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Cadernos de psicanálise (Rio de Janeiro)
versão On-line ISSN 1413-6295
Cad. psicanal. vol.42 no.43 Rio de Jeneiro jul./dez. 2020
ARTIGOS
Crátilo e Ferenczi: uma reflexão sobre a linguagem
Cratylus and Ferenczi: a reflection on language
Flora Tucci*
Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro - CPRJ - Brasil
Grupo Brasileiro de Pesquisa Sándor Ferenczi - Brasil
RESUMO
O objetivo central deste artigo é utilizar o diálogo platônico "Crátilo" como fio condutor para reflexões acerca da dimensão da linguagem na obra de Ferenczi. Para tal, utiliza-se como principal interlocução o artigo As coisas nas palavras. Ferenczi e a linguagem de Jô Gondar (GONDAR, 2010), que explora a discussão do diálogo platônico "Crátilo" sobre a dimensão convencional versus natural da linguagem, posicionando a obra ferencziana de forma mais aproximada da tese naturalista. O presente artigo busca explorar tal posicionamento e avançar na questão, levantando a possibilidade de algo mais híbrido, ao evidenciar tanto a dimensão convencional quanto a natural nas discussões de Ferenczi sobre a linguagem.
Palavras-chave: Ferenczi, Crátilo, Linguagem.
ABSTRACT
The main goal of this article is to take the platonic dialogue "Cratylus" as grounding for reflections about language in Ferenczi's work. For this, we take as main interlocutor Jô Gondar's article "As coisas nas palavras. Ferenczi e a linguagem" (GONDAR, 2010), that explores Cratylus's discussion about the distinction between a conventional thesis about language and a natural thesis about language. Gondar approaches Ferenczi's work with the natural thesis. The present article intends to explore this approach and tries to further progresson, bringing to question the possibility of something more hybrid, lighting up both dimensions in Ferenczi's works about language: natural and conventional.
Keywords: Ferenczi, Cratylus, Language.
O presente artigo tem por finalidade desenvolver uma interlocução com o artigo As coisas nas palavras. Ferenczi e a linguagem de Jô Gondar (GONDAR, 2010), que tem como argumento central a defesa de que a linguagem na obra de Sándor Ferenczi possui uma origem natural, ou seja, centra-se na dimensão naturalista. Um dos principais textos utilizados pela autora é o diálogo platônico "Crátilo" (PLATÃO, 1973), que tem como pano de fundo o debate entre Hermógenes - defensor da teoria convencional da linguagem - e Crátilo - defensor da tese naturalista. A autora situa a obra de Ferenczi juntamente com a tese de Crátilo. A ideia de retomar este argumento do artigo de Gondar é para que possamos explorar um pouco mais a fundo a tese naturalista e, a partir daí, trazer os pontos de interlocução que se enseja desenvolver.
O diálogo de Platão em questão inicia-se já com a colocação do problema que irá perpassar todo o texto: Hermógenes convida Sócrates para a conversa que está tendo com Crátilo acerca da justeza dos nomes. Por um lado, Crátilo defende a tese naturalista: as coisas têm nome por natureza - conformidade natural entre palavras e coisas - e Hermógenes, a tese convencionalista: nomes são corretos por convenção. E é aí que Sócrates entra na discussão para tentar elucidar o dilema que se coloca diante dessas duas perspectivas distintas1.
No começo, vemos Sócrates argumentar de forma a defender o posicionamento de Crátilo: uma forte base argumentativa socrática é a proposição de um trabalho etimológico.
O método etimológico ocupa grande parte do diálogo, e tem por função inicial refutar o convencionalismo de Hermógenes: busca revelar uma certa verdade que está contida nas palavras, mas não evidente. É uma análise das palavras como pacotes de informação codificados para nós por nossos ancestrais sobre os objetos que designam (SEDLEY, 2003, p. 3).
Este forte argumento parece apontar para um posicionamento de Sócrates junto ao naturalismo cratílico. Contudo, quando caminhamos para a parte final, vemos Sócrates levantar questões a Crátilo que nos levam a outras percepções acerca da justeza dos nomes.
Por exemplo, Sócrates prova a Crátilo que os nomes podem ser correta ou incorretamente aplicáveis pelo argumento da diferença:
(...) e como seria risível, Crátilo, o efeito dos nomes sobre as coisas que eles designam, se em tudo eles fossem reprodução exata dessas coisas! Tudo ficaria duplicado, sem que ninguém fosse capaz de dizer qual era a própria coisa, e qual o nome (PLATÃO, 1973, p. 432).
Assim, vemos um elemento novo de reflexão surgir: as palavras podem descrever as coisas mesmo que lhes faltem elementos essenciais e, desta forma, o objeto será bem representado se todos os elementos essenciais estiverem presentes e mal representados, se houver alguns menos.
Mas, como um nome que mal representa, pode ser compreendido? Como podemos compreender a que coisa este nome está representando se algo lhe falta? E é aí que Crátilo responde inocentemente: "graças ao costume" (PLATÃO, 1973, p. 434). E Sócrates acrescenta:
É no costume, pois este, como já vimos, consegue representar tanto por meio do semelhante como do dessemelhante (...) forçoso nos será concluir que a convenção e o costume contribuem igualmente para exprimir o que temos no pensamento, no instante em que falamos (PLATÃO, 1973, p. 435).
E é aí neste ponto que Sócrates nos coloca diante do fato de que a convenção, que inicialmente parecia refutada pela tese naturalista, não pode ser de todo desconsiderada: a convenção desempenha alguma contribuição em nossa linguagem e, assim, notamos um impasse diante da "escolha" entre a convenção e a natureza:
Eu também defendo o princípio de que os nomes devem assemelhar-se quanto possível à coisa representada; porém receio muito que, de fato, como disse há pouco Hermógenes, seja bastante precária a tal força de atração da semelhança e que nos vejamos forçados a recorrer a esse expediente banal, a convenção, para a correta imposição dos nomes (PLATÃO, 1973, p. 435).
Diante desta "virada" que se apresenta no final do diálogo, vemos como uma posição pura naturalista ou pura convencionalista possuiria falhas e que um possível entrelaçamento de ambas permitiria um caminho mais rico acerca da natureza dos nomes e das palavras. "Crátilo", ao ser um diálogo aporético, ou seja, um diálogo que chega ao fim sem uma resolução e que apresenta um impasse, nos mostra o desafio de definirmos uma natureza una da linguagem, natural ou convencional.
Partindo deste impasse colocado no diálogo, propomos uma leitura desta aporia como uma possibilidade de pensarmos na justeza dos nomes, tema central do diálogo, como algo que possui natureza híbrida, algo como um entrelaçamento entre o natural e o convencional. E é deste entrelaçamento proposto por Sócrates que buscaremos traçar interlocução com o artigo de Jô Gondar. Chegamos aqui no ponto de argumentação que gostaria de propor um certo deslocamento. Assim como o diálogo em questão é de natureza aporética, ou seja, de natureza irresolúvel, penso que esta tensão também habita na clínica e na teoria de Ferenczi.
Proponho mostrar aqui como a tese naturalista pode ser associada ao pensamento de Ferenczi, como defende a autora, mas pretendo avançar nesta discussão, mostrando que a dimensão naturalista não impede que também exista uma dimensão convencional da linguagem. E esta perspectiva busca mostrar que além das teses defendidas por Crátilo e Hermógenes, o diálogo platônico tem um terceiro e importante argumento, que é o socrático. Como vimos, Sócrates parece permitir um entendimento de que a linguagem possui tanto uma dimensão convencional quanto outra natural, o que nos instrumentaliza para avançar na reflexão acerca da linguagem na obra de Ferenczi.
Partamos agora para o artigo As coisas nas palavras. Ferenczi e a linguagem (GONDAR, 2010). Este texto tem como fio condutor a reflexão acerca do discurso literal no setting psicanalítico. Comumente encontramos críticas a estes tipos de discurso, que são tomados como empobrecidos de metáforas e simbolização. Este tema merece grande atenção de nós, psicanalistas, tendo em vista que nos coloca dentro de um contexto de reflexão sobre pacientes que muito comumente são tidos como desprovidos de algo que apontaria para uma certa precariedade subjetiva:
Sujeitos que tendem a se expressar de maneira concreta, tomando as palavras ao pé da letra. Em sua fala, utilizam poucos recursos linguísticos, poucas metáforas. (...) O comentário mais comum é o de que a sua linguagem seria pobre, devido à dificuldade de simbolizar e metaforizar (GONDAR, 2010, p. 124).
Contudo, Gondar aponta para o fato de que tal crítica baseia-se em um padrão de funcionamento subjetivo rígido. Este padrão teria como referência a importância de o paciente metaforizar, sendo função da análise encaminhá-lo para tal feito. Este entendimento teria um modelo universal de subjetividade como referência levando a uma prática de clínica normativa.
Diante desta problematização, a autora nos apresenta Ferenczi, pensador que não defende uma perspectiva de modelo preconcebido de saúde psíquica, e que possui trabalhos muito originais no que diz respeito à linguagem e à simbolização.
Para Gondar, grande parte da originalidade de Ferenczi quanto à linguagem consiste naquilo que propõe como relação entre as palavras e as coisas:
Em Ferenczi o sentido não se produz a partir da relação entre significantes, mas sim a partir de relações pautadas na dimensão sensível: vai-se do sensível para o sentido, e não do significante para o sentido (GONDAR, 2010, p. 126).
E desta forma, a autora mostra como o aspecto sensorial das palavras permite que as compreendamos como imitação das coisas: a possibilidade de estabelecer semelhanças no plano da sensorialidade (GONDAR, 2010, p. 127). E, assim, a linguagem não poderia ser tida como algo convencional, já que teria algo de natural subjacente a ela, afirmando que o signo para Ferenczi não seria arbitrário e as palavras não resultariam de uma convenção estabelecida pelos homens. E é neste contexto que nos traz o diálogo "Crátilo", situando Ferenczi como um teórico naturalista da linguagem. Para compreendermos a dimensão naturalista na obra de Ferenczi, utilizaremos dois textos: O desenvolvimento do sentido de realidade e seus estágios (FERENCZI, 1913a/2011) e Palavras obscenas (FERENCZI, 1911/2011).
No artigo O desenvolvimento do sentido de realidade e seus estágios (FERENCZI, 1913a/2011) Ferenczi busca aprofundar o tema tratado por Freud em seu texto Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental (FREUD, 1911/1987), onde são trabalhados os conceitos de princípio de prazer e princípio de realidade. No estágio de desenvolvimento onde prevalece no ser humano o princípio de prazer, as atividades psíquicas afastam-se de qualquer evento que possa despertar desprazer (FREUD, 1911/1987, p. 278). Os bebês, por exemplo, em seu início de vida, têm suas necessidades satisfeitas de maneira quase imediata, de forma a se manterem num estado que os protege das sensações de desprazer. Contudo, com o passar do tempo, o bebê vai crescendo, suas necessidades vão se complexificando e as frustrações começam a ser vivenciadas. Nem tudo pode ser atendido de imediato; a condição de satisfação plena vai cedendo espaço para uma vivência mais complexa, onde se perde a condição de onipotência e uma realidade externa começa a ser percebida. E é aí que se instaura o princípio de realidade.
Esta apresentação do artigo de Freud foi feita de forma bastante resumida no intuito de somente nos localizar de que ponto parte Ferenczi em seu texto O desenvolvimento do sentido de realidade e seus estágios, que é, agora, nosso foco de atenção, em especial, a formulação proposta sobre o desenvolvimento do símbolo e da linguagem.
Ferenczi aponta que Freud, ao falar dos princípios de prazer e de realidade, foca-se em nos apresentar uma clara distinção entre ambos, mas não aprofunda a questão no que diz respeito ao processo de surgimento do princípio de realidade: ele se dá de maneira progressiva e em etapas? E, mais, seria possível distinguir tais etapas?
Estas perguntas apontam para uma tentativa de Ferenczi de ampliar o entendimento sobre esses dois estágios, de forma a viabilizar um maior alcance sobre a compreensão dos mesmos na vida psíquica normal e patológica (FERENCZI, 1913a/2011, p. 46). Seguem as etapas concebidas pelo autor:
1) Período de onipotência incondicional: Ferenczi defende que não há motivos para duvidar da existência do psiquismo no período fetal. Este período é de onipotência, vivenciado no ventre materno. "Todos seus desejos de proteção, de calor, e de alimentação estão assegurados pela mãe" (FERENCZI, 1913a/2011, p. 48), sem que tenha que fazer nenhum esforço;
2) Período da onipotência alucinatória mágica: A vida fetal permanece no ser humano por meio dos registros de memória, marcando as primeiras experimentações do bebê no mundo, onde permanece num estado de onipotência, já que as pessoas que os rodeiam no primeiro momento (em uma situação "normal") tentam instintivamente deixá-lo o mais próximo possível da vivência intrauterina;
3) Período da onipotência com ajuda dos gestos mágicos: em algum momento a situação de onipotência, onde todos os desejos são imediatamente atendidos, não consegue manter-se intacta, pois o mundo externo não consegue indefectivelmente ter toda a previsão necessária para a satisfação imediata de todos os desejos. Aí a criança precisa produzir certos sinais, efetuar algum trabalho motor, mesmo que precário, para sinalizar algumas necessidades. Mas esses gestos são ainda muito sutis e a condição de "mágica" das respostas do mundo externo permanece ativa;
4) Surgimento do mundo externo: com o aumento e complexificação das necessidades, a criança começa a vivenciar a não realização de seus desejos e é obrigada "a distinguir do seu ego, como constituindo o mundo externo, certas coisas malignas que resistem à sua vontade, ou seja, a separar os conteúdos psíquicos subjetivos (sentimentos) dos conteúdos objetivos (impressões sensoriais)" (FERENCZI, 1913a/2011, p. 53).
5) Período animista: mesmo já experimentando o mundo externo, o bebê não se desfaz subitamente de sua conexão entre "eu" e "não eu". Mesmo resistindo aos seus desejos, "não o impede de continuar investindo o mundo externo com qualidades que descobre em si mesmo, ou seja, qualidades do ego. Tudo parece indicar que a criança atravessa um período animista na sua apreensão da realidade, período em que todas as coisas se lhe apresentam como animadas e em que tenta reencontrar em cada coisa seus próprios órgãos ou seu funcionamento" (FERENCZI, 1913a/2011, p. 54).
Este quinto período animista é extremamente importante para compreendermos como Ferenczi concebe o processo de aquisição simbólica e linguística. As relações simbólicas são relações profundas - que se perpetuam ao longo de toda a vida - entre o corpo humano e o mundo dos objetos. No período animista, a criança vê no mundo reproduções de sua corporalidade.
Já a linguagem surge como principal meio de representação dos desejos da criança. O simbolismo gestual experienciado como reprodução da corporalidade vai sendo substituído pelo simbolismo verbal: para figurar seus desejos e objetos cobiçados, a criança emite sons e ruídos produzidos pelas coisas (sendo "coisas" tudo externo a ela, inclusive pessoas); os órgãos da fonação reproduzem objetos e processos do mundo externo. "A concepção e a representação dessas séries de fonemas chamados palavras permitem uma versão muito mais econômica e preciosa dos desejos" (FERENCZI, 1913a/2011, p. 55).
Para aprofundarmos esta questão tão central acerca da aquisição da linguagem e do simbólico, avançamos para outro texto de Ferenczi, Palavras obscenas (FERENCZI, 1911/2011). O autor inicia seu artigo levantando uma importante questão: Como se explica que seja tão mais difícil designar uma mesma coisa por um termo em vez de por um outro? E mais ainda, por que as palavras obscenas nos geram mais constrangimento ao serem pronunciadas, em relação às palavras "normais"?
"A palavra obscena encerra um poder particular que obriga, de algum modo, o ouvinte a imaginar o objeto denominado, o órgão ou as funções sexuais, em sua realidade material" (FERENCZI, 1911/2011, p. 27). Ferenczi observa que os termos técnicos e científicos não causam o mesmo efeito que as palavras obscenas designadas a um mesmo órgão ou ação, não tendo poder de provocar imagens mnêmicas assim como o fazem os vocabulários mais primitivos e eróticos. Contudo, mesmo havendo uma diferença no efeito causado quanto às sensações entre as palavras obscenas e as palavras comuns, podemos supor que ambas possuem a mesma origem.
Algo que podemos entender desde Freud é que no estágio primitivo de desenvolvimento, o ser humano - no caso, o bebê - ao vivenciar a frustração de uma necessidade não alcançada, por meio de regressão, alucina uma satisfação experimentada outrora (período da onipotência alucinatória mágica). Esta alucinação causará no bebê a sensação de satisfação desejada como se fosse real. Somente após um processo de complexificação é que a criança irá aprender a diferenciar a satisfação real da representação ilusória. E o ponto culminante dessa complexificação é o pensamento abstrato, verbalizado:
Além da duração relativamente importante do tempo requerido para a aprendizagem da fala, parece que os signos verbais que substituem as representações, ou seja, as palavras, conservam por largo tempo sua tendência para a regressão. Essa tendência atenua-se, sem dúvida, progressivamente ou por etapas, até atingir a capacidade de representação e pensamentos "abstratos", praticamente livres de elementos alucinatórios (FERENCZI, 1911/2011, p. 129).
Neste processo de desenvolvimento intelectual podem coexistir a tendência de reviver regressivamente as representações e a habilidade do pensamento por signos verbais; assim, a criança pode experimentar em vários momentos ainda alguma imperfeição para distinguir objetos representados e objetos reais. Como vimos no artigo O desenvolvimento do sentido de realidade e seus estágios, este período é chamado de animista.
E é neste ponto que podemos entender por que Ferenczi nos propõe o entendimento de que tanto as palavras obscenas como as comuns compartilham uma mesma natureza em um determinado estágio do desenvolvimento, que seria o caráter tangível, sensorial próprio de todas as palavras, como elemento regressivo alucinatório, ou seja, um momento onde havia uma forte relação entre as palavras e as coisas.
Os dois textos de Ferenczi supracitados, de fato, nos permitem dimensionar de que maneira a concepção naturalista perpassa seu entendimento acerca da aquisição simbólica e linguística. Contudo, uma distinção faz-se necessária: uma coisa é falarmos de um processo naturalista de aquisição de linguagem e outra coisa é falarmos de uma gênese naturalista da linguagem. E é neste ponto que pretendemos avançar no argumento proposto por Gondar em seu artigo. Neste detalhe pode parecer habitar uma distinção minuciosa e talvez por demais teórica para algo que incide fundamentalmente numa discussão sobre o manejo clínico. Contudo, a ideia é mostrar que nesta diferenciação podemos encontrar algo que punge nas reflexões e práticas ferenczianas.
Não parece ser o foco de interesse de Ferenczi pensar e explorar de maneira geral a dimensão da gênese da linguagem: não podemos encontrar, por exemplo, nestes dois textos importantes sobre o tema, um objetivo de concepção de uma teoria geral da linguagem ou uma reflexão sobre como as palavras foram criadas. O enfoque do autor parece estar nos processos singulares de aquisição de linguagem; de que forma, no processo de desenvolvimento, cada ser humano adquire habilidades para lidar com o desfazimento de sua onipotência inicial; como cria recursos afetivos e corporais para se reconectar com o mundo externo, que inicialmente pertence a sua constituição subjetiva, mas que aos poucos vai ganhando um contorno independente de seu ego. Ou seja, como a relação corporal junto ao mundo permite que a linguagem ganhe um contorno de reconexão com um "elo perdido".
Não nos parece que seja importante para Ferenczi encontrar a natureza primeira da linguagem: sua escuta clínica o conduz para o singular da linguagem em cada paciente, para a forma natural, mas singular, de simbolização de cada ser humano. Penso que suas reflexões transitam mais numa percepção de processos singulares de aquisição da linguagem, que abarcam a relação do ser humano com seu corpo e mundo circundante. Desta forma, defendo que alguma arbitrariedade ainda é mantida, o que nos afasta de uma tese puramente naturalista.
Citamos, assim como Gondar, um exemplo extraído de outro texto importante sobre a temática em voga, Ontogênese dos símbolos (FERENCZI, 1913b/2011): "um bebê de um ano e meio, quando lhe mostraram pela primeira vez o rio Danúbio, exclamou: "Quanto cuspe!" (FERENCZI, 1913b/2011, p. 117). Este exemplo é central para entendermos a diferença entre o que denominamos aqui de aquisição naturalista da linguagem e a gênese da linguagem naturalista: não é que todos nós tenhamos impressa a conexão necessária2 entre "cuspe" e "rio" - que estaria mais associada a uma concepção de gênese da linguagem naturalista -, mas, o que parece importar é o processo singular e natural do bebê no exemplo em questão de conceber uma semelhança entre seu corpo (o cuspe) e a sua primeira experimentação de ver um rio.
Acreditamos que um grande "salto", neste ponto, é reconhecer que possivelmente seja o manejo pragmático da linguagem3 o que permitiu a Ferenczi captar a dimensão naturalista de aquisição da linguagem. Por isso, nos parece necessário avançarmos nesta questão, trazendo à tona o que seria este aspecto pragmático, convencional da linguagem. Para tal, analisaremos um importante texto Fantasias provocadas (FERENCZI, 1924/2011).
Em Fantasias provocadas (FERENCZI, 1924/2011) Ferenczi inicia o artigo mencionando um outro trabalho Prolongamento da "técnica ativa" em psicanálise (FERENCZI, 1921/2011), que formula a ideia de intervenção ativa do analista como forma de provocar e perturbar o modo habitual (no caso, o patológico) de descarga de excitações no inconsciente, buscando trazer um novo direcionamento para tais energias, permitindo a manifestação de materiais recalcados. E acrescenta: em alguns casos, viu-se obrigado a estender tais injunções e interdições ativas para a atividade de fantasia do paciente.
O que seria uma intervenção na atividade de fantasia? O autor adverte para as recomendações de tal técnica; contudo, não nos concentraremos nesta questão para não nos desviarmos de nossa temática. O ponto interessante desta técnica das "fantasias provocadas" - como Ferenczi a denomina - está na contundência e potencialidade de uma fantasia "forjada".
O autor cita um tipo de paciente que se mostra capaz de fantasiar, mas tal atividade em sua vida parece pouco desenvolvida: "aqueles indivíduos sobre os quais as experiências mais marcantes não parecem deixar nenhum vestígio" (FERENCZI, 1924/2011, p. 263). As sensações que usualmente são despertadas, como, por exemplo, angústia, vingança, excitação, impulsos, parecem ser inexistentes. Tal "indiferença" faz supor que os afetos escassos sejam materiais recalcados pelo psiquismo.
Diante desta suposição de recalcamento dos afetos, Ferenczi propõe ao paciente que ele imagine tais reações afetivas que não lhe ocorrem naturalmente. A reação usual é: como fazer isso? De que serviriam tais fantasias artificiais?
A resposta a tais objeções é que não é esperado que se diga a verdade (a realidade afetiva), mas que se sinta livre para dizer o que vem a cabeça independentemente de sua realidade objetiva e que em nenhum momento lhe será imputada espontaneidade em tal "exercício". "Mas, o que foi observado é que, pouco a pouco, o paciente vai se animando, suas sensações fantásticas 'fabricadas' tornam-se mais variadas, mais vivas e mais ricas" (FERENCZI, 1924/2011, p. 263). A imaginação vai ganhando embalo.
Como podemos observar neste texto o manejo da linguagem pode ser lido como um manejo pragmático, convencional, ou seja, não importa a relação natural entre palavra e coisa, mas o jogo que se pode fazer com o vocabulário, mesmo que forjado, para que se despertem novos afetos no paciente. A ideia de causalidade que estaria na base da tese naturalista aponta para uma relação intrínseca entre duas coisas ou palavras. Usando o exemplo do bebê e o rio Danúbio, teríamos que acreditar que há uma relação intrínseca natural entre o rio e o cuspe. Mas, como vemos em Palavras obscenas (FERENCZI, 1924/2011), o manejo que denomino pragmático em Ferenczi está na possibilidade de jogar com a causalidade e sua contingência. Relações singulares entre palavras e coisas, que possuem uma materialidade, mas não intrínseca às suas naturezas. A aposta reside na capacidade criativa de cada subjetividade.
Este é um tipo de "jogo" que se utiliza de maneira arbitrária da linguagem para que algo de singular possa ser despertado. O interessante é que este "forjado" não é algo "menor", pois é preciso entregar-se a ele para que o jogo proposto possa de fato acontecer. Não ter preocupação com a realidade objetiva, como é ofertado por Ferenczi, não é sentir menos os afetos produzidos pela fantasia provocada. Pelo contrário, o grande potencial desta técnica é a possibilidade do surgimento de afetos reais, que o vocabulário "comum" do paciente não vinha conseguindo acessar.
Assim, podemos afirmar que o arcabouço teórico ferencziano tem como base a imanência4 da experiência: ele foi um grande expoente desta forma de psicanalisar, possivelmente um dos primeiros neste árduo percurso. Os valores preconcebidos, a escuta engessada em referenciais teóricos nunca foram empecilho para que o autor pudesse se lançar aos novos desafios a que sua clínica o convocava. Mesmo que já tivesse construído um arcabouço teórico - ou seja, linguístico - sobre determinada questão isso não o impediria, se necessário, de rever tudo já concebido e se lançar na construção de um novo vocabulário.
A passagem abaixo é proveniente do Prefácio do Diário clínico (FERENCZI, 1990), escrito por Judith Dupont, onde nos mostra a preocupação permanente de Ferenczi diante do desafio clínico de poder se debruçar sobre as experiências nas quais a teoria previamente desenvolvida não dava conta:
Sustentar que um doente, que não podia ser curado em função dessa teoria e com essa técnica, era um doente inanalisável, parecia-lhe insuficiente e, por outro lado, traumatizante em si. Considerava que todo doente que pedia ajuda deveria recebê-la, e que competia ao psicanalista inventar a melhor maneira de responder aos problemas que lhe eram apresentados. Assim, Ferenczi tornou-se o último recurso dos casos considerados desesperados, que de todos os pontos do globo lhe eram encaminhados por seus colegas (DUPONT, 1990, p. 19).
Sua linguagem teórica não se pautava no desenvolvimento de uma teoria que abarcasse todas as experiências psicanalíticas, de forma a fornecer um suporte teórico completo para todas as práticas clínicas possíveis. Ao contrário, via nas experiências singulares que vivenciava a oportunidade de desenvolver um novo vocabulário, ensinando muito mais aos seus discípulos e leitores por meio deste mecanismo de criação do que unicamente por meio dos preceitos que ali estipulava.
E este parece ser um importante salto que nos abre a possibilidade de vermos a obra de Ferenczi relacionando-se com o diálogo "Crátilo" não somente com a tese naturalista, mas com a obra como um todo. Assim como Sócrates, que parece reconhecer que a linguagem parece ter tanto uma dimensão naturalista quanto outra convencional, Ferenczi nos coloca diante da mesma percepção, utilizando ambas as dimensões de maneira interligada e não excludente. Ferenczi utiliza uma aparente tensão entre natureza e convenção para manejar a dimensão profunda do corpo diante do que há de mais singular nas subjetividades.
São exatamente os jogos linguísticos num âmbito convencional e arbitrário que fazem os vocabulários singulares de cada paciente, em sua dimensão mais profunda e natural emanarem, podendo trazer à tona as relações não arbitrárias que cada ser humano constrói entre palavras e coisas.
Para podermos avançar um pouco mais sobre essa ideia, proponho entrarmos numa discussão que segue o sentido oposto da problematização proposta por Gondar diante dos pacientes classificados como tendo discursos mais literais. Diante desses pacientes que são tidos como "precários de simbolização", a autora nos traz a dimensão naturalista associada ao pensamento ferencziano como forma de potencializar tais experiências subjetivas. Aqui busco fazer interlocução com seu argumento, mostrando que o hibridismo, ou melhor, uma aporia diante da convenção e da natureza pode nos servir como forma de avançarmos nesta questão dentro da obra de Ferenczi. Explorando o monismo do autor, defendo que ambas as dimensões podem caminhar juntas. O direcionamento que chamo de oposto aos pacientes de falas literais é pensar a histeria, que seria um exemplo clínico central de simbolização. O que seria o hibridismo do naturalismo e da convenção neste mecanismo?
Tomando um importante texto do volume III das Obras Completas de Ferenczi, intitulado Fenômenos de materialização histérica (uma tentativa de explicação da conversão e do simbolismo histérico) (FERENCZI, 1919/2011) em que esse autor busca avançar nas reflexões quanto à neurose histérica. No caso da histeria "a ideia incompatível é tornada inócua pelas transformações da soma de excitação em alguma coisa somática" (FREUD, 1894, p. 61). Esse procedimento é denominado conversão. Pode ser parcial ou total.
A contradição decorrente de uma experiência, ideia ou sentimento aflitivo transforma-se em um símbolo mnêmico que fica alojado na consciência como se fosse uma variável (que não contém a contradição, a incompatibilidade) que permaneceria na consciência ao alocar uma referência a uma memória (ideia contraditória). Essa variável, esse símbolo mnêmico, permanece na consciência ou como uma inervação motora insolúvel, ou uma sensação alucinatória recorrente.
Retomando "O sentido de realidade e seus estágios" (FERENCZI, 1913a/2011), Ferenczi lembra que definiu a histeria como uma regressão a um período no qual "o organismo ainda tenta adaptar-se à realidade modificando - por gestos mágicos - o próprio corpo e não o mundo externo" (FERENCZI, 1913a/2011, p. 44). O histérico modifica o próprio corpo por gestos mágicos, sendo essa modificação algo que ocorre no plano da linguagem gestual. Todavia, ele reconhece importante lacuna que ainda permanecia sem resposta: qual seria o misterioso salto do psíquico para o somático?
Os fenômenos histéricos se desenvolvem por fenômenos motores de diversas naturezas: modificações da circulação sanguínea, distúrbios da função glandular, inervações isoladas, etc. (FERENCZI, 1919/2011, p. 45). Diante dessa variedade, Ferenczi busca trazer um fenômeno histérico recorrente, que é o sintoma do globus hystericus ("bolo na garganta")5, e nos apresenta alguns casos envolvendo esse sintoma. Depois de algumas descrições, ele afirma que o que há de comum em todos esses casos "é manifestamente a figuração pelo corpo de um desejo sexual inconsciente, tal como foi evidenciado por Freud" (FERENCZI, 1913a/2011, p. 48).
Mas essa sensação do globus hystericus seria uma alucinação? Ferenczi afirma que não, pois as contrações das paredes do estômago nada têm de alucinatórias e, efetivamente, são muito reais. Nos debruçamos sobre uma reflexão ferencziana que tenta desvendar algum "mistério" da psicanálise por meio de uma vivência real, efetiva. Seus caminhos encontram fertilidade na "materialidade" das experiências dos seus pacientes.
Aqui nos deparamos com a originalidade do seu texto. Por mais que esteja aparentemente transitando exclusivamente pelo universo simbólico da conversão histérica, Ferenczi propõe uma viagem por dentro desse fenômeno sob o aspecto da sua materialidade:
Poderíamos chamá-lo de fenômeno de materialização, visto que consiste essencialmente em concretizar um desejo, como que por magia, a partir da matéria de que o sujeito dispõe em seu corpo, e em dar-lhe uma representação plástica - por primitiva que seja - à maneira de um artista que modela um material de acordo com a sua ideia, ou dos ocultistas que, a simples pedido de um médium, representam a "materialização" de certos objetos (FERENCZI, 1919/2011, p. 49).
O processo descrito acima, diz Ferenczi, não é apenas um estado patológico do histérico, mas perpassa diversos estados afetivos ditos "normais". Para entendermos do que trata a materialização histérica, o autor nos propõe contrapô-la ao sonho. Enquanto no sonho, a realização do desejo é alucinatória e a motilidade fica paralisada, no fenômeno aqui analisado o que está em foco é uma dimensão de motricidade inconsciente. Como já mencionado, é um tipo de regressão muito profunda:
O desejo inconsciente, e incapaz de ter acesso à consciência, já não se limita nesse caso à excitação sensorial do órgão psíquico da percepção, mas passa para a motricidade inconsciente, o que significa uma regressão tópica a uma profundidade do aparelho psíquico onde os estados de excitação já não se liquidam por um investimento psíquico - ainda que fosse alucinatório -, mas simplesmente pela descarga motora (FERENCZI, 1919/2011, p. 50).
Essa regressão estaria ligada a uma experimentação de vida na qual o mundo exterior ainda não é modificado, somente o próprio corpo. Apoiando-se no desenvolvimento filogenético (gênese da espécie) e ontogenético (origem e desenvolvimento de um organismo), Ferenczi defende que essa etapa precede a complexidade psíquica, ou seja, seria uma protopsique. E o mistério do salto do psíquico para o corporal desvenda-se aqui de alguma forma.
O curso normal da excitação, que seria a descarga motora, tem o seu vetor invertido na histeria, quando esta tem a seu dispor os mecanismos fisiológicos para a "realização" de desejos inconscientes. A modificação fisiológica do corpo é o resultado de um movimento regressivo do corpo para uma energia que retorna a um estado corporal primitivo. O desejo inconsciente materializa-se na motricidade inconsciente e mobiliza massas orgânicas brutas.
Acessar conteúdos inconscientes por meio da fala como forma de encontrar uma nova cadeia associativa, uma ressignificação para o afeto recalcado, é o caminho de um trabalho psicanalítico tradicional. Por meio da fala, é dada ao paciente a oportunidade de se conectar com ideias recalcadas que produzem os sintomas atuais. O que vemos, quando Ferenczi nos aponta essa leitura do que seriam os gestos mágicos no fenômeno histérico, é que há uma expansão do trabalho clínico, que não tem somente a linguagem verbal como ferramenta. Ferenczi trabalha dentro da dimensão da linguagem gestual, como vemos nesse exemplo. Gestual que estaria mais associado ao campo do natural dentro de nossa discussão. Não se trata somente de um símbolo, mas de algo corporificado.
Esse é um alargamento do seu uso da linguagem que está sendo trabalhada muito além da linguagem verbal e das suas formas de simbolização. O manejo clínico não é abundantemente abordado neste texto Fenômenos de materialização histérica (uma tentativa de explicação da conversão e do simbolismo histérico) (FERENCZI, 1919/2011), mas, podemos pensar como isso acarreta questões clínicas importantes. Não se trata somente de trabalhar o sintoma e "desfazê-lo"; não basta tomar a "cura pela palavra" para tentar restaurar a cadeia representacional que gerou um recalque. É preciso buscar um campo transferencial que maneje a linguagem não só no seu escopo verbal, mas, nesse caso, também gestual, como ferramenta de comunicação e relação com o paciente. É um manejo clínico que seria muito ao próximo ao que vemos ser pensado diante dos pacientes que Gondar nos propõe pensar em seu artigo. Mesmo os processos simbólicos, metafóricos e mais "rebuscados" podem ser experimentados de forma sensorial em nossa clínica.
Fenômenos de materialização histérica (uma tentativa de explicação da conversão e do simbolismo histérico) (FERENCZI, 1919/2011) representa um marco importante na obra ferencziana, visto que traz o fenômeno de materialização como via de diluir uma primazia dos signos verbais e seus processos de simbolização: "Ora, as 'materializações' histéricas mostram-nos o organismo em toda a sua plasticidade e mesmo em sua habilidade criadora" (FERENCZI, 1919/2011, p. 57). Não se trata só da criatividade psíquica, mas da criatividade do organismo como um todo, o que vai, aos poucos, nos guiando para uma nova perspectiva das leituras corporais e psíquicas.
Natureza e convenção parecem caminhar juntas nas reflexões ferenczianas, onde o corpo expressa uma linguagem própria com toda sua plasticidade adaptativa ao mundo com suas convenções. E as convenções e arbítrios transitam na natureza que habita todas as subjetividades.
Desta forma, neste percurso, o objetivo foi usar uma reflexão filosófica dando destaque para a dimensão aporética do diálogo socrático e trazer esta possível "tensão" entre convenção e natureza para buscar explorar uma dimensão monista na obra ferencziana onde, assim como Sócrates nos sinaliza no Diálogo "Crátilo", podem de alguma forma caminhar juntas:
Em diversas teorias psicanalíticas encontramos a presença maior ou menor desses dualismos. Mas nunca em Ferenczi. Ele foi, assumidamente, um monista/pluralista, isto é, alguém que não admitia a lógica do "ou isso ou aquilo", alguém que não apreciava as fronteiras e tinha atração pelas misturas (GONDAR; SCHUELER REIS; NUNES, 2017).
Buscando enfatizar o que Gondar traz como questão central na contemporaneidade sobre pacientes que são caracterizados por uma certa precariedade linguística e nos aponta uma potência criativa, o intuito foi ampliar a discussão para vermos como a dimensão sensorial destes discursos possuem tanto uma convenção como uma produção singular, assim como os processos tidos como mais rebuscados de simbolização e metaforização são também atravessados por uma corporeidade e materialidade.
Referências
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Artigo recebido em: 03/05/2019
Aprovado para publicação em: 25/05/2020
Endereço para correspondência
Flora Tucci
E-mail: floramtucci@gmail.com
*Psicanalista. Membro do Fórum do Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro (CPRJ). Doutora em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Membro do Grupo Brasileiro de Pesquisa Sándor Ferenczi. Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
1Faremos aqui somente uma breve apresentação do diálogo, pois uma análise mais detalhada deste rico trabalho seria um percurso longo que nos desviaria do tema aqui proposto. O objetivo é situar as discussões centrais do diálogo, para que possamos acompanhar a argumentação de Jô Gondar.
2Uso esse conceito com inspiração em Hume em Investigação acerca do entendimento humano onde questiona crenças causais, em que, por exemplo, parte-se do princípio de que dois objetos são necessariamente unidos entre si (HUME,1748/2000).
3O sentido que aqui usamos para "manejo pragmático da linguagem" parte da concepção de jogo de linguagem concebido por Wittgenstein, que é a primeira exposição no âmbito da filosofia analítica de uma visão pragmática da linguagem (MARCONDES, 2006): a linguagem não é dada a priori, constrói-se a partir dos jogos de linguagem, das contingências e idiossincrasias das relações sociais. Esta é uma concepção de linguagem como uma ferramenta, e não uma imagem ou representação de uma realidade a priori do mundo, ou seja, a significação de uma palavra é seu uso na linguagem. O jogo de linguagem estaria associado à tese convencionalista.
4Este termo é aqui usado para se opor a transcendência: imanência como aquilo que se encontra no plano da experiência.
5"Os próprios pacientes falam de uma bola na garganta, e temos razões para acreditar que certas contrações dos músculos longitudinais e transversais da faringe produzem realmente a parestesia de um corpo estranho, uma bola" (FERENCZI, 1919/2011, p. 46).