais com os demais técnicos e gestores dessas políticas, o que repercute na atuação desses profissionais, na condição de prática social.

O foco de atuação dos profissionais de Psicologia e demais profissionais dos CRAS deve ser as condições de vida das pessoas, a pobreza estrutural (Oliveira et al., 2014), em acordo com as diretrizes e os objetivos da PNAS, por meio da oferta de serviços e programas baseados na organização e na hierarquização das ações em rede, uma atuação interdisciplinar e integrada com o contexto local, identificando e potencializando os recursos psicossociais, fomentando a participação social e no controle dessa política. No entanto, os dados empíricos evidenciam uma realidade concreta, condições históricas, políticas e culturais que inviabilizam a consolidação da Assistência Social como uma política pública, de fato.

 

Considerações Finais

A partir da análise realizada, pode-se apontar que ações dos profissionais de Psicologia no cotidiano dos CRAS avançaram, uma vez que as falas dos profissionais têm se aproximado de uma lógica de atuação coerente com o que está prescrito para atuação da Psicologia no contexto da Proteção Social Básica da Política Pública de Assistência Social, por meio de uma atuação psicossocial. No entanto, tecnologias oriundas de um modelo clínico tradicional ainda exercem influência significativa nas ações desses profissionais. Outra fragilidade nas ações dos profissionais do CRAS do interior da Paraíba refere-se ao próprio alcance das ações com caráter psicossocial postas em prática, haja vista limitada análise das realidades dos usuários e pouco planejamento das intervenções a serem realizadas.

Diante da atual conjuntura, marcada por desmonte cada vez maior das políticas sociais e precarização das condições de trabalho em tal contexto, as ações dos profissionais de Psicologia no trato das expressões das questões sociais, para que contribuam, de fato, para atender às demandas dos usuários do CRAS, precisam ir além de ações pontuais, descontínuas e descontextualizadas. Caso contrário, a Psicologia será parte de uma ampla estratégia de normalização da população pobre, por meio de regulação do Estado sobre a vida, moldando assim determinadas formas de subjetividade (Hillesheim & Cruz, 2012), atendendo, dessa forma, aos interesses das elites e não dos usuários dos CRAS.

Considera-se que cabe aos profissionais de Psicologia, juntamente com a equipe do CRAS: pensar ações que superem perspectivas individualizantes e norteadas pelo mero alívio do sofrimento psíquico, conscientizar e promover protagonismo nos usuários, ter como foco as condições de vida das pessoas e a pobreza estrutural, em detrimento de práticas assistencialistas ou repressivas. Devem, portanto, os profissionais de Psicologia que atuam no CRAS, estar atento às tensões entre Estado e sociedade civil, à funcionalidade do CRAS e da Psicologia para a manutenção do modo de produção capitalista. O que demanda continuidade nos avanços na formação acadêmica em Psicologia, efetivação da proposta de educação permanente prevista no SUAS e operacionalização da PNAS em acordo com os marcos legais de tal política.

Não se trata de negar a contribuição da Psicologia, mas chamar atenção justamente para a importância de uma contribuição desta para cobrar do Estado e dos gestores outro trato das políticas públicas, de forma a avançarmos na consolidação de um sistema de garantia de direitos que efetivamente consiga promover alterações nos padrões de distribuição da riqueza socialmente produzida e não retrocedermos, como vem acontecendo.

Não se pretende aqui responsabilizar os profissionais de Psicologia ou as instituições formadoras pelo limitado alcance das ações da Psicologia. Mas considera-se que a realidade dos usuários do CRAS, marcada por baixa renda, ausência ou precariedade de trabalho, bem como acesso precário a condições básicas de vida, demanda fazer psicossocial pautado numa análise crítica e comprometido com a transformação social da realidade, por meio de atuação interdisciplinar e intersetorial, com um claro comprometimento ético-político, para que as políticas públicas e as redes de apoio sejam efetivamente construídas.

Análises das ações dos profissionais de Psicologia no CRAS por meio de observações in loco poderiam fornecer dados mais precisos acerca do objeto de estudo em questão. Tal limitação do estudo soma-se ao fato de este debruçar-se sobre uma realidade específica e de se levar em consideração apenas a perspectiva do profissional de Psicologia, desconsiderando-se a perspectiva dos usuários e dos gestores do CRAS referente a essa atuação. Assim, sugere-se que pesquisas futuras contemplem esses aspectos e se adotem outras metodologias, de forma a se verificar o poder de generalização das constatações apresentadas no presente estudo.

 

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Endereço para correspondência:
Orlando Júnior Viana Macêdo
Rua Rodrião Ferreira de Sousa, 21, bairro Tiradentes
Juazeiro do Norte, CE, Brasil
Fone: (88) 9 8807-0618
E-mail: orlandojrvm@yahoo.com.br

Recebido: 22/11/2016
1ª revisão: 18/07/2017
Aceite final: 21/07/2017

 

 

Contribuições dos Autores:
Contribuição substancial no conceito e desenho do estudo: Orlando Macêdo.
Contribuição para a coleta de dados:Clarissa Lima, Francisco de Brito. Josefa de Souza, Noélia de Sousa, Samara de Sousa e Stefania Dias.
Contribuição na análise e interpretação dos dados: Orlando Macêdo, Clarissa Lima, Francisco de Brito, Josefa de Souza, Noélia de Sousa, Samara de Sousa e Stefania Dias..
Contribuição à preparação do manuscrito: Orlando Macêdo, Clarissa Lima, Francisco de Brito, Josefa de Souza, Noélia de Sousa, Samara de Sousa e Stefania Dias.
Contribuição para revisão crítica, adicionando conteúdo intelectual:Orlando Macêdo, Josefa de Souza, Noélia de Sousa, Samara de Sousa e Stefania Dias.
Conflitos de interesse: Os autores declaram não ter conflito de interesse relacionado à publicação deste manuscrito.

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