Cadernos de psicanálise (Rio de Janeiro)
ISSN 1413-6295
Cad. psicanal. vol.42 no.43 Rio de Jeneiro jul./dez. 2020
ARTIGOS
Por um cuidado suficientemente bom na primeira infância: algumas reflexões
Thoughts on good enough care in the early infancy: some reflections
Solange Frid PatricioI*; Maria Cecília de Souza MinayoI**
IFundação Oswaldo Cruz - FIOCRUZ - Brasil
RESUMO
Este artigo teórico-conceitual tem como objetivo refletir e colocar em análise os modos de cuidado e a infância como invenção. Assim, num primeiro momento identificam-se as práticas embasadas nas experiências racionais ou lógicas que entendem esse ato como técnico, universal e padronizado. Num segundo, apresentam-se práticas que reconhecem a experiência subjetiva do bebê nas trocas interativas. Essa visão relativamente recente percebe o bebê como um ser competente, interativo, afetivo e capaz de se vincular a outro ser humano desde o nascimento. Por fim, propõe-se uma reflexão à luz de paradigmas teóricos e metodológicos que desconstroem concepções racionalistas e geram, por vezes, impasses práticos na relação cuidador-bebê.
Palavras-chave: Cuidado suficientemente bom, Primeira infância, Relação profissional-bebê.
ABSTRACT
This theoretical-conceptual paper aims at reflecting and putting into analysis the ways of care and the infancy as an invention. So, in a first moment we identify the practices based on rational or logical experiences which understand such acts as technical, universal and standardized. In a second moment we present practices that acknowledge the subjective experience of the infant in interactive exchanges. This relatively recent perspective sees the infant as a competent, interactive, affective being, able since birth to link to another human being. In the end we propose some thoughts in the light of theoretical paradigms that deconstruct rationalist conceptions that sometimes engender practical impasses in the relation caretaker-infant.
Keywords: Good enough care, Infancy, Professional-baby relationship.
Introdução
Este trabalho apresenta uma proposta teórico-conceitual de reflexão e análise sobre a infância e os modos de cuidado no primeiro ano de vida do bebê, particularmente no âmbito institucional e ofertado por profissionais. Ressalta-se que a compreensão do cuidado "suficientemente bom" aqui expresso é atravessado pelo conceito winnicottiano de "mãe suficientemente boa". Destaca-se o advérbio "suficientemente" e o adjetivo "boa", ambos utilizados por Winnicott (1978) no sentido de esclarecer a posição do cuidador (particularmente a mãe) frente ao objeto de cuidado (o bebê). Essa posição indica a capacidade do cuidador de se adaptar às necessidades do bebê.
Para o avanço desta discussão, conta-se com preciosas contribuições da pediatra húngara Emmi Pikler, em seus estudos sobre o desafio do cuidado cotidiano do adulto com a criança pequena. Destacam-se como princípios propostos por essa médica, a importância da
relação afetiva de qualidade entre o adulto e a criança; o valor da atividade autônoma da criança como motor do seu próprio conhecimento; a regularidade nos fatos, nos espaços e no tempo como base do conhecimento de si próprio e do entorno; a dimensão extraordinária da linguagem como meio de comunicação pessoal; a compreensão inteligente das necessidades da criança e muito mais (FALK, 2004, p. 7).
Apesar das particularidades do pensamento, tanto Emmi Pikler como Donald W. Winnicott integram, cada um à sua maneira, a saúde somática e psíquica à noção de interação do indivíduo com o seu meio. Para Winnicott (1990) a importância da qualidade do ambiente para o desenvolvimento emocional saudável do bebê e a adequação dos cuidados às necessidades do infante por parte do cuidador são de extrema relevância para sua saúde mental. Para Pikler (apud FALK, 2004), é fundamental para o desenvolvimento saudável do ser humano que o adulto respeite seu ritmo e seus desejos, permitindo-lhe liberdade de movimentos. Na medida em que esse adulto confia na capacidade de desenvolvimento da criança, esta se torna capaz de aprender tudo - sentar, rolar, brincar, falar e refletir.
Também a preocupação com os modos de cuidar da criança aparece com destaque na proposta de abordagem desenvolvida tanto por Pikler como por Winnicott. A partir das observações da relação cuidador-bebê, ambos reconheceram o risco do excesso ou da falta. Seguindo essa linha, Figueiredo (2007) enfatiza dois princípios essenciais para o cuidador: manter o equilíbrio dinâmico entre as diferentes formas de presença na relação com o objeto de cuidado, e não ofertar o cuidado em função de suas necessidades narcísicas, em prejuízo do objeto de cuidado. Nesse último caso, o eu do objeto de cuidado é impedido de existir, de tecer a sua própria história segundo Aulagnier (2001).
A partir das contribuições dos dois autores referenciais, Winnicott e Pikler, e de outros estudiosos como (GOLSE, 2004; AULAGNIER, 2001; TREVARTHEN, 2001; FIGUEIREDO, 2007; entre outros) que partilham da mesma compreensão sobre a importância de um ambiente afetivo e sensível às necessidades do bebê, neste texto são apresentados três pressupostos básicos: (1) a qualidade do cuidado está relacionada diretamente à qualidade das interações afetivas, sendo essa uma experiência de mutualidade onde adulto e bebê se afetam mutuamente; (2) o bebê contemporâneo é um ser ativo que tem competências e capacidades inatas para se relacionar social e emocionalmente com os outros; e (3) as trocas interativas no ato de cuidar constituem espaço propício para a constituição psíquica e o desenvolvimento global do bebê.
Assim, ressalta-se a importância da dimensão dialógica e relacional do cuidado para a experiência subjetiva do infante, com ênfase na abordagem de Emmi Pikler (2004, 2006) e nas noções de sustentação e mutualidade, elaboradas por Winnicott (1994) às quais se acrescenta o conceito de continente, proposto por Bion (1971).
As ideias aqui apresentadas se distanciam da concepção de desenvolvimento humano marcado por etapas ou estágios, segundo o enfoque "biológico-evolucionista" que destaca a dimensão maturacional do sujeito, e o "pedagógico-normativo" que exalta o processo de socialização. Este último está vinculado à abordagem teórico-conceitual da psicologia do desenvolvimento da infância e da adolescência em seus aspectos cognitivos, afetivo-emocionais e psicomotores. É importante lembrar que por meio do saber psicológico, a pedagogia legitimou suas ações, defendendo a evolução progressiva do desenvolvimento humano em etapas fragmentadas. Dentro dessa visão, a infância é concebida como um tempo de estabilidade e de maturação do desenvolvimento humano, negando-se as mudanças e as instabilidades que lhes são próprias.
Este texto se organiza da seguinte forma: (1) apresentação da infância como uma construção social; (2) apresentação do bebê como um ser com competências e capacidade de trocas interativas; (3) invenção do feto como pessoa; (4) e algumas propostas do cuidado "suficientemente bom" na primeira infância.
A construção social da infância
As concepções atribuídas ao tempo da infância ao longo da história da humanidade (tempo de passagem, efêmera, imatura, incompleta, imperfeita, inacabada, entre outras) foram produzidas em meio às representações e aos desejos dos adultos sobre a criança, num dado momento sociocultural. Como lembra Jobim e Souza (1996) "cada sujeito social, leigo ou profissional, participa na constituição do saber psicológico que será tomado como padrão normativo do desenvolvimento humano" (p. 41). Ou seja, a cada tempo histórico se produz um tipo de concepção da infância.
Até meados da década de 40 do século passado, as crenças mais ou menos fundamentadas cientificamente afirmavam categoricamente que o ser humano nascia como uma página em branco em termos de emoções, temperamento e preferências; que suas experiências teriam pouco significado para sua vida futura pela ausência de memória. E a criança seria um ser a-social, que aprenderia os sentimentos humanos - amor, culpa e ódio - por meio das associações elaboradas no curso de seu desenvolvimento (BORTOLETTO-DUNKER; LORDELO, 1993). Acreditava-se que a infância determinava a vida adulta e seu vínculo com o cuidador primário (geralmente a mãe) era tido como sinal de dependência, devendo ser combatido por não ter funcionalidade para a vida adulta.
Com base em tais crenças, os profissionais de saúde acreditavam que os bebês não podiam ver, ouvir e se comunicar, sendo o mundo exterior confundido com o seu próprio corpo; seus movimentos eram vistos como aleatórios ou produtos de reflexos desorganizados; e o recém-nascido, assim como o bebê, era considerado organismo basicamente deficiente, incompleto e relativamente incompetente e inadequado (THOMAN, 1979).
O interesse pelo início da vida e o reconhecimento da vida psíquica do feto transformou significativamente o modo de ver e compreender o recém-nascido nos últimos anos. No atual momento histórico, consegue-se ter um olhar especializado sobre o bebê e seu entorno, no qual a passividade não faz mais sentido. O bebê de hoje é o bebê das trocas intersubjetivas desde o nascimento. Para isso, foram importantes as considerações da etologia, da neurociência e da psicanálise sobre a importância desse período de vida, que contribuíram para deslocar o interesse dos estudos para o bebê em si. Essa mudança de perspectiva, aparentemente sutil, teve implicações profundas no modo de ver os fenômenos da infância (BORTOLETTO-DUNKER; LORDELO, 1993). Esse momento inicial da vida humana passou a ser considerado importante em si mesmo.
Diversos autores, na atualidade, concordam que desde o nascimento a criança é motivada a agir e a perceber o mundo extrauterino e a engajar-se em estilos interativos de comunicação (TREVARTHEN, 2001; STERN, 1992; ROCHAT, 2001; BERMUDEZ, 1995; BRACONNIER, 1995). Muitos estudos mostram a necessidade de um ambiente favorável a trocas afetivas com o bebê para que seu potencial inato de relacionar-se possa se desenvolver, favorecendo a construção do sentido de eu (self) (STERN, 2004; ZORNIG, 2010).
Nessa perspectiva, a criança passa a ser vista como um ser social inteiro e membro de determinado contexto histórico e cultural (JOBIM e SOUZA, 1996), deixando para trás uma história de desqualificação e fragmentação da infância em áreas ou setores do desenvolvimento (cognitivo, afetivo, motor, social, linguístico).
O bebê como um ser com competências e capacidade de trocas interativas
Os estudos científicos atuais têm avançado no conhecimento das capacidades e habilidades do bebê, particularmente do recém-nascido. Novas descobertas contemplam, de um lado, os campos sensorial, perceptivo e afetivo, ressaltando a complexidade e a organização do bebê; de outro, dão ênfase a sua capacidade para construção de trocas interativas e relações sociais.
Evidências nos campos sensorial, perceptivo e afetivo - Com base em pesquisas desenvolvidas por Als (1982, 2009), Brazelton (1992), Rochat, (2003); Spitz (1979), Stern, (1992); Trevarthen (2001), Tronick (1975), entre outros, aprende-se que o bebê, desde algumas horas após o nascimento, enxerga e apresenta preferências com relação a alguns objetos, por exemplo, em relação a um esquema da face, traços dos olhos, nariz e boca. Essas descobertas levam a concluir que existe um impacto do infante sobre o mundo e que nele há capacidade inata para relacionar-se e interagir. As pesquisas também apontam para a relevância de "um meio ambiente afetivo e sensível às necessidades do bebê para que seu potencial inato se atualize e se desenvolva" (ZORNIG, 2010, p. 16).
Outro aspecto que chama atenção nos estudos atuais é a descoberta da capacidade de inspeção visual do bebê, primeiramente orientada para os contornos da figura e em seguida para os detalhes. Diferentes pesquisadores como Field (1984), Masi (1983) e Klaus & Klaus (1989) entre outros, concluíram que o bebê humano é capaz de guardar padrões visuais por períodos de tempo, demonstrando habilidade de memorização.
Quanto à audição, evidências apontam que seu início ocorre no período intrauterino, podendo, já nessa fase, discriminar os diversos atributos do som como: intensidade, altura, familiaridade e direção (BORTOLETTO-DUNKER; LORDELO, 1993). Sabe-se que ao nascer o bebê dá primazia à voz humana, priorizando a feminina e, em particular, a da própria mãe. Depois de algum tempo, preferirá a voz de seu pai à de um estranho. Também esses autores registraram a presença de alguns outros sentidos já no nascimento, como o tato, o olfato e o paladar.
Sensível ao contato físico, o bebê pode conseguir se regular sobre seus estados de alerta e inquietação quando tocado. Observa-se que ele reage a diferenças de textura, umidade, temperatura, pressão e a estímulos dolorosos. Apresenta preferência por determinados odores e sabores - em geral os adocicados - com respostas de expressões faciais de prazer e desprazer. Porém, sabe-se que tais escolhas não são iguais para todos, evidenciando precoces estilos individuais. Esses estilos são observados, sobretudo, nas habilidades interativas do bebê, quando ele apresenta ao mundo um repertório de comportamentos que possibilita trocas sociais com ele. Isso acontece porque o bebê tem a capacidade inata de modular o tipo de interação no qual se encontra, como "perceber e organizar as sensações, diferenciando-se de seu entorno precocemente, mesmo que o acesso à intersubjetividade seja feito de forma gradual e dependa da qualidade de suas interações afetivas" (ZORNIG, 2010, p. 144). A habilidade de discriminar diferentes expressões faciais de emoções básicas, como alegria, surpresa e tristeza, vai se tornando mais complexa à medida que o bebê se desenvolve. Aos três meses ele é capaz de perceber diferentes intensidades de sorriso mesmo que numa mesma expressão facial. Além disso, o bebê tem a capacidade de imitar as expressões faciais desde o nascimento, o que acontece por efeito dos neurônios-espelhos. Esse tipo de neurônio, descoberto por cientistas italianos na Universidade de Parma em meados da década de 1990, permite o que chamaram de empatia e imitação no bebê (MAGNO, 2007). Assim, ele aprende a sorrir, a conversar, a caminhar e a dançar. O espelhamento não depende obrigatoriamente da memória, diz Ferrari et al (2003). Por exemplo, ao mostrar a língua para um bebê recém-nascido, ele poderá reproduzir o gesto.
Evidências sobre as funções comunicativas do bebê - Em oposição àquilo que se acreditou por muito tempo, o bebê contemporâneo engaja-se em trocas emocionais significativas com seus cuidadores. Filmagens caseiras da interação mãe-bebê demonstram que o ritmo de movimento dele corresponde ao ritmo empregado pela fala da mãe (ou cuidador). E ela, por sua vez, ajusta sua fala em tom, altura e ritmo às respostas do bebê, demonstrando sintonia afetiva. Desta dinâmica fazem parte as ações, os afetos, as sensações, as percepções, os pensamentos, as motivações e os elementos contextuais, integrantes de qualquer experiência relacional (STERN, 1995).
Diversos autores (BRACONNIER, 1995; BERMUDEZ, 1995; ROCHAT, 2001; STERN, 1992; TREVARTHEN, 2001) têm desenvolvido trabalhos nessa direção, consolidando a tese da importância de um meio ambiente afetivo e sensível às necessidades do bebê para que seu potencial inato se atualize e se desenvolva. Evidenciam, também, que carências e dificuldades nas interações afetivas iniciais podem comprometer a construção da subjetividade na primeira infância.
A partir desse entendimento, a qualidade da presença afetiva do cuidador torna-se o eixo primordial para a construção da subjetividade do bebê. E quando não há essa presença disponível ainda nas primeiras semanas de vida, observa-se enorme vazio afetivo no recém-nascido (GREEN, 1988), sob a forma de desamparo, de temor de sucumbir e de identificação com a morte, o que costuma resultar em angústia somática.
No sentido exposto, são de grande relevância os estudos de psicanálise e psiquiatria infantil desenvolvidos por René Spitz (1979) com crianças de até 12 meses institucionalizadas em hospitais ou orfanatos. O autor evidenciou que, privados da presença da mãe, os bebês apresentavam perturbações somáticas e psíquicas como resultado da ausência dos cuidados maternos, administrados de forma anônima e sem laços afetivos. Mesmo quando assegurados os cuidados físicos e as condições básicas de higiene e alimentação, a carência emocional pela falta de uma relação personalizada ficava evidente. O autor conclui ressaltando a necessidade de laços e contatos afetivos entre o bebê e o adulto cuidador, mostrando que sua ausência pode conduzir a perturbações no desenvolvimento emocional e comportamental. Posteriormente, no início dos anos 1990, crianças comprometidas em seu desenvolvimento físico e emocional foram encontradas nos lotados orfanatos na Romênia, confirmando as afirmações de Spitz (1979) sobre a deficiência adquirida depois de privações severas. Verificou-se nessas instituições que a maior parte das crianças com dois e três anos não conseguiam andar ou falar, apresentavam comportamento passivo e não manifestavam emoções.
Assim como Spitz, Winnicott (1978) reconhece o sofrimento psíquico precoce quando o ambiente não é suficientemente bom, ou seja, quando não há provisão de cuidados físicos e emocionais necessários ao bebê desde o nascimento. Essa concepção evidencia a existência de uma estrutura mental bastante complexa mesmo no bebê recém-nascido, diferenciada da psicologia do adulto, ou mesmo da criança pequena. A psicologia do tempo inicial, ao dizer sobre o bebê, descreve uma relação psicossomática estabelecida através da elaboração imaginativa das funções corpóreas, dos instintos, das sensações e dos sentimentos (LOPARIC, 2001).
Ainda dentro da perspectiva comunicacional e interativa, alguns outros autores como Vygotsky (1995) e Wallon (1968) destacam que as condições genéticas da criança e a materialidade concreta do contexto histórico-cultural se influenciam mutuamente, dando ênfase ao papel ativo do infante em suas interações, movimentos e transformação. Vygotsky (1995) introduz, na história do pensamento psicológico, a análise do processo de transformação do ser biológico em ser cultural, mostrando que, ao nascer, o bebê é enredado numa multiplicidade de relações sociais, e sua dimensão orgânica é impregnada pela cultura e pela história.
O pensamento de Vygotsky (1995) e de Wallon (1968) dialoga criticamente com a proposta etológica de Bowlby (1990) e de Harlow (1965) que delinearam uma teoria do vínculo mostrando a necessidade que o bebê tem de se ligar a um membro da mesma espécie para sobreviver, o que seria tão importante para ele quanto a necessidade de se alimentar. Nesse sentido, a etologia contribui para a reflexão sobre a comunicação cuidador-bebê. Mas seus pressupostos reduzem o comportamento humano a modelos animais. Como referem Wallon (1968) e Vygotsky (1995), existe uma natureza biológica da sociabilidade que se compreende a partir do processo de sua conversão em funções simbólicas, de forma interativa: as funções culturais exigem o suporte biológico para se constituírem em funções da pessoa.
Dentro da mesma orientação, Trevarthen (2001) realizou análises minuciosas de registros em vídeo de díades mãe-bebê, observando que os recém-nascidos apresentam comportamentos coerentes, manifestando movimentos expressivos de boca, mãos e olhos com ritmos específicos e em sintonia com a fala materna. As trocas sociais se estabelecem, segundo Trevarthen (2001), em dois momentos distintos: no primeiro, envolve o reconhecimento e a coordenação de intenções em reciprocidade de afeto com a mãe; no segundo, por volta dos oito e nove meses, enreda a coordenação da atenção e da intenção em trocas triádicas (mãe-bebê-objeto). Para que o adulto entre em sintonia afetiva e efetiva com o bebê, ressalta o autor, é necessário que se identifique com ele e, assim, possa traduzir e decodificar suas necessidades. Ao mesmo tempo é preciso que o bebê se envolva em sintonia responsiva com o cuidador, engajando-se emocionalmente com ele.
Tanto as pesquisas sobre as interações sensoriais como as que se referem à comunicação afetiva e de vínculo, apresentam um bebê ativo, receptivo e sociável. Ele sorri desde que nasce e mobiliza o meio que o circunda, afetando o outro para atender a suas necessidades primordiais, sem o que, não sobreviveria.
Desta forma, ficaram superadas as visões - que, no entanto, ainda subsistem e apoiam ações pedagógicas - que atribuem papel central a fatores biológicos, hereditários ou de maturação, tais como as propostas por Binet & Simon (1929) e Gesell (1992); e a fatores externos relacionados ao ambiente e à aprendizagem tais como enunciados por Skinner (1989). Na concepção desses estudiosos, a hipótese era de que os vínculos entre os humanos se desenvolviam para satisfazer certos impulsos, como o de alimentação na infância e de sexo na vida adulta. A ligação da criança com a mãe era então, entendida como fonte de satisfações fisiológicas.
A invenção do feto como pessoa: um cuidado a mais
O bebê do século XXI percebido como um ser ativo e interativo desde o ventre materno (PIONTELLI, 1995), ganhou status e atribuições de pessoa, personalidade e direitos ainda intraútero. A transformação no modo de ver e entender o feto e o bebê foi favorecida pela tecnologia de imagem médica, especificamente do ultrassom obstétrico. Com essa tecnologia materializa-se o feto como um bebê ativo, reativo e que pode ser interpretado (CHAZAN, 2007). Através das imagens projetadas na tela do monitor, o feto-bebê é antecipado no discurso parental e da equipe médica que lhe atribuem sentimentos, intenções e emoções. Desse modo, o nascimento virtual acontece, e o dentro-fora se torna indistinguível. Não há dúvidas sobre o feto-bebê do qual se fala e que se visualiza no monitor. A sala de ultrassom torna-se um lugar de interação com o feto e de constatação de que a vida intrauterina não é tão calma e tranquila, pois esse ser em gestação atua em seu meio.
Assim, o feto e o bebê passaram a ganhar espaço em diferentes discursos também fora da família. Estudiosos hoje se debruçam em pesquisas sobre o momento da gestação e sobre as relações e os efeitos das trocas nesse estágio de desenvolvimento da vida humana do ponto de vista físico, cognitivo e emocional. Aos poucos se compartilham entendimentos construídos pelos especialistas, aprende-se a usar o discurso científico para se falar sobre o bebê e, particularmente, ressalta-se a importância da estimulação precoce desde a vida intrauterina. A gestação humana também ganha espaço no discurso jurídico, - particularmente quando se discute o aborto e as anomalias - da bioética, da psicologia, da educação, da política, da mídia e do senso comum (MELO, 2001; DINIZ, 2003; CRM-Brasília, 2004; BRASIL, 2004, 2005; ATLAN, 2006; CHAZAN, 2007; PERELSON, 2013).
Conclui-se, portanto, que os estudos e pesquisas têm consequências e efeitos, interferindo no comportamento dos pais, dos cuidadores e dos bebês ao modelar formas de ser, de agir e criando novos sentidos e realidades. Como lembra Latour (2000) "a construção de fatos (como se desenvolve um bebê, como melhor cuidar, as competências e capacidades do infante evidentes desde a vida intrauterina) e máquinas (no caso o ultrassom obstétrico) é um processo coletivo" (p. 53). Esse fenômeno constitui uma situação histórica na qual elementos humanos (feto, bebê, cuidador, profissionais e outros) e não humanos (ultrassom obstétrico, técnicas de reprodução assistida, brinquedos para o desenvolvimento dos bebês e outros) estão presentes de forma mutuamente potencializadora e dinâmica.
É por isso que autores como Atlan (2006), Jonas (2006) e Latour (2008) nos lembram que, na atualidade, quando diferentes formas de conceber e criar filhos são particularmente atravessadas por técnicas e tecnologias, o valor social do cuidado precisa se fortalecer (ATLAN, 2006) como uma demanda sócio-histórica coletiva.
Algumas propostas de "cuidado suficientemente bom" na primeira infância
Estudos contemporâneos de Winnicott (1978), Bowlby (1990), Stern (1992), Braconnier (1998), Rochat (2001), Trevarthen (2001), Golse (2004), Guerra ([2000?]), Vincze (2006), Zornig, (2010) não deixam dúvidas sobre a relevância das trocas afetivas como foco dos cuidados na primeira infância.
Neste item, apresentam-se algumas experiências concretas fundamentadas em modelos de cuidado interativo-afetivos dentre os quais serão comentados os de Hedelise Als conhecido como Newborn Individualized Developmental Care and Assessment Program (NIDCAP) (1982, 2009); o Método Canguru (BRASIL, 2013) e o Emmi Pikler (2016).
NIDCAP - Als (1982, 2009) tratou do ambiente adverso às necessidades do recém-nascido prematuro e criou um programa de intervenção, o NIDCAP (Newborn Individualized Developmental Care and Assessment Program) que visa a prevenir danos e a melhorar o desenvolvimento neuropsicomotor dos bebês pré-termo. Esse programa enfatiza uma intervenção multidisciplinar, ainda no ambiente de UTI neonatal, com a utilização de cuidados e manuseios voltados para o desenvolvimento.
O NIDCAP envolve a observação detalhada e documentada da linguagem comportamental do bebê, por meio de cinco subsistemas de desenvolvimento: o sistema nervoso autônomo, o sistema motor, o sistema de estados de consciência, o sistema de atenção e interação e o sistema regulador. A teoria de Als (1982, 2009) é chamada de síncrono-ativa porque considera que durante cada estágio do desenvolvimento, o funcionamento desses sistemas é independente e, ao mesmo tempo, eles interagem entre si e negociando com o ambiente o uso da energia do bebê (SILVA, 1995; SILVA; DESSEN, 2005). Um dos objetivos desse modelo de intervenção é assegurar à família a continuidade do seu lugar como cuidadora primária do bebê, fortalecendo-a em seus papéis de competência e segurança.
Método Canguru - No Brasil, criou-se um novo paradigma em neonatologia denominado Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso ou "Método Canguru" (MC) (BRASIL, 2013). Por meio desse modelo, é oferecido atendimento individualizado ao bebê por meio da observação do seu estado comportamental e da redução dos estímulos ambientais e dolorosos, visando a se obter qualidade neurológica, nutricional e psicoafetiva. O método prioriza, também, o acolhimento aos familiares que passam a ter acesso livre à unidade neonatal e são acompanhados pelos cuidados de uma equipe interdisciplinar durante a internação do bebê.
Esse método foi idealizado em Bogotá na Colômbia no ano de 1979. O objetivo era solucionar a superlotação das unidades neonatais nas quais muitas vezes se encontravam dois ou mais recém-nascidos em uma mesma incubadora (CHARPAK, 1999; BRASIL, 2013). A experiência permitiu reduzir os custos da assistência perinatal e promover, "por meio do contato precoce pele a pele entre a mãe (ou outro cuidador primário) e o seu bebê, maior vínculo afetivo, maior estabilidade térmica e melhor desenvolvimento" (BRASIL, 2013, p. 7). Rapidamente foram se substituindo "máquina e especialista" pelo "humano e familiar" e apareceram os benefícios do método, como alta hospitalar precoce substituída por acompanhamento ambulatorial.
Unidades neonatais que adotaram o método Canguru relatam que as necessidades essenciais do pré-termo puderam ser contempladas na sua integralidade, promovendo a superação das dificuldades biológicas e dos diferentes graus de imaturidade, por meio do laço psicoafetivo com o cuidador primário. No entanto, não é trivial seguir o método, na medida em que ele exige disponibilidade daquele que ficará com o bebê preso ao seu corpo.
Método Pikler - Outra experiência referencial no cuidado na primeira infância é a proposta da médica húngara Emmi Pikler (2016). Para Pikler (2016), a criança é uma pessoa em desenvolvimento constante e, ao mesmo tempo, uma pessoa completa em cada momento da vida. Sua abordagem foi desenvolvida nos anos 1940, partindo de uma experiência prática no Hospital Universitário de Viena, onde se licenciou como médica pediatra.
Uma das experiências profissionais marcantes de Pikler aconteceu no serviço de cirurgia de um hospital universitário de Viena, quando teve a oportunidade de atender crianças tanto do bairro operário vizinho ao hospital em que elas brincavam livres nas ruas, como crianças de bairros ricos da cidade, disciplinadas e superprotegidas. Nessa ocasião, ela comparou as duas realidades sociais e constatou que a criança que se move com liberdade e sem restrições é mais prudente, machuca-se menos e aprende a maneira melhor de cair. Já a criança superprotegida não entra em contato com as suas capacidades e seus limites (FALK, 2004). Pikler convenceu-se de que o bebê não precisa efetivamente da intervenção direta do adulto para avançar no seu desenvolvimento. Adotou esse princípio na criação do filho, respeitando seu ritmo individual, garantindo-lhe autonomia e movimentos livres. Para isso, selecionou roupas que lhe permitissem explorar o espaço, e favorecessem a experiência do brincar, dando-lhe afeto e possibilitando-lhe o conhecimento do mundo até os limites de sua possibilidade.
Foi a partir de 1946, no entanto, que Pikler passou a consolidar um método ativo de tratamento infantil, a partir do desafio de organizar e dirigir um orfanato em Budapeste, na Hungria. Essa foi a oportunidade de desenvolver sua proposta de trabalho atuando com os bebês e as crianças pequenas em condições totalmente desfavoráveis. Começou por reformar o sistema operacional da instituição, que contava com uma equipe de cuidadoras cuja principal função era arrumar as roupas e os aposentos das crianças. Despediu o pessoal antigo e contratou uma equipe disposta a aprender uma nova forma de cuidar e de se relacionar com os bebês e as crianças pequenas. Focou seus ensinamentos na importância de se compreender a criança, olhando a expressão de seu rosto e de seu corpo, de seus gestos, de sua voz, e dedicando tempo suficiente para atendê-la e satisfazer suas necessidades individuais (FALK, 2004).
Pikler tinha por mote diminuir ou mesmo erradicar os fatores de carência da vida de crianças que, por qualquer razão, não puderam ser criadas pelas famílias e haviam sido confiadas à instituição. Por isso, seu método atua ao mesmo tempo no cuidado com a saúde física, no respeito à individualidade, na relação interativa entre cuidador e criança e no desenvolvimento da autonomia pelo livre brincar. No percurso do cuidado, os sentimentos de confiança e segurança e as experiências positivas são destacados, favorecendo as necessidades primordiais infantis. No tempo das trocas interativas adulto-criança estão presentes, ao mesmo tempo, no incentivo à autonomia e na relação de intimidade, fazendo crescer o sentimento de segurança e o desejo de explorar o mundo. Pikler ressaltou que não pretendia reproduzir a relação maternal, mas, seu método é o oposto do que há de conservador nas instituições tradicionais de acolhimento.
Em resumo, O NIDCAP, o Método Canguru e o Método Pikler ressaltam, cada um a seu modo, a importância da qualidade do cuidado, os aspectos afetivos e intersubjetivos da relação, e o reconhecimento do bebê e do cuidador como seres sócio-históricos, ativos, interativos e singulares.
Além disso, destacamos alguns possíveis impasses, quando compreendemos que a dinâmica diária desses métodos é complexa e desafiadora para o profissional, pois ele precisará transformar aquilo que foi estudado e pensado, em ato. Para isso, necessitará ajustar a realidade laboral, da qual faz parte, ao que foi sugerido pelo método, podendo ou não ser interpretado e tomado pela instituição ou pelo profissional, ou por ambos, como um método que possibilita um ato criador daquele que o adota. Quando não é possível criar, o profissional utiliza o método de modo a ficar assujeitado e engessado em suas regras. Nesse sentido, as dimensões subjetivas e intersubjetivas, conscientes e inconscientes, individuais e coletivas estão implicadas nesse processo nada trivial.
Discussão
Nem sempre a infância foi cuidada, protegida e produziu afetividade no adulto. Ao contrário, historicamente, ela foi impedida em seu desenvolvimento ou apressada a amadurecer (ARIÈS, 1978). É na modernidade que a criança passa a ter destaque e a produzir demandas por especialistas capazes de ensinar pais, avós e babás a cuidá-las. Essa necessidade, que coincide com a valorização social da infância, levou à busca por modelos capazes de garantir a saúde mental das crianças, como se houvesse uma espécie de causalidade entre o estilo de cuidado correto e o produto final (o bebê saudável).
As propostas aqui apresentadas são críticas da filosofia das ditas instituições de acolhimento que desde o início do século XX se preocuparam mais em assegurar condições técnicas de higiene para reduzir as elevadas taxas de mortalidade e de doenças infectocontagiosas, mas não deram atenção às necessidades socioafetivas das crianças que abrigaram. A ciência hoje permite dizer que práticas que não respeitam e não favorecem as condições de subjetivação e de acolhimento aos bebês e àqueles que deles cuidam, comprometem a qualidade do saudável crescimento e do desenvolvimento.
As posturas propostas neste texto consideram que, na primeira infância, o cuidado se estabelece por meio das trocas afetivas. Antes de aprender a falar, o bebê se comunica seja sorrindo, seja olhando, estendendo os braços; ele vem a ser como resposta à doce interpelação que o cuidador lhe faz: ele reclama sua presença viva e interativa. Nesse espaço, o cuidador é uma peça fundamental do sistema adulto-bebê que, para ser harmônico e afetivo, depende da participação de ambos. Nesta perspectiva, espera-se do cuidador o exercício das funções de sustentação e de contenção com o seu objeto de cuidado, podendo favorecer uma experiência de integração do eu e da continuidade do ser.
Por causa de seu papel tão especial, o cuidador - seja ele o pai, a mãe, ou o profissional de saúde e de assistência - necessita identificar-se com o lugar que ocupa e ter uma rede que sustente a continuidade de seus cuidados e lhe garanta a qualidade da interação afetiva com o bebê (ZORNIG, 2010). No entanto, embora todos precisem ser atendidos em suas necessidades, há diferenças cruciais a serem observadas no cuidado oferecido por profissionais de saúde, psicólogos e assistentes sociais e pelos pais. Vincze (2003) e Aragão (2012) ressaltam que eles se posicionam cada um no extremo da cadeia interativa. Falk & David (1998) realçam essas diferenças dizendo que a mãe cuida de seu filho porque o ama, enquanto o cuidador profissional ama o bebê porque cuida dele. No último caso, o cuidado é o eixo principal e, na relação materna, o sentimento é que motiva o cuidado. Porém, independente da ponta da cadeia interativa onde a pessoa que cuida se posiciona, para que ela construa uma relação profícua e respeitosa, precisa reconhecer o bebê como um ser ativo, social, interativo e inserido numa cultura da qual é parte, influenciando-a e sendo influenciado por ela. Essa postura convoca o bebê e possibilita seu despertar como humano: relacionando-se, ele aprende a relacionar-se, sendo cuidado pelo outro, aprende a cuidar-se.
Contudo, o ato de cuidar não é simples, pois como ressalta Figueiredo (2007), o cuidador precisa renunciar "à sua onipotência e à aceitação de sua própria dependência" (p. 21) para oferecer ao objeto de cuidado um espaço onde ele possa construir seu mundo de acordo com suas potencialidades. Mas, essa relação orgânica, ao mesmo tempo, exige do adulto certa competência para traduzir e decodificar as necessidades afetivas do bebê. Sua intervenção na relação deve equilibrar-se entre uma presença implicada (acolher, reconhecer e interpelar) e uma presença reservada (dar tempo e espaço, esperar, manter-se disponível sem intromissões excessivas), sem cair na indiferença ou no excesso de envolvimento.
Portanto, é preciso investir na formação do cuidador, oferecendo-lhe um espaço narrativo facilitador de interações afetivas e de competências. Como lembra Figueiredo (2007), o cuidador precisa acreditar que não só ele sabe cuidar, mas seu objeto de cuidado pode exercer também funções cuidadoras sobre ele, o que significa o reconhecimento do bebê como um ser interativo. Na verdade, esse equilíbrio dinâmico não é ensinado em nenhum manual, pois é preciso que haja introjeção criativa das funções cuidadoras (FIGUEIREDO, 2007) e isso também não se aprende nem por receita nem por imitação: é fruto de uma construção intersubjetiva e afetiva.
Palavras finais
Com este trabalho, pretende-se contribuir para o avanço das discussões a respeito dos modos de cuidado na primeira infância. Para isso, propõe uma forma de abordagem compreensiva e relacional das questões que envolvem os modos de cuidado ofertados ao bebê e ao cuidador. Tal proposta se fundamenta em autores que desconstroem as concepções racionalistas de desqualificação e fragmentação da criança em áreas ou setores do desenvolvimento (cognitivo, afetivo, motor, social, linguístico) e não a veem como um ser social inteiro e membro de determinado contexto histórico e cultural.
Nas reflexões apresentadas, há um convite a todos os que exercem o cuidado infantil a se implicarem na construção inventiva do exercício das funções cuidadoras, considerando as trocas afetivas, portanto, intersubjetivas e coletivas, de se afetar e ser afetado, como fundamentais para a constituição do humano. Nesse sentido, a relação intersubjetiva constitui uma possibilidade de desenvolvimento da capacidade de empatia por parte de quem cuida.
No texto, adota-se um enfoque que caminha simultaneamente em duas direções. A primeira visa a redefinir a questão da temporalidade nas interações afetivas cuidador-bebê, para que se possa acompanhar seu ritmo e respeitar suas necessidades vitais e afetivas, favorecendo a experiência de continuidade. Nesse sentido, entende-se o tempo das interações como um tempo sem muitas rupturas e medida, quase totalmente marcado pelos ritmos físicos e psicológicos do bebê. Essa visão vai à contramão do racionalismo que despreza totalmente o tempo de cada um. A segunda orientação compreende o caráter de sujeito social, histórico e cultural tanto do cuidador como da criança.
Ressalta-se também que o cuidado nas duas direções pode ser aprendido por meio do questionamento das práticas tradicionais e da experimentação do enfoque interativo, relacional e de coconstrução da subjetividade. Nesse sentido, os espaços de troca e de aprendizado são fundamentais, pois o cuidado suficientemente bom só pode ser produzido numa dinâmica reflexiva, coletiva e referida aos contextos socioculturais onde se processam.
Diante desta perspectiva, compreende-se que a forma final de um entendimento sobre o que sejam o cuidado e a infância diz respeito a uma produção coletiva de uma dada organização social e temporal. Coube à geração contemporânea reconhecer o feto e o bebê não mais como papel em branco, passivo, mas como um ser ativo, interativo e competente, receptivo ao outro e pronto para ser cuidado. Um cuidado que exigirá do adulto algumas qualidades, tais como: capacidade de empatia, de manter trocas interativas, e de atender às necessidades físicas e emocionais do objeto de cuidado.
Em resumo, o bebê da atualidade convida o cuidador a ter tempo para ele, para trocar olhares, para tocá-lo e para conversar com ele. Desta forma, ele ensina ao adulto a importância da interação e do compartilhamento, assim como a esquecer-se da urgência e da eficiência racionalista.
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Artigo recebido em: 17/04/2019
Aprovado para publicação em: 03/02/2020
Endereço para correspondência
Solange Frid Patricio
E-mail: solange.frid@gmail.com
Maria Cecília de Souza Minayo
E-mail: cecilia@claves.fiocruz.br
*Psicanalista. Mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Especialista em Filosofia Moderna e Contemporânea. Doutora em Saúde da Criança e da Mulher no Instituto Fernandes Figueira (IFF/FIOCRUZ). Pós-doutoranda em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ). Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
**Mestre em Antropologia Social. Doutora em Saúde Pública. Pesquisadora titular da FIOCRUZ, pesquisadora 1A do CNPq, pesquisadora emérita da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). Rio de Janeiro, RJ, Brasil.